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Alistamento e domicílio eleitoral.

Noções básicas ao exercício da cidadania

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01/09/2009 às 00:00
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II - DOMICÍLIO ELEITORAL

é outro tema de especial importância no Processo Eleitoral, eis que a má interpretação dos institutos relacionados ao mesmo poderá ensejar, como infelizmente tem ocorrido, práticas atentatórias à soberania popular, face ao excesso de facilidades propiciadas na sua transferência com vistas a elevar o contingente eleitoral de determinado município por motivos absolutamente fraudulentos, desvinculados dos anseios daquela comunidade, cuja vontade política acaba sendo comprometida.

        Importa esclarecer que domicílio eleitoral não se confunde com domicílio civil. De fato, a jurisprudência não caracteriza o domicílio eleitoral com os mesmos requisitos do civil, conforme Ac.-TSE n° 16.397/2000 e 18.124/2000: "o conceito de domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos - políticos, sociais, patrimoniais, negócios". Ver também os arts. 70 a 78 do Código Civil.

        Apesar de historicamente não ter havido expressivas modificações normativas no conceito de domicílio eleitoral, adotam alguns doutrinadores um entendimento de certa elasticidade ao conceituá-lo, enquanto outros oferecem uma maior restrição. De fato, pode-se citar como fatores de referência que o eleitor teria para com determinado lugar aqueles relacionados a valores sentimentais, econômicos, históricos, herança social, política, cultural, de parentesco e amigos de aspirações comuns, bem como interesses e realizações tanto das gerações dos seus antepassados como das futuras, dentre outros.

        Vale aqui trazer a opinião de Adriano Soares da Costa (2000, p. 107), ao afirmar que "quem pretenda fixar o conceito de domicílio eleitoral deve, preliminarmente, desvestir-se de qualquer juízo civilista: domicílio eleitoral e domicílio civil são conceitos distintos e de extensões diferentes. Enquanto este requer a existência de ânimo definitivo na fixação da residência, aquele apenas exige a residência ou moradia. Residência é o lugar onde se mora, onde há permanência do indivíduo por algum tempo. Se há propriedade de uma casa de campo, e nela passa-se temporadas, há residência; assim também se se possui casa de veraneio, ou casa de praia. Portanto, pode-se ter mais de uma residência. Basta à configuração da residência a estadia mais prolongada, costumeira, dia e noite. A habitualidade da moradia é nuclear no conceito de residência".

        Segundo o já referido eleitoralista baiano, Ademir Ismerim Medina (2002, p. 198), para efeito de inscrição considera-se domicílio eleitoral o lugar da residência ou moradia do requerente e, em havendo mais de uma residência, considerar-se-á domicílio eleitoral qualquer delas. Nesse sentido dispõe o Parágrafo único do art. 42 do CE prevendo que, para efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

        Para finalizar este tópico, cita-se De Plácido e Silva (1993, p. 123), para quem domicílio eleitoral, segundo as regras do Direito Eleitoral, é o lugar em que a pessoa, como cidadão, exerce os seus direitos políticos e cumpre os seus deveres cívicos.

        2. SEÇÕES E ZONAS ELEITORAIS

        Depois de alistado, o eleitor fica vinculado a uma das Seções de uma das Zona Eleitorais do território onde reside. Hoje temos, por exemplo, no Estado da Bahia, 204 Zonas Eleitorais, sendo 20 delas em Salvador (todas no Centro Administrativo da Bahia, prédio sede do TRE-Ba). Observe-se que o número de Seções Eleitorais em cada Zona é aleatório, de acordo com a necessidade.

        Sobre o assunto diz Joel J. Cândido (2004, p. 87) que "esta seção eleitoral, que corresponde à mesa receptora de votos à qual o eleitor deverá comparecer no dia da eleição para votar, é definida pelo domicílio, pelo endereço do eleitor, sendo ele incluído na seção mais próxima possível desse endereço (…); mais que alterações no estado civil, no grau de instrução, etc., a alteração de endereço repercute diretamente nos serviços eleitorais, na medida em que essa desatualização dos cadastros gera a impossibilidade de convocação do eleitor para os serviços de mesário e escrutinador pela Justiça Eleitoral".

        Vale transcrever os arts. 117 e 118/CE (ver também art. 11 da Lei n° 6.996/82), que trata sobre as Seções Eleitorais:

        Art. 117. As seções eleitorais, organizadas à medida em que forem sendo deferidos os pedidos de inscrição, não terão mais de 400 (quatrocentos) eleitores nas capitais e de 300 (trezentos) nas demais localidades, nem menos de 50 (cinqüenta) eleitores.

        § 1º Em casos excepcionais, devidamente justificados, o Tribunal Regional poderá autorizar que sejam ultrapassados os índices previstos neste artigo desde que essa providência venha facilitar o exercício do voto, aproximando o eleitor do local designado para a votação.

        § 2º Se em seção destinada aos cegos, o número de eleitores não alcançar o mínimo exigido êste se completará com outros, ainda que não sejam cegos.

        Art. 118. Os juizes eleitorais organizarão relação de eleitores de cada seção a qual será remetida aos presidentes das mesas receptoras para facilitação do processo de votação.

        O art. 117, entretanto, foi, em parte, derrogado, sendo hoje considerados números limites de eleitores para uma Seção Eleitoral o mínimo de 50 eleitores e, o máximo, na capital, 500; nas Seções do interior o número máximo é de 400 eleitores.

        Por sua vez, a Zona Eleitoral corresponde a uma área de delimitação espacial da jurisdição eleitoral com as respectivas Seções; forma-se uma Zona em razão do número de habitantes que são eleitores nos Municípios.

        Vera Maria Nunes Michels (2006:35) enfatiza que "as Seções Eleitorais compõem a Zona Eleitoral, e as Zonas Eleitorais, por sua vez, formam a Circunscrição Regional, que pode, em certos casos, abranger mais de um município ou um município abranger mais de uma Zona, como é o caso de Porto Alegre, que possui 10 Zonas Eleitorais, o que nos leva à conclusão, de plano, de que as Zonas Eleitorais se formam em razão do número de habitantes eleitores nos municípios".

        Situação interessante é quando uma mesma Zona jurisdiciona o eleitorado de mais de um Município (limítrofes). Neste caso, cada um desses Municípios terá suas próprias Seções eleitorais; ou seja, a Zona pode ser a mesma, mas as Seções de Municípios distintos, uma vez que compõem, cada uma, mesas receptoras de votos, haverão sempre de agregar eleitores de um mesmo Município. Logicamente, por sua vez, uma mesma Zona eleitoral não poderá jurisdicionar Municípios de Estados diferentes pelos mesmos motivos, dentre outros. Veja-se que cada mesa receptora tem sua respectiva lista de eleitores que irão votar nos candidatos de uma mesma circunscrição eleitoral. Tal observação vale, sobremodo, nas eleições municipais e, relativamente às eleições gerais, nos votos para Governador e Vice, Deputados e Senadores (excluindo-se apenas para Presidente da República e vice).

        3. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL

        É possível ao eleitor proceder à transferência de seu domicílio eleitoral para qualquer outro domicílio no território brasileiro, o que necessariamente implicará em mudança de sua circunscrição eleitoral. De fato, ensina Joel J. Cândido (2004, p. 88) que "o processo de transferência, por sua vez, implica não apenas na mudança de endereço do eleitor, mas em mudança de Zona Eleitoral, ou de Município, circunstâncias que não são necessariamente coincidentes".

        Como dito anteriormente, há Municípios com várias Zonas Eleitorais, bem como há a possibilidade de uma mesma Zona Eleitoral agregar, ou jurisdicionar, mais de um Município. Se a mudança de endereço implicar na mudança de Município, ou de Zona Eleitoral dentro do mesmo Município, não há apenas alteração de endereço, mas ocorre a transferência propriamente dita.

        Para se proceder à transferência do domicílio eleitoral faz-se necessário atender a condições específicas, previstas nos art. 55, §§ 1º e 2º, e art. 61 do CE:

        a) solicitação ao cartório eleitoral do novo domicílio até 150 dias antes da data da eleição (art. 91 da LGE);

        b) decurso mínimo de 1 ano da inscrição anterior, do alistamento ou da última transferência;

        c) residência mínima de 3 meses no novo endereço, declarada sob as penas de lei pelo próprio eleitor;

        d) prova de quitação com a Justica Eleitoral.

        Hoje, quanto à prova de residência mínima de 3 meses no domicílio para o qual se pretende transferir o título, basta uma declaração do interessado, sob responsabilidade penal, de que sua afirmação sobre seu novo endereço corresponde à verdade. Tal dispositivo vigente sofre críticas face à possibilitação de transferências falsas de inscrições eleitorais. Espera-se, aqui, um controle mais efetivo tanto pelos Partidos Políticos quanto pelo Ministério Público.

        Observa-se também que em determinados Municípios o número de eleitores é superior à média nacional, que oscila em torno de 64 a 67%, em relação ao número de habitantes, o que permite constatar uma falha no sistema de alistamento e, sobremodo, de transferência de domicílio eleitoral. Tal fato, como anteriormente abordado, propicia a ocorrência daquela ''revisão de eleitorado''.

        O Código Eleitoral-CE, conforme indicado, estabelece no art. 61 e parágrafos a necessidade do eleitor estar quites com a Justiça Eleitoral para transferir seu domicílio, acrescentando que, caso o requerente não instrua seu pedido de transferência com o título anterior, o Juiz do novo domicílio, ao solicitar informação ao da Zona de origem, indagará se o eleitor está quite com a Justiça Eleitoral, ou, não o estando, qual a importância da multa imposta e não paga. Ou seja, uma vez instruído o pedido com o título, e verificando-se que o eleitor não votou em eleição anterior, o Juiz do novo domicílio solicitará informações sobre o valor da multa arbitrada na Zona de origem, salvo se o eleitor não quiser aguardar a resposta, hipótese em que pagará o máximo previsto. Além do que, todos os formulários de alistamento e transferência devem ser assinados pelo Juiz Eleitoral e remetidos ao TRE para triagem e digitação.

        Vale observar que o menor de 16 anos, ou excepcionalmente com 15 anos de idade, deverá ele próprio requerer seu alistamento, não podendo ser representado. Isso ocorre devido ao caráter personalíssimo do alistamento e, também, da transferência do domícilio eleitoral. É uma "maioridade eleitoral" intuito personae. Sobre isso trata o Ac. n° 12.809, de 1°.4.97, rel. Min. Ilmar Galvão: "Recurso especial. Decisão que não conheceu de recurso ordinário interposto por pai de menor de dezoito anos que teve seu alistamento eleitoral indeferido. Ilegitimidade do pai para agir em nome do menor. Hipótese em que restou configurada a ausência de uma das condições de ação, o que enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito. Caracterizada a ausência de interesse processual, visto que o menor pode a qualquer tempo renovar o pedido de alistamento. Recurso não conhecido."

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        Registre-se ainda que o preso, em certas hipóteses, poderá pleitear a transferência de seu domicílio eleitoral. Nesse sentido: "Consulta. Seção eleitoral especial. Estabelecimento penitenciário. Presos provisórios. A possibilidade de presos provisórios virem a votar depende da instalação de seções especiais, bem como de os interessados terem efetuado pedido de transferência eleitoral." (Res. no 21.804, de 8.6.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.)

        Relativamente ao trabalhador, mesmo quando empregado público, nas hipóteses de alistamento eleitoral ou de pedido de transferência do título, o mesmo deverá comunicar ao empregador quarenta e oito horas antes e poderá se ausentar por até dois dias sem sofrer qualquer prejuízo em seu salário ou na contagem de tempo de serviço. Sobre isso ver os art. 473, V da CLT e art. 48/CE. Tal entendimento foi estendido aos servidores públicos estatutários.

        Finalmente, saliente-se que a transferência de domicílio eleitoral também só poderá ocorrer a pedido do próprio eleitor, vale dizer, não poderá ocorrer ex officio. Sobre isso alude Vera Maria Nunes Michels (2006:17) ao enfatizar que "não há transferência de domicílio eleitoral ex officio, ainda que a administração eleitoral tome conhecimento da mudança de domicílio. Isto significa que a transferência do Título de Eleitor é facultativa, já que é ao eleitor que compete analisar e ponderar da conveniência, ou não, da transferência. Daí que a manutenção da zona de alistamento, mesmo que com alteração da residência ou moradia, termina por instituir o denominado domicílio histórico, sentimental ou afetivo".

        Vale transcrever o seguinte Acórdão TRE-SC n° 16.343. Relator Juiz Rodrigo Roberto da Silva. Município de Lageado Grande/SC. Publicado em Sessão do dia 10.8.2000: "RECURSO - INSCRIÇÃO ELEITORAL - IMPUGNAÇÃO - DOMICÍLIO ELEITORAL - COMPROVAÇÃO DE VÍNCULO - MANUTENÇÃO DA INSCRIÇÃO NO MUNICÍPIO. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, mantém-se a inscrição de eleitor que, embora residente em município diverso, comprova vínculos patrimoniais e/ou profissionais com o município para o qual pleiteia a manutenção de sua inscrição eleitoral. Assim, mesmo havendo a transferência do domicílio civil, o eleitor poderá preservar seu domicílio eleitoral.


III – CONCLUSÃO

        Espera-se ter trazido informações suficientes para que se compreenda o básico acerca desses institutos, deixando aqui um alerta sobre a imprescindibilidade de uma maior fiscalização no que concerne ao Alistamento e ao Domicílio Eleitoral, mormente em relação a transferências injustificadas, fruto de ardis políticos que acabam por neutralizar a vontade do eleitor compromissado com seu município e sua comunidade. Faz-se necessário que essa fiscalização se efetive através de normas mais eficazes, com posicionamento indispensável da Magistratura e do Ministério Público, para que haja autenticidade e legitimidade de nosso sistema representativo e para que os Direitos Políticos sejam consagrados e que a vontade do povo se faça, de verdade, soberana.

        Nesta conclusão, uno-me a uma corrente cada vez mais significativa, para tecer uma crítica de que sequer no conteúdo programático básico dos cursos de graduação de nossas Faculdades de Direito inclui-se o ensino das normas eleitorais, sendo a disciplina de Direito Eleitoral, na prática, excepcionalmente oferecida ao alunado, por não constituir cadeira específica. Nota-se a procura da disciplina, sobretudo nos cursos de pós-gradução, cujo número de profissionais especializados vem aumentando para jubilo de uma mão-de-obra mais qualificada nessa área. Mas, ainda comprometido é o futuro dos jovens profissionais de Direito que, pasme-se, deixam os bancos acadêmicos da graduação desconhecendo, quase por completo, as normas específicas referentes ao exercício da própria cidadania!


REFERÊNCIAS:

        - CÂNDIDO, Joel J. - "Direito Eleitoral Brasileiro", 11ª ed. atualizada, Bauru/São Paulo: Edipro, 2004.

        - CASTRO, Edson de Resende - "Teoria e Prática do Direito Eleitoral", Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

        - COSTA, Adriano Soares da - "Instituições de direito eleitoral: teoria da inelegibilidade: direito processual eleitoral: comentários à lei eleitoral", 4a. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

        - MEDINA, Ademir Ismerim - "Comentários à LGE", São Paulo: Quartier Latin, 2002.

        - MICHELS, Vera Maria Nunes - "Direito Eleitoral de acordo com a Lei nº 9.504/97", 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

        - MOURA TELES, Ney - "Novo Direito Eleitoral – Teoria e Prática", Brasília: LGE, 2003.

        - NICOLAU, Jairo - "História do voto no Brasil", Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

        - PINTO, Djalma - "Direito Eleitoral – Improbidade Administrativa e Responsabilidade Fiscal. Noções Gerais", 4a ed., São Paulo: Atlas, 2008.

        - RAMAYANA, Marcos – "Direito Eleitoral", 5a ed, Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

        - REBELLO PINHO, Rodrigo César - "Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais – Sinopses Jurídicas, Vol. 17", 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

        - BASTOS, Celso Ribeiro - "Curso de Direito Constitucional", São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002.

        - SILVA, De Plácido e - "Vocabulário jurídico", 12a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. II.

        - SILVA, José Afonso da - "Curso de Direito Constitucional Positivo", 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 01.2004.

        Jurisprudência citada:

        Fonte: < http://www.tse.gov.br/servicos_online/catalogo_publicacoes/pdf/jurisprudencia/1.pdf>

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Sobre a autora
Lucia Luz Meyer

Advogada, Procuradora Jurídica aposentada, Especialista em Direito Economico e em Direito Administrativo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEYER, Lucia Luz. Alistamento e domicílio eleitoral.: Noções básicas ao exercício da cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2253, 1 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13430. Acesso em: 5 nov. 2024.

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