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A teoria da interpretação jurídica de Karl Larenz e as decisões do STF quanto ao direito de greve do servidor público.

Legitimidade da criação de normas pelo Judiciário

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16/11/2009 às 00:00
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4. As decisões sobre o direito de greve dos servidores públicos civis – Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712

Os Mandados de Injunção nº 670/ES [45] e 708/DF tiveram como Relator o Ministro Gilmar Mendes.

A conclusão do julgamento dessas ações foi no seguinte sentido:

O Tribunal concluiu julgamento de três mandados de injunção impetrados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo - SINDIPOL, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa - SINTEM, e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará - SINJEP, em que se pretendia fosse garantido aos seus associados o exercício do direito de greve previsto no art. 37, VII, da CF (...). O Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada. No MI 670/ES e no MI 708/DF prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes. Nele, inicialmente, teceram-se considerações a respeito da questão da conformação constitucional do mandado de injunção no Direito Brasileiro e da evolução da interpretação que o Supremo lhe tem conferido. Ressaltou-se que a Corte, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração da existência da mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário. Registrou-se, ademais, o quadro de omissão que se desenhou, não obstante as sucessivas decisões proferidas nos mandados de injunção. Entendeu-se que, diante disso, talvez se devesse refletir sobre a adoção, como alternativa provisória, para esse impasse, de uma moderada sentença de perfil aditivo. Aduziu-se, no ponto, no que concerne à aceitação das sentenças aditivas ou modificativas, que elas são em geral aceitas quando integram ou completam um regime previamente adotado pelo legislador ou, ainda, quando a solução adotada pelo Tribunal incorpora ‘solução constitucionalmente obrigatória’. Salientou-se que a disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, no que tange às denominadas atividades essenciais, é especificamente delineada nos artigos 9 a 11 da Lei 7.783/89 e que, no caso de aplicação dessa legislação à hipótese do direito de greve dos servidores públicos, afigurar-se-ia inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos, de um lado, com o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua, de outro. Assim, tendo em conta que ao legislador não seria dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina, reconheceu-se a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional. Por fim, concluiu-se que, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, seria mister que, na decisão do writ, fossem fixados, também, os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e ampliativa, para apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores com vínculo estatutário. Dessa forma, no plano procedimental, vislumbrou-se a possibilidade de aplicação da Lei 7.701/88, que cuida da especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos. No MI 712/PA, prevaleceu o voto do Min. Eros Grau, relator, nessa mesma linha. Ficaram vencidos, em parte, nos três mandados de injunção, os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelos respectivos sindicatos e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Também ficou vencido, parcialmente, no MI 670/ES, o Min. Maurício Corrêa, relator, que conhecia do writ apenas para certificar a mora do Congresso Nacional. [46]

O Mandado de Injunção nº 712/PA teve como relator o Ministro Eros Grau, que, em seu voto, partiu das seguintes premissas:

a) reconheceu a mora legislativa;

b) considerou dispensável travar a discussão sobre a eficácia da norma contida no art. 37, VII da CF/88, embora tenha revisto sua posição quanto ao assunto – já que antes entendia que a eficácia da norma seria contida e nessa decisão referiu que ela é limitada e por isso exigiria regulamentação;

c) tratou de avaliar a eficácia das decisões do STF nos mandados de injunção, tendo em vista as manifestações anteriores daquela Corte em ações de tal natureza.

Com base, então, nesses pontos de avaliação, passou o relator, Ministro Eros Grau, em seu voto [47], a discorrer sobre a greve e o mandado de injunção.

Apontou, nesse sentido, que

A greve é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores como meio para a obtenção de melhoria em suas condições de vida. Consubstancia um poder de fato; por isso mesmo que, tal como positivado o princípio no texto constitucional [art. 9o], recebe concreção, imediata — sua auto-aplicabilidade é inquestionável — como direito fundamental de natureza instrumental.

Referiu também que a CF/88, quando tratou do direito de greve não exigiu sua regulamentação, pelo que tal direito deve ser protegido e não restringido, mas que em relação aos servidores públicos a norma é específica em decorrência do tipo de relação mantida – estatutária -, na qual os interesses envolvidos são diferentes porque pertencem aos cidadãos atingidos e se referem a serviços públicos, cuja continuidade tem de ser necessariamente garantida.

Entendeu, assim, que competiria ao Supremo concretizar o mandamento constitucional permitindo aos servidores públicos o exercício do direito de greve.

Para isso, então, afirmou o seguinte:

19. Por isso tenho que a Lei n. 7.783, de 20.06.89, atinente à greve dos trabalhadores em geral, não se presta, sem determinados acréscimos, bem assim algumas reduções do seu texto, a regular o exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Este reclama, em certos pontos, regulação peculiar, mesmo porque "serviços ou atividades essenciais" e "necessidades inadiáveis da coletividade" não se superpõem a "serviços públicos"; e vice-versa. Trata-se aí de atividades próprias do setor privado, de um lado --- ainda que essenciais, voltadas ao atendimento de necessidades inadiáveis da coletividade --- e de atividades próprias do Estado, de outro.

20. Daí porque, de início, não me parece deva ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. – Grifos nossos

Mais adiante referiu que:

24. O que deve ser regulado, no caso de que tratamos, é --- alterada parcialmente a dicção de MAURICE HAURIOU5 --- a coerência entre o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura.

........................

26. Salvo a hipótese de --- como observei anteriormente6, lembrando FERNANDO PESSOA --- transformarmos a Constituição em papel "pintado com tinta" e aplicá-la em "uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma", constitui dever-poder deste Tribunal a formação supletiva, no caso, da norma regulamentadora faltante.

27. O argumento de que a Corte estaria então a legislar --- o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da Constituição do Brasil e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] --- é insubsistente.

28. Pois é certo que este Tribunal exercerá, ao formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o art. 37, VII da Constituição, função normativa, porém não legislativa.

29. Explico-me.

30. A classificação mais freqüentemente adotada das funções estatais concerne aos ofícios ou às autoridades que as exercem. Trata-se da classificação que se denomina orgânica ou institucional. Tais funções são, segundo ela, a legislativa, a executiva e a jurisdicional. Se, porém, pretendermos classificá-las segundo o critério material, teremos: a função normativa --- de produção das normas jurídicas [= textos normativos]; a função administrativa --- de execução das normas jurídicas; a função jurisdicional --- de aplicação das normas jurídicas.

31. Na menção aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário estamos a referir centros ativos de funções --- da função legislativa, da função executiva e da função jurisdicional. Essa classificação de funções estatais decorre da aplicação de um critério subjetivo; estão elas assim alinhadas não em razão da consideração de seus aspectos materiais.

35. A função legislativa é maior e menor do que a função normativa. Maior porque abrange a produção de atos administrativos sob a forma de leis [lei apenas em sentido formal, lei que não é norma, entendidas essas como preceito primário que se integra no ordenamento jurídico inovando-o]; menor porque a função normativa abrange não apenas normas jurídicas contidas em lei, mas também nos regimentos editados pelo Poder Judiciário e nos regulamentos expedidos pelo Poder Executivo.

36. Daí que a função normativa compreende a função legislativa [enquanto produção de textos normativos], a função regimental e a função regulamentar.

38. De resto, é ainda certo que, no caso de concessão do mandado de injunção, o Poder Judiciário formula a própria norma aplicável ao caso, embora ela atue como novo texto normativo.

39. Apenas para explicitar, lembro que texto e norma não se identificam7. O que em verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos resultam as normas. A norma é a interpretação do texto normativo. A interpretação é atividade que se presta a transformar textos --- disposições, preceitos, enunciados --- em normas.

40. O Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma. Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisão aplicável à omissão. É inevitável, porém, no caso, seja essa norma tomada como texto normativo que se incorpora ao ordenamento jurídico, a ser interpretado/aplicado. Dá-se, aqui, algo semelhante ao que se há de passar com a súmula vinculante, que, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado/aplicado.

41. Ademais, não há que falar em agressão à "separação dos poderes", mesmo porque é a Constituição que institui o mandado de injunção e não existe uma assim chamada "separação dos poderes" provinda do direito natural. Ela existe, na Constituição do Brasil, tal como nela definida. Nada mais. No Brasil vale, em matéria de independência e harmonia entre os poderes e de "separação dos poderes", o que está escrito na Constituição, não esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem não leu Montesquieu no original.

42. De resto, o Judiciário está vinculado pelo deverpoder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma regulamentadora faltante. Note-se bem que não se trata de simples poder, mas de dever-poder, idéia já formulada por JEAN DOMAT8 no final do século XVII, após retomada por LEÓN 8 Oeuvres de J. DOMAT, Paris, Firmin Didot Père et Fils, 1.829, DUGUIT9 e, entre nós, por RUI BARBOSA10, mais recentemente por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO11.

43. A ESTE TRIBUNAL INCUMBIRÁ --- permito-me repetir - -- se concedida a injunção, REMOVER O OBSTÁCULO DECORRENTE DA OMISSÃO, DEFININDO A NORMA ADEQUADA À REGULAÇÃO DO CASO CONCRETO, NORMA ENUNCIADA COMO TEXTO NORMATIVO, logo sujeito a interpretação pelo seu aplicador.

45. Não se aplica ao direito de greve dos servidores públicos, repito-o, exclusivamente, e em sua plena redação, a Lei n. 7.783/89, devendo o Supremo Tribunal Federal dar os parâmetros do seu exercício. Esses parâmetros hão de ser definidos por esta Corte de modo abstrato e geral, para regular todos os casos análogos, visto que norma jurídica é o preceito, abstrato, genérico e inovador --- tendente a regular o comportamento social de sujeitos associados --- que se integra no ordenamento jurídico12 e não se dá norma para um só.

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46. No mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. E nada obsta a que, no que tange às hipóteses de outras impetrações, no futuro, que versem situações análogas, a elas seja estendida, por despacho monocrático do relator, essa mesma regulação, nos termos do disposto no artigo 21 do Regimento Interno desta Corte.

47. Temos então como indispensável a definição, por esta Corte, das medidas a serem tomadas no sentido de assegurar a continuidade da prestação do serviço público; somente assim poderá ser conferida eficácia ao disposto no art. 37, VII.

53. Isto posto, a norma, na amplitude que a ela deve ser conferida no âmbito do presente mandado de injunção, compreende conjunto integrado pelos artigos 1o ao 9o, 14, 15 e 17 da Lei n. 7.783/89, com as alterações necessárias ao atendimento das peculiaridades da greve nos serviços públicos, que introduzo no art. 3o e seu parágrafo único, no art. 4o, no parágrafo único do art. 7o, no art. 9o e seu parágrafo único e no art. 14. Este, pois, é o conjunto normativo reclamado, no quanto diverso do texto dos preceitos mencionados da Lei n. 7.783/89:

"Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação parcial do trabalho.

Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas, da paralisação.

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação parcial da prestação de serviços";

"Art. 7o [...]

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, exceto na ocorrência da hipótese prevista no art. 14";

"Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar a regular continuidade da prestação do serviço público.

Parágrafo único. É assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo";

"Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho".

54. Em face de tudo, conheço do presente mandado de injunção, para, reconhecendo a falta de norma regulamentadora do direito de greve no serviço público, remover o obstáculo criado por essa omissão e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII da Constituição do Brasil, nos termos do conjunto normativo enunciado neste voto. – Grifos nossos

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Sobre a autora
Mildred Lima Pitman

Consultora Jurídica do Estado do Pará, com lotação na Secretaria de Estado de Administração - SEAD. Mestranda em Direito das Relações Sociais- Universidade da Amazônia. Especialista em Direito Processual Civil - Faculdade do Pará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PITMAN, Mildred Lima. A teoria da interpretação jurídica de Karl Larenz e as decisões do STF quanto ao direito de greve do servidor público.: Legitimidade da criação de normas pelo Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2329, 16 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13836. Acesso em: 22 nov. 2024.

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