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Contratos celebrados à distância.

Directiva nº 97/7/CE e a proteção do consumidor

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07/11/2009 às 00:00
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CAPÍTULOIII - GARANTIA: A PROTECÇÃO DOS CONSUMIDORES

A falta de esclarecimento e compreensão dos consumidores, aliada à quantidade e variedade da oferta realizada mediante as mais sofisticadas técnicas de marketing e publicidade - potenciadas pelas novas tecnologias - cria nos consumidores o desejo de adquirir produtos, ou seja, condiciona a sua vontade. Face à rapidez e facilidade de aquisição, os consumidores contratam, muitas vezes, de forma irreflectida. Por isso, os legisladores preocuparam-se em conferir-lhes um catálogo de direitos associados ao consumo que constituem o contraponto dos poderes jurídicos e económicos dos fornecedores, a quem foram impostos deveres complementares.

3.1 Fontes de direito dos consumidores

Existe um acervo comunitário relevante no que respeita à protecção dos consumidores. Além das Directivas, conta com convenções internacionais, em particular a Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, alargada pela Convenção de Lugano de 16 de Dezembro de 1988, Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, ambas aditadas pelo Regulamento n.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial. E, ainda, na Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais [17].

No direito nacional, aponta-se a Lei de Defesa do Consumidor [18], a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais [19], que transpôs a Directiva Comunitária 93/13/CEE, o Código da Publicidade [20] e o Decreto-Lei 143/2001 de 26 de Abril sobre protecção dos consumidores nos contratos celebrados à distância que transpôs para o direito interno a Directiva Comunitária 97/7/CE – objecto dessa pesquisa – e o Decreto-Lei 7/2004 de 7 de Janeiro que transpôs a Directiva 2000/31/CE [21].

Os direitos dos consumidores também foram constitucionalmente resguardados no art. 60.º da Constituição da República Portuguesa [22] e, ainda, constam no elenco de objectivos do Tratado de Amesterdão.

Importa fazer referência à soft law, que não obstante tratar-se de uma fonte jurídica, se torna obrigatória por adesão (facultativa) dos Estados ou das partes. Se assenta em práticas e usos comerciais existentes, bem como em regras e modelos contratuais desenvolvidos por organizações internacionais. Relevante também é a Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional sobre Comércio Electrónico, adoptada em 1996 [23].

Por fim, mencione-se a existência de alguns códigos de conduta, como por exemplo, o Código de Conduta da Câmara de Comércio Internacional e o Código de Conduta Web Trader [24].

3.2 Noção jurídica de consumidor

Apesar da noção jurídica de consumidor não ser unânime na doutrina, sua definição reveste-se de importância na medida em que é utilizada pelo direito interno e externo para delimitar o âmbito de aplicação dos diversos diplomas - por exemplo, do art. 13.º da Convenção de Bruxelas [25].

O art. 2.º da Lei da Defesa do Consumidor define por consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios [26]. Tal conceito usa como critério o destino profissional ou não dos bens, serviços ou direitos [27].

Pode-se dizer que o consumidor se caracteriza por quatro elementos: o subjectivo – ser uma pessoa singular [28]; o objectivo – a aquisição de bens ou serviços por parte daquela; o teleológico – finalidade de tal aquisição para uso pessoal ou privado; e o relacional – contratação feita com um fornecedor (empresa ou uma entidade no exercício da sua actividade comercial).

Os consumidores à distância não assumem especificidade. No entanto, um juízo prudente aconselha à análise casuística das situações porquanto a ausência dos contraentes aquando da contratação facilita a omissão da qualidade de comerciante, empresa ou profissional, beneficiando assim de uma protecção legal que não lhe seria conferida.

3.3 A protecção dos consumidores (o direito substantivo)

Parte-se do pressuposto que os consumidores não têm conhecimento nem dos seus direitos nem dos seus deveres e, considerando que, desconhecendo a identidade do fornecedor, o consumidor desconhece a quem poderá dirigir-se para posteriores contactos. Ainda, considera-se que o consumidor é, não raras vezes, alvo de publicidade enganosa que o leva a contratar para obtenção de algo que não corresponde à realidade. Conclui-se que, a este propósito, há uma posição de submissão psicológica do consumidor em relação ao fornecedor [29].

Todas estas questões surgem de forma mais preocupante nos contratos celebrados à distância. Perante esta realidade, o legislador considerou que o consumidor ficará mais protegido se, antes da celebração do contrato e do pagamento do bem (feito habitualmente nesta fase e antes de receber o bem adquirido), houver informação que permita uma decisão por parte do consumidor tão livre e esclarecida quanto possível.

3.4 Direitos dos Consumidores no Decreto- Lei 143/ 2001

Subdivide-se os principais aspectos relativos aos direitos dos consumidores no Decreto-Lei que trata dos Contratos Celebrados à Distância em três pontos: o direito às informações prévias; o direito à confirmação das informações; e o direito de livre resolução.

3.4.1 O direito às informações prévias

O direito às informações prévias, previsto no art. 4.º, consiste na prestação das informações, enumeradas taxativamente no n.º 1 do preceito, podendo ser fornecidas por escrito ou oralmente, conforme n.º 2 e n.º 3, devendo pautar-se por princípios de boa-fé e lealdade, com respeito pela lei [30], anteriormente à celebração do contrato. Se não houver contrato, a questão não se coloca e, havendo contrato, a questão só se colocará em caso de incumprimento ou em caso de vício na formação da vontade do consumidor.

Quer num caso quer noutro, poderão ser aplicadas as regras gerais dos negócios jurídicos: a nulidade [31], por inobservância desta formalidade ou a anulabilidade [32], que poderá resultar uma obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade pré-contratual [33].

3.4.2 O direito à confirmação das informações

De acordo com o art. 5.º do referido Decreto-Lei, o direito à confirmação das informações consiste na confirmação por escrito ou em suporte durável das informações relativas à conclusão do contrato mencionadas no n.º 3. Destas apenas a da alínea "b" é obrigatória.

Este dever do fornecedor insere-se no âmbito do cumprimento do contrato e a sua inobservância determina o seu incumprimento, gerando responsabilidade civil contratual por parte do fornecedor [34]. Neste caso, o consumidor beneficiará do direito de resolução, que já lhe é reconhecido independentemente do incumprimento [35], sendo o prazo dilatado para 3 meses, a contar da recepção dos bens ou da data da celebração do contrato, quando se tratar da prestação de serviços. Se o fornecedor cumprir este direito no decurso daquele prazo, contar-se-á novo prazo geral de 14 dias a partir da recepção da confirmação das informações.

Tal direito do consumidor corresponde a um dever do comerciante e tem uma dupla vantagem: por um lado, facilita a prova em caso de litígio e, por outro, funciona como circunstância psicológica persuasora para o fornecedor cumprir o contrato [36].

3.4.3 O direito de livre resolução

O direito de livre resolução consta no art. 6.º e consiste na possibilidade do consumidor se desvincular livremente do contrato celebrado à distância, sem necessidade de invocar qualquer fundamento. A Directiva 97/7/CE prevê o prazo mínimo de 7 dias para o exercício deste direito, tendo o Decreto-Lei duplicado este prazo. Ainda, tal prazo poderá ser alargado em caso de incumprimento, conforme supra-citado.

O exercício deste direito se faz através da expedição de uma carta registada com Aviso de Recepção contendo a declaração de rescisão [37].

Na realidade, a epígrafe do artigo reporta-se a dois direitos distintos: o direito de rescisão e o direito de livre resolução.

A rescisão permite ao consumidor desvincular-se livremente do contrato sem ter que apresentar motivos ou justificações, já a resolução pode ter lugar quando o fornecedor incumpre ou cumpre deficitariamente os seus deveres de informação.

Neste sentido, Luís Menezes Leitão diz que a resolução do contrato consiste na extinção da relação contratual por declaração unilateral de um dos contraentes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do contrato [38]. A rescisão depende exclusivamente da vontade do declarante, já a resolução está condicionada à ocorrência de uma circunstância que se reconduz ao incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte do fornecedor.

O direito de livre resolução encontra excepções: quando comportarem para o fornecedor um risco inaceitável ou que poderiam proporcionar um uso abusivo por parte dos consumidores, invertendo a ordem natural e jurídica das coisas [39].

O direito de rescisão não é unanimemente aceite entre a doutrina europeia. Esta posição, minoritária, defende que apenas deve existir este direito nos contratos celebrados por correspondência dada a impossibilidade do consumidor ver o bem que adquire e não porque haja uma pressão comercial excessiva, reconduzindo o direito de rescisão a uma posição de força do consumidor sem justificação [40].

Uma terceira possibilidade de resolver o contrato decorre do facto do fornecer não cumprir o contrato no prazo de 30 dias. Neste caso, há incumprimento definitivo, e o consumidor tem o direito de resolução [41], do reembolso do que foi pago e das despesas de devolução, se existirem, a serem pagos no prazo de 30 dias a contar da data do conhecimento do incumprimento.

Este prazo considera-se substantivo, ou seja, não suspende-se aos sábados, domingos e feriados.

Como formas complementares de protecção aos consumidores, a transferência da responsabilidade da utilização fraudulenta de um cartão de crédito ou débito por outrem passa para a entidade bancária ou financeira emissora do cartão [42], estabelecendo-se, então, uma relação entre comerciantes.

Finalizando este tópico, este regime, além de ser inderrogável, em caso de litígio, compete ao fornecedor demonstrar que cumpriu os deveres que lhe são atribuídos.

3.5 Tutela dos consumidores (o direito adjectivo)

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Não cumpridas as obrigações contratuais ou não sendo respeitados os direitos dos consumidores, a garantia proporcionada pelos Estados de direito é a tutela jurisdicional. O direito se pauta, a priori, para a sua aplicação no espaço, pelo princípio da territorialidade, definindo jurisdição de cada Estado. Em virtude do carácter transnacional que podem tomar os contratos celebrados à distancia e os meios que são utilizados para a sua celebração assumem particular relevância nos casos em que estão em causa um ordenamento jurídico de um Estado-membro da União Europeia e outro que não pertença a esta.

A solução ideal passa por estabelecer no próprio contrato uma cláusula relativa ao momento em que se considera o contrato celebrado e, assim, ficar definida a lei aplicável. É a lex contratus, lei do contrato porque assim foi convencionado pelas partes, previstas no art. 3.º n.º 1, da Convenção de Roma.

Na falta de lei convencionada, alguns autores entendem que se deve atender à lei do proponente ou do aceitante. Outros autores defendem a lex fori, isto é, a lei do foro, que é, aliás, o que se prevê no art. 4.º n.º1 do Código Comercial, para o direito interno. Mas a lex fori, atendendo ao carácter transnacional da contratação electrónica, poderia considerar o contrato celebrado num terceiro momento, que nunca seria o escolhido pelos ordenamentos jurídicos em causa (do fornecedor e do consumidor), permitindo o fenómeno do forum shopping, isto é, a escolha da lei mais vantajosa pela parte mais forte na relação contratual. Por isso esta solução não é acolhida no que diz respeito aos cibercontratos [43].

No âmbito do direito comunitário existem alguns instrumentos que auxiliam à resolução desta questão, como à Convenção de Bruxelas, à Convenção de Roma e o Regulamento n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.

A Convenção de Bruxelas dispõe nos seus art. 13.º e 14.º que o fornecedor só pode intentar a acção judicial no Estado do consumidor, enquanto este pode optar pelo Estado do domicilio do réu, desde que seja um Estado contratante, ou pelo seu próprio Estado, aplicando-se a lei nacional. É o critério da lex fori com limites previamente estipulados e com observância das regras fixadas no art. 52.º da referida Convenção. Neste sentido vai também o art. 16.º n.ºv1 do Regulamento nº 44/2001.

Identificam-se na Convenção de Bruxelas três princípios basilares nesta matéria: a protecção da parte contratual mais débil, isto é, o consumidor; a entrega da competência jurisdicional ao tribunal que mais facilmente poderá recolher a prova; e a preocupação de assegurar certeza e previsibilidade ao direito.

A Convenção de Roma, no art. 2.º diz ser seu carácter universal: assim, dispensa-se os elementos de conexão com um dos Estados contratantes, desde que o Estado do foro seja um deles. Daqui resulta que as suas normas de conflitos poderão conduzir à aplicação da lei de um Estado contratante como à de outro que não o seja [44].

A lei aplicável segue, em regra, o critério enunciado no art. 10.º nº 2 da Convenção de Roma [45]. Mas no seu art. 5.º n.º 2, estabelece que os contratos celebrados com consumidores não podem, em regra, impedir a aplicação da lei do Estado onde o consumidor tem o seu domicílio, assim será para os casos em que não houve convenção sobre a lei aplicável.

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Sobre a autora
Daiane Godinho

Doutorando em Direito Patrimonial pela Universidade de Salamanca (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODINHO, Daiane. Contratos celebrados à distância.: Directiva nº 97/7/CE e a proteção do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2320, 7 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13819. Acesso em: 2 nov. 2024.

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