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A inelegibilidade decorrente de reprovação de contas no TCE

15/08/2009 às 00:00
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De acordo com a Lei Complementar 64/1990 (Lei da inelegibilidade), artigo 1º, inciso I, alínea "g", são inelegíveis para qualquer cargo "os que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão."

Além desta causa de inelegibilidade, muitas outras são disciplinadas pela mesma Lei Complementar, que é um importante mecanismo para coibir a candidatura de políticos que se encontrem inaptos (especialmente do ponto de vista moral) a concorrer a um cargo de agente político.

Não obstante a importância da Lei de Inelegibilidade, nem o Poder Judiciário nem os Tribunais de Contas estão imunes a cometer equívocos e injustiças. A falibilidade humana é fato que não pode ser ignorado e, para tanto, o próprio ordenamento jurídico apresenta formas legais e lícitas para atacar e rever um ato administrativo.

Para as decisões administrativas exaradas pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), também há mecanismos neste sentido. Além dos recursos previstos em lei própria estadual e no regimento interno, existem outras formas de atacar a decisão que reprova contas e a inelegibilidade que dela decorre.


A revisão do ato administrativo através do próprio TCE/PR

No Estado do Paraná, a Lei Complementar Estadual 113/2005, através do seu artigo 77, prescreve 5 hipóteses em que é possível pleitear, perante o próprio TCE/PR, a revisão de decisões definitivas – das quais já não caibam mais recursos [01].

São elas: I – que a decisão se haja fundado em prova cuja falsidade foi demonstrada em sede judicial; II – que tenha ocorrido a superveniência de novos elementos de prova capazes de desconstituir os anteriormente produzidos; III – que tenha havido erro de cálculo ou material; IV – tenha participado do julgamento do feito Conselheiro ou Auditor alcançado por causa de impedimento ou de suspeição; V – violar literal disposição de lei. [02]


Prova falsa

Se houver decisão judicial que reconheça falsidade em prova que tenha sido essencial para a reprovação das contas, poderá a parte interessada interpor pedido rescisório. Se houverem outros elementos que impeçam a aprovação das contas, este elemento não será suficiente para a revisão integral do ato administrativo.


Fato Novo

Os novos elementos de prova citados no inciso II apresentam maior utilização em Pedidos Rescisórios no Estado do Paraná e a divergência de interpretação sobre o assunto foi o principal motivo para a prolação do prejulgado nº 4 [03] do TCE/PR, que de forma bastante elucidativa, assim dispõe:

Novo elemento de prova deve ser entendido como um documento desconhecido pelo Tribunal no momento da decisão, mas existente à época dos fatos; deve ser demonstrado ao Tribunal que há uma situação existente na época dos fatos que por algum motivo não veio ao conhecimento desta Corte antes de proferida a decisão. Também configura novo elemento de prova o documento que deveria ter sido produzido à época e não foi, mas reflete fato anterior

.

O mesmo prejulgado explica que "Convalidação de ato posterior a prestação de contas não é objeto de rescisória e termo de fato anterior é elemento novo, pois deveria ter sido emitido à época. Caso ajuizada a respectiva ação executiva, caberá a aplicação das regras de embargos à execução previstos no Código de Processo Civil, que contempla a hipótese acima mencionada."

Sobre o assunto "fato novo", o TCE/PR assentou posicionamento no sentido de que a alteração posterior de entendimento pela Corte de Contas sobre um determinado assunto não enseja pedido de rescisão. A alteração de posicionamento pode apenas autorizar o Recurso de Revisão, desde que ainda não se tenha operado a preclusão.


Erro de cálculo e erro material

O erro de cálculo ou erro material foi emprestado da Doutrina e Legislação Processual Civil e do Código Civil Brasileiro, de onde se extraem as fontes para a interpretação deste dispositivo. A bem da verdade, o próprio TCE/PR reconheceu impropriedade na redação do inciso III, pois o erro material e o erro de cálculo (sendo este espécie daquele) circunscrevem a idéia de "erro de fato", que nos termos do artigo 485, §1º do Código de Processo Civil, ocorre quando a sentença admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido.


Conselheiro ou Auditor impedido

Os artigos 128 e 133 da Lei Orgânica do TCE/PR e os artigos 135 a 137 do Código de Processo Civil, disciplinam com precisão as hipóteses de impedimento ou de suspeição. O TCE/PR entende que como as decisões da Corte são proferidas por órgão colegiado, através de um acórdão, para que o mesmo possa ser rescindido, com base em impedimento ou suspeição, é necessário que o voto do Conselheiro impedido tenha influído na formação da maioria, caso tenha sido o julgamento por maioria de votos.

Para o TCE/PR (como se extrai do já referendado prejulgado 04), é necessário analisar a "prejudicialidade do voto proferido". Neste viés, a decisão unânime não poderia ser atacada em pedido de rescisão, mesmo se houvesse membro julgador impedido ou suspeito.

Há que se discordar deste ponto de vista, especialmente porque a idéia de julgamento por um órgão colegiado pressupõe o debate entre os julgadores e consequentemente, a possibilidade de que as conclusões se somem, que um influencie o outro para só então ser proferido o resultado final (unânime ou por maioria) sobre determinado assunto.

Num plano teórico, o julgador impedido pode influenciar negativamente os demais ou, em última análise, permanecer silente, ao passo que um julgador imparcial (que deveria estar substituindo o julgador impedido), poderia ser fundamental para a formação de uma conclusão diferente.

Tal posicionamento se mostra ainda mais desarrazoado quando o julgador a que recai a suspeição ou o impedimento é o relator do processo, especialmente pela complacência e anuência que se costuma ter com o voto do relator.


Violação de Lei

A violação de Lei deve ser compreendida em sentido amplo e merece algumas considerações. No que concerne à inconstitucionalidade de Lei, é possível interpor rescisória quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade da lei aplicada pelo acórdão que se pretende rescindir.

Por sua vez, quando o texto legal der ensejo a interpretações controvertidas, não é cabível a rescisória, conclusão esta que se extrai por analogia ao contido na súmula nº. 343 do STF (aplicável ás rescisórias judiciais).


Admissibilidade

Havendo a subsunção do fato a uma das 5 possibilidades acima descritas é viável a interposição de pedido rescisório, observados os seus pressupostos de admissibilidade, quais sejam: prazo de até 2 anos do encerramento formal do processo; que efetivamente não caiba mais recurso no processo rescindendo (certidão do "trânsito em julgado") e instruir o processo com as fotocopias necessárias ao entendimento da controvérsia e com a referida certidão de encerramento formal do processo, devendo juntar fotocópias e não transladar as peças originais.

Além destes requisitos, também se aplicam aos pedidos administrativos de rescisão as "condições da ação", de modo que a legitimidade [04]; o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido também se afiguram como pressupostos de admissibilidade.

Vale ainda esclarecer que é inequívoco a possibilidade de revisão dos atos administrativos exarados pelo TCE/PR de acordo com a LC 113/05 e também pelo que consta da súmula 473 [05] do STF.


A revisão do ato administrativo pelo Poder Judiciário

Além do pedido rescisório, é possível aforar Ação Desconstitutiva ou Anulatória de Ato Administrativo perante o Poder Judiciário, também com o escopo de revisar o ato administrativo e atacar a inelegibilidade decorrente de reprovação de contas de Transferência Voluntária ou de Prestação de Contas Anuais.

O assunto sobre a revisão dos atos administrativos pelo Poder Judiciário é assunto com extensão e complexidade para a elaboração de uma monografia. Para fins de consecução às conclusões pretendidas neste artigo, entende-se pertinente algumas considerações abaixo sintetizadas.

A possibilidade de revisão do ato administrativo pelo judiciário é admitida com supedâneo no artigo 5º, inciso XXXV da Constituinte e deve estar atrelada a análise de ilegalidade no decorrer do processo administrativo e não para a revisão de mérito.

A revisão pura e simples do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário é vedada (ao menos num plano teórico) por conta do princípio da separação de poderes. Conquanto, na prática, se constate algumas extrapolações neste sentido, o Poder Judiciário não tem competência para atuar como se fosse o próprio Ente Administrativo (neste caso o Tribunal de Contas), de modo que o comando normativo da decisão judicial deve ser a declaração de nulidade do processo e a retomada do processo ao TCE, para que a ilegalidade seja suprida.

Como ilegalidade, pode se entender qualquer afronta a dispositivos infra-constitucionais e constitucionais, bem como a princípios e tratados promulgados. Também fazendo uso da prática jurídica, constata-se que as ilegalidades mais freqüentes são aquelas que resultam em:

- cerceamento de defesa e ofensa ao contraditório e a ampla defesa – como a ausência de intimação do interessado para se manifestar contra um determinado ato, tais como decisões e pareceres que possam influenciar no resultado final da decisão administrativa; ausência de intimação válida via AR, como envio de carta a endereço incorreto e recebimento do AR por um terceiro e ausência de intimação do interessado (e não do ente administrativo a que representa), quando a sanção for pessoal ao gestor;

- ausência de motivação do ato administrativo, que ocorre quando o TCE deixa de enfrentar algum argumento, prova ou fato importante para a solução do julgado;

- afronta ao contido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000).

Uma questão que gerou polêmica nas eleições de 2008 foi o fato de que, nas eleições que ocorreram em 2004, vigorava de forma integral a súmula nº 1 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que assim dizia: "Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar n. 64/90, art. 1°, I, g)".

Para as eleições de 2004, com base no enunciado do TSE, a simples interposição de medida judicial, ainda que sem fundamento legal, já era suficiente para "limpar o nome" do candidato, ainda que provisoriamente.

A súmula não chegou a ser revogada, mas o TSE estendeu a sua interpretação, assentando que além da interposição da medida judicial, o candidato precisa obter uma liminar suspendendo a inelegibilidade.

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Ocorre que, com base neste novo posicionamento, alguns juízes eleitorais fizeram a interpretação equivocada de que somente uma decisão judicial poderia tornar o gestor com contas desaprovadas elegível, desprezando a competência que o próprio Tribunal de Contas tem para rever as suas decisões.

Parece lógico que a necessidade de liminar judicial só é aplicável aos candidatos que não obtiveram a reforma da desaprovação pelo próprio Tribunal de Contas, que com poderes para julgar contas, tem poderes para reformá-las, conforme dispositivos da LC 113/05 e súmula 473 do STF.


A defesa perante a justiça eleitoral

Pendente a reprovação de contas anuais ou de transferência voluntária, também é possível atacar os efeitos da inelegibilidade que dela decorre através do próprio procedimento de impugnação de registro de candidatura.

Da exegese do artigo 1º, inciso I, alínea "g", da Lei 64/1990, depreende-se que é possível alegar o transcurso do prazo de 5 anos seguintes contados da data da decisão, ou a não ocorrência de encerramento formal do processo.

Outra hipótese mais comum e com maior aplicabilidade, é discutir a "sanabilidade" dos motivos que ensejaram a reprovação de contas. A controvérsia quanto a este ponto é grande pelo fato de que o conceito de "regularidade sanável", constante no referido artigo 1º, I, "g" da Lei 64/1990, é amplo e incerto.

Nas eleições de 2008, contrariando a jurisprudência dominante do Superior Tribunal Eleitoral [06], o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná [07] não adentrou na discussão da "sanabilidade" das irregularidades, afirmando que competia ao TCE a análise desta matéria.

Entrementes, nos processos em que a questão foi posta em debate e que chegou a esfera do Tribunal Superior Eleitoral, foi imposta a nulidade da decisão precedente e a determinação para abertura de instrução processual com o escopo de permitir ao impugnado provar a "sanabilidade" das irregularidades que ensejaram a reprovação de contas que o tornou inelegível.


Conclusão

Logrando êxito em alguma das medidas acima apontadas, o gestor passa a ser elegível, deixando de figurar no rol dos "fichas-sujas".

Em qualquer das alternativas apontadas, o processo (administrativo ou judicial) segue um trâmite razoavelmente burocrático, com manifestações das partes e pareceres do Ministério Público, em que as decisões estão sujeitas a recursos múltiplos e, na maioria das vezes, são tomadas por um órgão colegiado. Daí porque se pode dizer que em regra, se a inelegibilidade foi afastada, é porque ela era injusta e ilegal, pois a segurança a que se revestem os procedimentos Judiciais e Administrativos acaba minimizando sobremaneira a possibilidade de corrupção e favorecimentos nestes poderes.

Apesar da impressão que a população tem de que "a justiça não é para todos", aqueles candidatos que realmente se enquadravam em alguma das hipóteses de inelegibilidade, realmente ficaram de fora das eleições.

Não faltaram exemplos em todas as esferas e escalões, de políticos que perderam seus mandatos ou não puderam tomar posse em decorrência de alguma das causas de inelegibilidade.


Notas

  1. Vale destacar que a idéia de "transito em julgado administrativo" é rechaçada pelo Doutrina majoritária por conta da possibilidade de revisão pelo poder judiciário, daí porque, seria incorreto utilizar tal conceito.
  2. O elenco é a transcrição dos respectivos incisos do artigo 77 da Lei 113/05, respeitando ordem e numeração.
  3. TCE/PR – Processo 37996/07 – Cons. Rel. Fernando Augusto Mello Guimarães – Acórdão 277/07 do Pleno – Publicado nos Atos Oficiais do TCE/PR de 27/07/2007. Extraído do sítio: http://www.tce.pr.gov.br/servicos_publicacao.aspx?pub=40648
  4. A parte, o terceiro juridicamente interessado – aquele que ainda que não tenha participado do processo, sofra os efeitos da sanção e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
  5. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
  6. Vide Recurso Especial Eleitoral 30153 e o acórdão proferido neste processo pelo TSE.
  7. Vide Recurso Eleitoral 5885 e acórdão 34.191 do TRE/PR.
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Sobre o autor
José Augusto Pedroso

Advogado. Especialista em Processo Civil Contemporâneo. Especializando em Direito Administrativo. Membro da Henrichs Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSO, José Augusto. A inelegibilidade decorrente de reprovação de contas no TCE. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2236, 15 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13343. Acesso em: 17 nov. 2024.

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