I) INTRODUÇÃO
Não é raro encontrar homens e mulheres que, sendo casados, acreditam ter formado uma família ou, ainda, que a Instituição do Casamento lhes transferiu a qualidade de parentes entre si.
Constantemente conversamos com pessoas que dizem: "meu irmão faz parte da minha família, juntamente com meus pais" ou "o primo do meu pai é meu primo de 2° grau" ou "com o divórcio, meu vínculo com minha sogra ‘graças a Deus’ chegou ao fim" ou, ainda, "agora que me divorciei da minha esposa, posso casar com minha enteada" e até mesmo "fulano casou-se com minha cunhada, passando a ser meu concunhado".
O Direito de Família esclarece todos esses erros cometidos de maneira constante pela sociedade como um todo. Vícios utilizados tão frequentemente de forma natural, que acabaram sendo adotados como verdade absoluta pelos indivíduos.
II) REGRAS DE PARENTESCO NO DIREITO DE FAMÍLIA
Inicialmente, é de grande valia observar que a família abrange homem, mulher e filho, podendo ser formada também pelo Instituto da Adoção (e não somente pela procriação). Somente a morte, do filho ou dos pais, pode extinguir a família, visto que, em existindo outro filho, a família subsiste em relação a ele e, se um dos pais continuar vivo, subsiste a família monoparental entre este e o filho vivo (um ascendente e um descendente).
Sabe-se, ainda, que o casamento e a união estável não formam família, como também não criam parentesco, mas sim uma sociedade conjugal e sociedade de fato, respectivamente. Vale dizer que, os casados e aqueles que vivem em união estável são "sócios" e não parentes entre si. Como bem observa Sílvio de Salvo Venosa (2005:237):
"Marido e mulher não são parentes. A relação entre os esposos é de vínculo conjugal que nasce com o casamento e dissolve-se pela morte de um dos cônjuges, pelo divórcio ou pela anulação do matrimônio."
Relativamente ao parentesco prescreve o art. 1.593 do Código Civil que:
"O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem."
Assim, parentesco é a união firmada entre duas pessoas, que estão vinculadas entre si por questões biológicas ou pela lei. Destarte, o parentesco sempre será pensado entre duas pessoas (por exemplo: avô e neto), nunca coletivamente.
Existem dois tipos de parentesco: 1) consanguíneo e; 2) por afinidade. Em análise ao conceito mencionado acima, o parentesco consanguíneo é aquele que advém de questões biológicas (ou seja, da procriação), com uma única exceção: a "adoção", que cria parentesco consanguíneo, mas não pela procriação. Aponta escritor jurídico Sílvio de Salvo Venosa que (2005:236):
"A adoção é o vínculo legal que se cria à semelhança da filiação consanguínea, mas independentemente dos laços de sangue. Trata-se, portanto, de uma filiação artificial que cria um liame jurídico entre duas pessoas, adotante e adotado. No sistema atual, o adotado tem os mesmos direitos do filho consanguíneo."
Já o parentesco por afinidade é aquele criado pela lei. O eminente doutrinador Carlos Roberto Gonçalves conceitua a afinidade como sendo (2007:265):
"o vínculo que se estabelece entre um dos cônjuges ou companheiro e os parentes do outro (sogro, genro, cunhado etc)."
Portanto, a lei determina que o casamento e a união estável sejam criadores desse tipo de parentesco (por afinidade). Por exemplo, se "A" casa ou vive em união estável com "B" e, este tem mãe, pai, irmã e filho, todos serão parentes por afinidade de "A", por estarem vinculados biologicamente a "B". Mas suponha-se que a irmã de "B" (cunhada de "A") venha a contrair matrimônio com "C". "A" não será parente de "C", uma vez que, este é afim de "B" e não seu parente por questões biológicas. Em resumo, popularmente falando, não existe "concunhado", somente "cunhado".
O parentesco pode, ainda, ser dividido em classes: 1) parentes em linha reta e; 2) parentes em linha colateral. Ainda, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2007:267):
"Parentes em linha reta são as pessoas que descendem umas das outras, ou, na dicção do art. 1.591 do Código Civil, ‘são as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes’, tais como bisavô, avô, pai, filho, neto e bisneto.
A linha reta é ascendente quando se sobe de determinada pessoa para os seus antepassados (do pai para o avô etc.). Toda pessoa, sob o prisma de sua ascendência, tem duas linhas de parentesco: a linha paterna e a linha materna.
A linha reta é descendente quando se desce dessa pessoa para os seu descendentes."
A consanguinidade em linha reta se dá, por exemplo, quando "A" gera "B", que gera "C" e que, por sua vez, gera "D" ("B" – filho, "C" – neto e "D" – bisneto de "A") e assim por diante, ou seja, um deriva do outro; como se "A" tivesse "gerado" todos eles.
Já, a afinidade em linha reta ocorre, por exemplo, no caso de "A" casar-se com "B"; tendo este, pai, mãe e filho, todos serão afins em linha reta de "A". É como se a nora (A), fosse "gerada" pela sogra (mãe de "B") e, tivesse "gerado" seu enteado (filho de "B").
Relativamente à linha colateral, prescreve o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2007:268):
"São parentes em linha colateral, transversal ou oblíqua as pessoas que provêm de um tronco comum, ‘sem descenderem uma da outra’. É o caso de irmãos, tios, sobrinhos e primos."
Portanto, apesar de muitos acreditarem que os irmãos fazem parte da mesma família, na realidade eles são parentes consanguíneos na linha colateral, por possuírem um ancestral comum (pai e mãe ou, ainda, um ou outro). Se os cônjuges têm mais de um filho (três, por exemplo), forma-se uma família em relação a cada um deles, ou seja, três famílias diversas.
Ainda de acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2007:269):
"A distância entre dois parentes mede-se por graus. Grau, portanto, é a distância em gerações, que vai de um a outro parente."
Importante salientar que esses graus são contados tanto na linha reta quanto na linha colateral, bem como dentro da consanguinidade e da afinidade.
Na linha reta, os graus são contados pelo número de gerações. Geração, por sua vez, é a relação que existe entre o genitor (pai) e o gerado (filho). Desse modo, pais e filhos são parentes consanguíneos em linha reta em primeiro grau, visto que, entre eles há uma geração. Já avô e neto são parentes consanguíneos em linha reta em segundo grau, pois entre eles há duas gerações. Bisavô e bisneto são parentes consanguíneos em linha reta em terceiro grau, uma vez que, entre eles existem três gerações. Toda pessoa é infinitamente parente de todos que se encontram na sua ascendência, pois na linha reta não existe limite de graus. Como ensina Carlos Roberto Gonçalves (2007:268):
"Na linha reta não há limite, pois a contagem do parentesco é ad infinitum."
Na linha colateral, os graus também contam-se por gerações, mas aqui, diferentemente do que ocorre na linha reta, existe um limite, visto que, o parentesco estende-se somente até o "quarto grau".
Os irmãos são parentes consanguíneos na linha colateral em segundo grau, pois entre eles existem duas gerações. Cumpre salientar que não existe colateral em primeiro grau, já que o primeiro colateral é o irmão.
Tio e sobrinho são parentes consanguíneos em linha colateral em terceiro grau, por existirem três gerações que os separam. E, tanto primos quanto tio-avô e sobrinho-neto, são parentes consanguíneos em linha colateral em quarto grau.
Muitos acreditam que o primo do seu pai, é seu primo de segundo grau, pensamento este totalmente equivocado, já que, no âmbito jurídico, haveria um parentesco de "quinto grau". Mas, como na linha colateral o mesmo limita-se ao quarto grau, esse parentesco não existe.
Relativamente ao grau de parentesco por afinidade em linha reta, prescreve o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2007:270/271):
"Cada cônjuge ou companheiro torna-se parente por afinidade dos parentes do outro (CC, art. 1.595). Mesmo não existindo, in casu, tronco ancestral comum, contam-se os graus por analogia com o parentesco consanguíneo. Se um dos cônjuges ou companheiros tem parentes em linha reta (pais, filhos), estes se tornam parentes por afinidade em linha reta do outro cônjuge ou companheiro. Essa afinidade em linha reta pode ser ascendente (sogro, sogra, padrasto e madrasta, que são afins em 1° grau) e descendente (genro, nora, enteado e enteada, no mesmo grau de filho, portanto afins em 1° grau)."
De acordo com o art. 1.595, § 2°, do Código Civil:
"Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável."
Relativamente ao dispositivo supra mencionado, comenta Carlos Roberto Gonçalves (2007:271):
"Desse modo, rompido o vínculo matrimonial permanecem o sogro ou a sogra, genro ou nora ligados pelas relações de afinidade. Significa dizer que, falecendo a esposa ou companheira, por exemplo, o marido ou companheiro continua ligado à sogra pelo vínculo da afinidade. Se se casar novamente, terá duas sogras."
Assim, para o homem que acredita estar livre da sogra, se sobrevier a separação ou morte da esposa ou companheira, vale lembrar que, caso venha a contrair outro matrimônio ou união estável, além da primeira sogra, terá de "aturar" a segunda, pois no âmbito jurídico não existe ex-sogra. Uma vez sogra, sogra até morrer!
E, ainda, não pense o homem que, rompido o vínculo matrimonial, estará livre para casar-se com sua enteada, uma vez que, seguindo a mesma linha de raciocínio relativamente à sogra, a afinidade em linha reta é indissolúvel (tanto na ascendência quanto na descendência).
Novamente, mais uma lição do escritor jurídico Carlos Roberto Gonçalves (2007:271/272):
"Cunhados (irmãos de um e de outro cônjuge ou companheiro) são afins na linha colateral em segundo grau.
Na linha colateral, contudo, a morte ou o divórcio de um dos cônjuges ou companheiros faz desaparecer a afinidade. Como o impedimento matrimonial refere-se apenas à linha reta (CC, art. 1.521, II), nada impede, assim, o casamento do viúvo ou divorciado com a cunhada."
Destarte, a morte ou o divórcio extingue o parentesco por afinidade apenas na linha colateral.
Valiosa a lição de Maria Helena Diniz (2008/433):
"Na prática, grande é a importância dessas relações de parentesco, em razão de seus efeitos jurídicos de ordem pessoal ou econômica, que estabelecem direitos e deveres recíprocos entre os parentes, como a obrigação alimentar, o direito de promover interdição e de receber herança, com exceção do parentesco por afinidade etc. Além do mais impõe o parentesco algumas proibições com fundamento em sua existência. P. ex.: não podem casar uns com os outros os parentes da linha reta e em certo grau os da colateral; não podem os parentes testemunhar pró ou contra outro parente (CPC, art. 405, § 2º), nem mesmo um juiz pode julgar a ação em que parente seu é parte (CPC, art. 134, IV e V). No direito eleitoral o parentesco pode gerar inelegibilidades (CF, art. 14, § 7º)."
III) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, apesar de a sociedade utilizar termos próprios no que tange ao parentesco, o Direito de Família traz regras que devem prevalecer e ser observadas. Pois, caso haja alguma situação envolvendo relações entre parentes, as partes devem encontrar no mundo jurídico, por intermédio da lei, uma forma eficaz e legítima de resolvê-la.
IV) BIBLIOGRAFIA
GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume VI. Direito de Família. Editora Saraiva. 3° edição revista e atualizada. 2007.
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume VI. Direito de Família. Editora Atlas. 5º edição. 2005.
DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. Editora Saraiva. 23º edição. 2008.
VADE MECUM. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 7° edição atualizada e ampliada. 2009.