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A responsabilidade civil do tabelião e do registrador

09/08/2009 às 00:00

Resumo:


  • A responsabilidade civil dos tabeliães e registradores é norteada pelos requisitos da conduta, nexo de causalidade, dano e culpa em sentido amplo.

  • A serventia não é uma pessoa jurídica, sendo o próprio particular, para o qual foi conferida a delegação, o responsável pela prestação do serviço.

  • Existe uma controvérsia sobre a responsabilidade subjetiva ou objetiva dos tabeliães e registradores, sendo a maioria das decisões jurisprudenciais favoráveis à responsabilidade subjetiva.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A responsabilidade civil se configura quando presentes quatro requisitos: a conduta; o nexo de causalidade; o dano; e a culpa em sentido amplo. Este último pode ser dispensado quando expressamente previsto em lei ou nos casos de atividade de risco, entendido este como proveito.

Os tabeliães e os registradores têm sua responsabilidade norteada pelos requisitos acima descritos. No entanto, devemos verificar a prescindibilidade do elemento dolo ou culpa para configurar seu dever de indenizar, tema muito controvertido na doutrina e jurisprudência pátria.

O art. 37, § 6º, da Constituição Federal, impõe a responsabilidade objetiva das "pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público". Como podemos extrair desse dispositivo legal, dentre as acima descritas não estão as pessoas físicas.

A serventia não é uma pessoa jurídica, sendo o próprio particular, para o qual foi conferida a outorga da delegação, o responsável pela prestação do serviço. Ele exerce a atividade em caráter privado, e é responsável por todos os atos praticados na serventia.

A ausência de personalidade jurídica da serventia advém do fato de a delegação ser outorgada direta e pessoalmente para o particular, que é o delegado do serviço público, não necessitando da criação de uma pessoa jurídica para a prática da atividade.

Corroborando a ausência de personalidade jurídica da serventia, colacionamos trecho de um artigo publicado por Guilherme Fanti:

Assim, verifica-se que os notários e registradores, profissionais do direito, devidamente habilitados em concurso público de provas e títulos, desenvolvem função pública por delegação do Estado, assumindo, direta e pessoalmente, todos os ônus decorrentes do exercício da mesma, como por exemplo: aquisição ou locação do imóvel onde será prestado o serviço, sua montagem com móveis e equipamentos necessários para a execução da referida prestação, guarda e conservação dos livros públicos, contratação de pessoal sob o regime celetista, responsabilização pessoal por todos os atos praticados. Por tais motivos, não há que prevalecer o entendimento que o serviço notarial e registral configura uma pessoa jurídica, dotada de personalidade jurídica.

Ademais, devemos observar que a serventia não é registrada na Junta Comercial ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, sendo esse registro necessário para a constituição da personalidade das pessoas jurídicas.

As serventias extrajudiciais antigamente pertenciam ao patrimônio dos tabeliães e registradores, e podiam, até mesmo, ser passadas por herança. Hoje já não existe mais essa possibilidade, pois há a delegação do serviço somente por meio de concurso público, ficando a titularidade com o Estado, que delega ao particular para exercê-la, momentaneamente, em caráter privado. É de se ressaltar que essa delegação não inclui o repasse de qualquer patrimônio ao delegado, devendo este adquirir todo o necessário para o fiel cumprimento da atividade estatal [01].

Dessa forma, a serventia é apenas uma divisão administrativa, o local físico onde são exercidos os serviços delegados pelo Poder Público. Quem pratica os atos não é a serventia, e sim o próprio tabelião ou registrador, para o qual foi delegada a atividade estatal.

Existem algumas decisões reconhecendo a inexistência de personalidade jurídica da serventia extrajudicial, mas conferindo a elas personalidade judiciária, ou seja, deferem sua legitimidade para figurar no pólo passivo da ação. No entanto, mesmo nesse caso, a maioria das decisões colocam a ressalva de que o atual titular não responde pelos atos de seu antecessor.

Esse entendimento, ao impossibilitar o novo titular da serventia extrajudicial responder pelos atos de seu antecessor, reconhece a inexistência de personalidade judiciária da própria serventia, pois esta somente poderá figurar no pólo passivo da ação quando houver o ajuizamento em face dos atos praticados pelo atual delegado, configurando, portanto, a necessidade da personalização da serventia por meio do tabelião ou registrador.

Como a serventia não é uma pessoa jurídica, ficando os atos praticados em seu âmbito sob a responsabilidade de uma pessoa física para a qual foi delegado o serviço público, conclui-se que ela não está incluída na primeira parte do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, como responsável pelos atos de seus agentes.

Por outro lado, a segunda parte do dispositivo constitucional acima, qualifica o tabelião e o registrador como agente da pessoa jurídica de direito público, uma vez que esta delega a prestação de serviço àquele, possibilitando, assim, que o ente público demande, de forma regressiva, contra o delegado nos casos em que este praticar seus atos com dolo ou culpa.

O delegado das serventias extrajudiciais não é servidor público, e sim agente público, pois se enquadra na categoria de particular em colaboração com o Poder Público [02]. Isso dá causa à sua responsabilização pelos atos que praticar, podendo, inclusive, cometer crimes contra a Administração, quando a qualidade de servidor público não for necessária, como ocorre no peculato [03].

Dessa forma, podemos concluir que o art. 37, § 6º, da Carta Magna, em seu início não inclui os tabeliães e os registradores como responsáveis pelos atos de seus agentes, uma vez que não são pessoas jurídicas. Por sua vez, na parte final do dispositivo, enquadra-os como agentes, pois exercem sua atividade por delegação da pessoa jurídica de direito público, que é o Estado-membro, possibilitando o direito de regresso nos atos dolosos e culposos.

O art. 236 e seus parágrafos, da Constituição Federal, impõe regras específicas aos notários e registradores, determinando que algumas sejam regulamentadas por lei específica, dentre as quais se encontra a responsabilidade desses delegados.

Contudo, antes de detalhar as normas criadas para regulamentar as matérias aludidas nos dispositivos constitucionais acima, é necessário saber como deve ser feita a interpretação desses artigos.

Existem alguns princípios que devem ser obedecidos para alcançarmos o real significado das normas constitucionais. Por usa vez, não podemos aplicar no âmbito supralegal os princípios da especialidade, cronologia e hierarquia, uma vez que eles são destinados a solucionar as antinomias entre as leis e não entre os dispositivos existentes em nossa Carta Magna.

A Constituição Federal tem princípios próprios para solucionar eventuais conflitos entre suas normas, estando dentre eles o da harmonização e o da unidade da Constituição [04]. O primeiro guia o intérprete para que este tente harmonizar todas as regras existentes, ficando impedido de afastar qualquer delas para que a outra prevaleça. Já o segundo determina que deve ser buscada a unidade na interpretação da constituição, interpretando todos os dispositivos globalmente, ou seja, verificando todo o conteúdo de nossa Carta Magna para extrair seu verdadeiro significado.

Nesse passo é que devemos interpretar os arts. 37, § 6º, e o 236 e seus parágrafos, da Constituição Federal, de forma global, buscando a unidade das regras previstas, bem como tentando harmonizar eventuais contradições.

Conforme exposição acima, a Constituição Federal declarou a necessidade de lei específica determinar a responsabilidade dos tabeliães e dos registradores, o que foi feito pela Lei 8.935/94. Contudo, no art. 37, § 6º, da Carta Magna, já existe referência sobre a responsabilidade dos agentes públicos, dentre os quais se enquadram os delegados das serventias extrajudiciais.

Assim, é necessária a interpretação com base nos princípios acima para que a constituição seja aplicada de forma correta e consentânea com os valores existentes em nossa sociedade.

A partir desse intróito, passamos a descrever as correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes em nosso ordenamento jurídico.

A responsabilidade objetiva começou a ser aventada com o art. 36, § 7º, da Constituição Federal, com o entendimento de alguns doutrinadores de que o Tabelião e o Registrador estavam incluídos nesse dispositivo constitucional como pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, respondendo de forma objetiva pelos danos causados a terceiros [05].

Após, veio o art. 22, da Lei 8.935/94, dispondo que os notários e os registradores responderão pelos danos que seus atos e os de seus prepostos causarem, podendo regresso pelo delegado do serviço público em face de seus empregados quando estes agirem com dolo ou culpa.

Os dois artigos acima descritos deram causa ao início de toda a controvérsia que paira atualmente sobre a responsabilidade subjetiva ou objetiva dos tabeliães e registradores, pois, até o advento da Constituição Federal, robustecida pela publicação da Lei 8.935/94, a jurisprudência era no sentido da necessidade da comprovação de dolo ou culpa para responsabilizar o delegado da serventia extrajudicial, conforme determinava o art. 28, da Lei 6.015/73.

Tal situação ocorreu com a interpretação do referido artigo da Lei 8.935/94, pois dele se extraiu que somente é permitido ao tabelião ou registrador o direito de regresso em face dos seus prepostos quando estes praticarem atos prejudiciais a terceiros de forma culposa. A contrário senso, se não houvesse culpa, não caberia o direito regressivo do delegado das serventias extrajudiciais, ficando, assim, reconhecida sua responsabilidade objetiva, pois seria o responsável pelos atos de seus empregados quando praticados sem culpa destes.

Esse entendimento tem como base o art. 37, § 6º e o art. 236, § 1°, da Constituição Federal, bem como o art. 22, da Lei 8.935/94.

Assim, essa doutrina, ao analisar o art. 236, § 1º, da Carta Magna, conclui pela necessidade de lei para regulamentar a responsabilidade nos serviços notariais e registrais, o que foi feito pelo diploma legal acima referido, contudo, sem especificar se ela seria na forma objetiva ou subjetiva.

O dispositivo legal determina, em síntese, que os notários e registradores responderão pelos danos que eles e seus prepostos causarem a terceiros, existindo o direito de regresso dos primeiros contra os segundos no caso de dolo ou culpa destes.

Com isso, por meio de uma interpretação baseada no art. 236 da Constituição Federal e no art. 22, da Lei 8.935/94, que, em um primeiro momento, são suficientes para encontrar o significado da responsabilidade do tabelião e do registrador, chegou-se à conclusão de que ela seria objetiva, pois o delegado responderia mesmo se não tivesse culpa por seus atos e de seus prepostos, mas, sendo o empregado culpado, o delegado teria direito de regresso contra ele.

É de se ressaltar que havia previsão no art. 28, da Lei 6.015/73, imputando a responsabilidade subjetiva somente aos registradores, tendo em vista que essa lei só tratava desses delegados e não dos tabeliães. No entanto, esse dispositivo legal foi revogado pelo art. 22, da Lei 8.935/94, ficando afastada qualquer argumentação de que o registrador responderia subjetivamente pelos seus atos com base naquela lei, pois a posterior revogou tacitamente a anterior, determinando, conforme o entendimento até aqui exposto, que a responsabilidade dos tabeliães e dos registradores é apurada na forma objetiva.

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Com relação ao tabelião de protestos, sua regulamentação ocorreu pela Lei 9.492/97, que em seu art. 38, determinou a responsabilidade subjetiva desse delegado de serviço público, não existindo maiores discussões a esse respeito.

Contudo, há opiniões em sentido contrário declarando que, mesmo com a Lei 9.492/97 determinando a necessidade de comprovação do dolo ou culpa, a responsabilidade seria objetiva para não ser dispensado tratamento desigual entre os tabeliães de protestos, e os demais. Também estabelecem a desnecessidade de culpa por entenderem que a Constituição Federal prevê a responsabilidade objetiva dos prestadores de serviços públicos, argumento acima rebatido, pelo fato de o delegado ser pessoa física e não pessoa jurídica.

Em que pese as mais valiosas vozes no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva dos tabeliães e registradores por seus atos e de seus prepostos, passamos a expor a corrente contrária, com a qual compartilhamos, que coloca a responsabilidade subjetiva desses delegados.

Inicialmente, devemos estudar a responsabilidade verificada em âmbito constitucional, para depois aprofundarmos até as minúcias legais.

Como já dissemos, existem dois dispositivos constitucionais que tratam da responsabilidade do tabelião e do registrador: são eles o art. 37, § 6º e o art. 236, § 1º. No primeiro, a sua parte final traz a responsabilidade subjetiva dos agentes das pessoas jurídicas de direito público, dentre os quais se encontra o delegado das serventias extrajudiciais, uma vez que ele é um agente público, na modalidade particular em colaboração. No segundo artigo, há a previsão de que a lei é que vai regulamentar a responsabilidade desses delegados.

A parte inicial do art. 37, § 6º, da Carta Magna, não deve ser aplicada aos tabeliães e registradores, como esclarecido acima, pois ela determina a responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, dentre as quais não se encontra o delegado da serventia extrajudicial, uma vez que ele é pessoa física, e não jurídica.

Outra questão é a ausência de personalidade jurídica da serventia, o que torna impossível seu enquadramento como pessoa jurídica, pois, em não tendo personalidade, não é pessoa, ficando vedada sua responsabilização.

Assim, não podemos enquadrar uma pessoa física na parte inicial do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, pois este ordenamento é claro quando coloca a necessidade de ser pessoa jurídica para responder objetivamente pelos atos de seus agentes.

Ultrapassada essa questão, passamos a verificar a responsabilidade determinada aos tabeliães e registradores na Constituição Federal.

Face ao Princípio da harmonização, devemos tentar conciliar as normas constitucionais para que uma não prevaleça sobre a outra. Por sua vez, o Princípio da Unidade determina a necessidade de interpretar a Constituição Federal de forma global, levando em consideração todos seus dispositivos.

Assim, ao formular o dispositivo legal para disciplinar a responsabilidade civil dos tabeliães e registradores, conforme dispõe o art. 236, da Constituição Federal, isso deve ser feito tendo como base o art. 37, § 6º, que prevê a responsabilidade subjetiva do agente público.

Disciplinar é relativo à disciplina, que significa a direção dada por um mestre, o conjunto de prescrições destinadas a manter a boa ordem [06].

O legislador, em respeito ao disposto no art. 236, § 1º, da Carta Republicana de 1988, tem o dever de disciplinar a responsabilidade dos Tabeliães e Registradores, o procedimento de apuração da responsabilidade, quem deverá responder pelos atos praticados na serventia, quais são os atos passíveis de responsabilização, bem como outras situações. No entanto, da mesma forma que acontece com formulação de todas as outras leis, ele deve observar as regras constitucionais, pois estas determinam a direção a ser trilhada pelo ordenamento infraconstitucional.

Dessa forma, o ponto inicial da disciplina da responsabilidade dos notários e registradores está nas normas constitucionais, e é partir delas que as regras infraconstitucionais devem ser guiadas para estabelecer a responsabilização desses delegados.

Com a leitura da Carta Magna de forma harmônica e global, chegamos à conclusão de que a responsabilidade dos tabeliães e dos registradores parte da idéia proposta pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal, com a previsão da responsabilidade subjetiva, devendo a lei disciplinar, conforme dispõe o art. 236, da Carta Republicana, as demais especificidades, como atos e as pessoas passíveis de responsabilização, o procedimento para apuração, dentre outras.

Assim, como existe previsão na Constituição Federal do tipo de responsabilidade do Tabelião e do Registrador, esta deve ser respeitada pelo legislador infraconstitucional. Com isso, a lei, cuja necessidade foi prevista pelo art. 236, do ordenamento constitucional, deve ter como direção a responsabilidade subjetiva prevista pelo art. 37, § 6º, do mesmo diploma.

Harmonizadas as normas constitucionais acima, passamos a analisar outro princípio que nos guia no âmbito da interpretação constitucional. Este princípio é o da interpretação conforme a Constituição, determinante da necessidade de se interpretar a lei em conformidade com o disposto na Constituição, e não o contrário [07].

Com a publicação da Lei 8.935/94, a jurisprudência, baseada na doutrina, começou a reconhecer a responsabilidade objetiva do tabelião e do registrador. No entanto, isso é frontalmente contrário à Constituição Federal, conforme acima expendido, pois ela determina a responsabilidade subjetiva desses agentes públicos.

No âmbito do princípio de que a lei deve ser interpretada em conformidade com a Constituição, resulta a necessidade de saber qual a intenção da Constituição para, só depois, concluirmos o que a lei quer dizer. Como a Carta Republicana de 1988 impõe a responsabilidade subjetiva do tabelião e do registrador, devemos interpretar a lei nesses termos, e não de forma a nos afastar da determinação constitucional.

Assim, devemos separar o art. 22, da Lei 8.935/94, em duas partes, senão vejamos: a primeira que define a responsabilidade dos tabeliães e registradores, e a segunda que traz uma regra de direito de regresso e dispõe sobre a possibilidade do preposto responder.

O início do artigo dispõe que os tabeliães e os registradores são responsáveis pelos atos que praticarem na serventia. Em momento algum, afirma que tal responsabilidade é objetiva ou subjetiva. Como o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, determina a necessidade de comprovação da culpa desses agentes públicos, devemos buscar uma interpretação da lei que seja compatível com a Carta Magna.

Com base no Princípio da interpretação conforme a Constituição, após a Lei 8.935/94, o caminho utilizado deveria ser no sentido de continuar o entendimento pela responsabilidade subjetiva, adequando o disposto na lei ao determinado em nossa Carta Republicana, e não o contrário, pois neste caso estaria ocorrendo o descumprimento do postulado acima, uma vez que a lei afrontaria a Constituição Federal, dando causa, até mesmo, ao reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal.

Então, há a necessidade de enquadrar o art. 22, da Lei 8.935/94, nos termos definidos no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que expressamente declara a responsabilidade subjetiva do agente público, no qual se encontra inserido o notário e o registrador.

Na segunda parte, o art. 22, da Lei 8.935/94, possibilita ao tabelião ou ao registrador exercer seu direito de regresso no caso de dolo ou culpa de seus prepostos. Nessa parte, em momento algum se pode extrair que a responsabilidade do delegado é objetiva, uma vez que somente traz uma regra de direito regressivo.

O que, na verdade, descreve o final do artigo é uma confirmação de que o delegado da serventia extrajudicial pode utilizar ação de regresso quando ele for demandado por ato praticado por seu proposto.

Tal regra seria até dispensada, uma vez que o art. 932, III, do Código Civil, prevê a responsabilidade do empregador pelos atos de seus prepostos, configurando a culpa in vigilando, ora reconhecida pela Súmula 341, do Supremo Tribunal Federal, como sendo responsabilidade objetiva (relação empregado/empregador), em consonância com o art. 933, do mesmo diploma, pois determina a prescindibilidade de qualquer prova de que o empregador vigiou mal seu empregado. Poderá também o empregador utilizar ação de regresso contra aquele por quem pagou, conforme dispõe o art. 934, do Código Civil.

Voltando a leitura de todo o artigo 22, da Lei 8.935/94, pode-se afirmar que o tabelião ou o registrador é responsável pelos atos praticados em sua serventia. Seus prepostos também poderão ser responsabilizados quando causarem prejuízo a terceiro. Contudo, foi reconhecido o direito de regresso no caso de dolo ou culpa, pois o delegado será demandado somente quando houver esses dois requisitos, hipótese em que, se o ato foi praticado pelo preposto, pode ser manejada ação regressiva; e se pelo próprio delegado da serventia, obviamente, não poderá regredir contra outra pessoa, pois ele mesmo é o responsável pela reparação do dano.

Nesse sentido é a doutrina de Décio Antônio Erpen [08]:

O menos avisado pode sustentar que o legislador, ao definir a responsabilidade do Oficial ou Tabelião, teria adotado a responsabilidade objetiva; já o direito de regresso, aí sim, só seria possível na eventualidade da responsabilidade subjetiva do preposto.

Vênia concessa, esta construção é equivocada, porque se o Notário ou o Registrador forem fiéis ao sistema jurídico (cumprimento da lei e das normas superiores) e sua atividade vier a causar dano, estarão isentos de responsabilização.

Assim, o tabelião e o registrador são demandados por dolo ou culpa, tendo direito de regresso contra seus prepostos quando estes praticaram o ato. Se não houver culpa, quem deverá ser responsabilizado é o Estado, que responde objetivamente pelos danos causados.

Rui Stoco, citado por Jucélia Maria da Silva em seu artigo "Da responsabilidade civil do Notário e do Registrador", conclui, também, pela responsabilidade subjetiva do delegado, e a objetiva do Estado [09]:

Novamente vale mencionar o entendimento de STOCO, (2004):

"Essa responsabilidade, que é objetiva, independe da comprovação de culpa ou dolo do servidor que deu causa ao dano. Mas note-se que a inexigência dessa comprovação só prevalece para a ação direta contra as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, prestadoras de serviços públicos. Se a ação se voltar contra a pessoa física do serventuário, por força de exercício do direito de regresso por parte da Fazenda Pública ou por ação direta do particular, ou contra o empregado da serventia, causador imediato do dano a terceiro, por força do direito de regresso exercido pelo titular do cartório ou através de ação direta do particular, só por dolo ou culpa se poderá responsabilizá-los".

Como vimos, o Estado responde objetivamente, enquanto o notário e o registrador, e seus prepostos, subjetivamente. Poderá ser exercido o direito de regresso do Poder Público contra seus delegados quando causarem danos de forma culposa, e estes, ao serem demandados pelo Estado regressivamente ou pelo particular, com base na responsabilidade subjetiva, podem utilizar a ação regressiva contra seus empregados quando foram estes que praticaram o ato.

Após as constatações de que a lei deve ser interpretada conforme a Constituição e que o art. 22, da Lei 8.935/94, traz em sua parte final apenas uma regra de direito de regresso, passamos a analisar outras causas que impõem o reconhecimento da responsabilidade subjetiva dos tabeliães e dos registradores.

Os delegados das serventias extrajudiciais exercem atividade pública em caráter privado, como dispõe o art. 236, da Carta Magna, e não estão incluídos como pessoas jurídicas responsáveis objetivamente pelos seus atos, segundo dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, conforme acima explicado.

Das duas afirmações acima, quais sejam, o exercício de sua atividade é em caráter privado e sua não responsabilização da mesma forma que as pessoas jurídicas prestadoras de serviço público, podemos concluir que o tabelião e o registrador respondem conforme as normas previstas pelo direito civil.

O exercício da atividade pode ser em caráter público ou privado, devendo obedecer aos ditames definidos para cada tipo. Quando em caráter público, as regras aplicadas são as referentes ao direito público, retratadas pelo direito administrativo. Já a atividade privada deve obediência às regras do direito civil, que regula as relações entre os particulares.

O enquadramento dos tabeliães e dos registradores, como particulares em colaboração, confirma a necessidade de ambos respeitarem as regras do direito civil, campo que regula as relações entre os particulares.

Não podemos deixar de observar que a Constituição Federal imputou a responsabilidade subjetiva desses agentes públicos conforme seu art. 37, § 6°, outro ponto na direção de que seus atos devem ser analisados em conformidade com as determinações do direito civil, onde o causador do dano responde subjetivamente.

Pois bem, estabelecidos os parâmetros que levam à aplicação do direito privado, devemos ver as regras e as exceções, para a correta conclusão sobre o instituto a ser observado, no caso do presente estudo, a responsabilidade. É de se ressaltar que a regra é presumida, enquanto as exceções devem ser expressamente previstas.

O art. 927, do Código Civil, determina que a responsabilidade será subjetiva, quando faz alusão aos arts. 186 e 187 do mesmo diploma. Já o parágrafo único daquele artigo traz as situações em que deve ser reconhecida a responsabilidade objetiva, ou seja, coloca as exceções à regra prevista pelo caput.

As duas exceções, nas quais é imputada a responsabilidade objetiva do particular, são: nos casos expressamente previstos em lei; e quando a atividade exercida implicar em risco a terceiros.

Com relação à segunda exceção, a serventia extrajudicial não exerce atividade de risco, este entendido como proveito, pois tal atividade somente ocorre quando há a finalidade empresarial da pessoa, com conseqüente obtenção de lucro. O tabelião e o registrador não exercem atividade econômica, não têm clientela, não têm liberdade para praticar ou não seus atos, devendo exercê-los conforme a lei, e, sobretudo, é fiscalizado pelo Poder Público, por meio do Judiciário.

Pelo fato do tabelião e do registrador não exercerem uma atividade empreendedora, não pode ser reconhecido o risco-proveito, que dá causa à responsabilização objetiva do particular.

A outra exceção à responsabilidade subjetiva existe nos casos expressamente previstos em lei. No caso dos delegados das serventias extrajudiciais, a regulamentação específica dessa atividade ocorre pela Lei 8.935/94, sendo a responsabilidade prevista no art. 22.

Nesse artigo, em momento algum, há disposição no sentido de que a responsabilidade dos tabeliães e dos registradores deva ser apurada independentemente de dolo ou de culpa. Inexiste, portanto, expressa previsão, como determina o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, impossibilitando o reconhecimento da responsabilidade objetiva.

Não basta simples interpretação de um artigo para concluir que é a exceção que prevalece sobre a regra. Conforme o exposto acima, a regra é que é presumida, enquanto a exceção deve ser expressamente prevista.

O art. 22, da Lei 8.935/94, não prevê expressamente a responsabilidade independente de culpa do tabelião e do registrador, levando à conclusão de que eles respondem subjetivamente, pois esta é a regra. Entender de outra forma faria com que fosse invertida toda a base jurídica, pois estaria sendo presumida a exceção, a responsabilidade objetiva, o que não é possível.

Um exemplo que bem ilustra a responsabilidade objetiva encontra-se no art. 12, do Código de Defesa do Consumidor. Neste dispositivo legal, está expressamente previsto que a responsabilidade é independente de culpa.

Assim, quando a lei quer afastar a regra, responsabilidade subjetiva, e colocar a exceção, responsabilidade objetiva, ela o faz expressamente, não existindo a necessidade de se chegar a essa conclusão por meio de interpretações, pois a própria lei determina que a pessoa responderá independentemente de culpa somente nos casos expressos.

Em síntese, a segunda corrente traz os seguintes argumentos pela responsabilidade subjetiva: o não enquadramento do titular da serventia extrajudicial na primeira parte do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, bem como a responsabilidade subjetiva do agente público, conforme previsto na segunda parte desse dispositivo constitucional; a necessidade de se interpretar o art. 22, da Lei 8.935/94 conforme a Carta Magna e a previsão apenas de uma regra de regresso em sua parte final; e o fato da regra no direito privado ser a necessidade de comprovação da culpa, possibilitando o reconhecimento da responsabilidade objetiva somente nos casos expressamente previstos em lei.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal da Justiça têm a maioria dos seus entendimentos de que a responsabilidade dos tabeliães e registradores é subjetiva, sendo necessária a comprovação de dolo e culpa.

Para corroborar a afirmação acima, recentemente foi proferida uma decisão no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o tabelião e o registrador respondem de forma subjetiva, conforme podemos constatar do Resp 1.027.925 – RJ [10]. Isso explicita a tendência a ser seguida por esses tribunais e pelos demais.

Dessa forma, a responsabilidade subjetiva dos tabeliães e dos registradores é mais consentânea ao direito constitucional.

Por fim, a margem da discussão acima, não há que se perder de vista que, tanto numa quanto noutra corrente, em existindo causa excludente de responsabilidade, o tabelião ou o registrador não pode ser responsabilizado, uma vez que há a exclusão do próprio nexo de causalidade ou da ilicitude.


Notas

  1. FANTI, Guilherme. Cartórios: inexistência de personalidade jurídica. Reflexos processuais e extraprocessuais. Boletim eletrônico Irib 2386 – 11/04/2006. Disponível em: http://www.irib.org.br/pdf/BE2386.pdf
  2. DI PIETRO, Maria S. Z. Direito administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
  3. CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
  4. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
  5. CENEVIVA, op. Cit.
  6. ALVES, Afonso T. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
  7. MORAES, op. Cit.
  8. BRANDELLI, Leonardo (coord.). Direito Civil e registro de imóveis. São Paulo: Método, 2007.
  9. SILVA, Jucélia M. Da responsabilidade civil do Notário e do Registrador. Disponível em: http://74.125.47.132/search?q=cache:SDW7Eyk62HgJ:www.investidura.com.br/index.php%3Foption%3Dcom_content%26view%3Darticle%26id%3D1438:da-responsabilidade-civil-do-notario-e-do-registrador%26catid%3D84:dtorespcivil%26Itemid%3D867+responsabilidade+subjetiva+cart%C3%B3rio&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=9&gl=br
  10. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.027.925 – RJ. Relator: Ministro Massami Uyeda. Brasília – DF, 09 de setembro de 2008.
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Sobre o autor
Flávio Henrique Duarte

Advogado. Especialista em Direito Notarial e Registral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Flávio Henrique. A responsabilidade civil do tabelião e do registrador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2230, 9 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13299. Acesso em: 22 dez. 2024.

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