CAPÍTULO II – A DUPLICATA MERCANTIL
O desenvolvimento histórico da duplicata está dividido em três fases. Surgiu no Código Comercial, como cópia de fatura de venda com caráter cambial, que "impunha aos comerciantes atacadistas, na venda aos retalhistas, a emissão de fatura [...] por escrito das mercadorias entregues" [29]. Como estabelecia o artigo 219 [30], nas vendas em grandes quantidades feitas entre comerciantes, aquele que vendia deveria apresentar no ato da entrega uma cópia da fatura. Entretanto, ninguém sabe precisar ao certo o surgimento desse instituto. Há alguns traços que remetem a requisitos semelhantes nos Códigos português e espanhol [31].
Quando o Decreto 2.044 de 1908 entrou em vigor, foram revogadas as disposições do Código Comercial relativas aos títulos de crédito previstas nos arts. 354 a 427. Assim, o instituto das faturas assinadas perdeu amparo legislativo para circular por endosso e, deste modo, deixou de ser aceito a desconto pelas casas bancárias. Nesse diapasão, a fatura duplicada começou a perder força perante as instituições financeiras, que passaram a exigir letras de câmbio ou notas promissórias para efetuar desconto bancário. Todavia, devido à rigidez jurídica inerente a esses títulos, isso acabou não sendo aceito pelo comércio, sendo esse o termo final da primeira fase.
O segundo período iniciou-se aproximadamente em 1912. O Governo sinalizava, por interesse próprio [32], querer criar a conta assinada ou fatura, caracterizando a fatura de compra e venda como título fiscal. Foi quando, por meio da Lei Orçamentária nº 2.919 de 1914, resolveu cobrar o imposto do selo na fatura. No texto dessa lei foram delegados poderes ao executivo para regulamentar a cobrança de um selo proporcional nas contas assinadas, as quais poderiam ser equiparadas às letras de câmbio, o que visava dar garantias aos vendedores.
Porém, tal conduta governamental foi alvo de duras críticas. Mesmo assim, foi publicado o Decreto nº 11.527 de 17 de março de 1915, que regulamentava a referida Lei. Mas, após um curto espaço de tempo, devido à censura do comércio e da doutrina, o decreto acabou sendo revogado antes mesmo que entrasse em vigor [33].
Com a edição da Lei nº 4.230, foi instituído o imposto sobre lucros líquidos do comércio e da indústria, e dois anos depois, por oportunidade das comemorações relativas ao centenário da independência, as Associações Comerciais do Brasil se reuniram no Rio de Janeiro e realizaram seu primeiro congresso. Como resultado das discussões, foi sugerida ao Governo a criação de um título – a duplicata ou conta assinada –, que daria um novo aspecto à cobrança do sobredito imposto. Os empresários queriam desviar a cobrança do imposto de renda, dando-lhe uma roupagem de imposto sobre o valor sobre vendas. E queriam impor, da mesma forma, a obrigatoriedade das transações mercantis por meio da duplicata de fatura como título básico para incidência de tal imposto.
Nesse documento, o vendedor fixaria um selo, o título seria assinado pelo comprador, e posteriormente devolvido ao vendedor. Este anteprojeto foi aceito e transformado na Lei n. 4.625/22, instituindo a duplicata de fatura.
Com a Constituição de 1934, esse imposto passou a ser de competência dos Estados e recebeu a denominação de "imposto sobre vendas e consignações". Também foram introduzidas novas regras que visavam dar maior garantia e segurança ao documento, caracterizando-o como um título causal, ou seja, condicionando sua emissão a uma causa original. E o documento continuou ainda vinculado a duplicata, permanecendo assim até a instituição da Lei 5.474/78, que o desvinculou da cobrança de impostos, e que permanece até hoje em vigor.
Em todas as transações a prazo realizadas dentro do território nacional, a utilização da duplicata ou conta assinada era obrigatória, o que veio dar um caráter eminentemente fiscal ao título, com a obrigatoriedade da cobrança de imposto através da afixação de um selo adesivo no título.
O terceiro e atual período teve início com a promulgação da Lei n. 5.474/68 (Lei das Duplicatas), que revogou todas as legislações anteriores que tratavam sobre duplicata. O Decreto-Lei 436/69 deu nova configuração à duplicata, estruturando-a melhor e desvinculando-a de um instrumento a serviço do fisco. Ela começou a ser vista mais como um título de crédito causal, expressão de um contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços.
Em síntese, podemos concluir com o pensamento de Waldirio Bulgarelli:
Passou, portanto a duplicata entre nós, por três períodos perfeitamente identificáveis: como título mercantil, do Código Comercial de 1850 até a promulgação do Decreto nº 2.044/1908; como título fiscal, Lei Orçamentária nº 2.919 de 1914 até a Lei nº 5.474/1968; e título bancário implantado pela Lei nº 5.474, que inclusive concedeu ao Conselho Monetário Nacional poderes para regulá-la e padronizá-la. [34]
A partir de então, a duplicata vem se aperfeiçoando e agora é o título de crédito de maior utilização na economia brasileira.
2.2 Conceito e aplicação
Título de crédito genuinamente brasileiro, a duplicata consiste em um documento emitido pelo credor onde é declarada a existência de um crédito de determinado valor decorrente de um contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços [35]. É um título de emissão causal, pois está vinculada à relação obrigacional que lhe deu origem. Luiz Emygdio F. da Rosa Junior define que a duplicata:
[...] é título de crédito formal, impróprio, causal, à ordem, extraído por vendedor, ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque fundado sobre o crédito decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de serviços, assimilada aos títulos cambiários por lei, e que tem como seu pressuposto a extração de fatura. [36]
A duplicata tem como atores principais o sacador, que é o vendedor da mercadoria, e o sacado, que é o comprador. Aquele emite o título a seu favor, contra esse, observando-se que o primeiro deve ser obrigatoriamente empresário.
O art. 1º da Lei nº 5.474/68 estabelece que a duplicata seja extraída quando as vendas mercantis tiverem prazo para pagamento superior a trinta dias [37]. A emissão ocorre por meio de uma fatura que consiste numa nota em que são discriminadas as mercadorias vendidas ou serviços prestados, com as necessárias identificações. E são mencionados, inclusive, o valor unitário dessas mercadorias ou serviços e o seu total, podendo ser feitas referências apenas aos números e valores das notas expedidas por ocasião das vendas. A fatura não se confunde com a nota fiscal.
Não se pode confundir a fatura com aqueles impressos nos quais constam a expressão "sem valor fiscal", conhecidos também como nota de balcão. Nas palavras de Gladston Mamede, fatura é "apenas uma conta, um atermamento de um negócio empresarial realizado. O título é a duplicata da fatura, ou seja, a duplicata mercantil." [38]
O vendedor pode, facultativamente, relacionar apenas os números e os valores das notas fiscais parciais expedidas por ocasião das vendas, despachos ou entregas das mercadorias, "o comerciante pode emitir uma única relação de mercadorias vendidas, em cada operação que realizar, produzindo, para o direito comercial os efeitos da fatura mercantil e, para o direito tributário, os da nota fiscal" [39].
A fatura é obrigatória, mas a cópia dela, que é o título de crédito, não. Fran Martins assim explica:
Apesar, contudo, de tornar a duplicata de emissão facultativa, declara a lei que "não será admitido qualquer outro título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador", o que, em última análise, significa que mesmo não sendo de emissão obrigatória, só através da duplicata pode o vendedor garantir-se quanto ao recebimento da importância referente à venda a prazo. [40]
Se a duplicata não for emitida, não poderá ser utilizado qualquer outro título de crédito para representar uma operação de compra e venda de mercadorias ou de prestação de serviços. A restrição legal visa proteger o comerciante, pois o outro título de crédito cabível em tal situação seria a letra de câmbio. Contudo o aceite nele não é obrigatório, o que tornaria a realização do negócio arriscada, tendo em vista que na duplicata só há três possibilidades do aceite não ser aposto.
Waldirio Bulgarelli, contudo, faz uma ressalva ao que dispõe o texto legal, diz ele que a duplicata consiste no crédito decorrente da efetiva entrega da mercadoria e não do contrato de compra e venda [41]. Então, só será exigível no momento em que o produto for entregue ou o serviço for executado. A duplicata pode ser emitida na data da emissão da fatura ou em data posterior, nunca antes.
Deve-se registrar que a duplicata mercantil não é um título representativo de mercadoria, como são o warrant e o conhecimento de depósito, mas um título representativo do crédito originado de um contrato de compra e venda de mercadorias. A lei também estabelece que o empresário que opte pela utilização da duplicata tem o dever de escriturá-la em um livro obrigatório próprio.
2.3 Requisitos para a criação
Uma das características principais dos títulos de crédito é o formalismo, chamado por alguns doutrinadores de legalidade ou tipicidade [42]. Um documento só vale como título de crédito se preencher os requisitos legais exigidos para tanto. O formalismo dá a natureza do título, transformando o escrito de um simples documento de crédito em um título que se abstrai de sua causa.
Além de só poder ser emitida em relação comercial de compra e venda ou na prestação de serviços, a duplicata precisa preencher esses requisitos formais. Os que dizem respeito ao conteúdo estão elencados no art. 2º §1º da Lei nº 5.474/68. São eles:
I - a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem;
II - o número da fatura;
III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;
IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador;
V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso;
VI - a praça de pagamento;
VII - a cláusula à ordem;
VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial;
IX - a assinatura do emitente.
No tocante à forma, esta deve ser elaborada conforme modelo o previsto na resolução 102/68 do Conselho Monetário Nacional. Caso não preencha esses requisitos legais para operar em negócios de crédito com as instituições financeiras, a duplicata pode se tornar um documento nulo, perdendo as prerrogativas legais de título de crédito e se transformando simplesmente em um papel. Representará, assim, uma obrigação comercial, regulada pelo direito comum.
2.4 Exceções aos princípios cambiais
A duplicata excetua a regra dos demais títulos de crédito, pois é possível realizar alguns atos sem cumprir os requisitos principiológicos inicialmente examinados.
No título lídimo brasileiro, o princípio da cartularidade se encontra em uma das exceções. De acordo com o art. 13 §1º da Lei das Duplicatas [43], há o respaldo de que o credor da duplicata, mesmo sem estar na sua posse, poderá realizar o protesto por indicações em caso de retenção da duplicata pelo devedor. Mas este protesto deve estar acompanhado pelo comprovante de entrega e recebimento das mercadorias [44].
Outra exceção encontra-se no art. 9º §1º do citado texto legal [45]. Aqui se excepciona o princípio da literalidade, o qual estabelece que todas as obrigações terão valor apenas se tiverem descritas no próprio título. Na duplicata, a quitação pode ser dada pelo legítimo portador do título, em documento apartado.
2.5 Causalidade
Os títulos causais são aqueles que só podem ser emitidos nas hipóteses estritamente permitidas por lei, é o que ocorre com a duplicata. Os títulos abstratos noutra quadra são aqueles podem ser emitidos em qualquer oportunidade. [46]
A previsão legal que amarra a emissão das duplicatas encontra-se prevista nos arts. 2º e 20 da Lei das duplicatas [47], e estabelece que a extração só ocorrerá em caso de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços, respectivamente.
Pontes de Miranda entendia que a duplicata seria um título abstrato. Tal abstração ocorreria em caso de aceite ou de endosso. Na primeira situação, não se discutiria a causa. No segundo evento, não seria ventilada a inoponibilidade das exceções pessoais. Citado por Waldirio Bulgarelli, Pontes de Miranda destaca que:
[...] até o aceite ou até o endosso não há relação jurídica decorrente da duplicata mercantil, [...], pois ela apenas duplica a fatura que é o documento da venda; não se confunde assim com a letra de câmbio que já nasce abstrata, enquanto a duplicata só se torna tal pelo aceite ou pelo endosso. [48]
Dessa forma, apenas poderá ser utilizada a duplicata como título de crédito conforme disposto em Lei. Caso ela seja emitida em situações não previstas, será considerada como um documento representativo de dívida. Contudo, em caso dessa duplicata circular, ou seja, ser endossada a um terceiro de boa-fé, a ausência de base legal para emissão da duplicata não o atingirá, só podendo ser oposta a quem souber da existência do vício.
Fábio Ulhoa Coelho ressalta que o saque da duplicata é restrito apenas ao vendedor, pois:
[...] a lei proíbe qualquer outro dispositivo que exclui apenas a juridicidade da letra de câmbio. Com efeito, nota promissória e o cheque pós-datado são plenamente admissíveis, no registro do crédito oriundo de compra e venda mercantil, porque são sacados pelo comprador, escampando assim à proibição da lei. [49]
Dessarte é de modo pleno e aceitável que o comprador efetue o pagamento por qualquer outro título de crédito, desde que seja por ele sacado. O credor, nesse caso o vendedor, só pode lançar mão da duplicata.
2.6 Aceite
O aceite é o ato pelo qual o devedor confirma a autenticidade da dívida contra ele oposta constante no título de crédito. Por meio dessa ação, o sacado, que é o comprador, reconhece o débito, apondo sua assinatura no título apresentado. Isso pode ocorrer de forma direta, pelo próprio sacador – diga-se, vendedor – ou, indireta, quando a duplicata é enviada por instituições financeiras, procuradores ou correspondentes [50].
No regime aplicado à letra de câmbio, o aceite pode ser recusado, "o sacado na letra de câmbio pode negar-se a documentar sua dívida por título de circulação cambial, simplesmente porque não quer se ver obrigado perante terceiros de boa-fé" [51]. Tem-se como efeito, contudo, a antecipação do vencimento da letra.
Já na duplicata, a recusa do aceite só é admissível quando a compra e venda mercantil se encontra nos seguintes casos: a) avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por conta e risco do vendedor; b) vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, desde que devidamente comprovados; e c) divergência nos prazos ou nos preços tratados. Em caso de prestação de serviços, a recusa pode ser feita nas seguintes situações: a) não correspondência com os serviços efetivamente contratados; b) vícios ou defeitos na qualidade dos serviços prestados, devidamente comprovados; e c) divergência nos prazos ou nos preços ajustados [52].
Com efeito, não é justo que o comprador se aventure em compras através da duplicata e não possa sustar uma negociação em que não obteve êxito. Dessa forma, nada mais justo que existam alguns casos em se posse negar o aceite.
Fran Martins adverte que tais situações visam equilibrar o contrato de compra e venda. Na primeira das hipóteses mencionadas anteriormente, ele ressalta que "a mercadoria avariada não corresponderá ao valor dado por ela pelo comprador que, em tal caso, se aceitasse a duplicata iria pagar mais por algo que vale menos" [53].
Já no segundo caso, pode-se negar o aceite, pois:
[...] sendo a compra e venda um contrato comutativo e existindo comprovadamente vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou quantidade das mercadorias compradas, caso o comprador aceitasse a duplicata obrigar-se-ia a pagar por mais aquilo que realmente estaria valendo menos. [54]
Na terceira e última possibilidade, Fran Martins afirma que:
[...] na compra e venda não só o preço é fixado entre as partes, como o prazo seu pagamento [...]. Havendo, assim, divergência nos preços ou no prazo dado ao comprador para que esse efetive sua obrigação, a lei declara que o comprador pode deixar de aceitar a duplicata. [55]
Nesses casos, devido a essa previsão taxativa, o sacador ou o portador não poderão protestar a duplicata por recusa de aceite.
Devido à obrigatoriedade da vinculação do sacado à duplicata, Fábio Ulhoa Coelho divide o aceite em três espécies: expresso ou ordinário, por presunção e por comunicação [56].
A primeira decorre da assinatura do devedor em campo próprio no título. Fábio Ulhoa Coelho destaca que essa hipótese só é possível nas duplicatas que têm o papel como suporte. Ele ainda leciona que a duplicata que tem esse tipo de aceite:
[...] torna-se título de crédito sem nenhuma especificidade. Aplicam-se-lhe integralmente, [...], as regras do direito cambiário, inclusive no tocante à facultatividade do protesto contra o devedor principal e responsabilidade dos co-devedores. [57]
Na segunda hipótese, o aceite decorre quando não existe qualquer tipo de recusa. Caracteriza-se mesmo que a duplicata tenha sido inutilizada ou restituída sem assinatura [58]. Estando assinada a nota de recebimento da mercadoria, e não havendo manifestação formal da recusa, o comprador é devedor cambiário, independente da atitude adotada em relação ao documento que lhe foi enviado.
Já a terceira espécie, segundo o autor, é a modalidade menos usual. Ocorre quando o sacado retém a duplicada em seu poder e no prazo de dez dias envia por escrito o seu aceite ao vendedor. Fábio Ulhoa Coelho assevera que a comunicação pode ser feita por carta, telegrama ou fax, sendo vedada por e-mail [59]. Esse documento substituirá a duplicata num futuro manejo de protesto ou ação de execução.
A doutrina afirma que o instituto do aceite ordinário é pouco usado, e isso se deve principalmente ao longo lapso temporal compreendido entre a ida e volta da duplicata para aceite do comprador. O retardamento do retorno do título às mãos do credor vai de encontro ao corolário dos títulos de crédito, que tem como diferencial a fácil circulação. Cássio Machado Cavalli afirma que os procedimentos de remessa e envio da duplicata para aceite:
[...] dificultam ao sacador da duplicata atenda a exigência econômica que motivou o saque da duplicata: a mobilização rápida de seu crédito. Isto porque a maioria das operações representadas por duplicata possuem um curto prazo de vencimento (p. ex., 30 ou 60 dias), e o procedimento de remessa e devolução desta duplicata pode demorar período praticamente equivalente ao prazo de vencimento do título. Ou seja, aguardar-se a concretização dos procedimentos de envio e devolução da duplicata podem tornar desinteressante ao sacador do título uma eventual mobilização do crédito. Por esta razão, é comum verificar-se na prática econômica a criação de duplicatas que são imediatamente descontadas, sem que tenham sido apresentadas a aceite. [60]
Assim, a assinatura autógrafa do sacado título vem se tornando cada vez mais rara, até mesmo porque a própria materialização do título, da mesma forma, está escassa. A duplicata está sendo cada vez mais criada por meio de computador, e o papel não é mais utilizado como suporte para ser colocado o aceite. Ele é aposto digitalmente, o que dá uma maior aplicabilidade ao aceite ordinário, como será visto em linhas posteriores.
2.7 Protesto
Com base na leitura do art. 1º da Lei nº 9.492/97 [61] que regula o protesto de títulos, pode-se concluir que o protesto é o meio pelo qual se prova o descumprimento de obrigações contidas no título de crédito. Elemento legal colocado à disposição dos credores de dívidas vencidas e não pagas, dá a garantia de terem seus créditos recuperados e constituírem o devedor em mora [62], bem como garante que o direito de regresso contra os endossantes e seus respectivos avalistas seja assegurado.
Ainda com relação aos seus efeitos, o protesto é um ato apenas comprobatório, não gerando direitos, conforme se percebe:
A função do protesto então é comprobatória, não gerando em si direito algum, mas que gera efeitos, um deles é a restrição do crédito, fato que pode trazer certa constrição psíquica ao devedor, mas que, se feita dentro da legalidade, não incorre o sacador em problemas como com os danos morais que a pessoa pode vir a alegar. [63]
Porém, os direitos que o portador adquiriu quando se tornou proprietário do título só poderão ser exercidos se o pagamento ou o aceite forem comprovados mediante protesto [64], devendo a duplicata ser levada ao cartório dentro de trinta dias depois de vencida, sob pena da perca do direito.
Fran Martins esclarece, ainda, que o protesto "tem por finalidade comprovar o não aceite ou o não pagamento do título [...] também prova a não devolução do título por parte do sacado" [65].
A duplicata é protestável em três situações específicas: por falta de aceite, de devolução ou de pagamento.
Quando o credor envia ao cartório a duplicata sem aceite antes do vencimento, será procedido o protesto por falta de aceite, pois este é obrigatório. O sacado só poderá recusá-lo naquelas hipóteses anteriormente expostas. Dessa maneira, quando o título for apresentado e o aceite for recusado por razões não permitidas, é cabível essa forma de protesto. Vale ressaltar que essa modalidade não será possível quando se tratar de duplicata à vista, pois tal título de crédito vence contra a sua apresentação, cabendo apenas o protesto por falta de pagamento. [66]
O protesto por falta de devolução é vislumbrado quando o sacado não devolve a duplicata no prazo de dez dias, a contar da data em que recebeu a duplicata para ser dado o aceite. Como o credor não está de posse da duplicata, deverá levar ao tabelião o Livro de Registro de Duplicatas (livro esse em que devem ser escrituradas todas as duplicatas que são sacadas), para que seja possível extrair o devido protesto.
No que diz respeito ao protesto por falta de pagamento, Luiz Emygdio F. da Rosa Junior lembra que ele não é necessário para a execução em relação ao devedor. O sacado integra a obrigação principal, e aqui não se aproveita o prazo decadencial de trinta dias para ser tirado o protesto. Isso só será aplicado em relação aos devedores indiretos – endossantes e seus avalistas (art. 13 §4º da Lei das Duplicatas). O referido doutrinador lembra ainda que o sacador não é mencionado no texto legal, e ele, ao extrair a duplicata, não garante o pagamento. Dessa forma, não faz parte da relação cambiária como devedor indireto [67].
O prazo para resguardar a garantia dos direitos creditícios contra os codevedores e seus avalistas será de 30 dias seguintes ao vencimento da duplicata, tendo como lugar do protesto o mesmo do pagamento. Caso os cartórios não verifiquem esse formalidade, protestando duplicatas em bases diferentes de sua competência, e caso o credor não consiga executar o título contra o sacado, o endossante ou o avalista, os cartórios responderão por perdas e danos.
Independentemente da modalidade de protesto a ser requerida, é exigência legal que o interessado apresente o título original ao tabelião.