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O cidadão na democracia de Joseph A. Schumpeter e Robert A. Dahl

29/08/2009 às 00:00
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Introdução

A ideia de democracia remonta a Antiguidade, expressada por meio do pensamento político grego, que concebia a democracia como uma forma de governo possível. Democracia, tal como concebida pelos gregos, era definida em termos de governo do povo, se contrapondo ao governo de poucos. Democracia, genericamente, associa-se nas oportunidades de participação política na fixação de objetivos individuais e coletivos, assim como na igualdade e na liberdade política (MARTINS, 1994).

A doutrina clássica da democracia postula-se como um ideal a ser alcançado, estando implícitos em seu corpo teórico elementos normativos, que guiariam a sociedade para atingir esse ideal. A concepção metodológica da democracia moderna descreve a realidade na qual os princípios democráticos são aplicados. Isto significa dizer que a análise desloca-se da democracia como ela deve ser para democracia como ela é (BOBBIO, 1987).

A concepção metodológica dos teóricos da democracia moderna ou realista - descrever a realidade na qual os princípios democráticos são aplicados - faz ressurgir a antiga discussão de Nicolau Maquiavel, que se encontra no seu livro O príncipe. Nesse livro, o autor inova a investigação, dando início a uma nova ciência, a Ciência Política. Essa ciência deve investigar os fatos da vida política por meio da prática como se realiza. A isso Nicolau Maquiavel chama de "a verdade efetiva das coisas", isto é, dada uma realidade explicar por aquilo que ela é, em outros termos, isto significa que temos que distanciar de quaisquer valores que idealizam o fato investigado (MAQUIAVEL, 1999).

À luz deste raciocínio realista da vida política, podemos dizer que Joseph A. Schumpeter e Robert A. Dahl partilham uma concepção metodológica de democracia realista, marcada pelo caráter descritivo, buscando "a verdade efetiva das coisas". Além disso, esses estudiosos compartilham diferentemente a noção de participação do cidadão em um regime político considerado democrático.

Começando pelo economista Joseph A. Schumpeter, ele pode ser considerado o estudioso de transição entre o clássico e o moderno no que diz respeito à teoria democrática. Ele procurou desenvolver um método teórico-analítico da democracia de base empírica. Joseph A. Schumpeter estava preocupado em relatar como a democracia funcionava e produziu uma teoria que fosse a mais fiel à realidade (HELD, 1995). Em outras palavras, isto significa que a teoria política da democracia de Joseph A. Schumpeter está respaldada pelos fatos práticos da vida política da sociedade.

Em Capitalismo, socialismo e democracia, ele contribuiu muito para revisar as noções sobre a teoria democrática. A revisão feita por Joseph A. Schumpeter foi muito importante para as teorias posteriores, pois as atuais noções sobre a teoria democrática foram elaboradas "(...) dentro do parâmetro estabelecido por Joseph A. Schumpeter e basearam-se em sua definição de democracia" (PATEMAN, 1992, p. 12). Importa lembra que por democracia, Schumpeter (1984, p. 328) queria referir-se a um método de decisão política: "o método democrático é um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor", diz ele. A essência da democracia schumpeteriana está no elemento competitivo, isto significa que a vida política é de luta entre os líderes rivais, organizados em partidos, correndo atrás dos votos dos cidadãos eleitores.

Carole Pateman, em sua análise sobre a teoria da democracia schumpeteriana, ressalta que Joseph A. Schumpeter ataca a teoria democrática enquanto uma teoria de meios e fins. Em outros termos, a teoria democrática proposta por ele deve ficar afastada de quaisquer ideais, distanciando dos valores e ver a democracia como ela é e não como ela deve ser.

Para Joseph A. Schumpeter construir a sua teoria democrática, mais próxima da realidade, ele rejeitou a doutrina clássica da democracia. Nas palavras do próprio Schumpeter (1984, p. 313), a democracia na doutrina clássica é um "(...) arranjo institucional para se chegar a decisões políticas que realiza o bem comum fazendo o próprio povo decidir as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-se para realizar a vontade desse povo".

Opondo-se a essa concepção de democracia, Joseph A. Schumpeter fez três críticas à doutrina clássica (HELD, 1995). A primeira crítica está centrada na ideia de um bem comum. Para ele não existe um bem comum determinado. Para diferentes pessoas ou grupos, o bem comum pode significar várias coisas. Já a segunda crítica diz respeito às decisões políticas não-democráticas. Com relação a isto, Joseph A. Schumpeter chama atenção de que as decisões não-democráticas podem ser mais aceitas pelas pessoas do que decisões democráticas. Para isto, ele mostra uma instituição religiosa imposta, no início do século XIX, por Napoleão Bonaparte como exemplo clássico de uma decisão política estabelecida por meios não-democráticos. Por último, a terceira crítica diz respeito à natureza da vontade popular. Apoiado em trabalhos da psicologia social e no caráter manipulador das propagandas com a capacidade de moldar as preferências das pessoas, ele constata que a vontade popular não é pura, mas sim moldada por outras pessoas.

Na democracia schumpeteriana, o cidadão é apenas um produtor de elites políticas. Para Schumpeter (1984, p. 355), a democracia "(...) significa apenas que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar as pessoas designadas para governá-lo". O papel do cidadão resume-se a escolher entre alternativas, aquela que lhe parecer melhor. Joseph A. Schumpeter não aceita à ideia da doutrina clássica da democracia, que via o cidadão como um ser interessado por política e capaz de comandar o processo político. Ao entrar no mundo da política, o cidadão "(...) tenderá a ceder a preconceitos e impulsos extra-racionais e irracionais", diz Schumpeter (1984, p. 328). E mais: o cidadão "(...) típico cai para um nível mais baixo de desempenho mental assim que entra no campo político" (p. 328), ou seja, a pessoa torna-se um ser irracional, que será conduzida por outra pessoa.

Até aqui vimos a percepção schumpeteriana sobre a democracia e a importância do cidadão nesse regime, mas qual é a concepção dahlsaniana sobre esses temas?

O cientista político Robert A. Dahl, numa perspectiva diferente de Joseph A. Schumpeter, é um dos mais importantes teóricos sobre a democracia contemporânea. Ele contribuiu muito para definir os contornos da democracia no atual contexto. Variáveis institucionais são invocadas para explicar o processo de democratização das sociedades contemporâneas. Quanto a isto, Fernando Limongi, prefaciando o livro Poliarquia: participação e oposição, ressalta que os termos institucionais, sobretudo o processo de interação dos poderes Executivo e Legislativo e o sistema partidário, levantados e pouco trabalhados por Robert A. Dahl, constituíram a base de sustentação de uma nova abordagem teórico-analítica dentro da Ciência Política conhecida como neo-institucionalismo.

Ao contrário de Joseph A. Schumpeter, Robert A. Dahl observa que além dos cidadãos escolherem seus representantes, eles têm uma outra função importante no processo político, que é organizar em grupos de interesses. Esses grupos desempenham a função de processar os inputs (demandas advindas da sociedade), isto é, têm o objetivo de agregar e articular os diferentes interesses dos atores sociais envolvidos na produção de políticas públicas. Essa organização da sociedade em grupos de interesses é vista por Dahl (1997) como um dos aspectos mais importantes da democratização das sociedades contemporâneas.

Ele observa que à existência de várias organizações disputando o poder, implica, por si só, em uma sociedade onde a incorporação política esteja em um estágio mais avançado. É importante ressaltar, que a existência de vários grupos nos revela uma sociedade de caráter plural, ou seja, o poder encontra-se dividio entre várias organizações. Os cidadãos nessa sociedade pluralista têm a liberdade para associarem em grupos, segundo seus interesses, para escolherem e formularem suas preferências. Assim, nessa sociedade, o poder político é disperso entre os grupos que compõem a estrutura societal.

Dahl (1997, p. 25) parte do pressuposto de que a característica definidora da democracia é a "(...) contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais". Fazendo menção à democracia dahlsaniana, Robert D. Putnam diz que a "(...) democracia concede aos cidadãos o direito de recorrer ao seu governo na esperança de alcançar algum objetivo particular ou social; além disso, requer uma concorrência leal entre as diferentes versões do interesse público" (PUTNAM, 2000, p. 77). Noutras palavras, a democracia dahlsaniana tem como característica a constante sensibilidade do governo em relação às preferências de seus cidadãos.

Para isto, devem ser garantidas a todos os cidadãos, segundo Dahl (1997), oportunidades plenas, tais como: i) formular suas preferências, ii) expressar, por meio da ação individual ou coletiva, suas preferências a seus pares e ao próprio governo e iii) ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo. Robert A. Dahl estima que há, pelo menos, oito condições para garantir essas oportunidades, vejamos: i) liberdade de criar e aderir a grupos de interesses, ii) liberdade de expressão, iii) direito a votar, iv) direito de se eleger para cargos públicos, v) direito de lideranças políticas a disputarem apoio e votos, vi) obter informações em fontes alternativas, vii) processo eleitoral livre e idôneo e viii) instituições para fazer com que as políticas conduzidas pelo governo dependam de eleições e de outras manifestações. Os regimes políticos diferem em muito na forma com vão disponibilizar institucionalmente essas condições. Também essas condições possibilitam comparar diferentes regimes políticos, no que diz respeito a oposição, a contestação pública ou a competição política (DAHL, 1997). Diante disto, Robert A. Dahl vê a democracia como um sistema ideal, ou seja, o que existe atualmente não é a democracia, mas sim uma outra coisa: "por esta razón, a lo largo de los años me he inclinado cada vez más por usar el término poliarquía para designar a la democracia representativa como la conocemos en la práctica", diz Dahl (1994, p. 94).

Por considerar que as democracias efetivamente existentes nas sociedades contemporâneas são pobres em aproximações com o ideal democrático, Robert A. Dalh sugeriu que essas aproximações fossem chamadas de poliarquias (governo de muitos), ou seja, sociedades pluralistas onde o poder está descentralizado. Na sua visão, a poliarquia deve ser considerada como um instrumento para instituir um governo aceitável pela maioria das pessoas.

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A poliarquia é um regime que foi popularizado e liberalizado, isto é, incentiva a participação dos cidadãos e está aberto à contestação pública. Em Razões da desordem, Wanderley Guilherme dos Santos ressalta que a inter-relação das dimensões participação e contestação presume a "(...) garantia dos direitos clássicos de associação, liberdade de expressão, formação de partidos, igualdade perante a lei e, afinal, controle da agenda pública" (SANTOS, 1993, p. 80). Em resumo, a poliarquia representa a ampliação do debate público e a efetiva participação das pessoas no processo de produção de políticas públicas.


Conclusões

O objetivo deste texto foi oferecer uma pequena contribuição para que se possa entender a democracia realista e a importância do cidadão em regime democrático. A discussão foi centrada nas percepções do economista Joseph A. Schumpeter, que se distanciou da análise clássica da democracia, e do cientista político Robert A. Dahl, que definiu as linhas gerais da democracia contemporânea. As observações levantadas ao longo das páginas permitem concluir este artigo ressaltando alguns pontos:

i) Os três tipos de direitos (civis, políticos e sociais) estabelecidos por Thomas H. Marshall estão interligados positivamente na teoria democrática dahlsaniana, ou seja, esses direitos são necessários para fortalecer a poliarquia que, por sua vez, pode conduzir ao regime ideal, a democracia. Ao contrário, na teoria democrática schumpeteriana, os direitos de cidadania marshallniana são limitados e de caráter passivo.

ii) As dimensões participação e contestação do regime poliárquico estão relacionadas com os direitos políticos estabelecidos por Thomas H. Marshall. O respeito a esses direitos é uma condição necessária para desenvolver e consolidar os direitos civis e sociais. Esse regime induz os cidadãos a criarem novos espaços para reivindicar novos direitos de cidadania, por exemplo: o direito de consumidor, o direito ao meio ambiente, o direito da criança, o direito do idoso etc. Além do mais, os cidadãos estão constantemente fiscalizando, por meio de partidos, de ONGs, de movimentos sociais, do Ministério Público etc, as atividades dos poderes constitucionais da República (Executivo, Legislativo e Judiciário).

iii) Na teoria democrática schumpeteriana, o cidadão é mais conduzido do que condutor. Os cidadãos não têm uma participação ativa no seio da sociedade. O único meio de participação aberta aos cidadãos é o voto para eleger as lideranças. No regime democrático schumpeteriano, os únicos "(...) participantes plenos são os membros de elites políticas em partidos e em instituições públicas. O papel dos cidadãos ordinários é não apenas altamente limitado, mas freqüentemente retratado como uma intrusão indesejada no funcionamento tranqüilo do processo público de tomada de decisões" (HELD, 1995, p. 168).


Bibliografia

BOBBIO, N. (1987). Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra.

CAVALCANTI, R. M. N. T. (1989). Conceito de cidadania: sua evolução na educação brasileira a partir da República. Rio de Janeiro, Publicação SENAI.

DAHL, R. A. (1997). Poliarquia: participação e oposição. São Paulo, Editora EDUSP.

___________ (1994). ¿Después de la revolución?: la autoridad en las sociedades avanzadas. Barcelona, Gedisa Editorial.

HELD, D. (1995). Modelos de democracia. Belo Horizonte, Editora Paidéia.

GIDDENS, A. (2001). O Estado-nação e a violência: segundo volume de uma crítica contemporânea ao materialismo histórico. São Paulo, Editora EDUSP.

PUTNAM, R. D. (2000). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Editora FGV.

PATEMAN, C. (1992). Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra.

MARSHALL, T. H. (1967). Cidadania, classe e status, Rio de Janeiro, Zahar Editores.

MAQUIAVEL. N. (1999). O príncipe. São Paulo, Editora Nova Cultura.

MARTINS, C. E. (1994). O circuito do poder. São Paulo, Editora Entrelinhas.

SANTOS, W. G. (1993). Razões da desordem. São Paulo, Editora Rocco.

SCHUMPETER, J. (1984). Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

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Sobre o autor
Riberti de Almeida Felisbino

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foi professor e pesquisador da Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS) e atualmente está sem vínculo institucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELISBINO, Riberti Almeida. O cidadão na democracia de Joseph A. Schumpeter e Robert A. Dahl. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2250, 29 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13421. Acesso em: 24 nov. 2024.

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