No dia 10 de agosto de 2009, entrou em vigor a Lei nº 12.015/09, que, entre outras mudanças no texto do Código Penal, revogou expressamente o artigo 224 deste diploma.
Pois sim, a revogação do citado artigo implicou em retirar do Código Penal a previsão das hipóteses de violência presumida nos crimes sexuais. Essa mudança se deu pelo fato da criação de um novo tipo penal no diploma legal, artigo 217-A, sob a rubrica de "Estupro de vulnerável".
Contudo, o que, por ora, ataca-se é a influência dessa revogação – entenda-se retirada do mundo normativo – na causa de aumento de pena prevista no artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos.
Com efeito, prevê referido artigo (art. 9º L. 8072/90), ad litteris et verbis:
"Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, §3º, 158, §2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal" (grifou-se).
Note-se: somente será aumentada a pena da metade, nos referidos crimes, se estiver a vítima em qualquer das hipóteses do artigo 224 do Código Penal.
Eis que o artigo 224 do Código Penal não mais existe no ordenamento jurídico. Dessa forma, também não mais existem as hipóteses do artigo 224 do Código Penal.
Assim, conclui-se que a Lei 12.015/09 revogou as hipóteses em que era aumentada a pena nos crimes hediondos, conforme a previsão do citado artigo 9º (L. 8072/90).
Ao revogar expressamente as hipóteses em que penas eram aumentadas, a Lei 12.015/09 é norma penal benéfica, ou seja, traz benefícios ao réu, ou ao condenado.
Encontra-se consagrado pela Constituição Federal, no artigo 5º, XL, e previsto pelo Código Penal, artigo 2º, o princípio da retroatividade da lei penal benéfica. Verifique-se, respectivamente:
"Art. 5º (...)
XL- A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".
"Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".
Também, em reforço do texto Constitucional e do Código Penal, encontra-se o artigo 9º do Pacto de San José da Costa Rica, que transcrevemos:
"Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinquente deverá dela beneficiar-se" (grifou-se).
Faz-se desnecessário reforçar por jurisprudência ou doutrina a existência do citado princípio, pois já é sedimentado no pensamento jurídico e fato incontroverso que a lei penal retroagirá para beneficiar o réu.
Diante de todo exposto, conclui- se que:
1. O artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos não mais pode causar o aumento da pena daqueles que forem condenados pela prática dos crimes previstos no citado artigo por se encontrar a vítima nas hipóteses do artigo 224 do Código Penal. Como visto, não mais existem as hipóteses do artigo 224 do Código Penal.
2. Todos aqueles que se encontrem cumprindo pena, que tenha sido aumentada pela incidência do artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, devem ter reduzidas suas penas, justamente na proporção em que tiverem sido aumentadas.
É natural imaginar que assim que a presente tese for adotada pelo Poder Judiciário, com a conseqüente redução da pena dos condenados, o Estado poderá modificar o texto legal, para que novamente incida o aumento de pena. Adiante-se já que tal alternativa não alcançará os que já se encontrarem cumprindo pena, porque a lei que novamente criar hipótese de aumento de pena será lei prejudicial ao réu e, portanto, não poderá retroagir. Lembre-se: a lei penal benéfica possui, além da retroatividade, ultratividade.
Finalmente, esclarece-se que, neste momento, para que sejam reduzidas as penas de todos aqueles que tenham sido condenados (sentença transitada em julgado) com aumento imposto pelo artigo 9º da Lei dos Crimes Hediondos, deve ser dirigida petição ao Juízo da Execução Penal, por força da Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal:
"Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna".
Data venia, pode ocorrer que, por questões de política criminal, a presente tese encontre resistência na aceitação. Todavia, a questão levantada pode ser levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (artigo 44 do Pacto de San José da Costa Rica).