SUMÁRIO:I – PROLEGÔMENO. II – JUS VARIANDI X JUS RESISTENTIAE. III – SÍNTESE CONCLUSIVA
I – PROLEGÔMENO
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) apresenta um diminuto espaço hábil a viabilizar alterações nas cláusulas integrantes do contrato de trabalho pactuado entre empregado e empregador.
Nesse sentido, não se considerarão válidas, em regra, as alterações patronais realizadas em caráter unilateral. Na mesma órbita, não será possível qualquer mudança, ainda que advenha de aquiescência entre as partes, caso implique prejuízo direto ou indireto ao obreiro. Restará nula, portanto, tal alteração bilateral prejudicial, eis que, como dito, a modificação mútua só poderá ser aceita desde que não cause dano ao trabalhador. É o que se vislumbra, pois, na redação do caput do art. 468 da CLT:
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Entrementes, a existência dessa vedação legal sobre a alteração das cláusulas do contrato individual de trabalho não pode levar à inconcebível situação de que o empregador não possa, em determinadas circunstâncias, modificar certas condições indispensáveis à própria gestão do liame contratual da relação de emprego firmada entre os contratantes.
Sabe-se, destarte, que o pólo patronal é detentor, na esfera do pacto laboral, dos poderes diretivo e organizacional. É que ao empregador compete assumir os riscos da atividade econômica (alteridade). Com efeito, se assim o faz, deverá, por óbvio, portar uma gama de prerrogativas para estruturar a sua unidade produtiva de maneiras sólida e eficiente.
Emana desse raciocínio, portanto, a possibilidade patronal de, justificadamente, promover modificações de determinadas condições de execução do contrato de trabalho. O que não poderá prevalecer em qualquer hipótese, vale frisar, é o prejuízo para o obreiro (princípio da inalterabilidade contratual lesiva).
II – JUS VARIANDI X JUS RESISTENTIAE
Entende-se por jus variandi a possibilidade do empregador modificar determinada cláusula do contrato de trabalho, concretizando, de tal sorte, os poderes diretivo e organizacional que lhes são inerentes.
O insigne Ministro do C. TST Maurício Godinho Delgado (2009, p. 930) defende que:
A diretriz do jus variandi informa o conjunto de prerrogativas empresariais de, ordinariamente, ajustar, adequar e até mesmo alterar as circunstâncias e critérios de prestação laborativa pelo obreiro, desde que sem afronta à ordem normativa ou contratual, ou, extraordinariamente, em face de permissão normativa, modificar cláusula do próprio contrato de trabalho.
É de bom alvitre enfocar que raros são os estudos mais profundos acerca dos limites e critérios para configuração da possibilidade do empregador exercer o instituto do jus variandi. Dificilmente se encontrará, na doutrina hodierna, um conciso ideal condutor para se aferir, com precisão, em quais situações poderá se proceder, unilateralmente, as alterações correlatas à execução do contrato de trabalho.
Os juristas preferem proceder à análise de tal instituto através da casuística. Casos, por exemplo, da transferência provisória (observados os teores dos artigos 469 e 470, CLT), extinção de cargos, mudança de turnos (noturno para o diurno, sem efetivo prejuízo para o empregado ou turno ininterrupto de revezamentos para o fixo), reversão ao cargo efetivo (art. 468, Parágrafo Único, CLT), dentre outros. Atentemos, nesse espeque, aos seguintes julgados:
Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. CONTRATO DE TRABALHO – ALTERAÇÃO – HORÁRIO DE TRABALHO – JUS VARIANDI – 1. Em princípio, situa-se no campo do jus variandi patronal determinar o horário de prestação dos serviços, já que, suportando os riscos do empreendimento, cabe-lhe a organização dos fatores de produção. 2. É lícito o ato do empregador que altera o horário de trabalho do empregado, transpondo-o do turno noturno para o diurno, haja vista afigurar-se social e biologicamente mais benéfico ao empregado. 3. A licitude ainda mais transparece quando se atende para a circunstância de que há cláusula contratual expressa assegurando tal prerrogativa e não se observa atitude maliciosa do empregador em causar prejuízo ao empregado, ou impedir a execução de outro contrato de trabalho. 4. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR 10.375/2002-900-04-00.0-4ª R. – 1ª T. – Red. p/o Ac. Min. João Oreste Dalazen – DJU 19.12.2006)
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. ALTERAÇÃO CONTRATUAL – TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO – JUS VARIANDI – Situa-se no campo do Jus variandi do empregador definir o turno de trabalho de seus empregados. Assim, reputa-se lícita a mudança do turno ininterrupto de revezamento para a jornada fixa de 8 horas diárias, mormente não restando comprovado ter havido redução salarial. 2 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REQUISITOS – SÚMULA 219 DO TST – O deferimento de honorários advocatícios na Justiça do Trabalho somente é possível se preenchidos os requisitos exigidos na lei nº 5.584/70 e na súmula 219 do TST. (TRT 14ª R. – RO 00836.2007.403.14.00-4 – Relª Juíza Vania Maria da Rocha Abensur – DE 25.08.2008)
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – SUPRESSÃO – SÚMULA 372/TST – REVERSÃO AO CARGO EFETIVO – ALTERAÇÃO LÍCITA – A Autora exerceu função de confiança por um período de apenas quatro anos, seis meses e sete dias, não podendo ser considerada ilícita a reversão ao cargo efetivo (Súmula 372/TST). Indevidas as diferenças salariais postuladas. Sentença mantida. (TRT 18ª R. – RO 01666-2002-006-18-00-5 – Rel. Juiz Marcelo Nogueira Pedra – J. 20.05.2008)
Não se preocupa a doutrina em traçar uma diretriz principiológica para relatar quais as exatas oportunidades em que o empregador poderá exercer o jus variandi. O que se repele, como já mencionado, é o prejuízo para o trabalhador.
Entretanto, poderá o empregado resistir a determinadas alterações objetivas quando se vislumbra a prática de qualquer tipo de abuso no contexto das mesmas. Tal oposição, portanto, é reconhecida como o direito de resistência ou jus resistentiae.
Nessa órbita, ultrapassados os limites do jus variandi com a configuração de atitude abusiva praticada pelo empregador, poderá o laborista vindicar, até mesmo, a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, CLT), oportunidade em que receberá todas as verbas trabalhistas como se tivesse sido imotivadamente dispensado.
Com efeito, se o pólo patronal, por exemplo, tendo conhecimento de que seu empregado, o qual labora em horário noturno, freqüenta, regularmente, instituição de ensino durante o dia, resolve modificar o turno para causar-lhe prejuízo e forçar, até mesmo, um pedido de demissão, o obreiro, indiscutivelmente, poderá resistir a tal alteração e, até mesmo, como dito, pleitear uma justa causa patronal (alínea "d" do dispositivo legal mencionado no parágrafo anterior).
Ora, a inércia não pode prevalecer frente às arbitrariedades patronais capazes de tolher direitos agregados à essência mínima do pacto de emprego e nem tão pouco que possam vulnerar a dignidade do trabalhador. Observemos, nessa senda, as decisões a seguir:
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. ASSÉDIO MORAL – INSISTÊNCIA DO EMPREGADOR EM DETERMINAR O CUMPRIMENTO DE TRANSFERÊNCIA ILEGAL DO EMPREGADO – CARACTERIZAÇÃO – Os elementos dos autos comprovam que o empregador já havia manifestado a intenção de despedir o reclamante, pois chegou a dispensá-lo sem justa causa, vindo a reintegra-lo no emprego posteriormente em face de estabilidade provisória de que o reclamante era portador. Não obstante a sua estabilidade no emprego, o empregador determinou ilicitamente a sua transferência do local de trabalho, tendo este resistido, colocando-se à disposição da empresa no local onde sempre ativou, apesar do recolhimento de seu crachá. Pois bem, restando comprovado nos autos que a transferência pretendida pela empresa era ilegal, a insistente convocação do obreiro (apesar da justa recusa por parte deste), para que assumisse seu emprego em outra cidade, com a publicação, inclusive, de fato que denegriu a imagem do trabalhador (publicação de notícia de abandono de emprego sem justificativa da necessidade de serviço em jornal da cidade) constitui assédio moral, assegurando ao trabalhador a reparação civil pelo dano moral sofrido, uma vez que o jus variandi do empregador encontra limites no jus resistentiae do empregado, não lhe sendo lícito ultrapassar os limites do bom senso quando da manifestação de sua autoridade e de seu poder de mando, na medida em que este não é absoluto. Recurso Ordinário não provido. (TRT 15ª R. – RO 00760-2004-121-15-00-6 – 3ª T. – Rel. Juiz Lorival Ferreira dos Santos – DJSP 02.09.2005 – p. 58) (O grifo não vem do original)
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região. DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO – A caracterização dos danos morais depende da ocorrência de conduta lesiva, do resultado e do nexo de causalidade entre a conduta e o dano efetivo, conforme os arts. 186 c/c 927 do Código Civil. Se não há prova nos autos de que houve afronta à intimidade, à vida privada, à honra ou à imagem, afigura-se incabível a condenação em danos morais (art. 5º, X, da CF/88). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – O entendimento do Tribunal Pleno do TRT é no sentido de que o pagamento de honorários advocatícios supõe a existência de assistência sindical, o que não se verifica no caso dos autos. ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – JUS VARIANDI – TRANSFERÊNCIA DE PROFESSORA PARA OUTRA UNIDADE ESCOLAR – MUDANÇA DE TURNO – FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO – DEVER DE PROBIDADE E BOA-FÉ – Em princípio, é possível a remoção ou transferência de professora de uma unidade escolar para outra, desde que atendidos os requisitos legais, inclusive aqueles constantes do caput do art. 468 da CLT. A parte final do art. 469 da CLT, por outro lado, dispõe que não se considera transferência quando não haja a necessária mudança de domicílio. Essa autorização excepcional não estende o jus variandi do empregador a patamar sem limite; É preciso respeitar os princípios da probidade e da boa-fé, corolários da função social do contrato. Inteligência dos arts. 421 e 422 do CC/2002. Sendo assim, não pode a obreira ser transferida de uma escola a outra de modo brusco e sem direito de defesa, ainda mais quando essa alteração contratual se faz de forma prejudicial, impondo a mudança de turno, para horário antes dedicado a outro emprego. (TRT 16ª R. – Proc. 01119-2007-007-16-00-1 – Rel. Juiz Juiz Conv. James Magno Araújo Farias – J. 11.08.2008) (Destaque proposital)
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. REMOÇÃO – RESISTÊNCIA DO EMPREGADO – LEGITIMIDADE – Afirma-se legítimo o direito de resistência do empregado à transferência para localidade diversa daquela ajustada no ato de sua contratação, na hipótese em que inexiste prova concreta de que ela se mostra imprescindível à continuidade da prestação de serviços, o que se reforça no caso sob exame, em face das nítidas evidências de que a remoção também lhe traria prejuízos de ordem pessoal, familiar e social. (TRT 6ª R. – RO 96/02 – (00096-2002-010-06-00-0) – 2ª T. – Rel. Juiz Ivanildo da Cunha Andrade – DOEPE 21.08.2002)
A oposição do laborista, quando justa, jamais poderá ser considerada como ato de insubordinação ou indisciplina. Acima da subordinação jurídica, indene de dúvida, estão os princípios da proteção (premissa basilar do Direito Laboral) e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88).
III – SÍNTESE CONCLUSIVA
Diante do exposto, poderá o empregador realizar pequenas modificações no contrato de trabalho (poder diretivo / organizacional), exercitando a prerrogativa do jus variandi. Lícita e justa, entrementes, é a resistência do obreiro, quando incorre o pólo patronal em flagrantes arbitrariedades ao praticar alterações que causem lesão à esfera jurídica do lado hipossuficiente da relação de emprego.
REFERÊNCIAS
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 30. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Editora LTr, 2009.
PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de direito individual do trabalho. 5. ed. São Paulo: Editora LTr, 2003.
SAAD, Eduardo Gabriel; SAAD, José Eduardo Duarte; BRANCO, Ana Maria Saad C. CLT Comentada. 42. ed. São Paulo: Editora LTr, 2009.
SARAIVA, Renato. Direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Editora Método, 2006.