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Ativismo jurídico: expressão do acesso à Justiça e da cidadania ativa

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04/11/2009 às 00:00
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4. A tutela coletiva ativa

A consecução dos escopos estatais não implementados adequadamente perpassa, como aludido, por um controle da política pública pelo Poder Judiciário ante a omissão da atuação administrativa.

Sem que isso importe interferência na atividade dos Poderes Legislativo e Executivo, a resposta judiciária perpassa por uma exame construtivo que visa à normatização do direito ao caso levado à efeito. Concretizar o sistema de direitos constitucionais, portanto, pressupõe uma atividade interpretativa tanto mais intensa, efetiva e democrática quanto maior for o nível de abertura constitucional existente. [21]

Essa tarefa hermenêutica, aliada à parâmetros constitucionais, sem embargo da possibilidade de impulso individual, vem sendo exercida, no cenário jurídico nacional, como melhor resposta aos direitos de massa, via tutela difusa ou coletiva, o que, de certo modo, diante de sua força transindividual, traveste o caráter regulatório da medida judicial buscada.

Essa tutela difusa ou coletiva – então representada processualmente pela Lei da Ação Popular (Lei 4.717, de 1965), Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 1985), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990), Mandado de Segurança Coletivo (Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009, e inciso LXX do art. 5° da Constituição Federal de 1988), dentre outros, favorece os interesses em causa, a despeito de não vincular diretamente um grupo específico da sociedade. O objetivo da demanda não é resolver um litígio composto de fatos já acontecidos, mas editar um padrão de conduta para guiar o comportamento do réu futuro. [22]

Questões de política judiciária, então aliada à possibilidade de explosão da litigiosidade, favorecem o encaminhamento dos conflitos via tutela coletiva de direitos difusos. Do mesmo modo, como adverte Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, essas ações coletivas implicam:

(a) ampliação do acesso à justiça, de modo que os interesses da coletividade, como meio ambiente, não fiquem relegados ao esquecimento; ou que causas de valor individual menos significantes, mas que reunidas representam vultosas quantias, como os direitos dos consumidores, possam ser apreciadas pelo Judiciário; (…) (d) que as ações coletivas possam ser instrumento efetivo para o equilíbrio das partes no processo, atenuando as desigualdades e combatendo as injustiças em todos os nossos países ibero-americanos. [23]

Nesse ínterim, as tutelas coletivas, especialmente representadas no cenário nacional pela utilização, em escala, das Ações Civis Públicas, trazem ínsito ao instrumento processual a ampliação do acesso à justiça; logo, expressão da cidadania ativa.

Essa questão, ademais, assenta a segunda e terceira ondas da efetivação do acesso à justiça como defendido por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, concernentes na representação dos interesses difusos, até então sem espaço na concepção tradicional de processo civil. Consoante o magistérios dos Autores:

A visão individualista do devido processo judicial está cedendo lugar rapidamente, ou melhor, está se fundindo com uma concepção social, coletiva. Apenas tal transformação pode assegurar a realização dos "direitos públicos" relativos a interesses difusos.

E mais além:

Entre outras coisas, nós aprendemos, agora, que esses novos direitos frequentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exequíveis. [24]

O Acesso à Justiça engloba formas de procedimento. Em face disso, as tutelas coletivas surgem como propostas hábeis a dar vazão a esse movimento ativo amparado no ideal de efetivação dos novos direitos, agora à disposição das pessoas que antes os desconheciam e, assim, não os reclamavam diante das barreiras das demandas individuais.

Essa nova perspectiva do processo em larga escala encontrou no Poder Judiciário a possibilidade de provimentos transindividuais quase-legislativos, análogo à tarefa de demandar a execução de políticas públicas já estabelecidas na Constituição Federal ou em lei, ou adotadas pelo governo dentro dos quadros legais. [25]


5. Justificativa da Casuística

Nesse contexto histórico e jurídico insere-se a casuística. As decisões prolatadas nos autos da Ação Civil Pública 2008.51.01.004637-9, em trâmite junto à 18ª. Vara Federal do Rio de Janeiro, do Agravo de Instrumento 2007.02.01.010265-8 da 5ª. Turma especializada do TRF-2ª, originária da Ação Civil Pública 2007.51.01.020475-5, em trâmite na 30ª. Vara Federal do Rio de Janeiro, da Ação Civil Pública 2007.51.01.017751-0, em trâmite na 8ª. Vara Federal do Rio de Janeiro e da Ação Ordinária 2008.34.00.034133-9, em trâmite na 8ª. Vara Federal do Distrito Federal, são ícones do ativismo judicial e social como colacionado alhures.

Seja restabelecimento o fornecimento do leite medicamentoso, seja determinando o aumento do número de leitos, a recomposição das equipes de médicos e a compra de equipamentos e providências necessárias à solução dos problemas de unidades hospitalares, seja determinando o imediato fornecimento de medicamento de alto padrão em favor de enfermo, seja determinando a abertura dos Postos de Assistência Médica e Postos de Saúde municipais, as ordens judiciais trazem consigo carga judicial bastante para ativar o controle e fiscalização de atos administrativos, sem que isso represente interferência na atividade do Poder Executivo ou Legislativo.

Ao contrário do que se poderia vislumbrar, esse exercício jurisdicional não transforma os Tribunais em órgãos de poderes permanentes de alteração da Constituição ou gestores republicanos. Tampouco se permite, sob essa ótica, usurpação de competência constitucional. Trata-se, à evidência, de impor a execução de políticas públicas em consonância com o comprometimento constitucional atinente à integridade e eficácias dos direitos fundamentais, individuas ou coletivos.

Sob esse ponto pesa a análise do Ministro Celso de Mello do STF, verbis:

É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ''Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política ''não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado'' (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO) em flagrante violação à eficácia e a integridade dos direitos individuais ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusula revestida de conteúdo programático.(sem grifos no original) [26]

Ada Pellegrini Grinover bem resume o silogismo aferido na decisão do STF. Assenta alguns requisitos-limites para que Judiciário intervenha no controle de políticas públicas, até como imperativo ético-jurídico, quais sejam:

a) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão (condições mínimas de existência humana que exigem prestações positivas do Estado para garantir a dignidade da pessoa humana);

b) a razoabilidade da pretensão individual-social deduzida em face do Poder Público (busca do justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados);

c) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetiva as prestações positivas dele reclamadas (desde que devidamente comprovada, pois invertido o ônus probatório em desfavor do Estado). [27]

Nada obstante, a apresentação de requisitos-limites não deve representar barreira a esse movimento jurídico de concretizar a Constituição através da valoração ativa de seus compromissos sociais, sob pena de minar a evolução do processo democrático e o efetivo acesso à justiça.

Gisele Cittadino bem resume a questão:

Nos casos em que a história constitucional é marcada por rupturas e não por continuidades, quando não é possível apelar para uma "comunidade de destino" ou para a "confiança antropológica nas tradições", o processo de "judicialização da política" deve representar um compromisso com a concretização da Constituição, através do alargamento do seu círculo de intérpretes, especialmente em face do conteúdo universalista dos princípios do Estado Democrático de Direito.

Ao final, arremata:

Em outras palavras, quando não podemos recorrer a valores compartilhados ou conteúdos substantivos, temos a alternativa de substituir a "nação de cultura" pela "nação de cidadãos. [28]


6. Conclusão

Como visto, a comunidade jurídica nacional e os poderes constituídos da República discutem, hodiernamente, os objetivos e os limites de signo denominado Ativismo Jurídico.

Debate-se o bom ou mal ativismo judicial. Discute-se o alcance do Poder Judiciário para valorar a jurisprudência e imiscuir-se na tarefa legiferante do Legislador Nacional e produzir políticas públicas em flagrante risco à Democracia.

À evidência, a discussão descura das origens desse movimento que, em verdade, tem no âmago da sociedade civil as suas bases pro-ativas dirigidas à modificação da cultura política e jurídica nacional. Os questionamentos políticos dessa sociedade pela concretização de direitos individuais ou coletivos, levados aos Tribunais, ampliam a atuação do Poder Judiciário.

Esse movimento, diretamente relacionado à realização da onda renovatória do acesso à justiça por uma sociedade ativa e consciente de seus direitos, está vinculada a uma nova forma de dizer o direito, apartado do positivismo jurídico.

Novos direitos exigem novos mecanismos de processo que os tornem exequíveis. Em conta disso, as ações de tutelas coletivas apresentam estrutura processual apta a editar um padrão de conduta para guiar o comportamento do Estado e impor a execução de políticas públicas em consonância com o comprometimento constitucional concernente à integridade e eficácia dos direitos fundamentais.

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Outrossim, o ativismo jurídico não autoriza que o juiz se transforme em gestor republicano de políticas públicas, tampouco permite, sob essa ótica, usurpação de competência constitucional. Ativismo jurídico, como reflexo da postura ativa do cidadão, é garantia da eficácia e da integridade de direitos individuais e/ou coletivos jacentes na Constituição Federal. O ativismo jurídico, dentro de limites ético-jurídicos, é representação democrática da renovação do acesso efetivo à Justiça diante de um exercício de cidadania ativa em prol dos direitos constitucionalmente assegurados. Esse modo de dizer o direito, a despeito das críticas naturais de diversos setores, notadamente do Executivo e do Legislativo, ratifica uma nova cultura jurídica e, se não resolve, atenua os problemas da realidade imediata dos cidadãos, como aqueles mencionados na casuística introdutória.


7. BIBLIOGRAFIA

, Gisele. Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de Poderes. In: Luiz Werneck Vianna. (Org.). A Democracia e os Três Poderes no Brasil. 1 ed. Belo Horizonte,v. 1: Editora da UFMG/IUPERJ/FAPERJ, 2002.

___________________. Poder Judiciário, Ativismo Judicial e Democracia. Revista da Faculdade de Direito de Campos, 2004.

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Notas

  1. Nomes fictícios, a despeito da fidedignidade do caso.
  2. Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe 31.03.2008.
  3. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 56/7.
  4. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2008, V. 1, 3ª. ed., p.47.
  5. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 285-287.
  6. CITTADINO, Gisele. Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de Poderes. In: Luiz Werneck Vianna. (Org.). A Democracia e os Três Poderes no Brasil. 1 ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG/IUPERJ/FAPERJ, 2002, v. 1, p. 17-42.
  7. NÓBREGA, Guilherme Pupe da. A função política da jurisdição constitucional. Breves considerações sobre ativismo judicial, controle de constitucionalidade e judicialização da política. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2159, 30 maio 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12910>.
  8. CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, Ativismo Judicial e Democracia; Revista da Faculdade de Direito de Campos; 2004; Faculdade de Direito de Campos; 2; 135; 144; Português; 1518-6067; Impresso; www.fdc.br;
  9. Charles-Louis de Secondat, Baron de La Brède et de Montesquieu. Do espírito das leis, Livro V, Capítulo II.
  10. STRECK, Lenio Luiz; BARRETTO, Vicente de Paulo et al. Ulisses e o canto das sereias. Sobre ativismos judiciais e os perigos da instauração de um terceiro turno da constituinte. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2218, 28 jul. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13229>.
  11. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Brasileiro, V.I, 1997, pág. 171.
  12. GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 164, pág. 9-28.
  13. CITTADINO, Gisele. Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de Poderes. Cit., pág. 25.
  14. CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, Ativismo Judicial e Democracia. Cit. pág. 108.
  15. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, pág.31.
  16. Op. Cit., pág.11.
  17. Op. Cit., pág. 47.
  18. Motta Ferraz, Octávio Luiz. Justiça distributiva para formigas e cigarras. Novos Estudos, no. 77. CEBRAP, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, Rio de Janeiro, Brasil: Brasil. Março. 2007, pág. 244. Acesso: http://novosestudos.uol.com.br/acervo_artigo01.asp?
  19. Grinover, Ada Pellegrini. Op. Cit. pág. 12.
  20. CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, Ativismo Judicial e Democracia. Cit. Pág. 110.
  21. CITTADINO, Gisele. Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de Poderes. Cit., p. 32.
  22. COMPARATO, Fábio Konder. Novas Funções Judiciais No Estado Moderno. Revista dos Tribunais, v. 614, n. 1, p. 14-22, 1986.
  23. O Código modelo de processos coletivos. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva: vinte anos da Lei da Ação Civil Pública e do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Quinze anos do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2006, pág. 46-47.
  24. Op. Cit., pág.49-51, 69.
  25. COMPARATO, Fábio Konder . Op. Cit. p. 14-22.
  26. STF, ADPF 45-9-DF, julgado em 29/04/2004.
  27. Grinover, Ada Pellegrini. Op. Cit. pág. 15.
  28. Poder Judiciário, Ativismo Judicial e Democracia. Cit., pág. 110.
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Sobre o autor
Felipe Dezorzi Borge

Defensor Público da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGE, Felipe Dezorzi. Ativismo jurídico: expressão do acesso à Justiça e da cidadania ativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2317, 4 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13794. Acesso em: 20 dez. 2024.

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