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Justiça ao crucificado

16/08/2009 às 00:00
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O fato é inusitado. O Ministério Público Federal em São Paulo pretender ver retirado de todas as repartições públicas o crucifixo, a bíblia ou qualquer símbolo religioso. Argumenta que a fixação desses sinais sagrados em ambientes públicos estatais viola a Constituição Federal no que se relaciona à separação entre Igreja e Estado, lembrando que o Brasil é um estado laico.

A situação merece uma análise em camadas, haja vista a excentricidade da postulação e ao falso brilho de originalidade da medida. É necessário que a sociedade tenha uma real consciência da gravidade desta "moção" e de suas nefastas conseqüências, que antes serve a uma absoluta tirania do que aos elevados ideais da liberdade.

Em primeiro plano, o que diz efetivamente nossa Constituição Federal sobre o tema? Nada, absolutamente nada que fundamente a posição ministerial. Ao contrário, nossa Carta Magna estabelece a liberdade plena de consciência religiosa (artigo 5. º, inciso VI), importando a retirada dos crucifixos numa frontal violação a esse direito fundamental, qual seja, a expressão de uma fé que está arraigada em nossa cultura e no inconsciente coletivo do nosso povo.

Diz ainda a Constituição que ninguém pode ser privado de seus direitos "por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política" (artigo 5. º, inciso VIII), podendo neste País todo cidadão, cristão ou não cristão, expressar fisicamente sua fé através de gestos ou imagens sagradas das suas respectivas tradições.

Ademais, não podemos esquecer que no preâmbulo da Constituição consta expressamente a invocação de Deus pelos legisladores constituintes: "Nós, representantes do povo brasileiro (...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL". Não me parece ter sido a intenção dos nossos legisladores invocar a proteção de Deus para depois expulsar a sua imagem dos Tribunais. Para além de uma contradição, seria uma blasfêmia e, portanto, uma indescritível abominação.

Nos planos filosófico e histórico a situação não merece melhor destino. Medida idêntica foi tentada na Itália (por um magistrado, inclusive) e na França, surtindo maior efeito neste último País, tão marcado em nossos dias pelo relativismo, pela negação de Deus e pela degeneração de valores que assola todo o orbe.

Por trás dessa suposta defesa da liberdade plena esconde-se sub-repticiamente o ideal do Estado absoluto, que não conhece limites em sua ação, mergulhando o individual num coletivismo que há muito deveria estar soterrado nos muros de Berlim.

Estamos no campo diabólico e maldito do relativismo, que se expressa na absoluta indiferença frente À natureza religiosa do homem. Consiste na construção de um pensamento autônomo, puramente filosófico e estritamente científico, totalmente desvinculado da via espiritual. O resultado é um ser humano cheio de dúvidas, filho de uma era de incertezas, pois o homem sem Deus é um homem inexoravelmente sozinho e irremediavelmente mutilado.

Trata-se do ideal do super-homem preconizado por Nietzsche; da religião como ópio do povo (Karl Marx); do futuro de uma ilusão na perspectiva de Sigmund Freud. Cuida-se da vontade humana como senhora de si mesma, sem prestar contas a quem quer que seja, sendo o sinistro fermento daquilo que os antigos chamavam de "seres demoníacos artificiais", criados pela vontade coletiva e submetendo os próprios criadores ao jugo da escravidão. O resultado da ideologia comunista mostra isso, cujas vítimas superam em número os mortos nos campos de concentração.

Estamos ainda na tenebrosa seara do racionalismo puro, do naturalismo desesperado, da filosofia iluminista que preconiza uma liberdade absoluta, uma igualdade plena e uma fraternidade universal, ideologias bem expressas no falacioso lema do enciclopedismo das trevas: "Queremos organizar uma sociedade sem Deus".

A medida em análise traz ainda conseqüências nefastas para todas as religiões deste País. Todo cidadão estará legitimado então a exigir a retirada da estrela de seis pontas do Hospital Albert Einstein, caso não seja um paciente judeu; o Alcorão não será mais tolerado em repartições dirigidas por muçulmanos; não mais poderemos dispor da Sagrada Escritura distribuída em hotéis, praças ou em visitas dos nossos irmãos evangélicos. O Cristo Redentor estará inevitavelmente ameaçado, como símbolo do País e de uma das cidades mais belas do planeta, e o mundo inteiro poderá ser privado de um dos maiores monumentos da humanidade.

Estaremos todos, católicos ou não, na iminência de uma ditadura sem limites e sem precedentes na história do povo brasileiro. Uma ditadura preconizada por um Poder que tem por missão constitucional resguardar as liberdades individuais nesta Nação, e nunca suprimi-las.

Não esqueçamos: Cristo foi a maior de todas as vítimas da injustiça humana. Sua presença simbólica lembra um erro que na qualidade de juizes não podemos cometer. Retira-lo dos tribunais é expulsar os pobres, os oprimidos, os miseráveis, aqueles que têm fome e sede de Justiça, independente de sua raça, cor, credo ou nação. É oficializar uma Justiça elitista e curvada no altar idolátrico do grande leviatã do poder.

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Como afirmou Carnelutti, um grande cristão e notável jurista, a imagem de Jesus Cristo não deveria ficar nas paredes dos tribunais, às costas dos juízes, mas à sua frente, para os julgadores se lembrassem em cada audiência Daquele que foi a maior vítima do pior erro judiciário da história.

Mas meditemos em outros tipos de crucificados, estes sim que deveriam ser retirados das repartições.

Olhemos para os que jazem nas prisões aguardando um pronunciamento dos magistrados e promotores; pensemos em todos os que esperam anos sem conta a solução de seus conflitos pela Justiça e daqueles que são órfãos das ações protetivas do Ministério Público.

Lembremos dos direitos e garantias fundamentais que não são tutelados e nos incontáveis oprimidos pela inércia dos órgãos competentes. Estaremos diante de uma multidão de crucificados que permanecem, contra sua vontade, vítimas da omissão do estado brasileiro.

Façamos, pois, justiça ao crucificado, Àquele que pagou o preço de nossa redenção há dois mil anos. Deixemo-lo onde se encontra. Jamais percamos sua lição e Graça. Quem sabe assim consigamos olhar na verdadeira direção e então ouvir os gritos dos pobres e oprimidos que estão ofegantes e cobertos de chagas à espera de autoridades justas.

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Sobre o autor
José Americo Abreu Costa

Juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís (MA). Professor da Escola Superior de Magistratura do Maranhão. Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, José Americo Abreu. Justiça ao crucificado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2237, 16 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13330. Acesso em: 22 nov. 2024.

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