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A teoria dos sistemas e a caracterização da atividade empresária

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Introdução

O Código Civil (CC) inspirado na Teoria da Empresa define no seu art. 966, com uma boa dose de subjetivismo, o empresário e, dedutivamente, a atividade empresária. Esta caracterização produz conseqüências jurídicas importantes no direito civil, no direito tributário e no direito falimentar. Este artigo apresenta uma nova maneira de identificar a existência de uma atividade empresária, consoante os parâmetros legais do Código Civil, baseada na Teoria dos Sistemas.


1.A Teoria dos Sistemas e as organizações

A Teoria Geral dos Sistemas (TGS) surgiu com os trabalhos do biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, publicados entre 1950 e 1968. Segundo a TGS os sistemas vivos, sejam indivíduos ou organizações, são analisados como "sistemas abertos", mantendo um contínuo intercâmbio de matéria/energia/informação com o ambiente. (CHIAVENATTO, 1993, p. 749).

Segundo essa teoria, a empresa é vista como um sistema organizador e transformador de inputs trazidos do ambiente em outputs para o mesmo ambiente. (AIROLDI et al., 1989, p. 73).

De acordo com o princípio da homeostase [01], as organizações, como todo sistema aberto, procuram manter uma certa constância no intercâmbio de energia importada e exportada do ambiente, assegurando o seu caráter organizacional e evitando o processo entrópico (desintegração). Leciona Idalberto Chiavenatto (1993, p. 775) que:

Enquanto em teoria de sistemas fala-se em homeostasia dinâmica (ou manutenção de equilíbrio por ajustamento constante e antecipação), usa-se o termo dinâmica de sistema em organizações sociais: o sistema principal e os subsistemas que o compõe são caracterizados por sua própria dinâmica ou complexo de forças motivadoras, que impelem uma determinada estrutura para que ela se torne cada vez mais aquilo que basicamente é. Para sobreviver (e evitar entropia), a organização social deve assegurar-se de um suprimento contínuo de materiais e pessoas (entropia negativa).

A empresa por este enfoque é, à semelhança de um ser vivo, um sistema que quanto mais se torna complexo, mais autonomia ganha em relação à sua própria auto-organização. Dentro desta concepção, a personalidade jurídica da empresa representa algo mais que a união de pessoas físicas em sociedade, representa o próprio sistema.


2. Conceitos jurídicos de empresa

Do ponto de vista legal, uma atividade econômica é considerada empresária no Brasil, se atender aos requisitos expressos no art. 966 do Código Civil (BRASIL, 2002). Ou seja, deve ser uma atividade econômica, organizada, exercida profissionalmente para a produção ou a circulação de bens e serviços. Esses requisitos de empresarialidade foram herdados da Teoria da Empresa, contribuição italiana que representou um avanço no sentido de adaptar o ordenamento jurídico às mudanças ocorridas na estrutura econômica pós revolução industrial. Todavia os parâmetros definidos pelo legislador são eivados de subjetivismo, dificultando a tarefa do intérprete.

Segundo Fran Martins (1986, p. 27) a definição de empresa oriunda da Teoria da Empresa falha por ter sentido econômico e não jurídico. Complementa afirmando que ainda não existe um conceito jurídico para esta entidade.

Opinião diversa é apresentada pelo italiano Gian Franco Campobasso (1997, p. 24). Para ele, é indubitável que o conceito de empresário expresso no Código Italiano [02] reporta-se a um conceito econômico, e nem podia ser diferente, pois se trata da descrição de uma realidade econômica.

Porém são distintas as tarefas do economista e do operador do direito. O primeiro analisa a função dos diversos atores da vida econômica no sistema de produção e distribuição da riqueza, enquanto o segundo está preocupado em fixar os requisitos mínimos necessários e suficientes que devem acontecer para que um dado sujeito seja exposto a uma dada disciplina: a disciplina dos empresários.

Ainda em relação ao conceito jurídico de empresa, é basilar a contribuição doutrinária do jurista italiano Alberto Asquini, um dos principais formuladores da Teoria da Empresa, publicada originalmente em 1943. Segundo Alberto Asquini (1996, p. 109-110), a empresa é:

[...] o conceito de um fenômeno econômico poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos que o integram. As definições jurídicas de empresa podem, portanto, ser diversas, segundo o diferente perfil, pelo qual o fenômeno econômico é encarado.

Assim, de acordo com Asquini, a empresa pode ser identificada por seu aspecto subjetivo, funcional, patrimonial (objetivo) e corporativo. No aspecto subjetivo a empresa é vista como o próprio empresário. No aspecto funcional, a empresa é vista como a própria atividade, ou seja, uma abstração. Fábio Ulhoa Coelho (2003, p. 1) considera que é este o conceito de empresa que a doutrina irá prestigiar. No aspecto patrimonial, empresa confunde-se com estabelecimento, que é o conjunto de bens que lhe dá materialidade. Por fim, no aspecto corporativo, empresa é uma instituição formada pelo empresário e seus empregados.

A tese de Asquini, no entender de Sylvio Marcondes (1977, p. 6) [03], "[...] resolveu uma pendência na doutrina italiana, dividida em inúmeras correntes, cada qual pretendendo que a sua fosse a verdadeira conceituação de empresa em termos jurídicos". Para ele, o conceito poliédrico de empresa tem perfeita aplicação no nosso direito, haja vista o exame de alguns preceitos legais brasileiros. [04]

Maria Helena Diniz (2006, p. 754), utiliza-se dos aspectos funcional e patrimonial descritos por Asquini, para definir empresa. Segundo o conceito operacional da autora, empresa é: "[...] a atividade organizada para produção e circulação de bens ou de serviços, desenvolvida por uma pessoa natural (empresário) ou jurídica (sociedade empresária), por meio de um estabelecimento".

3.A essencialidade da figura física do empresário

Maria Helena Diniz (2006, p. 755) considera que a figura física do empresário, como organizador dos fatores de produção, é essencial à continuidade da existência da empresa. Todavia, uma vez organizada a empresa, nada impede que o empreendedor delegue a sua gerência a outros indivíduos com aptidão administrativa. Nesta hipótese, a empresa continuará existindo como entidade autônoma e independente. Esse é o destino inevitável das grandes corporações. Nessas empresas, muitas delas transnacionais, os empreendedores originais já morreram faz tempo. Tal assertiva coaduna-se com a moderna Teoria dos Sistemas, já comentada anteriormente. A empresa, como sistema autônomo, tem que funcionar sem o caráter personalíssimo que é próprio da atividade autônoma. A atividade empresária, levada a cabo pela capacidade sistêmica de auto governar-se, subsiste sem o empresário pessoa natural (homeostase). Destaca Andrea Guaccero (1999, p. 12, tradução nossa) que conceito semelhante é admitido por parte minoritária da doutrina italiana [05]:

Para existir uma empresa é necessária a criação de um organismo econômico, como entidade objetiva, que em qualquer modo se autonomiza com respeito ao seu criador (o empreendedor). Aquela organização elementar dos fatores produtivos, centrada essencialmente no trabalho do sujeito agente é própria da pequena empresa, que porém está fora da noção de empresa.

Gastone Cottino (2000, p. 161) traz luz a esta discussão e afirma que a empresa pode sobreviver à pessoa física do empreendedor (participação pessoal na gestão da empresa), como de fato ocorre amiúde. Os exemplos das fábricas abandonadas auto geridas pelos empregados demonstram que a presença do empresário não é decisiva nas realizações do processo produtivo [06]. A respeito do tema, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) possui julgado recente, onde o desembargador relator, ao decidir sobre o caráter empresarial de clínica médica para efeito de cobrança de ISS, excertou parte da sentença a quo, na qual o critério da essencialidade é discutido. In verbis:

[...] Claro que uma sociedade formada de profissionais liberais pode ser vista como uma sociedade empresária. Isso ocorrerá quando a atividade de origem dos seus sócios passe a ser somente um "elemento da empresa", como adverte o art. 966, p. único. Seria, por exemplo, a hipótese de um hospital mantido por pessoa jurídica constituída por dois médicos. Ali o labor intelectual de cada um dos especialistas ficaria esmaecido. A massificação dos atendimentos, a necessidade de contratação de outros profissionais da saúde e assim por diante levariam a sobrelevar a intenção meramente empresarial. Nesse caso, a sociedade mantenedora do hospital poderia ser indiferentemente mantida por médicos ou por quaisquer pessoas. Diferente a situação quando os mesmos dois médicos formam uma sociedade, mas continuam se dedicando à mesma atividade de origem. Então, permanecem atendendo diretamente os pacientes; o serviço prestado não é anônimo, mas pessoal dos médicos; o concurso de auxiliares (enfermeiros, secretários, atendentes) é exclusivamente coadjuvante. O caráter liberal da profissão permanece. A intenção, ao ser formada a sociedade simples, é tão-somente no sentido de conjugar esforços para a melhor qualificação dos serviços. (SANTA CATARINA, 2006, grifo nosso).

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Percebe-se, nos trechos grifados da jurisprudência colacionada, que o juiz a quo, utiliza o critério da não essencialidade do empresário para caracterizar a atividade empresarial. Explica que o hospital do exemplo, por ser empresa, poderia ser mantido pelos médicos sócios ou por quaisquer pessoas.


4.A empresa concebida como um sistema

Para o Código Civil Brasileiro a atividade empresária é a organização dos fatores de produção realizada com profissionalismo, isto é, com habitualidade e pessoalidade. Quem realiza essa organização é o empresário. O mesmo diploma reserva à atividade empresária uma série de direitos e obrigações com o intuito de preservar a segurança das relações econômicas em uma área tão sensível do ponto de vista social. Todavia, o conceito expresso no Código é carregado de subjetivismo e não cumpre com perfeição seu objetivo de definir quem é empresa e quem não é. O enfoque sistêmico, que concebe a empresa como um organismo autônomo, possibilita um novo critério para a sua identificação: a essencialidade da atividade laborativa do empresário para a subsistência da empresa. Isto é, se a organização prescindir da pessoa natural dos empreendedores para sobreviver, pode ser considerada uma empresa. Se não prescindir, a atividade não é empresária.


Referências

AIROLDI, Giuseppe; BRUNETTI, Giorgio; CODA, Vittorio. Lezione di economia aziendale. Bologna: Il Mulino, 1989.

ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Tradução de Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, n. 104, p. 108 - 126, outubro – dezembro 1996.

BRASIL, Presidência da República. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF: Senado, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>.

Acesso em: 23 out. 2007.

CAMPOBASSO, Gian Franco. Diritto Commerciale. Diritto dell’impresa. 3. ed. Torino: UTET, 1997.

CHIAVENATTO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 4. ed. São Paulo: Makron Books, 1993.

COELHO, Fábio Ulhoa. Parecer. Exarado para o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil. São Paulo, 2003. Disponível em:

< http://www.irtdpjbrasil.com.br/parecerfabio.htm>. Acesso em: 25 set. 2007.

______. Manual de Direito Comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

COTTINO, Gastone. L’imprenditore. 4. ed. Padova: Cedam, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GUACCERO, A. Organizzazione. In: BAVETTA, C.; DI CECCO, G.; MANGANO, R.; MELINA, M.; PERRINO, M.;TERRANOVA, Giuseppe (org). Diritto Commerciale I. L’impresa. Casi e problemi presentati. Torino:Giappichelli, 1999.

ITÁLIA, Codice Civile, Costituzione e leggi speciali. Milano: Giuffrè, 1991.

MARCONDES, Sylvio. Questões de Direito Mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977.

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

NEGRÃO, José Theotonio. Código Civil e legislação em vigor. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. A empresa: uma realidade fática e jurídica. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 36, n. 144, p.111-136, out./dez. 1999.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2006.003326-5, da Capital. Apelante: Ortoclini Ultrasom Ltda. Apelado: Município de Florianópolis. Relator: Des. Orli Rodrigues. Julgado em 28 mar. 2006. Disponível em: <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegraAvancada.do>.

Acesso em 07 out. 2007.

TRABUCCHI, Alberto. Instituzioni di Diritto Civile. 14. ed., Padova: Cedam, 1964.


Notas

  1. Conceito extraído da Teoria dos Sistemas que significa a propriedade de um sistema aberto de regular o seu ambiente interno de modo a manter uma condição estável, mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados. (CHIAVENATTO, 1993, p. 765)
  2. O conceito brasileiro, expresso no art. 966 do CC é tradução quase literal do conceito expresso no art. 2.082 do Código Civil Italiano de 1942, in verbis: "É imprenditore chi esercita professionalmente un attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi". (ITÁLIA, 1991).
  3. Autor do livro referente ao Direito de Empresa do anteprojeto do Código Civil de 2002.
  4. Refere-se aos perfis subjetivo, presente no art. 2º, e objetivo, que aparece no art. 448, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
  5. "Per aversi impresa, quindi, è necessaria la creazione di un organismo economico, come entità obiettiva, che in qualque modo si autonomizza rispetto al suo creatore (l’imprenditore). Quella elementare organizzazione dei fatori produttivi, centrata essenzialmente sul lavoro del soggeto agente, è invece propria della piccola impresa, che però è fuori della nozione di impresa.(GUACCERO, 1999, p. 12).
  6. "L’impresa può infatti sopravvivere alla persona física dell’imprenditore, spesso anzi prescinde come si è visto dalla sua partecipazione personale alla gestione. Gli esempi di fabbriche abbandonate dalla proprietà ed autogestite dai lavoratori dimonstrano quanto possa essere non decisiva la presenza della prima nella realizzazione del processo produttivo".
  7. (COTTINO, 2000, p. 161).
  8. "La possibilita di diventare imprenditori è concessa a tutti: a persone fisiche e a persone giuridiche". (TRABUCCHI, 1964, p. 318).
  9. Neste caso, tradução direta de imprenditore, pois a doutrina italiana parece não distinguir os significados das palavras impresario e imprenditore, como faz Fábio Ulhoa Coelho em relação a empresário e empreendedor.
  10. A função social da empresa é tão importante que foi objeto do seguinte enunciado emitido pelo Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal (CEJ): Enunciado 53 do CEJ – "Deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa". (NEGRÂO, 2007, p. 268).
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Sobre o autor
João Alberto da Costa Ganzo Fernandez

Advogado. Bacharel em Administração de Empresas. Mestre e Doutor em Engenharia Civil. Professor Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, João Alberto Costa Ganzo. A teoria dos sistemas e a caracterização da atividade empresária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2292, 10 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13669. Acesso em: 19 dez. 2024.

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