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Abuso de direito

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10/10/2009 às 00:00

Resumo:


  • O abuso de direito é um tema que remonta ao Direito Romano e foi sistematizado nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como o Código Civil de 2002.

  • Caracteriza-se pelo exercício irregular de um direito subjetivo, que excede os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, sujeitando-se a sanções correspondentes.

  • O abuso de direito pode se manifestar em diversas áreas do Direito, como relações contratuais, direito processual, direito do consumidor, entre outros, e suas consequências jurídicas variam conforme a situação, podendo incluir desde a reparação de danos até a nulidade de negócios jurídicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O texto discorre sobre os elementos que permitem sua conceituação, bem como sua identificação no caso concreto, de modo a reprimi-lo e puni-lo, conforme as circunstâncias.

Resumo: O artigo aborda o abuso de direito. Demonstra sua existência desde tempos remotos, bem como sua gradual sistematização jurídica pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos, em especial pelo Código Civil Brasileiro de 2002. Discorre sobre os elementos que permitem sua conceituação, bem como sua identificação no caso concreto, de modo a reprimi-lo e puni-lo, conforme as circunstâncias. Apresenta as conseqüências jurídicas de sua prática, além de alertar que sua ocorrência não está restrita ao Direito Civil, mas também a outros "ramos" do Direito, o que recomenda atenção redobrada por parte do operador do Direito, de modo a fazer prevalecer o bom senso e a justiça.

Palavras-chave: abuso de direito – exercício irregular de direito – ato ilícito – Art. 187, do Código Civil de 2002 – responsabilidade civil – efeitos jurídicos – indenização.

Abstract: The article approaches the abuse of law. It demonstrates its existence since ancient times, as well as its gradual juridical systematization by the contemporary juridical ordainments, especially by the Brazilian Civil Code of 2002. It discourses about the elements that allow its conception as well as its identification in the concrete case, to repress it and punish it, as appropriate. It presents the legal consequences of its practice, besides warning that its occurrence is not restricted to civil law, but also to other "branches" of law, which suggests intensified attention by the operator of the law, so as to make good sense and justice prevail

Key-words: abuse of law - irregular exercise of law - tort - Art 187, of the Civil Code of 2002 - liability – juridical effects - compensation.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Histórico – 3. Conceito – 4. Natureza Jurídica – 5. Elementos – 6. Conseqüências Jurídicas – 7. Conclusões – 8. Referências.


1 INTRODUÇÃO

Este artigo visa abordar o abuso de direito, regido pelo art. 187, do Código Civil de 2002. Em regra, de difícil identificação, vez que se manifesta mediante o exercício aparente de um direito, o abuso de direito traz consigo efeitos lesivos a outrem, não devendo ser aceito e reconhecido pelo Direito, tampouco produzir os efeitos almejados por seu(s) agente(s).

O estudo começa com uma síntese histórica que vai desde percepção de práticas abusivas no cotidiano jurídico até previsão legal nos sistemas jurídicos contemporâneos, de modo a impedir e punir sua prática. Na sequência, procede-se à conceituação do instituto; ao exame de sua natureza jurídica; de seus pressupostos, bem como dos efeitos jurídicos de sua incidência. Culmina por trazer exemplos de sua manifestação, de maneira a aguçar a percepção do operador.

Objetiva-se, portanto, fornecer ao intérprete e ao aplicador do Direito bases concretas para se identificar, coibir e reprimir o abuso do direito, haja vista seus efeitos deletérios à própria sociedade, porquanto representa subversão dissimulada da ordem jurídica, desviando o Direito de sua finalidade.

Para desenvolvimento do tema foi empregado o método empírico-dialético, com pesquisa bibliográfica, nacional e estrangeira, com rápidas incursões no Direito comparado, além de pesquisa jurisprudencial.

Colocando-se às atentas observações dos leitores, o autor espera prestar modesta contribuição na compreensão e consolidação da matéria, de modo a não fazer letra morta das disposições legais que versam sobre o tema. Ao contrário, tendo presente seus contornos, características e efeitos visa-se propiciar aos operadores mecanismos de otimização e efetividade do instituto.


2 HISTÓRICO

O Direito Romano, embora tenha apresentado contornos do abuso do direito não procedeu à sua sistematização. Dentre esses traços iniciais, podem ser lembradas regras como "a proibição ao proprietário de demolir sua casa para vender os materiais; a perda da propriedade quando o titular se recusava a prestar caução de dano infecto; ou, ainda, as proibições de se manterem incultas as terras e de se manterem os latifúndios." [01]

No período medieval, o abuso do direito, ainda de maneira embrionária, manifestou-se sob o rótulo da emulatio – atos emulativos –, entendida como rivalidade, competição, disputa [02], dentre os quais se sobressaíram conflitos de vizinhança, fundados no seu direito de propriedade [03]. Percebeu-se, então, que certos direitos não poderiam ser exercidos de maneira absoluta ou mediante interpretação literal da lei. Ao revés, impunham-se restrições, adaptações fundadas, basicamente, em interpretações finalísticas e sistemáticas, sob pena de se albergar, por via oblíqua, atos lesivos e destoantes do objetivo do Direito.

O primeiro diploma legal a dispor sobre o abuso de direito foi o BGB ou Código Civil Alemão (1900). Em seu § 226, previu: "É inadmissível o exercício de um direito, quando só possa ter o fim de causar dano a outrem".

Seguiu-se-lhe o Código Civil Suíço (1907), que, em seu art. 2º, dispôs: "Todos têm, no exercício dos seus direitos e na execução das suas obrigações, de agir de acordo com a boa-fé. O abuso evidente de um direito não encontra proteção legal."

Mais tarde, inúmeros países como Portugal, Itália, Polônia, Argentina, Prússia e Brasil passaram a adotar regras que, direta ou indiretamente, coibiam o "abuso de direito". A jurisprudência também prestou valiosa contribuição para delimitação do instituto, precedendo, em alguns momentos, ao próprio legislador.

Um dos primeiros casos levados ao Judiciário ocorreu na Alemanha. O proprietário de um Castelo, após a morte de sua esposa, optou por sepultá-la no próprio imóvel. O filho do casal, todavia, foi impedido de ingressar no imóvel pelo pai, com quem havia rompido relações. O pai argumentou que, na qualidade de proprietário, podia impedir o acesso ao local de quem quer que fosse, inclusive de seu filho. Além disso, afirmava estar com a saúde debilitada, sendo que a presença do filho poderia lhe agravar o quadro. Após ingressar em juízo, com base na orientação de impedir o exercício abusivo de um direito, o filho logrou êxito na causa, obtendo acesso à sepultura. A decisão, porém, não passou sem críticas. Afirmou-se que não restara caracterizado "o fim de causar dano a outrem", previsto no § 226, do BGB [04], no que o julgamento teria excedido aos limites firmados pela lei. Percebe-se, pois, que, em verdade, o bom senso norteou a decisão, que, mediante interpretação extensiva e finalística, fez prevalecer a solução sensata à controvérsia, afastando o exercício arbitrário de um direito. O caso evidencia, ainda, a dificuldade de se estabelecer regramento sobre o tema, haja vista o caráter multifacetário que pode assumir o "abuso de direito", bem como a importância do operador, que deve agir com sensibilidade e perspicácia, de modo a detectar o abuso no exercício de um direito.

Pode-se lembrar, também, o episódio de Clement Bayard, julgado pela Corte de Amiens, no início do Século XX. Na ocasião, o proprietário de um imóvel, situado ao lado de um campo de pouso de dirigíveis, possivelmente incomodado com o movimento das aeronaves no local, construiu, sem justificativa aparente, altas torres, contendo em seus topos lanças de ferro pontiaguadas. Essas lanças passaram a representar perigo para os dirigíveis que transitavam pelas imediações, o que remeteu os interessados ao Judiciário. Ao proferir o julgamento, o Tribunal considerou abusiva a conduta do proprietário [05], concluindo que seu real objetivo, embasado num pseudo-direito de propriedade, era perturbar ou lesar os condutores dos dirigíveis.

No Brasil, o Código Civil de 1916 disciplinou o abuso de direito apenas de maneira indireta. Seu art. 160, inc. I, dispôs: "Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito". Assim, mediante leitura a contrario sensu, os atos que excedessem ao exercício regular de um direito caracterizar-se-iam como ilícitos, isto é, "abusivos" [06] .

O Código Civil de 2002, atento à realidade contemporânea, adotou expressamente o abuso de direito, em seu art. 187: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".


3 CONCEITO

O abuso de direito é tema de difícil apreensão e, por conseguinte, conceituação. Do ponto de vista formal, a conduta do agente encontra respaldo na lei. Contudo, em essência, dela se divorcia, porquanto traz em si objetivos diversos, no mais das vezes visam prejudicar a outrem ou obter vantagem exagerada por seu agente, o que esbarra em premissas de ordem ética. Manifesta-se pelo exercício irregular de um direito subjetivo, sendo que a linha que separa o certo (direito subjetivo) do errado (abuso do direito), em geral, pode ser muito tênue.

O abuso de direito, a princípio encontra respaldo no ordenamento jurídico, enquanto exercício de um direito subjetivo, mas seu interior, sua real motivação, está em descompasso com aquilo que é externado, bem como com a finalidade jurídica que legitima o instituto jurídico então em uso. Em suma: o abuso do direito não viola a lei, mas seu espírito.

O vício, portanto, exige aguda atenção do operador do direito frente ao fato subjacente, impondo-se-lhe a percepção do que, realmente, está por trás dos elementos externados, que mascaram um abuso de direito, o que nem sempre é tarefa fácil.

Um dos aspectos que mais contribuiu para esse exame e mesmo para concretização do abuso do direito foi o reconhecimento da não existência de direitos absolutos. Como se sabe, o Direito apresenta finalidades, dentre as quais regular com harmonia o convívio social. Essas finalidades, por sua vez, devem estar em sintonia com valores universais, consistentes na promoção da igualdade material, da justiça social, da dignidade da pessoa humana, da vedação ao enriquecimento sem causa etc. Logo, supostos direitos que, sob o pretexto de estarem sendo exercidos de por seus titulares de maneira aparentemente regular, mas que, em seu interior, conflitem com esses valores jurídico-sociais, devem ser coibidos e rechaçados do mundo jurídico, preservando-se, desta forma, conquistas obtidas em Séculos de civilização, garantindo-se ao direito o cumprimento de seus verdadeiros ideais.

Com base nessas premissas, entende-se por abuso de direito o exercício irregular de um direito subjetivo, que, sob o pretexto de realizá-lo com base na lei, dela se afasta por contrariar os princípios e valores que compõem o ordenamento jurídico, contendo em seu interior práticas que contrariam o bom senso e a equidade, não estando apto, portanto, à produção dos efeitos visados por seu agente.

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4 NATUREZA JURÍDICA

Aquilatar a natureza jurídica do abuso de direito importa saber se este se qualifica como "ato ilícito" ou como "categoria autônoma". Apesar da redação legal (CC/02, art. 187) dizer que "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes", a doutrina diverge a respeito.

Segundo Inácio de Carvalho Neto, "o abuso de direito não se confunde com o ato ilícito, embora também não seja lícito. Configura-se, assim, um tertium genus em relação a este" [07].

Para Alvino Lima: "distinguem-se, pois, as esferas do ato ilícito e do ato abusivo, ambos geradores de responsabilidade" [08].

De acordo com Fernando Noronha: "os casos ditos de abuso de direito são, na realidade, casos de atuação contrária ao direito, atuação antijurídica, não necessariamente ilícita." [09]

Já para Heloísa Carpena: "o ato abusivo, permita-se frisar, está situado no plano da ilicitude, mas com o ato ilícito não se confunde, eis que diversas são as respectivas violações, tratando-se de categoria autônoma da antijuridicidade" [10].

A discussão não se restringe a considerações de ordem teórica. Ao contrário, pode se revestir de conteúdo prático relevante. Observe a advertência de Sílvio Rodrigues [11]:

O problema que agora se propõe é o de saber se a teoria do abuso de direito deve ficar circunscrita ao âmbito da responsabilidade civil, ou se adquiriu ela autonomia, podendo ser aplicada em outros campos do direito. A resposta oferece interesse, porque, se entender que seu habitat é apenas o da responsabilidade civil, a única conseqüência do ato abusivo seria a sujeição, de quem o praticou, ao pagamento da indenização reparadora do dano; enquanto que, se se entender que ela se aplica a outros campos do direito, outras consequências que não a indenização poderão advir.

A divergência doutrinária advém dos pressupostos que caracterizam "cada" instituto. Ato ilícito exige conduta proibida, vedada e/ou contrária à lei. No abuso de direito a conduta está, em tese, de acordo com a lei, mas implicitamente dela se desvia. Por esse prisma, ambos institutos não se confundem, o que somente contribui para polêmica em relação à matéria.

Entretanto, apesar dos respeitosos entendimentos citados, após exame sistemático das disposições do Código Civil de 2002, observa-se que o legislador qualificou o abuso de direito como ato ilícito. Vale destacar que não houve ausência de técnica ou cochilo do legislador. Sua intenção foi clara, não deixando margem a dúvidas, sobretudo porque assim agiu por duas vezes. Isto porque, além do disposto no art. 187, já transcrito, também o art. 927, "caput" previu: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

Neste diapasão, a melhor orientação sobre o tema vem a ser aquela que estabelece uma relação de gênero e espécie entre tais institutos. Significa dizer: ato ilícito vem a ser gênero, dentre os quais se vislumbram duas espécies; a primeira, prevista no art. 186; a segunda, no art. 187, cada qual dotada de peculiaridades, pressupostos e características próprias [12].

Enquanto o art. 186, do CC/02, ao regular o ato ilícito strictu sensu, exige, para sua configuração, a presença de elemento subjetivo (culpa) e mesmo do dano; o art. 187, ao dispor sobre o ato ilícito na modalidade abuso de direito, pautou-se por critérios objetivos, cumprindo ao operador do direito aferir, no caso concreto, a presença de seus elementos.

Assim, o abuso de direito, previsto no art. 187, vem a ser espécie do gênero ato ilícito (latu sensu), este último previsto no art. 186, ambos do CC/02, porém cada qual dotado de pressupostos e elementos próprios.


5 ELEMENTOS

O Código Civil de 2002, inspirando-se no art. 334 [13], do Código Civil Português, como já visto, inovou em relação ao Código de 1916. Todavia, não só previu de maneira taxativa o abuso de direito, mas também precisou seus elementos, estabelecendo que, para sua incidência, é necessário que o exercício do direito exceda aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Referido dispositivo caracteriza-se como autêntica cláusula geral, entendida esta como norma que não prescreve uma determinada conduta, de maneira casuística e restritiva, mas, ao contrário, define valores e parâmetros hermenêuticos, servindo como ponto de referência interpretativo, oferecendo ao operador do Direito critérios axiológicos e limites para sua aplicação [14].

A técnica legislativa das cláusulas gerais, adotada pelo CC/02, opõe-se às normas casuísticas, de que são exemplos a fattispecie e o Tatbestand, típicas de sistemas fechados, em que o legislador antevê, de maneira rígida e estanque, o fato relevante para o direito a se verificar no mundo real, bem como dispõe a consequência jurídica respectiva, impondo ao juiz um atuar de maneira mecânica e frívola. No sistema aberto, próprio das cláusulas gerais, o operador do direito, em especial o juiz, deixa de ser a boca da lei (bouche de la loi), em seu sentido inanimado, mecânico, autômato e mesmo pejorativo, para se tornar real intérprete do Direito e real aplicador da Justiça, fundando seu convencimento nos valores e princípios inerentes ao instituto jurídico em exame.

Porém, para bem empreender esse mister, é indispensável compreender o alcance e o significado das expressões "fim econômico ou social", "boa-fé" e " bons costumes", empregados pelo art. 187, do CC/02, os quais – destaque-se – podem se manifestar de maneira alternativa, e não necessariamente cumulativa, para que se caracterize o abuso de direito.

Quanto ao "fim econômico ou social" não se pode olvidar que o CC/02, dentre outros, adotou o princípio da socialidade. Assim, por exemplo, não só a propriedade, mas também o contrato (CC/02, art. 421), antes, dotados de nítida feição individualista, hoje estão condicionados a uma função social (CC/02, art. 2.035, parágrafo único), isto é, à promoção do bem comum, da igualdade material, da ordem social mais justa, da redução das desigualdades sociais e regionais, assim como à proibição de qualquer forma de preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF/88, arts. 1º e 3º) [15].

Desse modo, qualquer contrato que traga em seu interior a violação ao princípio do equilíbrio contratual, contendo obrigações iníquas, configurar-se-á abuso de direito, devendo sofrer os efeitos jurídicos que lhe são pertinentes.

O mesmo se diga em relação ao direito de propriedade (CF, art. 5º, inc. XXIII). A propósito, o art. 1.228, § 1º, do CC/02, em sintonia com os valores constitucionais (CF, art. 225, caput), estabelece que a função social da propriedade inclui a preservação do meio ambiente, nele compreendidos a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio histórico e artístico, bem como seja evitada a poluição do ar e das águas.

Em resumo, quaisquer circunstâncias que contrariem ou conflitem com os "fins econômicos e sociais", firmados na ordem jurídica autorizam concluir pelo abuso de direito, não devendo prevalecer, porquanto representam burla ao sistema jurídico.

No que alude à boa-fé, tem-se que esta se materializa no princípio da eticidade, também albergado pelo CC/02 [16]. Etimologicamente, a palavra "ética" origina-se do grego ethos, que corresponde ao conjunto de costumes, hábitos e valores de uma determinada sociedade ou cultura [17]. A preocupação com a ética consiste na tentativa de sistematizar modelos ideais de conduta em que os sujeitos de determinada relação jurídica se respeitem mutuamente e contribuam para que o instituto jurídico respectivo atinja seus objetivos.

É, pois, visando coibir práticas antiéticas que o legislador optou por erigir a boa-fé – elemento originalmente de cunho psíquico-subjetivo –, ao principio da boa-fé objetiva, previsto no art. 422, do CC/02, e que exige um padrão, um modelo de conduta reputado correto em determinada circunstância, levando-se em conta, para tanto, os valores que norteiam o homo medius e o bonus pater familias"

O princípio da boa-fé objetiva impõe aos sujeitos de determinada relação jurídica um agir com honestidade, lealdade, probidade, lisura, correção, não contradição, em que cada qual coopere para a boa execução do negócio jurídico, vedando a criação de subterfúgios com vistas a se eximir de obrigações assumidas. Nesse sentido, as palavras de Álvaro Rodrigues Júnior: "Por boa-fé deve-se entender não apenas o cumprimento das prestações principais do contrato (dar, fazer, não fazer), mas, também, os deveres de conduta necessários para preservar o verdadeiro objetivo do negócio celebrado, permitindo que cada parte alcance, com eficiência, aquilo que a levou a contratar" [18].

É nesse contexto que Fernando Noronha assevera: "Na verdade, se bem atentarmos nos atos geralmente apontados como de abuso de direito, veremos como em todos está presente uma violação de agir de acordo com a boa-fé" [19].

Nesta ordem de idéias, qualquer conduta que venha a ofender esse padrão objetivo de conduta, frustrando a boa execução e a concretização dos direitos e deveres estabelecidos entre os protagonistas do negócio ou da relação jurídica, viola a boa-fé (objetiva), caracterizando-se como abuso de direito.

Por derradeiro, segundo Mário Júlio de Almeida Costa, entende-se por "bons costumes", o "conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente. Logo, o exercício de um direito apresenta-se contrário aos bons costumes quando tiver conotações de imoralidade ou de violação das normas elementares impostas pelo decoro social". [20]

Observa-se, destarte, que a expressão "bons costumes" guarda estreita afinidade com "boa-fé" (objetiva). Ambos extraem suas bases de valores éticos, isto é, aqueles aceitos moralmente em determinado tempo e local como corretos, exemplares, ideais. Dessa maneira, embora não seja requisito à configuração do abuso de direito, em regra, a presença de um deles estará acompanhada do outro, o que demonstra a inclinação do legislador em limitar o exercício de um direito aos limites do razoável, sem excesso, sem vantagens, sem desvio de finalidade, ou seja, sem "abusos".

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Sobre o autor
José Ricardo Alvarez Vianna

Juiz de Direito no Paraná. Doutor pela Universidade Clássica de Lisboa. Mestre pela UEL. Professor da Escola da Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANNA, José Ricardo Alvarez. Abuso de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2292, 10 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13662. Acesso em: 22 dez. 2024.

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