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A imprescritibilidade das verbas trabalhistas enquanto perdurar o trabalho escravo

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04/09/2009 às 00:00
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Da incidência da causa impeditiva da prescrição enquanto perdurar o trabalho escravo.

Há 180 anos foi editada a Lei Áurea, que seria ultima pá de cal sobre o trabalho escravo no Império do Brasil. Ocorre que ainda hoje, conforme sobredito, tem-se mais de 25 mil trabalhadores escravos em todo o país. A Organização Internacional do Trabalho estima que para cada 1 trabalhador libertado, outros 3 continuam em cativeiro. Assim, o trabalho forçado ainda é uma chaga aberta dentro do panorama social brasileiro.

São diversas as causas de manutenção do trabalhador forçado nos redutos autocráticos dos fazendeiros escravagistas. Entre estas causas estão a ingenuidade do trabalhador, que de fato acredita ter uma dívida a ser paga com o gato que lhe deu a oportunidade de estar empregado; ameaças as suas famílias, caso saiam da terra sem pagar "o que devem"; e, por fim, a coação física, com exemplos diários de selvagerias e de tentativas de intimidação, caso ousem abandonar o serviço.

Mantido o vínculo com o suposto empregador, ficam os empregados devendo também ao gato, e quando não interessam mais aos fazendeiros, aqueles recolhem os trabalhadores em pensões (mantidas muitas vezes por outros fazendeiros) que servem de "vitrine" para que outros gatos ou supostos empregadores possam contratar seus serviços e comprar-lhes a dívida.

Neste ciclo de venda de pessoas, mantêm-se o trabalhador à mercê daquele que lhe compra os débitos, sendo assim mandado para os mais diversos lugares do país, sem liberdade de dizer se aceita ou não o serviço que lhe é imposto.

Não há diferença alguma quanto ao modelo cruel e desumano existente no período colonial.

Para retratar a situação em que vivem tais pessoas, cita-se parte do artigo publicado por Leonardo Sakamoto, membro da ONG Repórter Brasil, [16] que acompanhou a libertação de diversos trabalhadores escravos, no ano de 2001, no estado do Pará:

Muitas vezes, quando peões reclamam das condições ou querem deixar a fazenda, capatazes armados os fazem mudar de idéia. "A água parecia suco de abacaxi, de tão suja, grossa e cheia de bichos." Mateus, natural do Piauí, e seus companheiros usavam essa água para beber, lavar roupa e tomar banho. Foi contratado por um gato para fazer "roça de mata virgem" – limpar o caminho para que as motosserras pudessem derrubar a floresta e assim dar lugar ao gado – em uma fazenda na região de Marabá, Sudeste do Pará. Contou ao Grupo Móvel de Fiscalização que, no dia do acerto, não houve pagamento. Ele reclamou da água na frente dos demais e por causa disso foi agredido com uma faca.

"Se não tivesse me defendido com a mão, o golpe tinha pegado no pescoço", conta, mostrando um corte no dedo que lhe tirou a sensibilidade e o movimento. "Todo mundo viu, mas não pôde fazer nada. Macaco sem rabo não pula de um galho para outro." Mateus foi instruído pelo gerente da fazenda a não dar queixa na Justiça.

"Sempre que vejo um trabalhador cego ou mutilado pergunto quanto o patrão lhe pagou pelo dano e eles têm me respondido assim: ‘um olho perdido – R$ 60,00. Uma mão perdida – R$ 100,00’. E assim por diante. Estranho é que o corpo com partes perdidas tem preço, mas se a perda for total não vale nada", afirma um integrante da equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego.

Vê-se, então, que o medo de perder a vida existe, tanto enquanto dura a exploração escrava (pois estão, os trabalhadores, cercados de seguranças armados, e verdadeiros torturadores estão a postos para prevenir e punir eventuais levantes contra o sistema mantido), como após a libertação, posto que esses trabalhadores tem que literalmente sumir do mapa para que possam, senão viver, pelo menos se manterem vivos.

O importante ressaltar é que: ou os trabalhadores encontravam-se fisicamente impossibilitados de exprimir sua vontade (mantidos em cárcere por seguranças armados a mando do patrão), ou encontravam-se psiquicamente impossibilitados de ir a justiça enquanto estivessem nos feudos escravagistas, posto que ao cogitar a possibilidade de ir buscar seus direitos deparavam-se com o pensamento de terem seus familiares ou eles mesmo mortos.

Assim é que, já não bastasse todo tolhimento de liberdade, de direitos, de convívio, sofrido pelos trabalhadores que se encontravam em condições escravas, têm eles ainda que lutar contra o tempo, após libertos (e quando conseguem isso com vida), posto que o prazo prescricional continuou a correr, como se a busca pelos seus direitos não tivesse tido nenhum obstáculo, e assim premia, o Direito, a má-sorte e a má-fé, em nítido louvor ao ferimento da ordem jurídica.

Neste panorama, não se pode continuar a contemplar o empregador que se utiliza da Mão-de-obra escrava, com a prescrição qüinqüenal da Justiça Trabalhista.

Ora, conforme sobredito, existe no Direito do Trabalho de fato a proibição de se contratar menores de idade. Ocorre que cuida, a ciência jurídica, de regular relações sociais não sendo, assim, uma matéria estanque, alheia aos acontecimentos econômicos. Deve ela, em verdade, estabelecer padrões para os comportamentos a serem tidos como regra para o mundo social. Assim, ao aceitar como proibido, mas existente (portanto não nulo), o contrato de trabalho com o menor, é deferido a este todas as verbas trabalhistas que lhes eram de direito, ainda que não pudesse o contratante firmar acordo de trabalho. O que não se pode é premiar quem do mau direito se vale.

Deste modo, para completar o sistema de proteção do menor, admite-se também que antes de completar a maioridade civil, não é ele portador de discernimento necessário para dar por quitado a relação laboral, nem mesmo de dar-se por satisfeito com as verbas recebidas ao final do contrato. Assim é que, de acordo com o artigo 440 da CLT [17], o prazo prescricional do qüinqüênio, para os menores, começa a correr da data em que se completa 18 anos, em nítida flexibilização das regras contidas no artigo 7, XXIX da CF bem como da sumula 308, I do Tribunal Superior do Trabalho, esta, in verbis:

TST Enunciado nº 308

- Res. 6/1992, DJ 05.11.1992 - Incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 204 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

Prescrição Qüinqüenal da Ação Trabalhista

Ora, não se vê razão para não se deferir a mesma regra ao trabalhador escravo. Igualmente ao menor, o trabalhador escravo não teve a capacidade (física e/ou psíquica) de ir em busca de seu direito. Não podia ele contemplar-se com uma ação ajuizada pois estava impossibilitado de exprimir suas vontades. Geograficamente, no código civil, a sua incapacidade encontra-se no mesmo artigo da contemplada ao menor. Por fim, são também violentados, pois além de enganados (fazendo-os crer que de fato têm uma dívida) são vítimas de exploração física das mais diversas ordens, sem terem direito a licença por acidente de trabalho, férias, jornada de trabalho e demais direitos trabalhistas.

Assim, não há diferença substancial entre a situação do menor, que ainda não formou sua consciência, e daquele que não lha pode exprimir, não podendo assim ser lhes aplicado direitos totalmente diversos, em nítida desconformidade com o princípio da proteção.

Percebe-se, assim, que há uma subsunção direta, vertical, com o que diz a norma e a realidade fática desenhada. Não se trata de construção hipotética, mas de simples aplicação do que está escrito no artigo 7º inciso XXIX da Constituição Federal brasileira principalmente quando se tem presente a teoria da máxima eficácia das normas constitucionais, e a intenção de se densificar as normas relativas a direitos fundamentais.

Deste modo, não há razão para não ser reconhecida como causa impeditiva do curso do prazo prescricional o fato de encontrar-se o trabalhador em condições análogas à de escravo, impossibilitado assim de exprimir sua vontade, qual seja: buscar seus direitos perante à Justiça.

Deve assim, ser deferido o impedimento do curso prescricional enquanto perdurar o trabalho escravo, devendo este voltar a correr quando, por fim, for libertado o trabalhador, podendo assim efetivamente escolher o seu melhor direito.


CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi colocado, verifica-se que o número de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravos supera os 25 mil, somente no Brasil. O país deu importantes avanços na luta contra o trabalho escravo, como por exemplo, ao criar o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, bem como ao começar a ser deferidos danos morais coletivos, pelo fato de se ver ferida a coletividade quando se depara com situações que aviltam o sentimento de justiça, como no caso de torturas aos trabalhadores escravos.

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É de se ressaltar também que o Direito do Trabalho ainda, segundo a maioria da doutrina, é pertencente ao ramo privado do Direito, sendo lhe assim permitido beber dos mais diversos institutos existentes no direito civil no sentido de se dar maior efetividade às normas trabalhistas.

Viu-se também que dentre esses pontos de interconexão encontra-se o fato de que tanto o Direito Civil como o Trabalhista deferem ao menor o direito de não se ver prejudicado pela prescrição, posto que esta não correrá contra os absolutamente incapazes, sendo tal norma mais temperada no direito do trabalho, visto que pode ser firmado contrato de trabalho com menor de 18 anos, porém não lhe é permitido assinar recibos de término do contrato de trabalho, nem tampouco corre contra si a prescrição qüinqüenal.

Mostrou-se que não difere o porquê da situação legal do menor perante a causa impeditiva da prescrição da condição do cidadão oposto à condição escrava, posto que nos dois casos, encontravam-se absolutamente incapazes de se fazerem representar na busca de seu direito.

Por fim, diante dos pontos de convergência, demonstrou-se que não cabe outra regra que não a de deferir ao trabalhador escravo a causa impeditiva do curso prescricional enquanto perdurar a situação de exploração em que se encontra.

Ao tempo em que se forem adotando medidas das mais diversas contra a exploração escrava em pleno ano 2009, será cada vez mais difícil encontrar no Brasil situações tão humilhantes e tão repugnantes quanto a submissão forçada de um cidadão a outro, que por força meramente econômica sobrepõe-se aos que lhe procuraram para poderem dignamente proverem seu sustento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Jose Carlos Moreira. A parte geral do projeto do código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. 1986. apud, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2003. Vol. I, p. 92

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2008.

BELMONTE, Alexandre Agra. Instituições Civis no Direito do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em (http://www.dji.com.br/decretos_leis/1943-005452-clt/clt.htm) Acesso em: 05 maio. 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2003. Vol. I, p. 92.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro. Forense: 1958. Vol. VI.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho, Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

VICENTINO, Claudio. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p. 207.

www.oitbrasil.org.br/download/sakamoto_final.pdf. Acesso em: 05 maio. 09

www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/oit/relatorio/america_latina_caribe.pdf. Acesso em: 05 maio. 09.

www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/oit/relatorio/sumario.pdf. Acesso em: 05 maio. 09. ense: 1958. Vol. VI, p. 200


NOTAS

. Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos. Disponível em (http://www.dji.com.br/decretos_leis/1943-005452-clt/clt402a410.htm) Acesso em: 05 maio. 2009.
  • xii
  • BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Art. 403.É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos. Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola. Disponível em (http://www.dji.com.br/decretos_leis/1943-005452-clt/clt402a410.htm) Acesso em: 05 maio. 2009
  • xiii
  • GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2003. Vol. I, p. 92.
  • xiv
  • Apud, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2003. Vol. I, p. 92
  • xv
  • www.oitbrasil.org.br/download/sakamoto_final.pdf. Acesso em: 05/05/2009
  • xvi
  • BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Art. 440. Contra os menores de dezoito anos não corre nenhum prazo de prescrição, Disponível em (http://www.dji.com.br/decretos_leis/1943-005452-clt/clt402a410.htm) Acesso em: 05 maio. 2009
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    Sobre o autor
    Mauro André Meneses Mendes

    Bacharelando em Direito pelo CEUT/PI

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    MENDES, Mauro André Meneses. A imprescritibilidade das verbas trabalhistas enquanto perdurar o trabalho escravo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2256, 4 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13447. Acesso em: 18 dez. 2024.

    Mais informações

    Elaborado sob a orientação do professor Luis Cineas de Castro Nogueira (doutorando pela Universidade de Buenos Aires).

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