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Princípios do Direito Ambiental e áreas protegidas

27/11/2009 às 00:00
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Aplicam-se aos espaços territoriais especialmente protegidos (áreas protegidas) a quase totalidade dos princípios do direito ambiental, dentre os quais se destacam, por sua alta recorrência prática, razoável consenso doutrinário e caráter de norma-fonte dos demais princípios, os princípios do direito à vida saudável, da equidade (ou da solidariedade intergeracional), do poluidor-pagador, da precaução, da prevenção, da reparação, da informação e da participação.

Os referidos princípios, extremamente relevantes para o direito ambiental, inclusive em virtude da previsão constitucional de alguns deles no ordenamento jurídico brasileiro, mais importância ainda possuem naqueles espaços consagrados a uma preservação e conservação mais estritas.

a) Princípio do direito à vida saudável.

Esse princípio, também conhecido como direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado [01] ou direito à sadia qualidade de vida [02], tem raízes históricas mais remotas no próprio direito à vida, consagrado até nas constituições que admitem a pena de morte. O direito à vida saudável foi um passo seguinte, decorrente da constatação de que não basta garantir ao ser humano o direito aos seus batimentos cardíacos e à respiração – é preciso que a vida seja sadia, íntegra. E isso depende da qualidade do meio ambiente, do qual as pessoas humanas são parte e no qual estão ao mesmo tempo inseridas.

Nesse sentido, o passo adiante foi dado pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, materializado na Declaração de Estocolmo (1972), que garantiu ao homem e à mulher direito fundamental a "... adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade..." logo no Princípio 1.

Em seguida, editada sob considerável influência ambientalista, a Constituição brasileira de 1988 acolheu o princípio, no artigo 225, ao dizer que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem (...) essencial à qualidade de vida ...". E os espaços protegidos, previstos no mesmo artigo, são fortes instrumentos para a consecução desse mandamento constitucional, na medida em que afetam determinados espaços territoriais à preservação ambiental (conjugada ao desenvolvimento sustentável, em alguns casos).

O equilíbrio ambiental é pressuposto da vida saudável, como anotado pela Constituição Federal, porque sem ele é impossível se atingir um piso vital mínimo [03] para o desenvolvimento da pessoa humana.

b) Princípio da solidariedade intergeracional.

Também indicado como princípio da equidade [04] ou princípio do acesso equitativo aos recursos naturais [05], o princípio da solidariedade intergeracional tem ligações com a temática dos espaços protegidos, porque é um dos fundamentos para a instituição desses espaços.

Assim, a atual geração, ao instituir os espaços protegidos, furta-se à sua utilização "normal" (aqui considerada aquela utilização encontradiça fora desses espaços) para garantir a si própria e sobretudo às futuras gerações o equilíbrio do meio ambiente, através da manutenção da biodiversidade.

Por isso se preferiu adotar o nome de solidariedade intergeracional, justamente para destacar esse elo de responsabilidade da atual geração pela existência das futuras gerações.

c) Princípio do poluidor-pagador.

O meio ambiente é "bem de uso comum do povo", como diz o texto do artigo 225, caput, da Constituição. Isso significa que não é dado a ninguém dele se apropriar, porque o uso individual exauriente afronta a possibilidade de uso pelo resto da coletividade.

Entretanto, todas as obras e atividades humanas provocam, em variadas gradações, uso e dano ao meio ambiente. Para conciliar esses interesses e essas necessidades aparentemente conflitantes, ao ordenamento jurídico e aos seus intérpretes é cometida a difícil tarefa de dizer quais atividades ou obras são permitidas e como são permitidas.

Ou seja, o ordenamento jurídico permitirá atividades degradadoras (e todas o são, em dada medida), atendidas certas exigências e respeitadas algumas proibições. Mas isso não significa que ao empreendedor será franqueado incondicionalmente o dano ao ambiente.

A ele, empreendedor público ou privado, responsável pela obra ou atividade potencialmente degradadora, é carreada uma responsabilidade financeira pela privação de acesso ao meio ambiente pelos demais membros da comunidade. Assim, o empreendimento deverá inserir em seus custos o do (autorizado) dano ambiental.

E registre-se que esse pagamento, referente ao princípio do poluidor-pagador, não esquiva o empreendedor de adotar as medidas exigidas pelos órgãos públicos responsáveis para evitar ou minorar o dano. Assim como não o isenta do dever de reparação em caso de dano causado por atuação em desconformidade com o ordenamento jurídico e com eventuais autorizações concedidas pelos órgãos públicos.

O princípio do poluidor-pagador está consagrado positivamente no direito internacional na declaração do Rio de janeiro de 1992 (Princípio 16) e no direito interno (por exemplo, Lei n.º 6.938/1981, artigo 4º, VII).

O referido princípio veicula verdadeiro mandamento de equidade, na medida em que "O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia." [06]

Não se trata, todavia, de sanção por ato ilícito, porque o princípio citado tem aplicação plena mesmo inexistindo qualquer ilicitude na conduta do empreendedor.

d) Princípio da prevenção.

A experiência ensinou que a reparação do dano ambiental é altamente custosa e muitas vezes até impossível, motivo pelo qual os ambientalistas direcionaram seu foco de combate preservacionista para o momento que antecede possível dano ao meio ambiente, para efetivamente preveni-lo (e não apenas eventualmente repará-lo).

Essa preocupação resultou no princípio da prevenção, positivado no direito pátrio e no direito internacional, que objetiva eliminar ou reduzir os riscos de degradação do meio ambiente, através de uma projeção tecnicamente fundada das conseqüências ambientais de obra ou atividade. Aqui, como destacado, a atuação preservacionista pressupõe a certeza do dano ambiental.

e) Princípio da precaução.

Esse princípio tem aproximação conceitual com o princípio da prevenção, pois ambos atuam previamente para evitar a ocorrência do dano ambiental. A diferença sutil reside no fundamento da atuação: para atuação embasada na prevenção, como citado no item anterior, é preciso que a obra ou atividade a ser desenvolvida seja potencialmente causadora de degradação do ambiente, com base em juízo de certeza técnica ou científica.

Com o mesmo intuito de evitar a ocorrência de dano, o princípio da precaução amplia o leque de ferramentas à disposição da atividade de preservação do meio ambiente ao permitir a atuação preservacionista mesmo quando não se tenha certeza de que a obra ou atividade causará danos ambientais. Ou seja, na dúvida, não se arrisca o meio ambiente.

Nesse mesmo sentido, Paulo Leme Affonso Machado [07] distingue precaução e prevenção, com base no conhecimento ou não dos riscos: "Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução."

Tanto o princípio da precaução quanto o da prevenção devem ser aplicados com máximo de rigor quando as atividades ou obras se localizarem em espaços protegidos, que são áreas mais sensíveis e relevantes para a preservação ambiental. Nesses casos, a análise dos riscos deverá sempre considerar o regime especial de proteção da área como uma espécie de agravante em desfavor da atividade ou obra.

Ademais, não se pode esquecer que também o poder público, para as suas atividades e obras, submete-se ao crivo desses dois princípios.

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f) Princípio da reparação.

Ao lado dos princípios do poluidor-pagador e usuário-pagador, que incidem mesmo em face de condutas lícitas, em virtude de apropriação individual de bem coletivo (o meio ambiente), o princípio da reparação atua em repreensão às condutas ilícitas, sancionando-as com o dever de reparação do dano ambiental.

No direito brasileiro, essa responsabilidade por dano ambiental é objetiva, nos termos da Lei 6.938/1981 (artigo 14, § 1º).

g) Princípio da informação.

O moderno Estado de Direito pressupõe o respeito às minorias e atenção ao pluralismo social, político, religioso etc., com forte participação dos cidadãos na formação da vontade do Estado. Todavia, essa participação dos cidadãos não seria efetiva, caso não fosse assegurado prévio direito à informação, subsídio para as tomadas de posição dos indivíduos.

Nesse contexto, também no direito ambiental o princípio da informação se faz presente. E especificamente no que toca às áreas protegidas o referido princípio tem incidência sobretudo em relação à criação de novas áreas e à gestão das áreas já criadas.

Em diversas passagens a Constituição assegura ao cidadão o direito à informação. No plano internacional, o princípio da informação também está consagrado na Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (Princípio 10). E no plano infraconstitucional, tanto a Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA) quanto a Lei 9.985/2000 (Sistema Nacional das Unidades de Conservação - SNUC) prevêem o direito à informação, que, como destacado, é instrumento para a participação do cidadão na formação da vontade estatal, conforme se verá no item seguinte.

h) Princípio da participação.

Como destacado no item anterior, o Estado de Direito é pautado pela participação dos cidadãos nas suas decisões, como forma de respeito à sociedade plural e às conseqüentes minorias. Assim, nota-se que o princípio da participação é inerente ao Estado de Direito em todas as suas dimensões. Mas há incidências específicas no direito ambiental e, dentro desse, no que toca aos espaços territoriais especialmente protegidos.

Novamente se tem que a Constituição previu o direito de participação, genericamente considerado (porque não aplicado diretamente ao direito ambiental), em algumas passagens. Na seara ambiental, encontram-se referências ao princípio da participação na Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (Artigo 10) e na Lei do 9.985/2000 (SNUC).

O princípio da participação consiste na abertura realizada pelo Estado para que os cidadãos, devida e suficientemente informados, individualmente ou agrupados nas mais diversas formas de associação, possam se integrar na vontade Estatal manifestada em alguma decisão.

Esse princípio tem grande relevância para a eficácia das deliberações estatais, pois quando os cidadãos participam da formação da decisão têm mais propensão a colaborar para com a sua execução. E em relação aos espaços protegidos a aplicabilidade do princípio citado é ainda maior, porque a criação e sobretudo a gestão desses espaços (quando cometida ao poder público) têm seu êxito atrelado à participação das comunidades envolvidas direta ou indiretamente.


Notas

  1. MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Direito ambiental. 2. Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005., p. 27.
  2. MACHADO, Paulo Leme Affonso. Direito ambiental brasileiro, 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. pp. 45-47.
  3. Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o art. 6º da Constituição estabelece em face do Estado um piso vital mínimo de direitos que devem ser garantidos a todas as pessoas – dentre eles o direito à saúde, estreitamente relacionado com a qualidade ambiental (FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000., p. 53).
  4. MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Direito ambiental. 2. Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005., p. 36.
  5. MACHADO, Paulo Leme Affonso. Direito ambiental brasileiro, 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. pp. 47-50.
  6. MACHADO, Paulo Leme Affonso. Direito ambiental brasileiro, 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 51.
  7. Op. Cit., p. 62.
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Sobre o autor
Geraldo de Azevedo Maia Neto

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Direito Constitucional pelo IDP/UNISUL. Procurador-Geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foi Subprocurador-Geral do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Foi Subprocurador-Regional Federal da 1ª Região. Foi membro da Câmara Especial Recursal do CONAMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA NETO, Geraldo Azevedo. Princípios do Direito Ambiental e áreas protegidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2340, 27 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13922. Acesso em: 28 mar. 2024.

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