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Considerações sobre os limites das normas coletivas.

O problema da flexibilização e precarização dos direitos trabalhistas

27/10/2009 às 00:00
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Em razão do princípio protetor inerente e informador de toda a legislação trabalhista, ao trabalhador deve ser sempre aplicada a norma que lhe for mais favorável. Sendo assim, dessa afirmação nos deparamos com a grande questão acerca dos limites da negociação coletiva, qual seja, poderá norma coletiva estabelecer condições menos vantajosas ao obreiro?

Para respondermos tão delicada questão, a priori, a resposta deve ser negativa, muito embora a CRFB tenha estabelecido, em seu artigo 7º, hipóteses de flexibilização dos direitos dos trabalhadores mediante negociação coletiva (VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;).

Segundo Maurício Godinho Delgado, o problema se resolve através do princípio da adequação setorial negociada, que segundo o autor são "os critérios de harmonização entre as regras jurídicas oriundas da negociação coletiva (através da consumação do princípio de sua criatividade jurídica) e as regras jurídicas provenientes da legislação heterônoma estatal." [01]

Prosseguindo o autor na lição, aduz que a possibilidade da negociação coletiva, no sentido de afastar garantias previstas em normas heterônomas, só é possível quando se tratarem de "parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa". [02] Para Delgado, estas se qualificam

quer pela natureza própria à parcela mesma (ilustrativamente, modalidade de pagamento salarial, tipo de jornada pactuada, fornecimento ou não de utilidades e suas repercussões no contrato, etc.), quer pela existência de expresso permissivo jurídico heterônomo a seu respeito (por exemplo, montante salarial: art. 7º, VI, CF/88; ou montante de jornada: art. 7º, XIII e XIV, CF/88)." [03]

Segundo Nascimento, em razão da supremacia das normas de ordem pública, estas prevalecem sobre as normas negociadas, não podendo serem derrogadas. [04] Já Sérgio Pinto Martins oferece a seguinte classificação das normas trabalhistas: "... normas de ordem pública que podem ser absolutas ou relativas; normas dispositivas e normas autônomas individuais e coletivas." [05]Para o autor, "As normas de ordem pública absoluta são as que não podem ser derrogadas por convenção das partes, em que prepondera um interesse público sobre o individual." [06]

Muita embora a doutrina se esforce para classificar as normas que podem ser objeto de negociação coletiva, temos que tal classificação é estéril para o que se propõe. Não comungamos da ideia de que a norma trabalhista heterônoma possa ser de outra modalidade que não de ordem pública, uma vez que resta expressamente consignado na CF/88, em seu artigo 7º, no capítulo referente aos direitos sociais, que: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social."

Embora haja divergências doutrinárias acerca dos limites da flexibilização negociada no tocante as matérias pertinentes a Segurança e Medicina do Trabalho, a doutrina é praticamente unânime em vedar a negociação, classificando-as como normas de ordem pública. Abaixo transcrevemos ementa do TST sobre o tema:

Ementa: RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO POR MEIO DE NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE. Processo:

RR - 1823/2002-067-15-00.9 Data de Julgamento: 10/09/2008, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 10/10/2008. [07]

Segundo Sussekind, citado por Scudeler Neto, o ordenamento jurídico deve assegurar que "... os sistemas legais se constituam de regras gerais indisponíveis, que estabeleçam um mínimo de proteção a todos os trabalhadores, abaixo do qual não se concebe a dignidade do ser humano" [08]. É inequívoco que os direitos trabalhistas exercem importante papel na garantia desse mínimo indisponível.

Em face do princípio da dignidade humana e do valor social do trabalho (princípios insculpidos no art. 1º da CRFB), não se pode conceber negociação coletiva flexibilizadora de direitos sociais, salvo em se tratando das hipóteses expressamente permitidas pela Constituição Federal (anteriormente citadas), ou no caso de normas que expressamente permitam sua flexibilização. Mesmo nessas hipóteses, não pode haver a mera renúncia de direitos consolidados, mas tão somente verdadeira transação, sendo que em certos casos não se observa essa contrapartida em prol dos trabalhadores no instrumento coletivo, como bem observado por Carlos Eduardo Oliveira Dias:

... mesmo nos casos em que se admite a flexibilidade, inclusive por expressa autorização legal ou constitucional, não notamos como regra, a imposição do requisito da contrapartida como elemento essencial de validade de qualquer negociação coletiva. Desde sua percepção conceitual, considera-se que uma negociação deve ser conduzida pela reciprocidade, de modo que sua validade sempre é condicionada à existência de concessões recíprocas das partes envolvidas. Afinal, trata-se de fonte da qual derivam normas estipuladoras de direitos e obrigações, de maneira que a mera formalização de um pacto negocial, sem o caráter sinalagmático, não o transforma em norma coletiva válida e capaz de produzir efeitos de direito. [09]

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Outrossim, além da existência de transação como requisito de validade da negociação coletiva, não podemos concordar com a interpretação que fazem alguns no sentido de que se são permitidas a redução de salário e negociação de jornada, demais transações coletivas que visem flexibilizar outras matérias também o seriam (quem pode o mais pode o menos), o que, evidentemente, esvaziaria de conteúdo o princípio protetor. Não podemos esquecer que, para que possamos ampliar os limites da negociação coletiva, se faz necessária uma reforma sindical que possibilite a criação de sindicatos com verdadeiro poder de representação, o que, infelizmente, ainda é exceção no Brasil. [10]

Nesse contexto, não se pode estender os limites da negociação coletiva para além dos previstos na Constituição e demais normas heterônomas, sob pena de fragilizarmos as condições sociais dos obreiros, bem como nos casos de flexibilização legalmente previstos a negociação coletiva não pode se traduzir em mera renúncia de direitos.


BIBLIOGRAFIA

, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 7ª edição, São Paulo: LTr, 2008.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho.

NASCIMENTO, Amauri mascaro. Curso de Direito do Trabalho.

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SANTOS, Ronaldo Lima dos. Teoria das Normas Coletivas. 2ª Edição, São Paulo: LTr, 2009.

SCUDELER NETO. Julio Maximiano. Negociação Coletiva e Representatividade Sindical. São Paulo: LTr, 2007.


Notas

  1. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 7ª edição, São Paulo: LTr, 2008, p. 1402.
  2. DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit. p. 1402.
  3. DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit. p. 1402.
  4. NASCIMENTO, Amauri mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24ª edição, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1344.
  5. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 24ª edição, São Paulo: Atlas, 2008, p. 44.
  6. MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., p. 44.
  7. In http://aplicacao.tst.jus.br/consultaunificada2/jurisSearchInSession.do?action=search&basename=acordao&index=20 Acesso em 16 de julho de 2009>>.
  8. SUSSEKIND, Arnaldo. A transição do Direito do Trabalho no Brasil. Synthesis n. 23/96, Revista do TRT da 2ª Região, p. 14 e 16. Apud SCUDELER NETO, Julio Maximiano. Negociação Coletiva e Representatividade Sindical. São Paulo: LTr, 2007. p. 122.
  9. OLIVEIRA DIAS, Eduardo de. Entre os Cordeiros e os Lobos: Reflexões sobre os Limites da Negociação Coletiva nas Relações de Trabalho. p. 203. In http://74.125.93.132/search?q=cache:sth3DxCIp5QJ:www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/processaPesquisa. php%3Fcampo%255B0%255D%3DTODOS%26pesqExecutada%3D0%26qtdRegPagina%3D20%26texto%255B0%255D%3Dcordeiro+puc+entre+os+cordeiros+e+os+lobos&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-a >
  10. SCUDELER NETO, Julio Maximiano. Negociação Coletiva e Representatividade Sindical. São Paulo: LTr, 2007, p. 123. "Por sua vez, a premissa básica para que a negociação coletiva seja eficaz e legítima, num processo de flexibilização dos direitos trabalhistas, é que os sindicatos tenham efetivamente representatividade para defender os interesses dos seus associados e representados, característica esta comprometida no modelo de organização sindical brasileiro, nitidamente de liberdade restrita, com unicidade e representação por categoria imposta por lei."
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Sobre o autor
Ricardo Luís Maia Loureiro

Advogado, Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP, aluno da pós-graduação da EAD/UNISC em Direito e Processo do Trabalho e da pós-graduação UNIDERP/LFG em Direito e Processo do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOUREIRO, Ricardo Luís Maia. Considerações sobre os limites das normas coletivas.: O problema da flexibilização e precarização dos direitos trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2309, 27 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13726. Acesso em: 2 nov. 2024.

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