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A participação popular do consumidor como instrumento de defesa ambiental.

O caso da rotulagem dos alimentos transgênicos

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30/09/2009 às 00:00
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2 A ROTULAGEM DOS TRANSGÊNICOS

2.1.1 Conceito

Organismo geneticamente modificado ou transgênico é aquele "que possui em seu genoma um ou mais genes provenientes de outra ou da mesma espécie, desde que tenham sido modificados e inseridos pelas técnicas da engenharia genética" [107].

Consequentemente, alimento transgênico é aquele:

(...) oriundo de uma planta transgênica ou de frutos, cereais ou vegetais delas extraídos, que são consumidos diretamente pelos seres humanos ou indiretamente, através dos produtos alimentares produzidos ou elaborados a partir da mencionada matéria-prima.

O conceito legal adotado no Brasil pela Lei n° 11.105/2005 dispõe ser organismo geneticamente modificado o "organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética" [108].

Explica Luiza Chomenko que transgenia não é sinônimo de biotecnologia. Isto porque a biotecnologia "significa o estudo de técnicas aplicadas ao estudo da vida e de suas aplicações na produção de qualquer bem ou serviço. Envolve várias formas de usos, inclusive a engenharia genética, a qual corresponde ao ramo que atua com modificações de DNA" [109]. Esclarece, assim, que os organismos geneticamente modificados constituem um dos vários usos biotecnológicos [110].

Sobre os organismos geneticamente modificados, convém ainda destacar que eles seguem, conforme ensina Luiza Chomenko, uma classificação de acordo com suas gerações. Neste sentido, são considerados produtos de primeira geração "aqueles modificados para resistir aos herbicidas (exemplo: soja RR) ou expressar genes inseticidas (exemplo milho Bt)" [111]. De segunda geração são aqueles produtos que "se referem à modificação de características posteriores à colheita, visando redução dos custos de energia, armazenamento, etc (ex. tomates longa vida) [112]". Enquanto de terceira geração "serão os produtos que incorporarão alimentos + medicamentos (ex. arroz "dourado") [113]".

A partir da classificação das gerações de produtos derivados de organismos geneticamente modificados, adverte Luiza Chomenko sobre a essencial necessidade de se ressaltar que a maioria absoluta dos organismos geneticamente modificados que existem atualmente são de primeira geração, ao passo que os demais são raros e ainda estão em fase de experimentações [114].

2.1.2 Riscos envolvidos

Muitos são os riscos reais e potenciais da utilização de organismos geneticamente modificados tanto para uso humano como animal. Eles afetam a saúde e a sobrevivência humana, o meio ambiente e até mesmo o comércio internacional. Os riscos envolvidos apresentam aspectos ambientais, sanitários, agrícolas, econômicos, sociais e culturais, os quais serão especificamente trabalhados a seguir.

2.1.2.1 Aspectos ambientais

A contaminação genética das espécies é um dos efeitos que podem advir do uso de organismos geneticamente modificados na agricultura. Pode também ocorrer a contaminação do solo pela toxina de Bacillus Thurigiensis e uma tendência à homogeneidade ambiental, o que acaba por desestimular a biodiversidade. Há também a possibilidade do incremento do uso de agrotóxicos e de outros efeitos adversos decorrentes da acumulação de agrotóxicos nos seres vivos. Podem haver ainda consequências desconhecidas dos transgenes sobre as plantas silvestres. Além desses, há o risco da perda total de todo banco de germoplasma nativo ao se cultivar organismos geneticamente modificados em áreas de grande importância ambiental, bem como o risco de se perder o banco de germoplasma nativo para o uso em outros fins [115].

A enorme biodiversidade existente no Brasil faz com que o país seja um importante ator no cenário internacional. A grande quantidade de riquezas potenciais que pode estar presente na flora e fauna brasileiras tem tal magnitude que alguns chegam a compará-la ao cartel dos países produtores de petróleo. Cerca de 23% de toda a biodiversidade conhecida em nosso planeta está no Brasil, o que, obviamente, não exclui a interdependência entre o nosso país e o resto do mundo [116].

Diante da responsabilidade brasileira em conservar a biodiversidade que possui, é essencial conhecer os efeitos que os organismos geneticamente modificados e seu uso, especialmente na agricultura, podem causar no meio ambiente.

2.1.2.2 Aspectos sanitários

A Constituição Federal brasileira estabelece a saúde e a sadia qualidade de vida como direito de todos. Com tal fim, determina a criação de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças. Da mesma maneira, no inciso V do parágrafo 1º do art. 225, obriga o Poder Público a controlar a produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Preservar a saúde humana e zelar pela integridade física dos seres humanos é, portanto, um dever público. Por isso, cabe perquirir quais efeitos na saúde humana podem decorrer da utilização de organismos geneticamente modificados.

Alguns efeitos apontados são: a aparição de novas alergias, devido à introdução de novas proteínas; o aumento da contaminação de alimentos causado pelo maior uso de agrotóxicos; crescimento de resistência às bactérias patógenas, antibióticos diversos, etc; o aparecimento de disfunções hormonais aparentemente associadas ao uso de organismos geneticamente modificados; o surgimento de evidências que associam o consumo desses organismos ao câncer. [117]

2.1.2.3 Aspectos agrícolas

A busca constante pelo "desenvolvimento" agrícola, colocado como prioridade pelo governo, tem colocado em risco a biodiversidade de diversos locais. Muitas vezes por tomadas de decisões imediatistas não são observadas as especificidades dos ecossistemas e sua fragilidade, adotando-se práticas inapropriadas e que acabam por degradar o meio ambiente, prejudicando toda a biodiversidade e também a população.

Ademais, na avaliação de risco das atividades agrícolas em geral desconsidera-se a interligação entre os aspectos locais e sistemas ambientais mais amplos e complexos, focando-se apenas os fatores locais, o que também acaba por afetar os ecossistemas envolvidos, ameaçando-os.

A utilização e produção de organismos geneticamente modificados têm sido muito estimuladas nas atividades agrícolas. Diante da interligação entre os diversos sistemas e da adoção de práticas inadequadas, tais atividades podem gerar a perda da biodiversidade, o que afeta todos os sistemas dela dependentes e impossibilita sua utilização para diversos usos, alguns deles até mesmo ainda desconhecidos.

Dentre os diversos efeitos derivados do uso de organismos geneticamente modificados na agricultura, destaca-se: riscos de contaminação genética; rendimentos das colheitas inferiores aos das culturas convencionais; efeitos adversos em animais não alvo; contaminação do solo, com efeitos adversos na microflora e fauna do solo, gerando implicações inclusive na fertilidade do solo; aparecimento de resistência a agrotóxicos, o que estimula o aumento de seu uso; surgimento de spp resistentes; aumento do consumo de água devido à necessidade de implantação de sistemas adicionais de manejo causado pela maior dependência dos organismos geneticamente modificados em relação aos aspectos climáticos de calor e seca; maior risco de necessidade de utilização de insumos adicionais, como fungicidas e inseticidas. [118]

2.1.2.4 Aspectos econômicos

Da apropriação e uso dos recursos naturais advém a fonte de riqueza econômica da sociedade em que vivemos. Por esta razão, as práticas financeiras, políticas econômicas, demandas do mercado e os recursos naturais estão interligados.

Em relação à biotecnologia, em especial a utilização de um de seus usos - os organismos geneticamente modificados, muitos sustentam que eles podem trazer benefícios econômicos, enquanto outros advertem para riscos sociais, econômicos, culturais e ambientais a médio e longo prazos [119].

Aqueles que defendem seus benefícios argumentam que eles podem gerar o aumento da produtividade agrícola, o desenvolvimento de novos usos medicinais, o aumento da produção de tecidos, bem como benefícios na produção energética, nas indústrias químicas finas e nos processos anti-poluição [120].

Do outro lado, aqueles que advertem para os seus riscos, destacam a possibilidade de contaminação de lavouras por sementes transgênicas, a contaminação de centros de origem, como o algodão no Brasil, assim como a redução e perda da biodiversidade e de toda a sua riqueza [121]. Salientam que a perda da biodiversidade é imensurável, inclusive economicamente, pois além de se perder o que o homem já conhece, perde-se também a possibilidade de novas descobertas de espécies vegetais e animais, as quais poderiam ser usadas para a produção de remédios ainda desconhecidos.

Além disso, observa-se que a existência de patenteamento de genes por poucas empresas de biotecnologia que dominam o comércio mundial pode gerar o monopólio de poucos sobre patrimônio genético necessário para toda a humanidade [122].

Especificamente quanto à soja geneticamente modificada ainda questiona-se se o modelo de desenvolvimento baseado no estímulo ao plantio desse único produto é uma boa estratégia de negócio para o país. Cabe-se considerar os altos custos envolvidos com a produção e pagamento de patentes; as possíveis perdas de mercados que não aceitem produtos geneticamente modificados, como no caso da China em relação a produtos para consumo humano; além dos riscos envolvidos na agricultura, como a contaminação das lavouras; a dependência tecnológica em relação a poucas empresas estrangeiras fornecedoras de sementes [123].

2.1.2.5 Aspectos sociais

A sociedade atual é marcada por uma enorme exclusão social, pelo crescimento populacional e aumento do consumo humano, superiores aos limites de suporte dos ambientes que sustentam as necessidades humanas, gerando uma distribuição desigual e degradação dos recursos naturais.

Nesse quadro, a biossegurança é assunto que afeta diretamente a sociedade, pois seus efeitos recaem inevitavelmente sobre a população, a qual pode ter sua própria sobrevivência afetada, a partir dos riscos ao ambiente, riscos à sua saúde, riscos econômicos.

A fome e a falta de água podem ser dois dos mais desastrosos efeitos decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. A segurança alimentar da população, em relação aos organismos geneticamente modificados, pode ser seriamente ameaçada pelo domínio por poucas empresas transnacionais das técnicas de cultivo de alimentos.

Por isso, a existência de controle, rigorosa legislação e fiscalização sobre as atividades que envolvem os organismos geneticamente modificados, além de constantes estudos e discussões públicas, participativas e transparentes sobre a matéria, com acesso à informação por parte da sociedade, visando adaptação das regras existentes aos interesses sociais são necessárias e fundamentais para que aconteça um efetivo controle social sobre assunto de tamanha importância e consequências e para que se evite o aumento da exclusão social.

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2.1.2.6 Aspectos culturais

Durante muito tempo o homem se viu dissociado da natureza. Tratava-se de uma visão baseada no paradigma cartesiano mecanicista, na qual os recursos naturais eram vistos como bens a serem explorados, desvinculados da ação humana, desconsiderando-se a interdependência e inter-relação entre tais bens e os seres humanos.

Esse pensamento linear, fragmentado e analítico dificultou a compreensão clara das complexas intra e inter-relações entre o homem, a sociedade e a natureza. Como consequência dessa dissociação entre o homem e o meio ambiente ocorreram ações comportamentais humanas destruidoras dos recursos naturais e da natureza. Do mesmo modo, essa concepção do meio ambiente dissociado do homem contribuiu para o desenvolvimento de uma filosofia que legitima a exploração e o efeito destrutivo de nossa ação antrópica sobre a natureza e sobre o próprio homem. [124]

Também não se falava em equidade intergeracional, menosprezando-se o direito das futuras gerações a um meio ambiente equilibrado.

A partir da década de 70 surgiram novas discussões sobre o meio ambiente, seu significado e o aprofundamento de sua análise e aspectos. Disso surgiu a concepção do paradigma ambiental, em contraposição à visão compartimentada e mecanicista antiga. Por esta nova visão o meio ambiente passou a ser visto como um sistema interligado de relações e cooperação entre todos os seres vivos, a natureza e a sociedade.

A equidade intergeracional, por exemplo, necessária para o desenvolvimento sustentável, passou a ser trabalhada e defendida. No Brasil ganhou status constitucional expresso a partir da Constituição Federal de 1988.

Convém, assim, questionar em que estado de direito ambiental o planeta se encontra hoje, especialmente nos assuntos de biossegurança regulamentados através da Lei 11.105/2005 no Brasil. Cabe à sociedade analisar a adequação dos dispositivos promulgados, sua utilidade e capacidade de precaução, observando os limites éticos para a pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico aprovados até o presente momento.

Igualmente, destaca-se o acesso à informação como um aspecto de grande relevância e vital importância para a educação e cultura social. O direito à informação não é tratado com a seriedade que deveria. Pouco se sabe sobre o que se utiliza e ingere. Pouquíssimos cidadãos brasileiros sabem o que é biotecnologia, o que se conhece sobre o assunto, quais os efeitos comprovados de seu uso e quais os riscos desconhecidos. A maioria dos consumidores, por exemplo, não sabe a origem dos produtos que compram, se eles advêm de modificações genéticas ou não, se são seguros ou não, que quantidade exata de organismos geneticamente modificados contêm. Também não se informa sobre o pagamento obrigatório de "royalties" pelas sementes patenteadas e sobre os custos envolvidos com a produção de organismos geneticamente modificados.

2.1.3 Lei de Biossegurança

De acordo com a Convenção-Quadro sobre a Diversidade Biológica, assinada em 1992 e promulgada pelo Brasil em 1998 através do Decreto 2.519, "cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso, estabelecer ou manter meios para regulamentar, administrar ou controlar os riscos associados à utilização e liberação de organismos vivos modificados resultantes da Biotecnologia, que provavelmente provoquem impacto ambiental negativo que possa afetar a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana" [125].

O governo brasileiro, buscando objetivo similar ao que fora disposto na citada Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgou, em 1995, a primeira lei nacional voltada para o assunto: a Lei nº 8.974. Nela foram regulamentados os incisos II e V do parágrafo 1º do art. 225 da Constituição Federal, normatizando-se sobre o uso de técnicas de Engenharia Genética e a liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados (OGMs). Através dela também se autorizou o Poder Executivo, no âmbito da Presidência da República, a criar a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança [126].

Em 24/03/2005 o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei n° 11.105, conhecida como a Lei de Biossegurança. Ela veio regulamentar os incisos II, IV e V do parágrafo 1º do art. 225 da Constituição Federal, bem como estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados. Também criou o Conselho Nacional de Biossegurança e reestruturou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e dispôs sobre a Política Nacional de Biossegurança [127].

Com a promulgação da Lei nº 11.105/2005 foram revogados a Lei nº 8.974/1995, a primeira lei nacional voltada para o assunto; a Medida Provisória nº 2.191-9/2001; e os arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 16 da Lei nº 10.814/2003.

Diante da complexidade, seriedade, abrangência e gravidade dos temas presentes na Lei de Biossegurança, revela-se a sua extrema importância para o país e para a segurança da biodiversidade nacional.

As atividades abrangidas pela Lei 11.105/2005 no uso de organismos geneticamente modificados são: construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, comercialização, consumo, liberação no meio ambiente e descarte de organismos geneticamente modificados e seus derivados.

Outrossim, quanto às diretrizes da Lei, também dispostas no seu art. 1º, observa-se que, além de acolherem o princípio da precaução, destacam o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, bem como a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal [128].

Essas diretrizes demonstram sobre quem recaem as preocupações do legislador. A vida e a saúde humana, animal e vegetal são suas prioridades. Interessante observar que a Lei não se limitou a ressaltar a vida e saúde humanas, lembrando da importância e valor das vidas dos outros seres, sem os quais a própria vida humana estaria ameaçada. Por outro lado, regrediu a nova Lei ao não incluir a expressão meio ambiente, tal qual dispunha a Lei nº 8.974/1995 em seu artigo 1º, ignorando-se a interdependência e interligação existente entre homens, animais e plantas.

As diretrizes asseveram ainda que o legislador deu destaque especial à pesquisa científica na área de biossegurança e biotecnologia, buscando estimulá-la.

2.1.4 Princípio da precaução

O princípio da precaução, desenvolvido inicialmente a partir de sua adoção e aplicação pelo direito alemão desde o começo da década de 1980, gradativamente passou a direcionar e ser adotado em diversas declarações e tratados internacionais, tendo uma importância crescente no Direito Ambiental Internacional.

Ele surgiu como uma resposta às demandas sociais e ao desenvolvimento do Direito Ambiental, preocupados com as consequências do contínuo desenvolvimento científico e tecnológico, número de desastres ambientais e riscos futuros, associados à ineficácia de ações apenas reparadoras para a proteção do ambiente.

A finalidade do princípio da precaução é a proteção ambiental através da cautela. Sua definição consiste em aplicar medidas precautórias em casos nos quais haja risco de significativos impactos ambientais negativos, mesmo em situações nas quais exista o desconhecimento científico acerca da sua probabilidade de ocorrência. Sua aplicação advém, assim, da conjugação da incerteza científica somada à possibilidade de riscos ambientais graves.

Há na raiz da precaução um paradoxal rompimento quanto à adoção absoluta do conhecimento científico, quando este ainda não encontrou resposta sobre os riscos de eventual ação e, ao mesmo tempo, a necessidade de contínuos estudos e pesquisas científicas que elucidem as informações necessárias à proteção ambiental.

Como afirmam Freestone e Hey, o princípio da precaução é um dos princípios norteadores de um grande número de instrumentos ambientais tanto de caráter global quanto regionais, bem como suas principais diretrizes são cada vez mais utilizadas em regimes nacionais e internacionais [129]. Do mesmo modo, asseveram que o princípio "... tem sido tão amplamente aceito em instrumentos internacionais e, de forma crescente, em nacionais, que poucos, atualmente, tentariam negar sua importância" [130].

A Lei nº 11.105/2005 inovou o sistema jurídico de proteção ambiental pátrio ao dispor expressamente sobre o princípio da precaução, adotando-o em seu primeiro artigo, o qual estabelece o seguinte:

Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. [131] (Grifou-se).

Dessa postura do legislador pátrio decorre a importância de se observar o princípio da precaução nas questões que envolvam os organismos geneticamente modificados e seus derivados diante da saúde humana, animal e vegetal e da proteção ambiental.

2.2 A rotulagem dos alimentos transgênicos no Brasil

Dentre os direitos básicos dos consumidores dispostos no Código de Defesa do Consumidor encontram-se o direito à vida, à saúde e à segurança, o direito à informação e o direito de escolha.

O direito à informação, por sua vez, é essencial para a viabilidade do exercício do direito de escolha dos consumidores e para proporcionar conhecimentos relativos à segurança e proteção da saúde e da vida dos consumidores em caso de riscos.

Do direito à informação decorre, assim, a justificativa para a rotulagem dos alimentos transgênicos. O consumidor tem o direito de ser informado sobre a existência ou não de organismo geneticamente modificado nos alimentos que irá consumir.

Trata-se de um direito fundamental à informação sobre gêneros alimentícios e alimentos geneticamente modificados, decorrente do direito básico à autodeterminação alimentar dos consumidores brasileiros, como se depreende do artigo 5º, caput e XXXII, da Constituição Federal de 1988, conjugado com o artigo 6º, I, II e III, do Código de Defesa do Consumidor [132].

Esclarece Cláudia Lima Marques que o direito de informação do consumidor baseia-se em duas fontes. A primeira delas refere-se aos eventuais riscos a que possam estar sujeitos os consumidores em razão do uso de organismos geneticamente modificados, por força dos artigos 1º, III, e 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988 e dos artigos 6º, III, e 31, do Código de Defesa do Consumidor. A segunda advém do direito de escolha do cidadão consumidor, resultado da conjunção do artigo 170, caput e V, da Carta Magna, e dos artigos 6º, II, e 31, da Lei 8.078/1990. Acrescenta ela que o direito de escolha, por si só, é suficiente para gerar o dever de informação nos rótulos sobre a existência de organismo geneticamente modificado, tal qual acontece com o dever de informar os consumidores sobre quaisquer outros ingredientes [133].

Do direito à informação dos consumidores sobre o conteúdo dos produtos que consomem decorre o dever do fornecedor de informar, especificamente determinado pelo artigo 31 da Lei 8.078/1990, o qual ressalta o dever de informar sobre os riscos que os produtos ou serviços venham a apresentar à saúde e segurança dos consumidores.

Outrossim, diante do princípio da precaução e da potencialidade da existência de riscos à sua saúde, a informação constitui o meio de o consumidor conhecer e escolher os alimentos do seu consumo. Como explicam Marcelo Dias Varella e Ana Flávia Barros Platiau, "se o brasileiro ... estiver impedido de saber sequer se um produto é transgênico ou não significa retirar do consumidor qualquer opção de escolha" [134].

Do mesmo modo, assevera Nelson Nery Júnior que:

O dever de informar tem sua imprescindibilidade destacada em situações sui generis, como a do desenvolvimento de novas tecnologias, o que ocorre nos alimentos transgênicos, considerando-se os aspectos ainda desconhecidos dos experimentos. Nesses casos, a informação completa nos rótulos é o único meio eficaz de diferenciar, num eventual rastreamento, um produto de outro, podendo-se chegar às causas de eventuais danos e impedir sua continuidade, cumprindo-se, ainda, o preceito constitucional e o princípio da liberdade de escolha do consumidor, a partir da identificação do produto transgênico. [135]

Vale destacar ainda que a falta de informação sobre a existência de organismo geneticamente modificado no alimento, por ser a mesma essencial, constitui publicidade enganosa por omissão, como se depreende do artigo 37, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor). [136]

No Brasil, a rotulagem específica de alimentos produzidos com organismos geneticamente modificados foi primeiramente disciplinada pelo Decreto nº 3.871, de 18 de julho de 2001, o qual dispunha em seu artigo 1º, caput, que:

Os alimentos embalados, destinados ao consumo humano, que contenham ou sejam produzidos com organismo geneticamente modificado, com presença acima do limite de quatro por cento do produto, deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, sem prejuízo do cumprimento da legislação de biossegurança e da legislação aplicável aos alimentos em geral ou de outras normas complementares dos respectivos órgãos reguladores e fiscalizadores competentes. [137] (Grifou-se)

Estipulou-se, através do referido decreto, o limite de 4% de tolerância para a exigência de informação no rótulo do produto sobre a existência de organismo geneticamente modificado em seu conteúdo. Também foi ressaltada a imprescindibilidade de parecer técnico conclusivo favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio para fins de liberação comercial e sua autorização para comercialização pelos órgãos competentes, nos termos do artigo 2º do Decreto nº 3.871/2001 [138].

Posteriormente, foi editado o Decreto nº 4.680, de 24 de abril de 2003, o qual revogou o Decreto nº 3.871/2001 e regulamentou o direito à informação garantido pelo Código de Defesa do Consumidor quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados.

Esse novo decreto reduziu para 1% o limite da presença de organismo geneticamente modificado no produto (artigo 2º, caput). Acima de tal limite, a rotulagem informativa passou a ser obrigatória. A anterior exigência aplicável aos produtos embalados foi também estendida para os produtos vendidos a granel ou in natura (artigo 2º, § 1º). Igualmente, acrescentou-se a necessidade de informar o consumidor sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes (artigo 2º, § 2º). [139]

Além disso, o Decreto nº 4.680/2003 determinou que a informação sobre a presença de ingredientes transgênicos deve constar no documento fiscal do produto para permitir sua identificação em todas etapas da cadeia produtiva (artigo 2º, § 3º). Também delegou poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança para reduzir o percentual de 1% do limite de exigência (artigo 2º, § 4º), bem como estendeu a exigência da rotulagem obrigatória para alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos (artigo 3º). Ainda, quanto aos produtos ou ingredientes que não contenham nem sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados facultou-se a rotulagem negativa que identifique "livre de transgênicos" (artigo 4º). [140]

A Lei nº 11.105/2005, a seu turno, reforçou a necessidade da rotulagem dos transgênicos ao dispor artigo 40, inserido nas disposições finais e transitórias, que "os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento" [141].

Contudo, não são vistos na prática produtos ou ingredientes que sigam a rotulagem dos transgênicos. Explica Marcos Tadao Mendes Murassawa que os fornecedores que utilizam organismos geneticamente modificados em seus produtos alegam que estes contêm os referidos organismos em limite inferior a 1%. Ele próprio questiona qual a garantia de cumprimento desse limite, ao mesmo tempo em que pondera ser árdua a tarefa para obter tais resultados diante da inexistência de laboratórios habilitados pela ANVISA para detectar a observância do limite estabelecido, ressalvando ainda não ser da ANVISA o dever de fiscalizar os produtos transgênicos. [142]

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Sobre a autora
Elisa Bastos Frota

Bacharela em Direito pela UFS. MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Pós-graduação em Direito Ambiental pela PUC-RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Elisa Bastos. A participação popular do consumidor como instrumento de defesa ambiental.: O caso da rotulagem dos alimentos transgênicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2282, 30 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13593. Acesso em: 5 nov. 2024.

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