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O novo padrão contábil exilado

25/07/2009 às 00:00
Leia nesta página:

Uma das primeiras lições da psicanálise é que se você quiser descobrir segredos, preste atenção nas coisas pequenas, aquelas coisas que ninguém nota. É nelas que se revelam os segredos.

Na Semiótica (a ciência dos signos) se estuda os fenômenos da representação, não estando limitado às representações verbais, aquelas vertidas em palavras, mas rigorosamente qualquer tipo de representação, inclusive a linguagem impressa.

As leis são signos, enquanto linguagem impressa. A interpretação (seus segredos; ah! seus segredos...) de tais textos produz uma miríade de efeitos, sendo que a idéia que produzimos em nossa mente em decorrência da compreensão dessa linguagem é denominada "norma jurídica".

A lei, impressa num papel, não é norma jurídica.

Da lei, é necessário descobrir seus segredos, prestar atenção nos seus pequenos detalhes, enfim, revelar seus segredos. Adiante, aí sim, temos a "norma jurídica".

A interpretação, por certo, pressupõe o trabalho penoso de enfrentar o percurso gerador de sentido, fazendo com que o texto frio da lei possa dialogar com outros textos, no caminho da intertextualidade.

O leitor incauto ou aquele intérprete aferrado ao ligeiro e superficial exame da tessitura gráfica dos textos jurídicos ficará atônito diante de algo que jamais imaginara: o art. 3º da Lei nº 11.638/07 é a fonte material a afirmar que não se aplica o urdido Novo Padrão Contábil – NPC a todas as sociedades.

Explico!

Li o art. 3º ao contrário, ou melhor, andei com ele na direção contrária, na direção oposta em que todos andam.

Sabe-se, entretanto, que os que andam na direção contrária são aqueles que dizem o que não se pode adivinhar e que não era previsto. Seus pensamentos e suas palavras são sempre um susto, uma surpresa, um lúpus freudiano. Estes são os hereges, os poetas, os místicos, os visionários, os palhaços, os profetas, os loucos, as crianças (antes de terem sido normatizadas pelas escolas...).

Foi assim, nesse tempo Mandeano, que reli o caput do referido artigo 3º, assim ementado: "aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários".

Como se vê, a inserção deste dispositivo no direito positivo trouxe, de forma (quase que) incontestável, que todas as sociedades LTDA de grande porte estão obrigadas a cumprir as prescrições da Lei das S/A e, por conseqüência direta, aquele frágil NPC.

De fato, o art. 3º determina que seja aplicado o NPC a todas as sociedades de grande porte, LTDA ou SA.

Até aqui, portanto, nenhuma novidade!

Ocorre que se o dispositivo manda aplicar o tíbio NPC às sociedades de grande porte LTDA é porque elas não estão dentro do âmbito da Lei das S/A. Não pertencem a este comando normativo.

Se o NPC fosse aplicado a todas as sociedades, como quer ato administrativo do CFC, o art. 3º da Lei nº 11.638/07 não precisaria mandar aplicar às sociedades de grande porte LTDA as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Convém não olhar com menosprezo.

Se todas as sociedades estivessem obrigadas a se submeter ao NPC, qual seria a finalidade do art. 3º? Pra que mandar aplicar algo que já é obrigatório? Reaplicar o aplicável?

O sentido que mais se ajusta ao dispositivo é que, se mandou aplicar o NPC às sociedades de grande porte LTDA é porque elas não estão dentro do âmbito deste NPC. Com base neste dispositivo legal, refiro-me ao art. 3º, estas ficam obrigadas a seguir a Lei das S/A, mas somente estas, as sociedades de grande porte LTDA.

Essa é a essência do art. 3º.

Com tal interpretação, daremos sentido pleno ao art. 3º, prestigiando as tão faladas normas gerais de direito.

Neste ponto, é preciso insistir que as palavras não carregam nelas mesmas um determinado conteúdo. A função de um signo não é transmitir significado. A rigor, sua função é evocar no interlocutor um conteúdo significativo.

Noutras palavras, o segredo revelado do art. 3º da Lei nº 11.638/07 é de que ele afirma que não se aplica o indolente NPC a todas as sociedades LTDA, exceto aquelas de grande porte.

Faço minhas as palavras do laureado mestre A. Lopes de Sá, para quem apenas 0,01% das sociedades brasileiras estão obrigadas a seguir o NPC.

No crepúsculo, quando as linhas finais se aproximam, vale as observações do brilhante mestre Rubem Alves: "O caminho da ciência e dos saberes é o caminho da multiplicidade. Não há fim para as coisas que podem ser conhecidas e sabidas. O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma. Não há saber diante do qual o coração possa dizer: ‘cheguei, finalmente, ao lar’. Saberes não são lar. São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa."

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Sobre o autor
Marcelo Henrique da Silva

advogado do Escritório Business Consultoria, em Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Henrique. O novo padrão contábil exilado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2215, 25 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13216. Acesso em: 27 nov. 2024.

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