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Consequências do descumprimento da obrigação ambiental prévia à transação penal

16/08/2009 às 00:00
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No caso de crimes ambientais, a composição dos danos é condição prévia para a transação penal. O descumprimento de uma ou de outra deve ter tratamento diferenciado, não só pelo que se encontra na lei, como também pelo que se tem visto na prática.

Resumo

A transação penal não depende da prévia composição dos danos. No caso de crimes ambientais, porém, esta é condição prévia para aquela. O descumprimento de uma ou de outra (mesmo nos crimes ambientais) deve ter tratamento diferenciado, não só pelo que se encontra na Lei, como também pelo que se tem visto na prática.

Sumário: Introdução. 1 Procedimento da transação penal. 2 Descumprimento da obrigação de reparar o dano e da transação. Conclusão. Referências bibliográficas.

Palavras-chave: Juizado Especial Criminal. Transação. Crimes ambientais. Descumprimento. Consequencias.


Introdução

A transação penal está expressamente prevista em nossa Constituição, em seu artigo 98, I. Foi delimitada pelos artigos 69 a 76 da Lei n. 9.099/1995. Com a Lei n. 9.605/1995, a composição dos danos passou a ser requisito prévio para seu oferecimento.

A diferenciação do que é a obrigação civil de reparação dos danos, daquilo que efetivamente é objeto da transação penal é necessária para se chegar às devidas consequências do descumprimento de uma ou de outra.

A mistura dessas duas coisas tem levado a tratar o acompanhamento/descumprimento delas da mesma forma.

Analisar se existe a apontada distinção e as consequências de adotar uma ou outra posição é o objetivo deste breve texto.


1. Procedimento da transação penal

A audiência preliminar que faz menção o artigo 72 da Lei n. 9.099/1995 é composta de duas partes: [1] composição dos danos e [2] proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade [01], que poderá ser restritiva de direitos ou multas [02].

A composição dos danos tem relevância na parte penal quando se tratar de ação penal de iniciativa privada ou de pública condicionada à representação, pois o acordo homologado significará renúncia ao direito de queixa ou representação [03].

Quando se tratar de ação penal pública incondicionada, a composição dos danos e a transação são completamente independentes uma da outra. Em outras palavras, se não houver composição dos danos, isto não será impeditivo para a proposta da pena alternativa. Se acontecer a composição, isso, por si só, não será motivo suficiente para obter a transação.

Um pouco diferente será a situação quando envolver delitos ambientais. De acordo com o artigo 27 da Lei n. 9.605/1998, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa (disposta no artigo 76 da Lei n. 9.099/1995), somente poderá ser formulada se houver a "prévia composição do dano ambiental".

Essa prévia composição foi entendida pela doutrina especializada como compromisso de recuperação ambiental e não a efetiva reparação do dano [04].

Portanto, há uma condição anterior ao momento do oferecimento da proposta de transação penal. Assim, se o suposto autor do fato não se comprometer (acordar) a recuperar o ambiente degradado, não se vai para a fase seguinte (transação = aplicação da pena restritiva de direitos ou multa). Firmado o compromisso, então, nos termos do artigo 76 da Lei n. 9.099/1995, o Ministério Público, não sendo caso de arquivamento, poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas.


2. Descumprimento da obrigação de reparar o dano e da transação

Nos casos de crimes diversos dos ambientais, se não houver o cumprimento da obrigação civil acordada e homologada, o credor disporá de título executivo judicial para exigi-la [05]. E, como se viu, se a composição civil não interfere na proposta de oferecimento da transação, consequentemente, não traz qualquer interferência no cumprimento das penas restritivas de direito ou multas aceitas na transação penal [06].

Se, no entanto, houver descumprimento das penas restritivas de direito ou multas, o Supremo Tribunal Federal entendeu que se deve dar seguimento à persecução penal [07], no que foi seguido pela Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais Federais [08]. Em sentido diverso são as decisões do Superior Tribunal de Justiça [09].

Em se tratando de delito ambiental, o referido compromisso de composição dos danos, se acaso não cumprido, também não gera qualquer interferência na transação penal. Em outras palavras, se a pena não privativa de liberdade aplicada estiver sendo cumprida corretamente (ou já tiver sido cumprida), aquele descumprimento não gerará qualquer consequência aqui.

A consequência do descumprimento da obrigação civil (seja ela comum ou ambiental) está disciplinada no artigo 76 da Lei n. 9.099/1995: execução de título judicial no juízo cível competente. Não há qualquer alteração pelo fato de o compromisso de composição ambiental ser requisito obrigatório para a proposta de transação penal nos crimes ambientais. O título judicial também será executado no juízo cível competente e, como em geral se trata de obrigação de fazer (recuperação da área degradada), o Processo seguirá o rito do artigo 632 e seguintes do Código de Processo Civil.

Por outro lado, se o suposto autor do fato cumprir a obrigação ambiental e não fizer aquela da transação penal, a persecução penal estará aberta (seguindo o posicionamento do STF).

Homologado o compromisso de composição dos danos ambientais encerra-se a prestação jurisdicional do juízo criminal acerca desta questão. Eventuais providências (tais como apresentação de projetos de recuperação, demolição de construção irregular) que devam ser tomadas pelo suposto autor do fato devem ser fiscalizadas pelo Ministério Público [10], no âmbito administrativo.

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E assim deve ser porque a prática tem demonstrado que a análise desse cumprimento (seja na apresentação dos PRAD´s, seja na sua execução) no juizado criminal só tem servido para levar à prescrição dos crimes ambientais, para os quais a maioria das penas ao final aplicadas sujeitam-se ao prazo prescricional de dois anos. Deve-se lembrar que a transação penal não é marco interruptivo da prescrição e que durante o cumprimento das penas alternativas, ela não é suspensa (diferentemente é a hipótese do artigo 89, § 1.º da Lei n. 9.099/1995 [11]).

É que os organismos ambientais (IBAMA, autarquias ou órgãos estaduais ou municipais) demoram na análise dos PRAD´s e muito mais ainda na verificação de sua execução. Por outro lado, por vezes, o próprio autor do fato não apresenta o projeto no prazo especificado. Tudo isso leva o processo a um sem número de atos inúteis, nos quais se determina a intimação das partes e do órgão ambiental para ficar um respondendo ao outro.

Portanto, é forçoso concluir que o juizado penal não tem competência para este tipo de fiscalização e que o contrário tem levado os processos à prescrição penal.


Conclusão

São momentos distintos na audiência preliminar a composição dos danos e a proposta de transação penal (aplicação de penas restritivas de direitos ou multa). Uma independe da outra, tanto na proposta, quanto em eventual descumprimento. O descumprimento da obrigação civil leva a sua execução no juízo cível competente e o da transação determina o prosseguimento da persecução penal.

Quando se trata de crimes ambientais, a composição dos danos (compromisso de recuperação da área degrada) é condição para possibilitar a proposta de transação penal. Sem a aceitação daquela, não é possível esta. No mais, suas características são idênticas à transação de outras espécies crimes. Assim, o descumprimento da obrigação de reparação do dano ambiental levará seu cumprimento no juízo cível competente, não tendo qualquer interferência na aferição da extinção da punibilidade pelo cumprimento das penas restritivas de direito ou de multas objeto da transação.


Referências bibliográficas

CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. vol. 2. 6.ed. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2007.

COSTA, Nicolau Dino de Castro e; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flávio Dino de Castro e. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8.ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. p.


Notas

  1. "Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade."
  2. "Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta."
  3. "Art. 74. [...] Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação."
  4. "Deve-se fazer a distinção, na esteira do pensamento de Cezar Roberto Bitencourt, entre composição do dano e reparação do dano. Compor significa harmonizar, conciliar, acordar. Não induz, portanto, ao entendimento de que necessário seria reparar previamente o dano ambiental causado. Reforça esse entendimento a remissão ao art. 74 da Lei n.º 9.099/95, que confere à composição do dano eficácia de título executivo judicial. Ora, se pode haver execução, no juízo cível, do título que corporificou a composição, não se está a exigir que antecipadamente o responsável promova a restauração do bem lesado." (Nicolau Dino de Castro e Costa. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. 2.ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 154)
  5. "[...] A dúvida que surge é: é possível a transação se o infrator não reparou o dano? A resposta foi dada com clareza por Fábio Nesi Venzon, ao afirmar que ‘não há necessidade de que haja prévia recuperação do dano ambiental para que seja proposta a transação penal. A expressão prévia composição do dano ambiental referida no art. 27 da Lei 9.605/98 significa, isso sim, o necessário acordo, perante o juiz, no qual o infrator se compromete a recuperar o dano (obrigação de fazer), bem como a cessar a degradação que estava realizando (obrigação de não fazer)’." (Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas. Crimes contra a natureza. 8.ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 314-315)

  6. "Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente."
  7. "[...] em se tratando de ação penal incondicionada, pouco importa tenha ou não ocorrido o acordo civil, pois ele não será considerado causa extintiva; [...]" (Fernando Capez. Legislação Penal Especial. vol. 2. 6.ed. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2007. p. 30)
  8. "TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia." (STF, HC 79572-GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 29/02/2000, DJ 22.02.2002, p. 34)
  9. "HABEAS CORPUS. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO: DENÚNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO. AUTORIZAÇÃO LEGAL.

    Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes)." (STF - HC 88785-SP, DJ 04.08.2006, p. 78, Rel. EROS GRAU)

  10. "PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. TRANSAÇÃO PREVISTA NO ART. 76 DA LEI nº 9.099/95. NATUREZA JURÍDICA. CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DO DESCUMPRIMENTO. A sentença homologatória de transação (art. 76 da Lei nº 9.099/95), tem natureza meramente formal, não gerando qualquer efeito extintivo da punibilidade relativamente ao fato objeto da homologação. Descumprindo o beneficiado o acordo, devidamente homologado, rescinde- se a homologação, e abre-se a possibilidade ao Ministério Público de instaurar, através de denúncia perante o juizado especial criminal, instância penal. Pedido de uniformização conhecido e desprovido." (JEF – TNU - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL - Processo: 200361810048660, j. 17/03/2008, DJU 25/04/2008, Rel. Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL)
  11. HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO TENTADO. TRANSAÇÃO PENAL ACEITA E HOMOLOGADA. REVOGAÇÃO. INCABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
  12. "A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado." (HC nº 33.487/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ 1º/7/2004).

    Ordem concedida." (STJ - HC 72671-RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO - SEXTA TURMA, j. 30/08/2007, DJe 04/08/2008)

  13. Lei Complementar 75/1993, artigo 8º.
  14. "Art. 89. [...]§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo."
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MICHELOTI, Marcelo Adriano. Consequências do descumprimento da obrigação ambiental prévia à transação penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2237, 16 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13337. Acesso em: 21 nov. 2024.

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