Hoje em todo planeta existem vários sistemas regionais de proteção dos direitos humanos fundamentais (europeu, africano etc.). No nosso entorno cultural importa destacar o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, que é composto de vários órgãos jurisdicionais, assim como de uma pluralidade de tratados e convenções (destacando-se o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969).
Contamos no continente interamericano tanto com o subsistema de proteção da OEA (fundado no Pacto Internacional citado) bem como com o subsistema fundado na Convenção Americana (de 1969). Pode um país fazer parte do primeiro subsistema (EUA, v.g.) e não do segundo. Mas quem faz parte do segundo necessariamente também integra o primeiro.
No que diz respeito aos órgãos jurisdicionais do subsistema da Convenção Americana, contam com destaque a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sediada em Washington) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (localizada em San Jose da Costa Rica), que constituem (grosso modo falando) nossa quinta instância (emblemáticos, da atuação dela, são os casos Ximenes Lopes e Maria da Penha).
O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos (cf. nosso livro, escrito em conjunto com Valerio Mazzuoli, Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 2. ed., São Paulo: RT, 2009) foi desenvolvido no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos), depois da Segunda Guerra Mundial. Mas ganhou força inusitada na última década (porque o Brasil só aceitou a jurisdição da Corte em 1998).
Tal sistema, do ponto de vista jurisdicional, baseia-se, fundamentalmente, no trabalho dos dois órgãos citados: (a) Comissão Interamericana de Direitos Humanos e (b) Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Cada um desses órgãos está composto por sete membros (sete juristas), nomeados e eleitos pelos Estados na Assembléia-Geral da OEA. Os membros atuam individualmente e autonomamente, isto é, sem nenhuma vinculação com os seus governos, e também não representam o país de sua nacionalidade.
A Comissão e a Corte desempenham suas funções de acordo com as faculdades que lhes foram outorgadas por distintos instrumentos legais, no decorrer da evolução do sistema interamericano. Apesar das especificidades de cada órgão, em linhas gerais os dois supervisionam o cumprimento, por parte dos Estados, dos tratados interamericanos de direitos humanos e têm competência para receber denúncias individuais de violação desses tratados.
Isso quer dizer que os órgãos do sistema têm competência para atuar quando um Estado-Parte for acusado da violação de alguma cláusula contida em um tratado ou convenção. É claro que deverão ser cumpridos previamente alguns requisitos formais e substantivos que tanto a Corte quanto a Comissão estabelecem para que tal intervenção seja viável.
A Comissão é o primeiro órgão a tomar conhecimento de uma denúncia individual, e só em uma segunda etapa a própria Comissão poderá levar a denúncia perante a Corte. Como o Brasil só reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998, só podem ser apresentadas a ela denúncias de violações ocorridas após essa data. Porém, a Comissão pode receber denúncias de violações anteriores, isso porque sua competência se estende à análise de violações da Declaração Americana 62 (1948) e da Convenção Americana desde a ratificação pelo Brasil em novembro de 1992. Sobre o modo de aceder à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, remetemos nosso leitor para nosso livro acima citado.
A Corte Interamericana cumpre duas espécies de funções: (a) contenciosa (quando há conflito) e consultiva (preventiva). É uma instância judicial autônoma. A fase prévia de todo processo desenrola-se perante a Comissão. É impossível contenciosamente ir direto à Corte. O procedimento dentro da Corte está regido pela Convenção, pelo seu regulamento, assim como pela sua jurisprudência. O procedimento na Comissão tem sua fase de conciliação. Quando infrutífera, vem a fase de produção de provas e de decisão. Qualquer pessoa pode se dirigir à Comissão (independentemente de advogado).
De 1998 a agosto de 2009, foram 507 as petições (demandas) apresentadas junto à Comissão Interamericana (O Estado de S. Paulo de 10.08.09, p. A6), que atua como uma espécie de primeira instância (no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos). Vinte e nove (desse total) já foram admitidas pela Comissão. Em agosto de 2009 achavam-se tramitando (na Comissão) 108 petições. A tendência é elevar em muito o número de denúncias contra o Brasil. Primeiro, porque aqui se cometem muitas violações jushumanitárias; segundo, porque agora a comunidade jurídica está conhecendo melhor (cada dia mais) o funcionamento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos (cf. nosso livro, escrito em conjunto com Valerio Mazzuoli, Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 2. ed., São Paulo: RT, 2009); terceiro, porque a Justiça brasileira funciona, em regra, muito mal (e às vezes até nem funciona, para apurar graves violações aos direitos humanos).
Até este momento já foram duas condenações proferidas pela Corte Interamericana (caso Ximenes Lopes e caso Escher). No caso Ximenes Lopes, cumpre destacar a incansável atuação da sua irmã (Irene), que atuou irresignadamente para alcançar a devida reparação na Corte (que ocorreu em 2006). Um dia antes de expirar o prazo dado pela Corte (01.07.09), seis pessoas foram condenadas pela morte de Damião Ximenes Lopes. A Comissão, por seu turno, já impôs incontáveis recomendações (medidas cautelares) contra o Brasil (casos Urso Branco, Presidio de Araraquara, Febem-Tatuapé – que foi fechada –, Maria da Penha etc.). Só no ano de 2008, a Comissão admitiu mais seis casos: Margarida Alves, Cadeia de Guarujá, Marte de bebês em Cabo Frio, José Dutra da Costa, Márcio Lapoente e Gabriel Pimenta.
Caso um determinado país seja palco de muitas violações aos direitos humanos, ele pode ser excluído das ações do Banco Mundial ou do BID. E se o país não cumprir a decisão da Comissão ou da Corte, o assunto, de jurídico, transforma-se em político (a ser resolvido pela Assembléia Geral da OEA).