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A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho sob a ótica da moderna hermenêutica constitucional

28/08/2009 às 00:00
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A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (Convenção n. 158 da OIT), que versa sobre o "Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador", foi aprovada em 22/06/1982, concomitantemente com a Recomendação n. 166, na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, e entrou em vigor no plano internacional em 23/11/1985.

No Brasil, essa Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional (art. 49, I da CF/88) em 17/09/1992 (Decreto Legislativo n. 68) e ratificada pelo Governo brasileiro em 4/01/1995, para vigorar doze meses depois. Porém, a sua eficácia no território nacional ocorreu somente com a publicação oficial do respectivo texto no idioma português (promulgação do Decreto n. 1.855, de 10 /04/1996).

O ponto central da Convenção n. 158 da OIT encontra-se ao condicionar a validade da resilição unilateral por parte do empregador a uma justificação, que pode pautar-se somente na capacidade/comportamento do trabalhador ou nas necessidades empresariais.

Na primeira hipótese, se a dispensa fundar em motivos de ordem subjetiva, assegura-se ao obreiro o direito de defesa prévia perante o empregador, passível de recusa, se dotada de razoabilidade, sem prejuízo de recurso a órgão neutro, o que nos remete, respectivamente, aos artigos 5º, LV e XXXV e 114, caput da Carta Magna.

Vale dizer que sendo considerada injustificada a dispensa do trabalhador e não for possível/aconselhável a sua reintegração (sanção reconstitutiva), há determinação de pagamento de indenização ou outra reparação apropriada (sanção compensatória).

No caso de incidirem motivos objetivos, relacionados com dificuldades empresariais de natureza econômica, tecnológica, estrutural ou análoga, existem medidas prévias a essa dispensa que devem ser tomadas pelo empregador com intuito de evitar ou limitar a consumação deste ato unilateral.

Contudo, o que parecia ser para a realidade brasileira uma forma de completar os direitos catalogados no art. 7º da CF/88 e de mitigar o poder empregatício na resilição unilateral, surpreendentemente, sofreu questionamento de sua validade, por meio de denúncia à ratificação da Convenção n. 158 da OIT proposta pelo Presidente da República.

Por conseguinte, houve a promulgação dessa denúncia pelo Decreto n. 2.100, de 20/12/1996, que anunciou não vigorar mais no País a Convenção n. 158 da OIT, a partir de 20/11/1997.

Cumpre observar que no momento em que se cogitava o registro da denúncia, constava, desde 08/07/96, do ajuizamento da ADIn n. 1480 para obter a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Legislativo n. 68/92 e do Decreto n. 1.855/96, com pedido de concessão de liminar.

Embora a Suprema Corte tenha concedido liminar em 04/09/97, suspendendo os efeitos dos supracitados decretos, o mérito da ADIn n. 1480 não foi enfrentado, sendo simplesmente declarada extinta por "perda do objeto", diante da superveniência do Decreto n. 2.100/96.

Todavia, d.m.v., o STF assumiu um posicionamento equivocado ao conceder a referida liminar.

Urge salientar que o Eg. Tribunal firmou-se em pressupostos errôneos e superados pela moderna hermenêutica constitucional na leitura dos artigos 5º, §2º e 7º, I da CF/88 e do artigo 1º da Convenção n. 158 da OIT.

Feita essa observação, cabe-nos tecer considerações acerca da denúncia da Convenção n. 158 da OIT, no sentido de pugnar pela sua invalidade e consequente inconstitucionalidade do Decreto n. 2.100/96, sendo que esta foi arguída somente em 19/06/2007, por meio da ADIn n. 1625, que, até o momento, não teve julgado o seu mérito.

A irregularidade da referida denúncia baseia-se no atropelo que faz ao conteúdo da Convenção n. 158 da OIT e à hierarquia desta no ordenamento jurídico brasileiro, bem como às formalidades tipificadas tanto nessa Convenção, como na de nº 144.

Vejamos.

A priori, destaca-se que a convenção em tela se compatibiliza plenamente com o nosso texto constitucional.

A Convenção n. 158 da OIT, tida como um tratado de proteção aos direitos humanos, uma vez incorporada à legislação nacional com, no mínimo, status constitucional, regulamenta o princípio básico contido no art. 7º, I da Carta Magna.

Neste sentido, as suas normas relativas a direitos fundamentais jamais podem estar sujeitas à revogação ou restrição, por se tratarem de "cláusulas pétreas" (art. 60, §4º, IV) ou, para aqueles que adotam a ultrapassada interpretação restritiva, pelo fato de um preceito constitucional ter de se submeter a todas as formalidades preceituadas no art. 60 da CF/88, razões pelas quais se verifica a invalidade da denúncia.

Se não bastasse, ao contrário do ocorrido, a denúncia somente poderia ter sido formalizada a partir de 05/01/2006 (art. 16, §3º c/c art. 17, §1º da C. 158 da OIT), desde que submetida a procedimento prévio de consulta (art. 2º e art. 24 da Convenção n. 144 da OIT).

Fundamental ressaltar que a ratificação Convenção n. 158 da OIT, em nenhum momento, obstaculiza edição de lei complementar, da mesma forma que este comando normativo não se torna suficiente para inibir/invalidar a referida ratificação.

Embora a referida lei complementar permaneça "no limbo programático", imperiosa a sua elaboração para enunciar os conceitos de despedida "arbitrária" e "sem justa causa", dispor sobre "indenização compensatória" e prever os casos que a enseja e o seu quantum, e, ainda, revelar quais "os outros direitos" a ser abrangidos diante da proteção garantida na relação de emprego.

Assim, reitera-se, defendemos pela inconstitucionalidade do Decreto n. 2.100/96, o que nos permite concluir que a Convenção n. 158 está em pleno vigor no País, não havendo razão para apresentar proposta de "re-ratificação".

Diante dos recentes julgamentos do STF, em destaque aqueles que conferiram efetividade ao direito de greve dos servidores públicos civis - ao aplicar a lei que disciplina os movimentos grevistas no âmbito do setor privado e efeito supralegal - para as regras internacionais sobre direitos humanos - ao declarar inconstitucional a prisão civil do depositário infiel, bem como o que salientou a "juridicização do processo decisório", ansiamos pela procedência dos pedidos constantes da ADIn n. 1625.

Na eventualidade de julgamento diverso, seja o Eg. Tribunal devidamente provocado com intuito de dar efetivo cumprimento à proteção contra "despedida arbitrária ou sem justa causa", até o Poder competente sanar a omissão legislativa constante do art. 7º, I da CF/88.

Por todo o exposto, aplicar a Convenção n. 158 da OIT é reconhecer/respeitar o fenômeno da constitucionalização do Direito do Trabalho, "em que o princípio da dignidade da pessoa humana revelou-se como núcleo de afirmação dos demais direitos". (DELGADO, 2007:67-87)


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Sobre a autora
Roberta Dantas de Mello

Aluna (D.I.) da Pós-Graduação strictu sensu em Direito do Trabalho pela PUC/MG. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Especialista em Direito Processual Constitucional. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Roberta Dantas. A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho sob a ótica da moderna hermenêutica constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2249, 28 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13408. Acesso em: 25 abr. 2024.

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