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A continuidade do contrato de trabalho como pressuposto de valorização do trabalho humano

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3 DA PROTEÇÃO À CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO

A aceleração da revolução tecnológica e as inúmeras transformações sofridas pela sociedade nos últimos tempos têm acarretado uma maior competitividade de mercado, levando à extinção de postos de trabalho e à substituição do homem pela máquina.

Tornam-se frequentes as dispensas imotivadas de massas de trabalhadores em função única e exclusivamente da busca pela lucratividade. Contudo, se a curto prazo o descarte do trabalho enquanto finalidade econômica e até mesmo enquanto fator de produção em setores genéricos da economia representa ganho na redução de custos e diminuição de preços, a médio e longo prazo gera o rompimento do precário equilíbrio do sistema, acirrando a competição entre grupos, nações e etnias (FEIX apud PETTER, 2008, p. 169).

Sem trabalho, os homens perdem o referencial enquanto homens modernos e não sabem o que fazer das mãos e mentes desocupadas, e muito menos o que fazer para o sustento próprio e das suas famílias (FEIX apud PETTER, 2008, p. 169), o que gera cada vez mais violência e desgraças sociais.

Imprescindível a proteção do trabalhador face á possibilidade das denúncias vazias dos contratos de trabalho e uma limitação às demissões em massa de milhares de trabalhadores, despejados no mercado de trabalho a cada ano, vez que resguardar o direito ao trabalho é proporcionar a existência digna da pessoa humana e potencializar a justiça social.

3.1 Da Necessidade Da Fundamentação Por Parte Do Empregador Nas Rescisões Contratuais

Ao Direito do Trabalho interessa a permanência do vínculo empregatício, primando sempre pela integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais, em vista que a extinção contratual transcende o simples interesse individual das partes, causando os mais amplos impactos na comunidade em que está inserido o trabalhador. Nessa direção é que o mencionado ramo jurídico tende a reprimir as modalidades de ruptura do contrato de trabalho que não se fundem em causa jurídica relevante (DELGADO, 2008, p. 1099-1100).

Salientando os impactos causados com o fim da relação de emprego, Mauricio Godinho Delgado (2008, p. 1100) assevera que

[...] o desemprego não interessa à sociedade como um todo. Causa o desemprego impacto negativo de múltiplas dimensões (econômicas, sociais, psicológicas etc.) sobre a pessoa do trabalhador atingido; porém, contamina, na mesma profundidade, o âmbito comunitário que cerca o desempregado, em especial sua família. Tratando-se de desemprego maciço, o impacto atinge toda a sociedade, com a desestruturação do sistema de convivência interindividual e comunitária e o agravamento das demandas sobre o sistema estatal de seguridade e previdência social. A par disso, o desemprego acentua a diferenciação social, alargando a chaga da exclusão de pessoas e grupos sociais, que tanto conspira contra a Democracia. Mais ainda, esse fenômeno acaba por colocar todo o sistema econômico em perigosa antítese ao papel social que a ordem jurídica determina seja exercida pela propriedade.

Deste modo, não podem as rescisões contratuais ser disciplinadas segundo um princípio de plena liberdade de uma das partes com quanto que o uso indiscriminado do poder de despedir pode assumir proporções que afetam o próprio sentido de justiça social, alicerce das relações individuais e coletivas de trabalho (NASCIMENTO, 2008, p. 782).

A ideia trazida pela doutrina clássica de que existiria uma igualdade formal entre empregado e empregador no momento da feitura do contrato de emprego e do desfazimento deste, estando as partes numa posição de paridade, devendo por isso ter o mesmo tratamento na rescisão contratual, é uma inverdade, e sempre foi, uma vez que é nítida a condição de inferioridade daquele que tem tão apenas a força de trabalho para sobreviver enquanto o outro nada tem a perder.

O trabalhador, como parte hipossuficiente na relação, suporta desvantagens de ordem econômica, política, financeira e social comparativamente ao empregador. E é para equilibrar essa relação e deixar as partes em igualdade de condições que se torna imprescindível o papel da norma jurídica, desempenhada pelo Estado, concretizando, pois, a verdadeira igualdade substancial, fundamento para o alcance da justiça social (PERPÉTUO, 2005).

Em razão disto é que se compreende ser permitido o rompimento do contrato de trabalho somente na presença de justificativas legal e socialmente relevantes.

Denominado por Mauricio Godinho Delgado (2008, p. 1109) de critério motivado para a validação das rupturas contratuais trabalhistas, seria esse mecanismo uma forma de incorporação pelo ordenamento laboral brasileiro de uma sistemática de causas jurídicas relevantes como fatores propiciadores da extinção do contrato empregatício, incentivando, desta forma, a permanência dos contratos de trabalho, além de ser importante elemento de afirmação do princípio da continuidade da relação de emprego que rege aqueles.

E acrescenta que mesmo esse motivo não se consubstanciando em infração cometida pelo trabalhador (o que ensejaria resolução contratual por justa causa operária), deve ser ele razoável, sério e socialmente aceitável, fundando-se, assim, a dispensa em comprovados fatores econômico-financeiros, tecnológicos ou resultantes de objetiva mutação do mercado capitalista, os quais afetam, de maneira relevante, o empreendimento empresarial (DELGADO, 2008, p. 1153).

Desta feita, para que não reste caracterizada a despedida arbitrária ou sem justa causa demonstrou-se em capítulo anterior que é imperiosa a prática de conduta reprovável pelo empregado (justa causa) ou a presença de motivos técnicos, econômicos ou financeiros ligados diretamente ao regular funcionamento da empresa, justificando, pois, a cessação do contrato de trabalho.

O abandono daquele ideal de total liberdade do empregador para a dispensa do empregado tem por intento proporcionar uma relação de emprego mais duradoura e, por conseguinte, uma maior segurança ao trabalhador.

Importa destacar, ainda, que a proteção do trabalhador contra a dispensa injustificada é entendimento dominante na ordem jurídica de diversas nações, sendo a manutenção do trabalho objetivo precípuo destas, haja vista ser o trabalho a base de toda sociedade e componente essencial para o seu bom desenvolvimento econômico e social.

Nesta senda, trabalhou bem o legislador constituinte nacional ao restringir o poder resilitório do empregador, exigindo deste fundamentação jurídica e socialmente relevante quando da denúncia da relação de emprego, buscando o equilíbrio entre os interesses do empregador e os direitos dos trabalhadores e conciliar o desenvolvimento econômico com a justiça social.

3.2 Da Garantia Ao Emprego Enquanto Requisito Para a Valorização Do Trabalho Humano

A história do homem demonstra o liame existente entre o processo de evolução e desenvolvimento da sociedade humana e o trabalho (PROSCURCION, 2007, p. 27).

Compreendendo diversos sentidos, o trabalho adquire significado conforme o momento histórico vivenciado pela humanidade. Originariamente tido como tortura ou pena a ser cumprida por alguns integrantes da sociedade, o trabalho passa a ser concebido como a essência do homem, estando mesmo relacionado ao seu espírito (ROMITA, 1975, p. 11).

Fator de transformação da natureza e de produção de riquezas, o trabalho é instrumento de humanização (GROSSO), e forma pela qual a pessoa humana se vê exteriorizar e se coloca diante dos outros (PETTER, 2008, p. 167).

Não raro, é o principal instrumento de satisfação da mais pura e simples necessidade de sobrevivência, no entanto, é o trabalho, sobretudo, modo de expressão direta da pessoa humana; é, pois, elemento social estruturante de sua personalidade; e, principalmente, é meio de dignificação e valorização daquela.

Portanto, é dever do Estado e demais agentes sociais assegurar o valor social do trabalho humano, para que este não venha a ser desvirtuado em função de interesses daqueles que guardam melhor posicionamento na pirâmide social. Trata-se, assim, de compreender o trabalho não como mercadoria, ultrapassando o seu significado o aspecto material de força de trabalho e produção, e sim como fundamento da vida humana.

Desta feita, se modernamente as sociedades se inserem num mundo globalizante marcado por ideologias liberais em cuja lógica o trabalho humano é apenas um fator de produção, a ser matematicamente equacionado na diagramação dos custos e dos lucros tão-somente, estas não podem prescindir do trabalhador e de valorizar o seu trabalho (PETTER, 2008, p. 169), posto que a redução das pessoas empregadas faz reduzir, na mesma proporção, o potencial de consumo, desestabilizando social e economicamente todo o sistema (FEIX apud PETTER, 2008, p. 169).

Garantir o acesso ao trabalho a todo indivíduo é sim evitar um colapso no desenvolvimento econômico de um país e, por conseguinte, no seu desenvolvimento nacional.

Desse modo, a garantia ao emprego é requisito essencial para valorizar o trabalho humano. Para o doutrinador Lafayete Josué Petter (2008, p. 169) valorizar o trabalho humano significa proporcionar a existência de mais postos de trabalho, a maior oferta de trabalho e o melhor trabalho ao cidadão, acomodando-se nesta última expressão todas as alterações físicas que repercutam positivamente na própria pessoa do trabalhador.

Exsurge da Constituição Federal brasileira a obrigação do Estado em afiançar o direito ao trabalho. Interpretação sistêmica do texto constitucional permite deduzir que o direito à garantia ao emprego (LIMA NETO, 2003, p. 49) está informado por princípios fundamentais que colocam o trabalho no contexto dos valores sociais (art. 6º) e o insere como primado da ordem social (art. 193). Ademais, a ordem econômica nacional funda-se na valorização do trabalho humano (art. 170, caput), tendo o Estado Democrático Brasileiro como fundamento o valor social do trabalho (art. 1º, IV).

Logo, impedir as dispensas injustificadas é elevar a garantia ao emprego e, por conseguinte, valorizar o trabalho humano e propiciar a dignificação da pessoa humana.

De fato, a dignidade do trabalhador engloba o respeito e proteção de conservar sua relação de emprego, mas também de ter acesso a essa relação. O direito ao trabalho surge em razão de a sociedade ser fundada no trabalho. E negar trabalho significa negar vida digna ao homem (PROSCURCION, 2007, p. 61).

Nesta ordem de ideias, a instituição de um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício de direitos sociais, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade, impõe percorrer o caminho da dignificação do trabalhador, sem dúvida propiciada pela segurança da continuidade do vínculo empregatício (LIMA NETO, 2003, p. 51).

Valorizar o trabalho então é valorizar a pessoa humana e, consequentemente, repudiar sua degradação. Transformar o trabalho em um direito do homem é, enfim, proporcionar a potencialização das qualidades que o singularizam – humanidade – mais bem percebidas no quadrante solidarista e fraternal da justiça social (SALOMÃO, 2008, p. 444).

3.3 Do Impedimento Para As Despedidas Em Massa

O processo de mundialização do capital, responsável por introduzir novas tecnologias na indústria de diversas sociedades contemporâneas e reestruturar toda a sua atividade produtiva (SILVA, 2003, p. 130), cada vez mais elimina postos de trabalho, leva a uma precarização da relação de emprego e cria a necessidade de uma maior qualificação técnica do trabalhador.

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O argumento de que a concorrência e as modernas tecnologias exigem dos empresários um desempenho diferenciado, tendente à redução de custos e à busca de uma maior produtividade, ampliando, desse modo, a concorrência de seus produtos no mercado atual (SALOMÃO, 2008, p. 444), torna-se justificativa para o descarte de milhares de trabalhadores.

Ademais, afirmam os defensores dos ideais neoliberais que o lucro obtido com menores custos, advindos da diminuição da mão-de-obra empregada, é reinvestido no desenvolvimento de tecnologias e, por conseguinte, na criação de novos postos de trabalho, com a reabsorção das massas desempregadas (BARBUGIANI, 2009, p. 62).

Todavia, nas palavras de Luiz Henrique S. Barbugiani (2009, p. 62)

O raciocínio sofismático de tal corrente desatenta-se da instabilidade inerente ao mundo globalizado, visto que a mutabilidade das tendências de consumo e da própria linha de produção altera-se drasticamente, conforme as modificações muitas vezes impingidas pela criação de um novo produto ou técnica de manufatura, gerando focos de desemprego a cada evolução da tecnologia mundial.

Nesse sentido, a dispensa de grande número de empregados que tinha a finalidade primeira de aumentar a lucratividade da empresa, a qual retornaria o proveito à sociedade por meio da oferta de empregos, termina por configurar mecanismo nefasto e vicioso, vez que leva a mais desempregos diante das constantes mudanças econômicas globais.

Com efeito, em todas as suas formas e principalmente na forma coletiva, a dispensa gera reflexos sociais e econômicos, afetando, não apenas o empregado atingido por ela, mas toda a sociedade de maneira irremediável, ganhando, sim, contornos de problema social, posto que agrava as desigualdades, a violência, a informalidade.

Portanto, controlar as despedidas coletivas por grandes detentores de capital faz-se imperioso quando ausente motivação socialmente relevante ou alegação fundada em dificuldade econômico-financeira da empresa, provável de acarretar danos reais à sua constituição, logo à classe de trabalhadores.

O ordenamento jurídico brasileiro, como se pode constatar, não possui dispositivos regulamentadores da dispensa coletiva, sendo esta, conforme Mauricio Godinho Delgado (2008, p. 1157), "descurada pelo Direito do Trabalho do país". Não obstante, é prática corrente, existindo de fato e afetando inúmeros cidadãos nacionais.

A doutrina, em sua maioria, entende ser a dispensa coletiva aquela que atinge um grupo significativo de trabalhadores vinculados à respectiva empresa (DELGADO, 2008, p. 1156), com fulcro em razão de ordem objetiva desta e comum a todos os que serão despedidos.

Conquanto inexistente legislação específica a tratar da despedida coletiva, esta se dá nos mesmos moldes da dispensa individual quando não há conduta ou comportamento reprovável do empregado que resulte na resolução por justa causa do contrato de trabalho. Significa, pois, que, para serem válidas as rupturas contratuais de inúmeros trabalhadores, imprescindível a presença dos motivos técnicos, econômicos ou financeiros ligados diretamente ao funcionamento regular da empresa, como se compreende ser exigível na resilição unilateral do contrato de trabalho individual pelo empregador.

Neste vértice, indubitável que o art. 7º, inciso I, da Constituição Federal, que está a resguardar a relação de emprego face às despedidas imotivadas, abrangerá tanto as formas individuais como coletivas de dispensa, limitando a plena liberdade do empregador de romper com o vínculo empregatício injustificadamente.

Afora as situações excepcionais apontadas pela CLT, as rupturas contratuais em grande número, voltadas apenas a obtenção de uma maior lucratividade, serão, sem dúvida, uma frontal agressão aos princípios e regras constitucionais de valorização do trabalho humano, do bem-estar, da segurança e justiça sociais (DELGADO, 2008, p. 1157).

Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2008, p. 802), o moderno direito do trabalho dirigi-se para uma compreensão da necessidade do controle da dispensa do trabalhador, mediante procedimentos que envolvem consultas às representações trabalhistas, autorizações administrativas e atuação jurisdicional, como se observa na legislação de diversos países europeus.

Assim versa a Convenção n.158 da OIT, estabelecendo ao empregador, quando do término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, a efetivação de uma consulta aos representantes dos trabalhadores e uma notificação à autoridade competente.

No Brasil, mesmo ausente no ordenamento jurídico pátrio previsão legal a regulamentar as dispensas coletivas, o entendimento doutrinário e jurisprudencial no tocante à prática dessa modalidade de dispensa é a imprescindibilidade de prévia negociação coletiva entre representantes dos empregados e empregadores.

Regida por princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, na medida em que diz respeito a interesses de natureza coletiva e difusa, a dispensa de grande número de trabalhadores somente estaria autorizada quando precedida de negociação coletiva, com a presença obrigatória do sindicato dos obreiros, sendo facultativa a representação dos empregadores por sindicato, vez que aqueles podem negociar diretamente com sindicato profissional, como ocorre nos acordos coletivos (MARTINS, 2008, p. 775).

Instrumento utilizado com o fim primeiro de se ajustar os interesses particulares das partes e encontrar uma solução capaz de compor suas posições, superando, assim, suas divergências, a negociação coletiva é procedimento imperativo no sistema brasileiro, do qual podem resultar as convenções e acordos coletivos (MARTINS, 2008, p. 773).

Nesse sentido é que se impõe a utilização de tal mecanismo previamente às dispensas de massas de trabalhadores, na tentativa de encontrar formas alternativas e menos danosas que as rupturas contratuais, bem como assegurar os direitos fundamentais dos empregados quando estas se fazem cogentes.

Controlar as dispensas abusivas e as contratações periódicas, que elevam a rotatividade da mão-de-obra, é procurar assegurar um equilíbrio entre o capital e o trabalho e, com isso, manter o poder aquisitivo do trabalhador, parte da massa de consumidores, estimulando investimentos e incrementos econômicos, tão almejados e essenciais para o desenvolvimento social.

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Sobre os autores
Lourival José de Oliveira

professor universitário, advogado em Londrina (PR)

Larissa Vasconcelos Naves

bacharelanda do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Lourival José ; NAVES, Larissa Vasconcelos. A continuidade do contrato de trabalho como pressuposto de valorização do trabalho humano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2315, 2 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13771. Acesso em: 18 abr. 2024.

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