No ano de 1986, o Governo Federal realizou mediante licitação a construção da terceira usina do programa nuclear brasileiro: Angra III. A concorrência foi feita seguindo todos os trâmites legais e teve como vencedora a Construtora Andrade Gutierrez. No entanto, a construção fora suspensa no mesmo ano, 1986, por falta de recursos públicos e dúvidas sobre os riscos na obra. No entanto em abril de 2009, o Governo Federal decidiu retomar as obras que estavam paradas há 23 anos revalidando a concorrência suspensa em 1986.
É motivo de discussão entre especialistas, juristas e entre a sociedade interessada considerar se a revalidação da licitação acima mencionada é ato legal ou se fere os princípios da administração pública. Ao avaliar o assunto, em setembro de 2008, o Tribunal de Contas da União não impediu a revalidação dos contratos, considerando-a adequada e válida.
Embora considerada uma aberração a revalidação de uma licitação suspensa há mais de vinte anos por ferir os princípios da moralidade e da isonomia, questiona-se, por outro lado, a obrigação do governo em cumprir os contratos assinados, os quais geram expectativas de direito às empresas contratadas.
Ora, se o contrato firmado entre a administração e um particular foi precedido de licitação e a empresa sagrada vencedora do certame nunca praticou qualquer ato tendente a rescindir o contrato, questiona-se a possibilidade da administração suspender a licitação por motivos próprios e após certo período de tempo retomar a licitação por haver interesse viável da própria administração em realizar a execução do contrato.
Ocorre que, no geral, a empresa privada que contratou com a administração pública o fez de boa-fé, não prevendo que a extinção do contrato se daria por irresponsabilidade da administração em não garantir os recursos orçamentários suficientes. Tais licitações deveriam ser consideradas como válidas tendo em vista que não foi a empresa contratada quem deu causa à falta de recursos públicos como motivo pelo qual ocorreu a suspensão da licitação.
A administração que suspende a licitação por falta de recursos públicos e, algum tempo depois, realiza uma nova licitação age irresponsavelmente, pois, no primeiro caso, iniciou a realização de um contrato sem que houvesse recursos orçamentários suficientes para o cumprimento do acordo. Deve ser destacado o evidente desrespeito à Lei Complementar nº 101/2001 - Lei de Responsabilidade Fiscal, além de descumprimento a determinação específica do TCU, no sentido de não contratar obras para as quais não haja recursos orçamentários suficientes, a saber, Decisão nº 767/2002 - Plenário - TCU.
Ademais, cumpre lembrar que as Leis nº 4.320/64 e 8.666/93 também vedam o início de obras sem a regular dotação orçamentária para o início dos serviços. Tal prática tem sido extremamente perniciosa ao Erário, já que se abrem diversas frentes de trabalho, reconhecidamente sem recursos suficientes para o seu regular andamento e término, gerando toda sorte de problemas sobejamente conhecidos por todos, inclusive no que tange à paralisação de centenas de obras públicas no Brasil.
No entanto, não basta haver a dotação no Orçamento Geral da União para que se inicie uma obra. Há que se tomar uma série de outras medidas fundamentais para o bom e regular andamento dos serviços, a saber, planejamento adequado da obra que se inicia inclusive no que tange à regularidade e qualidade de seus Projetos Básico e Executivo, devendo-se levar em conta, naturalmente, o fluxo financeiro que realmente estará disponibilizado para a execução dos serviços. Do contrário estar-se-á diante de mais uma obra fadada à paralisação e ao prejuízo ao Erário e à sociedade.
No caso da suspensão, as hipóteses estão previstas na Lei 8.666/93, que, no artigo 78, inciso XIV, afirma que constitui motivo para rescisão do contrato a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação.
É importante assegurar a continuidade da licitação por respeito ao contrato administrativo firmado entre particular e a administração. Ao firmar um contrato com a administração pública, cria-se para o particular a expectativa de direito de que a obra ou serviço seja realizada de acordo com o contratado, e, se tal fato não ocorre por falta de recursos públicos, deve a administração responder por perdas e danos.
Ora, a garantia do equilíbrio financeiro do contrato constitui direito subjetivo do contratado, segundo previsto no inciso XXI do art. 37 da CF, o qual prevê que as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas com cláusulas que estabeleçam as obrigações do pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta.
Caso sejam alteradas as condições de cumprimento do acordo, o contratado tem o direito de requerer a manutenção de sua proposta, o que poderá ocorrer mediante recomposição e/ou reajuste. Marçal Justen Filho [01] faz a distinção entre as duas formas ao afirmar que "A recomposição de preços é procedimento destinado a avaliar a ocorrência de evento que afeta a equação econômico-financeira do contrato e promove a adequação das cláusulas contratuais aos parâmetros necessários para recompor o equilíbrio original. Já o reajuste é procedimento automático, em que a recomposição se produz sempre que ocorra a variação de certos índices, independente da averiguação efetiva do equilíbrio"
Com efeito, a extinção dos acordos administrativos se dá com o advento do termo final, ou seja, expirado o prazo fixado no contrato, rescinde espontaneamente o ajuste. No entanto, é preciso distinguir os contratos que se extinguem pela conclusão do seu objeto e os que terminam pela expiração do prazo de sua vigência: nos primeiros, o que se tem em vista é a obtenção do seu objeto concluído, operando o prazo como limite de tempo para a entrega da obra, do serviço ou da compra sem sanções contratuais; no segundo o prazo é de eficácia do negócio jurídico contratado, e assim sendo, expirado o prazo, extingue-se o contrato, qualquer que seja a fase de execução de seu objeto, como ocorre na concessão de serviço público ou na simples locação de coisa por tempo determinado. Há, portanto, prazo de execução e prazo extintivo do contrato.
No caso da extinção do contrato por motivo de suspensão, tendo a administração pública deixado de autorizar o início das obras ao particular, deve responder por sua omissão, mormente quando se tem comprovada tal culpa nos autos. Muito embora a Lei 8.666/93, no seu art. 78, XVI, estabeleça a rescisão do contrato nos casos em que não há liberação, por parte da Administração, de área ou local para a execução da obra, o art. 79, § 5º dispõe que: "ocorrendo impedimento, paralisação ou sustação do contrato, o cronograma de execução será prorrogado automaticamente por igual tempo".
Prescreve, ainda, o art. 57, § 1º, VI da citada Lei, que os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega da obra admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato, nos casos em que ocorra omissão ou atraso de providências a cargo da Administração. Assim sendo, deve a administração pública autorizar a revalidação do contrato suspenso por mais de 120 dias, quando ela foi a única que deu causa à suspensão do contrato, o que possibilitará o cumprimento efetivo do convencionado entre as partes e a continuidade na execução da obra pela contratada nos casos em que a paralisação contrato ocorreu exclusivamente por culpa da própria Administração ao suspender a obra por motivo de falta de recursos públicos.
Nota
01 FILHO. Marçal Justen. Curso de Direito Admisnitrativo. Ed. Saraiva. São Paulo, 2006.