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Da indenização a ser aplicada ao usuário de programas de computador (softwares) sem fins comerciais

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3. Da Indenização Aplicável Aos Usuários de Softwares não Licenciados

Deste modo, evidenciado o dever de indenizar o proprietário intelectual do programa de computador, deve-se apontar o critério utilizado para a fixação do quantum indenizatório. Com efeito, o §1º do art. 14, da Lei 9609/98 confere aos titulares dos direitos autorais sobre softwares o direito de pleitear indenização por perdas e danos decorrentes da contrafação e utilização indevida de sua obra, porém não fornece elementos objetivos a serem considerados na apuração dos prejuízos e na efetuação do cálculo dos valores do ressarcimento.

Sabendo-se que o programa de computador é considerado obra intelectual, e que a legislação de direitos autorais é aplicada de forma subsidiária à Lei de Softwares, completando-a nas omissões existentes, conforme determina o art. 2º da referida lei e já ressaltado no presente artigo, imperioso assim a utilização da Lei de Direitos Autorais para o cálculo da indenização devida, vez que a Lei dos Softwares não traz elementos para tal.

Por sua vez o art. 103 da Lei 9.610/98 relata que "quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido". E em seu parágrafo único determina que "não se conhecendo o numero de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil vezes exemplares, além dos apreendidos".

Entretanto, como o presente artigo visa abordar somente a indenização devida ao autor pelo uso irregular de programa de computador, é certo que a não há comercialização de programas, mas, tão-somente, a utilização sem a devida licença. Assim sendo, urge ressaltar que a medida cautelar prevista na Lei 9.609/98 é o remédio jurídico cabível para constatação do uso irregular dos softwares. Há de se obervar neste momento, que o art. 13 da Lei dos Softwares é claro em relatar que as medidas de busca e apreensão serão precedidas de vistoria, sendo estas, realizadas por peritos nomeados pelo Juízo, que confeccionam laudo pericial atestando se os programas de computador encontrados instalados nos computadores estão regulares com as respectivas licenças. Na falta destas, são apreendidos os programas de computador encontrados, ficando o proprietário das máquinas como depositário fiel dos mesmos.

Assim, grande parte da doutrina defende que não é cabível a indenização contida no parágrafo único do art. 103 da Lei de Direitos Autorais, por ser conhecido do Juízo o numero de programas em situação irregular na empresa vistoriada, haja vista as informações trazidas pelo laudo pericial.

Bernardo Menicucci Grossi [14] defende o posicionamento acima:

Isto porque, originalmente, o artigo 103 e seu parágrafo único da Lei de Direitos Autorais era aplicado no caso do indivíduo, ou da empresa, que editava livros com o intuito de repassá-los ao comércio. Trata-se de elemento subjetivo implícito no tipo legal, que não pode ser desconsiderado quando tratarmos da utilização indevida de programas de computador que não os destine à mercancia, mas ao uso próprio.

Outro argumento utilizado por aqueles que defendem a não aplicabilidade do parágrafo único do art. 103 como parâmetro para o cálculo de indenização por uso indevido de programas de computador, é que não haveria por parte do autor, nenhum outro prejuízo, há não ser o valor de mercado do software, e como a responsabilidade civil tem como objetivo ressarcir o dano causado, restaria configurado o enriquecimento ilícito do autor caso fosse aplicada indenização com subsídio no parágrafo único do art. 103 da Lei dos Direitos Autorais.

Desta feita, sempre que fosse atestada a utilização irregular de programas de computador, sem finalidade comercial, e for possível auferir o numero exato de softwares em uso sem o devido licenciamento, não seria aplicável o teor do parágrafo único do art. 103 como parâmetro para cálculo da indenização devida ao autor.

Neste raciocínio, seria devido a título de indenização ao proprietário intelectual da obra pelo seu uso indevido, somente o valor de mercado desta, posto que seria conhecido o numero exato de softwares utilizados sem de forma irregular, aplicando-se assim a sanção civil descrita no caput do art. 103 da Lei de Direitos Autorais.

No entanto, caso se aplique somente a indenização descrita no caput do art. 103 da Lei de Direitos Autorais, restará assim demonstrada à equiparação entre usuário que adquiriu o licenciamento, e de forma legal passou a utilizar o programa de computador, e o usuário de software irregular, posto que ambos tiveram que pagar a título de licenciamento o valor de mercado de sua licença de uso.

Bruno Jorge Hammes [15] disserta que:

se o autor recebe o que receberia no caso de licença, não há mais dano econômico. Mas há o aspecto da violação (falta de autorização). Houve um atentado ao seu direito que reclama sanção. Não é justo que o violador seja tratado da mesma forma que o utilizador honesto (leal) e cumpridor da lei. Isso levaria à reincidência, criaria a mentalidade de que a falta de autorização não tem conseqüências maiores. O fato consumado substituiria a autorização.

Deste modo, entende-se que não pode se restringir à indenização devida ao autor pelo uso irregular de sua obra, a descrita no caput do art. 103 da Lei 9.610/98, posto que, como já dito, limita a condenação ao pagamento do valor de mercado dos programas em situação irregular acrescidos de custas processuais, isto se este não for beneficiário da justiça gratuita.

Tem-se que caso seja esta a sanção civil aplicada pelo Poder Judiciário ao usuário de programas de computador irregular, restaria sepultado o direito autoral, vez que a legislação ao invés de funcionar como repressora do ato ilícito, passaria a beneficiar o agente, pois valeria "correr o risco" de se utilizar um software "pirata" para eventualmente após sofrer medida judicial, ser condenado a pagar o valor dos programas, que ressalta-se já era devido e o usuário legalmente autorizado já haveria pago.

Carlos Alberto Bittar [16] entende que:

O valor da indenização deve corresponder à reposição, no patrimônio do lesado, do prejuízo experimentado, revertendo-se, a seu favor, o resultado indevido obtido pelo agente, a par de lucros cessantes, dentro da técnica tradicional da responsabilidade civil. [...] Impõe-se, na prática, o rigor na definição do quantum ou do quid, afim de que o sancionamento venha a constituir-se, como se deve, em fator de inibição de ações vedadas pelo ordenamento jurídico [...].

Assim, qual deveria ser a fórmula de cálculo da indenização devida ao autor que teve sua obra utilizada irregularmente sem fins de comerciais? Há quem defenda a aplicação do parágrafo único do art. 103 da Lei 9.610/98 por força do disposto no art. 104 da mesma Lei, que assim determina:

Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior.

Entendem os defensores da necessidade de aplicação do uso do teor do parágrafo único do art. 103 aos usuários de programas de computador sem o devido licenciamento, visto que estes utilizam os softwares reproduzidos com fraude, instalando-os em todo o seu parque informático e percebendo vantagens e lucros indiretos que são trazidos pelo próprio funcionamento dos aludidos programas, devendo assim serem solidariamente responsável com o terceiro que os editou, reproduziu e vendeu os "programas piratas", nos termos do artigo 104, da Lei 9.610 de 1998.

Ademais, argumentam os defensores, que se infere do próprio uso dos softwares "piratas" a inutilização/supressão/alteração deste, vez que o mecanismo de segurança do programa – que tem a finalidade de impedir a cópia, bem como a instalação sem o licenciamento – deve ser ultrapassado para que o programa seja instalado de forma irregular, devendo assim os usuários de programas "piratas" serem condenados a indenizar o autor nos termos do inciso II do art. 107 da Lei de Direitos Autorais, que dispõe:

Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem:

(...)

II - alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia;

Entretanto, não se deve equiparar o usuário de programas sem licenciamento de uso ao contrafator, ou seja, aquele que reproduz o programa com o intuito comercial, não devendo assim aplicar a sanção civil descrita no parágrafo único do art. 103 da Lei 9.610/98. Em que pese isto, não se pode também, haver a equiparação entre os usuários legais e os usuários de produtos irregulares! Deste modo, indaga-se novamente, qual seria a indenização cabível ao autor, a ser pago pelo usuário de programas de computador sem o devido licenciamento, ante a ausência determinação legal clara?

Ronald Dworkin em seu livro Levando os Direitos a Sério, critica intensamente o pensamento positivista, que defende que o magistrado deve possuir poder discricionário para decidir a lide, podendo escolher, dentre as diversas possibilidades de interpretação da norma, a que entender mais adequada, senão for possível a simples aplicação da regra jurídica ao caso em analise [17].

Deste modo, defende Dworkin, que o juiz diante de uma lacuna normativa, ou de normas vagas ou indeterminadas deverá, no âmbito da pretensão da lide, decidir de maneira a não privar as partes daquilo a que eles têm direito, utilizando para tal, princípios individuais oriundos da norma jurídica, devendo estabelecer o conteúdo moral de sua decisão, e não decidir de forma que melhor lhe convier, tendo assim uma só decisão correta para cada caso.

A partir de tais considerações, não podemos olvidar que a Constituição Federal garante, nos termos do art. 5, inciso V, o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. É certo que tal princípio deve ser observado no presente caso.

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Destarte, cumpre trazer à baila a inteligência do art. 102 da Lei dos Direitos Autorais:

Art. 102. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível.

A determinação legal contida no art. 102, "sem prejuízo da indenização cabível", demonstra não estar limitada à indenização devida ao proprietário intelectual da obra utilizada indevidamente, ao art. 103 caput e parágrafo único da Lei 9.610/98, conforme ressaltou em seu voto a Ministra Nancy Andrighi [18], no julgamento do Recurso Especial n º 768.783/RS pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, cujo trecho segue descrito abaixo:

A irresignação, contudo, é quanto à condenação da sentença e do acórdão no sentido de que o preço dos programas deve ser multiplicado por cinco, sob o fundamento de não haver respaldo legal para permitir ao juiz e ao Tribunal condenar com agravamento da sanção.

Todavia, a afirmação não prospera ao se perfazer uma leitura panorâmica no Capítulo atinente às sanções civis da Lei nº 9.610/98. O disposto no art. 102, que abre a disciplina sancionatória, concede ao titular da obra a denominada "indenização cabível ", assim, como se vê, a sanção não é restrita aos limites do art. 103, caput.

É curial, no âmbito da responsabilidade civil, o uso técnico da palavra indenização no sentido jurídico, portanto, leia-se nela embutida todos os itens que devem ser considerados para compensar, adequadamente, um dano sofrido.

Sob esta perspectiva, fica evidente que o pagamento tão-somente do valor dos programas de computador que foram contrafaceados não indeniza, necessariamente, todos os prejuízos suportados pela vítima, tais como, dano material, dano moral e lucros cessantes.

É certo assim, que o art. 102 da Lei de Direitos Autorais, permite que a indenização seja fixada no seu justo valor, correspondendo, de um lado, à inegável utilidade do programa e, de outro, ao ganho certamente expressivo, obtido pelo usuário irregular, ainda que não o tenha comercializado, sem prejuízo do pagamento dos valores dos programas encontrados.

Deste modo restaria ao Juiz, verificando caso a caso o arbitramento da indenização cabível a título de reparação civil ao autor, quando da constatação do uso irregular de sua obra, analisando os ganhos e as perdas das partes com o uso sem o devido licenciamento, sendo certo somente que a indenização não pode se limitar a forma descrita no caput do art. 103 da Lei dos Direitos Autorais.


4. Conclusão

O presente artigo buscou responder ao questionamento da aplicação da indenização cabível, pelo uso irregular de programas de computador, sem fins comerciais, na hipótese de conhecido o numero exato de softwares "piratas" em uso.

Para tanto, foi feito uma análise do uso regular do software no Brasil, por meio das legislações correspondentes, bem como da responsabilidade civil no nosso ordenamento pátrio.

Assim sendo, preenchidos os requisitos para a aplicação do dever de indenizar, conclui-se que deve ser aplicado ao usuário de programa de computador sem o devido licenciamento, além do pagamento do valor de mercado de cada programa encontrado em situação irregular, por força do caput do art. 103 da Lei dos Direitos Autorais, indenização com fulcro no disposto no art. 102 da lei supracitada, visando assim diferenciar o usuário legal do software do ilegal, valorando-se a indenização com base no ganho auferido pelo uso do programa de computador não licenciado, bem como o intuito de inibir a prática de produtos "piratas", cabendo assim ao Julgador em sua análise pormenorizada dos autos, julgar caso a caso com as suas particularidades objetivando assim garantir a efetiva prestação jurisdicional perseguida pelas partes.

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Sobre o autor
Roberto Mariano de Oliveira Soares

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, UNIP. Pós Graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília, UnB. MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas, FGV. Membro da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, ABPI. Foi Presidente da Comissão Extraordinária de Processo Eletrônico da Ordem dos Advogados, Conselho Seccional do Distrito Federal de 2010 a 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Roberto Mariano Oliveira. Da indenização a ser aplicada ao usuário de programas de computador (softwares) sem fins comerciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2272, 20 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13533. Acesso em: 24 dez. 2024.

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