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Recurso de agravo de instrumento. Ausência de peças obrigatórias. Admissibilidade do recurso.

Comentário ao acordão do Recurso Especial nº 1.035.445-BA

23/09/2009 às 00:00
Leia nesta página:

INTRODUÇÃO

Comentário da decisão do Recurso Especial nº 1.035.445-BA, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 18/06/2009. A importância deste julgado está no voto do Ministro Relator João Otávio de Noronha, quanto à possibilidade de provimento do recurso de agravo de instrumento, ainda que tenha ocorrido vício insanável na instrução do recurso (ausência de folha na qual está contida parte relevante dos fundamentos da decisão agravada). Trata-se de matéria eminentemente processual, e inovadora posição adotada por membro do Superior Tribunal de Justiça no que tange à correção de vícios e admissibilidade do recurso de agravo de instrumento.


AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUSÊNCIA DE PEÇAS OBRIGATÓRIAS – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

O recurso de agravo de instrumento remete ao Tribunal o reexame da questão, e por isso é responsabilidade do recorrente demonstrar o conteúdo fático e jurídico da decisão proferida [01]. Daí a necessidade de formação do "instrumento", isto é, a formação de novos autos para que o órgão competente para o julgamento possa exercer a função revisora.

Discussões doutrinárias e jurisprudenciais existem acerca da formação do instrumento e a possibilidade de suprir os vícios na formação do agravo.

O regime jurídico anterior ao da Lei 9.139/2005 determinava que o funcionário do cartório ou serventuário fizesse o traslado das peças para a formação do instrumento. Com o advento da lei, é ônus do agravante juntar as peças obrigatórias e necessárias. Por esta razão, a unanimidade dos autores aqui estudados afirma a impossibilidade de converter o julgamento em diligência, para que sejam acostadas as peças faltantes (o que era possível anteriormente à Lei). [02]

O artigo 525 do CPC impõe ao agravante o ônus para a correta formação do "instrumento", ou seja, cabe a este apresentar juntamente às razões recursais todas as peças reputadas como essenciais ao reexame da decisão. São apontadas pelo inciso I do artigo 525, CPC, as seguintes peças essenciais: decisão agravada, certidão e respectiva intimação e procurações outorgadas aos advogados do agravante e agravado.

O inciso II do artigo 525 também determina que o agravante acoste aos autos peças essenciais ao julgamento da matéria. Entendem-se por peças essenciais aquelas importantes para a compreensão da controvérsia pelo Tribunal, oferecendo maiores subsídios ao julgador do recurso. A ausência dessas peças leva ao não conhecimento do Agravo de Instrumento. O acórdão do REsp n. 402.866/SP é neste sentido:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO, NA INSTÂNCIA ORIGINÁRIA, POR FALTA DE PEÇAS NECESSÁRIAS. ART. 525, I E II, DO CPC. PRECEDENTES.

1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão segundo o qual a ausência de juntada de peças necessárias - cópias da petição inicial do arrolamento, da certidão de óbito e da declaração dos bens arrolados - infringe o art. 525, II, do CPC, o que leva ao não conhecimento de agravo de instrumento.

2. O art. 525, I e II, do CPC (com a redação da Lei nº 9.139, de 30/11/1995), dispõe que: "A petição de agravo de instrumento será instruída, (I) Obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado e, (II) facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis".

3. Para o deslinde da questão a ser apreciada no agravo de instrumento ofertado no Tribunal a quo (pedido de isenção do recolhimento do imposto sobre transmissão causa mortis, por se tratar de monte-mor com valor inferior a 7.500 UFESP''s, instituído pela Lei Paulista nº 10.705/2000) é necessário o traslado das cópias da petição inicial do arrolamento, da certidão de óbito e da declaração dos bens arrolados, para fins de averiguação do valor dos bens arrolados a classificar a recorrente como inclusa no benefício da referida lei.

4. Na sistemática atual, cumpre à parte o dever de apresentar as peças obrigatórias e as facultativas – de natureza necessária, essencial ou útil –, quando da formação do agravo para o seu perfeito entendimento, sob pena de não conhecimento do recurso.

5. Precedentes de todas as Turmas desta Corte Superior.

6. Recurso não provido." [03]

No acórdão em exame a questão confrontada é exatamente esta: a ausência de folha da decisão agravada é fundamento suficiente para o não seguimento do recurso, ou é possível o julgamento do agravo de instrumento sem a decisão recorrida na íntegra?

Entendimento predominante aponta pelo não seguimento do recurso de Agravo de Instrumento na falta de peça obrigatória (ou até mesmo peça necessária) para a formação do instrumento, conforme os seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça:

"Agravo de instrumento. Traslado de peça essencial ou relevante para a compreensão da controvérsia.

1. A ausência de peça essencial ou relevante para a compreensão da controvérsia afeta a compreensão do agravo, impondo o seu não-conhecimento.

2. Embargos conhecidos e rejeitados." [04]

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEÇAS DE JUNTADA FACULTATIVA, MAS NECESSÁRIAS AO JULGAMENTO DA CAUSA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE DE COLAÇÃO POSTERIOR

(DILAÇÃO PROBATÓRIA).

1 - As peças de juntada facultativa, mas necessárias ao deslinde da controvérsia, devem, a exemplo do que acontece com as de colação obrigatória, acompanhar a inicial do agravo de instrumento, sob pena de não conhecimento do recurso, haja vista a impossibilidade de dilação probatória.

2 - Recurso conhecido, mas improvido." [05]

A doutrina acompanha o entendimento.

Para Cássio Scarpinella Bueno "a exigência da decisão agravada é mais do que justificável, porque dela o agravante pretende a reforma ou anulação. Sem que cópia daquela decisão seja apresentada, nem há como examinar a razão do inconformismo do agravante." [06]

Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha destacam: "cumpre assinalar, desde logo, que a cópia da decisão agravada é a única peça que não pode ser dispensada, eis que, sem ela, não se possibilita o acesso pelo tribunal ao teor do ato judicial combatido. Logo, a cópia da decisão agravada há sempre de instruir o agravo de instrumento". [07]

Nelson Nery Junior, ao enfrentar a questão, menciona o Enunciado 288 do Supremo Tribunal Federal [08] e afirma: "caso falte alguma peça obrigatória ao instrumento do agravo, ou se das peças existentes não se puder extrair e apreender o conteúdo da controvérsia, o agravo não pode ser conhecido, por irregularidade formal". [09]

É exatamente neste ponto que se esbarra o acórdão do Recurso Especial nº 1.035.445-BA em exame. Segundo o voto do Ministro Relator João Otávio de Noronha, houve possibilidade de entendimento da controvérsia ainda que a decisão debatida não esteja na íntegra nos autos do agravo de instrumento. Desta forma, conforme o ensinado por Nelson Nery Junior, se for possível "apreender o conteúdo da controvérsia" deve ser conhecido o agravo de instrumento.

Observa o Ministro Relator que, no caso dos autos, faltou uma das folhas da decisão agravada, mas o Tribunal de Justiça considerou que, mesmo sem essa folha, compreendia a tese e dele conheceu. Neste contexto, a Turma do STJ, por maioria, deu provimento ao recurso especial, entendendo que a norma é cogente, legal e obrigatória, além de que, com base em precedentes do Superior Tribunal, entende-se por peça obrigatória a integralidade da peça. Logo, se falta alguma página, evidentemente, não estaria satisfeito o requisito legal.

Ficou vencido o Ministro Relator que, com base também em precedente de relatoria do Min. Sálvio Figueiredo Teixeira (REsp 299-RJ, DJ 21/10/1989), entendia que, se o Tribunal de Justiça sentiu-se habilitado a julgar com a ausência dessa peça, não se poderia impedi-lo de fazer justiça no caso concreto. Ainda defendeu que pequenos vícios na formação do instrumento sem um mínimo potencial lesivo – com o perfeito entendimento da tese ali deduzida – não poderia merecer do Judiciário rigor excessivo a ponto de inviabilizar o exame do direito material em litígio, sob pena de privilegiar-se a forma em detrimento do conteúdo (Precedente citado: REsp 674.214-SP, DJ 1°/8/2005).

Portanto, embora o Superior Tribunal de Justiça tenha preservado seu entendimento predominante (não conhecimento de agravo de instrumento ante a ausência de peça obrigatória), surgiu posição divergente dentro do Tribunal, apontando para uma maior flexibilização das exigências processuais, e levando em consideração o objetivo principal do processual, qual seja a prestação jurisdicional. Dois valores se contrapõem: a legalidade das formas e a flexibilização do processo, para garantir maior acesso à justiça.

Importante ressaltar que as recentes reformas na legislação processual civil trouxeram algumas possibilidades de flexibilização das formas processuais (por exemplo, com a fungibilidade na interposição de recurso de apelação ou agravo de instrumento das decisões previstas no artigo 267 – extinção do processo sem julgamento de mérito), além de possibilitar a correção de vícios formais, desde que passíveis de reforma.

É caso do artigo 515, §4º do CPC, introduzido pela Lei 11.276/2006, que dispõe "constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação".

No caso do recurso de agravo de instrumento, discute-se a aplicação subsidiária deste artigo, pois já se discutiu sobre a impossibilidade de conversão do julgamento em diligência.

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A posição defendida por Teresa Arruda Alvim Wambier [10] é pela impossibilidade de "emendar" o agravo de instrumento:

"Por isso que, segundo entendemos, não é possível a conversão do julgamento do agravo de instrumento em diligência, pois, neste caso, se estaria a permitir, mais propriamente, a emenda ou complementação das razões de agravo, e não mera juntada de documentos".

Entretanto, conforme demonstra Leonardo José Carneiro da Cunha [11], é possível a aplicação do artigo 515, §4º ao agravo de instrumento, para que, ao invés de ser negado seguimento ao agravo de instrumento por ausência de peça, o relator intime o agravante para complementar o traslado:

"Tal entendimento não deve mais persistir diante do §4º do artigo 515 do CPC, que se aplica ao agravo de instrumento. Ausente uma peça obrigatória do agravo de instrumento, deve o relator, em vez de já lhe negar seguimento, determinar a intimação do agravante para que providencie o complemento do traslado, fazendo juntar aos autos do agravo a cópia que faltava. Cumprida a diligência, prossegue-se no julgamento do agravo. Não cumprida, deve então, ser-lhe negado seguimento. À evidência, a falta, no instrumento do agravo, de alguma peça obrigatória ou de qualquer outra reputada essencial ou necessária à compreensão da controvérsia não deve gerar a imediata inadmissibilidade do recurso, devendo, bem ao revés, ser convertido o julgamento em diligência, com a determinação de intimação da agravante para que supra a falha, complementando o recurso para trasladar a cópia ausente".

Tal possibilidade de correção de defeitos processuais também foi apontada por Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha [12]:

"A possibilidade de correção de defeitos processuais, no âmbito recursal, deve ser minimizada, mas não eliminada. A redação do §4º do art. 515 do CPC, embora se refira à apelação, é um indicativo claro nesse sentido: "§ 4º. Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação".

Sendo assim, o acórdão nesta ocasião comentado, aponta para esta direção, pois o voto do ministro relator representa uma postura inovadora, ao dar seguimento ao recurso de agravo de instrumento, ainda que faltante peça essencial à formação do instrumento.


CONCLUSÃO

Doutrina e jurisprudência apontam predominantemente pelo não seguimento do recurso de agravo de instrumento quando não for colacionada alguma peça obrigatória ou essencial ao instrumento. Isto decorre de expressa disposição legal, na qual o legislador optou por tornar o recurso de agravo de instrumento um recurso "técnico", por exigir formalidades para o juízo de admissibilidade positivo. Porém, este excesso de formalismo existente no CPC tem sido, aos poucos, ainda que de forma tímida, atacado, tendo em vista a flexibilização das leis processuais, para permitir maior eficácia na prestação jurisdicional. Neste sentido, importantíssimo o voto do Ministro relator do Recurso Especial em comento, pois é uma forma incipiente, porém inovadora, de afastar o formalismo, e dar espaço a efetividade do processo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos. Processos incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008. vol. 5.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da Cunha. Sanação de defeitos processuais no âmbito recursal. In: MEDINA et al "Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais – Estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 3 ed. Salvador: Podivm, 2007. vol. 3.

MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 20004.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.


Notas

  1. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos. Processos incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008. vol. 5. p. 156.
  2. "É unívoco, por exemplo, o entendimento jurisprudencial segundo o qual não se admite seja dado ensejo para a correção de vício ou da ausência de peças obrigatórias previstas no inciso I do art. 525 do CPC. Significa que, se do instrumento faltar peça obrigatória, o tribunal não poderá converter o julgamento em diligência para determinar o complemento" (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 3 ed. Salvador: Podivm, 2007. vol. 3. p. 136)
  3. REsp n. 482.866/SP, rel. Min. José Delgado, 1ª Turma do STJ, j. 26.03.2002, DJ de 22.04.2002, p. 179.
  4. EREsp 449.486/PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Corte Especial do STJ, j. 02.06.2004, DJ de 06.09.2004, p. 155.
  5. REsp 444.050/PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma do STJ, j. 04.02.2203, DJ 24.02.2003, p. 326.
  6. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos. Processos incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. ob. cit., p. 161.
  7. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. vol. 3. ob. cit., p. 133.
  8. STF 288: "Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia".
  9. NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 20004. p. 390.
  10. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 281
  11. CUNHA, Leonardo José Carneiro da Cunha. Sanação de defeitos processuais no âmbito recursal. In: MEDINA et al "Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais – Estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier". São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
  12. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. vol. 3. ob. cit. p. 138.
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Sobre a autora
Lia Perreira D´Almeida

Advogada pela UFPA - Universidade Federal do Pará. Pós-graduanda, lato sensu, em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Advogada na área cível, com ênfase em contratos, responsabilidade civil, seguro obrigatório e direito do consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D´ALMEIDA, Lia Perreira. Recurso de agravo de instrumento. Ausência de peças obrigatórias. Admissibilidade do recurso.: Comentário ao acordão do Recurso Especial nº 1.035.445-BA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2275, 23 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13556. Acesso em: 29 mar. 2024.

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