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A inconstitucionalidade do artigo 16-a da Lei Geral das Eleições

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01/12/2009 às 00:00
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RESUMO

Este trabalho examina a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 16-A da Lei n° 9.504/97, acrescentado pela Lei n° 12.034/09. O referido dispositivo subordina o aproveitamento aos partidos políticos dos votos atribuídos nas eleições do sistema proporcional a candidatos que estejam sub judice no dia da votação ao deferimento do registro do candidato. Para alcançar as conclusões, analisou-se o sistema proporcional, sua origem histórica e os seus fundamentos, passando à exposição das razões de decidir do Tribunal Superior Eleitoral na viragem da jurisprudência sobre infidelidade partidária. Em seguida, desceu-se à demonstração da intenção do legislador ao criar o dispositivo em estudo neste trabalho, fazendo-se uma análise crítica da redação impressa pelo legislador. Por fim, consideradas as premissas construídas, realizou-se ao exame da constitucionalidade da norma.

Palavras-Chave: Votos nulos. Direito eleitoral. Sistema proporcional. Lei n° 12.034/09. Artigo 16-A.


1 INTRODUÇÃO

O Brasil é uma República, do que se pressupõe um regime democrático, que no caso é representativa, considerada a impossibilidade material hodierna da democracia direta. Para a escolha dos mandatários, a Constituição da República adota dois sistemas eleitorais: o majoritário, para os cargos de chefe do Poder Executivo e de senador da República; e o proporcional, para os cargos de deputado e vereador.

A Constituição da República, em seu artigo 14, caput, prevê a universalidade do voto, com valor igual a todos. Por sua vez, no artigo 45, estabelece que os deputados federais são os "representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional", em seus respectivos estados.

Essas premissas, da universalidade isonômica do voto, e da representatividade proporcional na Câmara dos Deputados, devem pautar a investigação acerca da constitucionalidade de qualquer norma infraconstitucional que verse sobre o processo eleitoral para a escolha dos deputados e vereadores, pelo sistema eleitoral proporcional.

Estabelecido esse cenário, surge em nosso ordenamento a Lei n° 12.034, de 29 de setembro de 2009, que fez acrescer na Lei Geral das Eleições – a Lei n° 9.504/97, o artigo 16-A, a declarar nulos os votos atribuídos, nas eleições proporcionais, a candidatos inelegíveis, mas que concorreram nas eleições na condição de sub judice.

Para compreensão de seu alcance, é necessário fazer análise de seu real conteúdo, através das técnicas de hermenêutica, dentre elas a interpretação literal, a teleológica e a histórica. Com isso se pretende extrair a vontade do legislador, sem resvalar puramente na perigosa interpretação literal.

Compreendida a disposição normativa, mostrou-se necessário realizar sucinta abordagem histórica do sistema eleitoral proporcional. Debruçou-se sobre a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema, bem assim da nova leitura, por este órgão judiciário, do princípio da fidelidade partidária, a compreender os partidos políticos como os destinatários primeiros do voto, em especial no sistema proporcional.

Firmado esse alicerce, passou-se a cotejar a regra estabelecida pela norma examinada com as disposições constitucionais, para examinar a sua constitucionalidade.


2 O SISTEMA PROPORCIONAL

Foi em 1932, através do Código Eleitoral, que surgiu no Brasil o primeiro esboço de sistema proporcional, apesar de ser considerado, ainda àquela época, "um sistema misto, extremamente complexo, combinando aspectos do sistema proporcional e do sistema majoritário" (NICOLAU, 2004, p. 39). Esse sistema foi previsto na Constituição de 1934, mas deixou de ser aplicado por ocasião do Golpe de Estado de 1937, que acabou com os partidos políticos, suspendendo-se todas as eleições.

Todavia, o sistema exclusivamente proporcional, semelhante ao atualmente vigente no Brasil, surgiu apenas nas eleições de 1945, em que os "partidos (ou uma coligação entre partidos) apresentavam uma lista de candidatos em cada estado" (NICOLAU, 2004, p. 43 e 44), sendo negada a possibilidade de candidaturas avulsas, desprendidas de partidos políticos. Os eleitores passaram a votar em apenas um candidato, e se aplicava o sistema de divisão de cadeiras através do quociente eleitoral, compreendendo a votação obtida por cada partido político.

Após isso, o Brasil atravessou momentos de regime de exceção, com implantação de ditadura, incompatível com o pluralismo político. Chegou-se a vivenciar uma fase de bipartidarismo, e apesar da manutenção, em boa parte desse período, do sistema eleitoral proporcional, não era possível afirmar a melhor representatividade popular. Ainda nesse tempo, se teve o voto vinculado, quando o eleitor era obrigado a sufragar apenas candidatos do mesmo partido. Essa determinação tinha por objetivo enfraquecer os partidos políticos, principalmente aqueles menos estruturados, que ficavam impedidos de receber qualquer voto nos locais onde não possuíam órgãos municipais. Com isso, só o partido governista conseguia sobreviver fortemente.

Essa instabilidade do sistema eleitoral perdurou até o processo de redemocratização do País, que resultou na promulgação da Constituição da República de 1988, e que expressamente previu o sistema eleitoral proporcional para a escolha dos deputados.

2.2. A fundamentação

O sistema eleitoral proporcional foi instituído para garantir a máxima representação da população, na medida do possível, fazendo-se a distribuição das cadeiras no parlamento de forma a contemplar a maior parcela da população. E é assim para que, observada a proporção da representatividade, cada cidadão possa ter sua voz ecoada, pela via da democracia indireta, nas deliberações parlamentares.

Ainda no Século XIX, tecendo críticas a Rosseau, autor de Do Contrato Social, que negava a legitimidade da representação, sob o argumento de que significava um cerceamento da liberdade do representado, François Guizot fez nova leitura sobre o instituto da representação:

Quando você lhe dá seu voto, não está lhe entregando sua liberdade – por outro lado, ao recebê-lo, ele está renunciando à sua própria liberdade. O mandato que ele recebeu de você faz dele um escravo e, ao mesmo tempo, torna você livre. Nessa condição, a representação se torna legítima porque a pessoa representada não deixa de ser soberana. (GUIZOT, 2007, p. 542)

No caso, a República Federativa do Brasil consagrou não apenas a representação de uns, mas a representação popular universal, a compreender o voto com valor igual para todos, conforme preceitua o artigo 14, caput, da Constituição.

A proclamada representação popular se dá de duas formas. Quanto ao Poder Executivo, que é razoável seja exercido por um único grupo político, busca-se a representação majoritária, ou seja, alcançará o poder o grupo que reunir em torno de si a maioria dos cidadãos. Mas com relação ao Poder Legislativo, concebeu-se a necessidade de que a representação fosse feita de forma mais equânime, a contemplar proporcionalmente toda a parcela minimamente considerável da população. Daí a aplicação do sistema eleitoral proporcional.

Nessa situação, referente às eleições proporcionais, como escravizar o eleito senão pela ideologia do partido pelo qual disputou as eleições? Por isso o candidato é umbilicalmente vinculado à agremiação partidária através da qual pôde disputar o pleito. E se é assim, certo é que o eleitor vota no partido, ou em sua bandeira ideológica, tendo o direito de escolher, querendo, qual o melhor quadro do partido que executará a missão de representá-los – o eleitor e o partido.

Leia-se a doutrina de Walter Costa Porto sobre o sistema eleitoral proporcional:

Esse é um dos mais complexos problemas trazidos pela representação proporcional; ao procurar uma relação entre a força dos diferentes partidos, o sistema fixa, inicialmente, um quociente, retirado da divisão do número de eleitores pelo de postos a preencher. Definido esse quociente, os partidos terão tantos representantes quantas vezes atinjam tal número. (PORTO, 1989, p. 207)

É inquestionável que todo o sistema eleitoral proporcional funcione a distribuir entre os partidos as vagas no parlamento (a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas e as câmaras municipais). A problemática enfrentada nesse sistema não é a relação eleitor e candidato, posto que o vínculo direto seria entre o eleitor e o partido. A grande questão a ser resolvida é qual a melhor formula de distribuição das vagas entre os partidos [01].

Voltando ao ponto nodal deste trabalho, o ministro aposentado Carlos Veloso defende em sua obra essa vinculação do candidato com o partido, afirmando que o mandato ideologicamente pertence ao último:

O mandato eletivo não pertence ao candidato eleito porque ele não é detentor de parcela da soberania popular, podendo transformá-la em propriedade sua. O poder que advém do povo não pode ser apropriado de forma privatística. O candidato foi eleito para honrar determinado programa partidário, perdendo esse múnus quando se afasta do compromisso assumido. (VELOSO, 2009, p. 90)

Também Gilmar Ferreira Mendes reconhece a titularidade da votação aos partidos políticos, porque "embora haja participação especial do candidato na obtenção de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que a eleição proporcional se realiza em razão da votação atribuída à legenda" (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 822).

A obra de Carlos Eduardo de Oliveira Lula, ao abordar o sistema eleitoral proporcional, afirmado que este busca "espelhar no Legislativo as diferentes preferências e opiniões existentes na sociedade". Assim, teríamos "uma eqüidade entre os votos recebidos por determinado partido ou coligação e o número de cadeiras que ele ocuparia no Parlamento", de forma a "representar as distintas ideologias sociais" (LULA, 2008, p. 179).

Jairo Nicolau foi preciso ao tecer comentários acerca do sistema eleitoral proporcional, sustentando que em nosso sistema "primeiro importa saber quanto votos obteve o partido, e só depois saber dos votos recebidos pelos candidatos" (apud PORTO, 2004, p. 176).

Por fim, José Afonso da Silva faz uma abordagem contextual do sistema eleitoral proporcional:

[...] Pode surgir a indagação quanto saber se "sistema proporcional é a mesma coisa que "sistema de representação proporcional". Achamos que sim, até porque a Constituição menciona a representação proporcional em relação à representação partidária em outro dispositivo (art. 58, §§ 1° e 4°) [...].

Por ele [sistema proporcional] pretende-se que a representação, em determinado território (circunscrição), se distribua em proporção às correntes ideológicas ou de interesse integradas nos partidos políticos concorrentes (SILVA, 2006, p. 389).

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A doutrina de José Afonso da Silva, antes mesmo da viragem jurisprudencial acerca da fidelidade partidária [02], já defendia que o voto nas eleições de deputados e senadores serve para distribuir proporcionalmente as cadeiras às ideologias políticas dos partidos. É dizer, pretende o texto constitucional estabelecer que o voto é dado às bandeiras dos partidos, e não exatamente aos candidatos, individualmente considerados.

E tanto é assim que no artigo 58, §§1° e 4°, da Constituição da República de 1988, tratou-se de garantir no parlamento a distribuição de cargos na mesa diretora e nas comissões proporcionalmente às bancadas de cada partido. Ou seja, a Constituição estabelece claramente que o partido é quem recebe os votos nas eleições [03], reconhecendo isso na hora de contemplá-los, e não os candidatos mais bem votados, na distribuição das vagas nas comissões e nas mesas diretoras.

É exatamente o que se afirma neste trabalho. O mandato é do partido, ou mais precisamente, da ideologia do partido. É nele, ou especialmente em sua ideologia, que o eleitor vota em primeiro lugar.

2.3 A decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre a infidelidade partidária

Por tempos vigorou no Brasil, com assento constitucional, a previsão de perda do mandato dos congressistas por infidelidade partidária. Essa situação perdurou até 1985, com a Emenda Constitucional n° 25/85, que afastou a possibilidade de perda do mandato do infiel. E tinha uma razão histórica: o País passava por uma transição de um regime autoritário para um regime democrático. Era necessário permitir que os mandatários se realinhassem diante do novo contexto político. Causar obstáculos à desfiliação, através da previsão de grave sanção, poderia dificultar a transição para a democracia.

Mas a Assembleia Nacional Constituinte não caminhou bem ao rejeitar a tentativa de ressuscitar a sanção de perda de mandato ao infiel com o seu partido. Assim, o atual texto constitucional não trouxe previsão expressa de perda do mandato do infiel, apesar da previsão da fidelidade partidária como princípio (artigo 17,§1°, na redação originária, e na redação atual, após a Emenda Constitucional n° 52/06). O Supremo Tribunal Federal foi provocado em um primeiro momento, mas se recusou a reconhecer como juridicamente possível a cassação do mandatário infiel [04].

Somente anos depois, consolidada a sua jurisprudência de vinte anos, houve evolução do entendimento para, apesar de julgamento denegatório de uma segurança impetrada, se reconhecer o acerto do Tribunal Superior Eleitoral em afirmar a possibilidade de cassação do parlamentar infiel [05].

Poder-se-ia questionar o motivo por que o Supremo Tribunal Federal reviu o seu posicionamento. O certo é que o fez em boa hora. E esse pode ser um daqueles casos em que há uma inconstitucionalização de alguma norma ou interpretação, ou a constitucionalização destes. O fenômeno é classificado por Ives Gandra Martins e Gilmar Ferreira Mendes como "lei ainda constitucional" (e também vice-versa, e com relação a alguma interpretação), quando se tem a flexibilização na leitura constitucional para "reconhecer um estado insuficiente para justificar a declaração de ilegitimidade da lei ou bastante para justificar a sua aplicação provisória" (MARTINS; MENDES, 2005, p. 505).

Talvez ao tempo do primeiro julgamento o Supremo Tribunal Federal, ainda em 1989, logo após a promulgação do texto constitucional, não se estivesse diante de casos tão flagrantes de desrespeito ao princípio da fidelidade partidária. Rememore-se o momento histórico ali vivido, em que a perda de mandato dos infiéis poderia atrapalhar o processo de redemocratização do País. Mas seguiram-se os anos, e o Supremo se depara com casos em que o eleito chegou a mudar três vezes de partido apenas nos dias que mediaram a votação e a sua diplomação. Esse processo serviu para constitucionalizar a interpretação de perda do mandato por ato de infidelidade partidária, outrora recusada. Certamente, porém, a discussão do tema serviu para que o Poder Judiciário analisasse o sistema eleitoral proporcional à luz do texto constitucional.

Mas por que a questão da perda de mandato por infidelidade partidária interessa à investigação da constitucionalidade do parágrafo único, do artigo 16-A? Exatamente porque, quando de sua discussão, tanto no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, quanto no Supremo Tribunal Federal, houve a revisitação do sistema eleitoral proporcional, com assento constitucional. Da decisão, além de outros fundamentos já externados acima, outro se agrega fortemente:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (Presidente): Se Vossa Excelência me permite, quero apenas ressaltar mais um aspecto a revelar a existência da fidelidade, considerada a vontade do eleitor, do povo brasileiro, e que se verifica quanto à urna eletrônica.

O que surge no painel da urna quando digitado certo número? Deverá ser digitado o número que corresponda – e temos os dois primeiros algarismos – à legenda do partido, acrescido de algarismos à direita, pertinentes ao candidato. É isso o que está previsto, com todas as letras, no artigo 59 da Lei n° 9.504/97, e na com [sic] resolução desta Corte, retratando o que está na norma primária, a Resolução n° 22.156/2006. E havendo necessidade de utilização do sistema pretérito, da cédula, a própria lei também revela que se terá o lançamento do número do candidato que é composto – reafirmo, aparecendo a fotografia do candidato na urna eletrônica do número da legenda e do próprio candidato, alfim do número do registro (BRASIL, CTA 1398, 2007, p. 39).

Essa leitura sistemática feita pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, confirma a tese sustentada neste trabalho, segundo a qual a eleição pelo sistema proporcional é dividida em duas etapas: escolhe-se primeiro o partido; em seguida, dentre os candidatos do partido, se dá preferência a algum. O voto contém em si dupla manifestação da vontade do eleitor, de escolher a bandeira ideológica partidária, e de quem irá sustentá-la – sendo esta última facultativa.

E apesar desse argumento ter sido proferido quando já caminhava para o encerramento do julgamento, no Tribunal Superior Eleitoral, é ele o reflexo do posicionamento judicial sobre o tema. Nas eleições proporcionais, o eleitor vota primeiro no partido, e essa é a manifestação de voto mais importante, e só depois em algum candidato daquela legenda.


3 O ARTIGO 16-A, DA LEI N° 9.504/97, ACRESCIDO PELA LEI N° 12.034/09

A intenção primeira do legislador na edição da Lei n° 12.034/09 foi certamente a de positivar entendimentos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, engessando a possibilidade de alteração jurídica das regras pelo Poder Judiciário. Essa conclusão é facilmente retirada da leitura da exposição de motivos do projeto de lei inicial, quando afirma que "[r]estaram, contudo, pontos pouco ou mal regulamentados, abrindo espaço para que a Justiça Eleitoral criasse regras por meio de Resoluções" (BRASIL. PL n° 5498, 2009)

Não apenas essa foi a intenção legislativa, mas também regulamentar as novas mídias para a propaganda eleitoral pela internet.

A exposição de motivos do projeto de lei também revela a preocupação do legislador de impor limites à Justiça Eleitoral, no sentido de obter uma maior segurança jurídica. Por isso optou por tornar o texto ainda mais analítico, preenchendo eventuais lacunas. Também aproveitou o legislador para refutar, pela via legislativa, alguns pontos sedimentados na jurisprudência, como a ausência de quitação eleitoral do candidato cujas contas tenham sido rejeitadas, durante todo o curso do mandato que disputou.

Foi calcado na primeira premissa que nasceu o artigo 16-A, agora acrescido à Lei n° 9.504/97. Simplesmente, sem maiores discussões, o legislador apenas transforma em lei a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que jamais discutiu a constitucionalidade do artigo 175, §4°, do Código Eleitoral, e declarava nulos os votos dos candidatos nas eleições proporcionais que, na data da votação, estavam com o registro de candidatura indeferido, mesmo que por decisão pendente recurso.

3.2 As interpretações possíveis do artigo 16-A, da Lei n° 9.504/97

Apesar da intenção do legislador de apenas positivar o entendimento remansoso da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o dispositivo foi mal redigido, permitindo outra interpretação. Leia-se a redação:

Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Parágrafo único. O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato.

Percebe-se que o artigo 16-A, tanto no caput como no parágrafo único, apenas se refere a candidato "cujo registro esteja sub judice". Fica patente que a intenção, como demonstrado acima, seria apenas positivar o entendimento jurisprudencial. O que viria a ser registro sub judice? O termo, em latim, significa sob julgamento ou pendente de apreciação. É comum o seu uso para afirmar algo que é impugnado judicialmente, até que venha a ser apreciada a questão de forma definitiva.

A interpretação literal, portanto, apontaria a aplicação do dispositivo para qualquer candidato que ainda não tivesse no dia da votação o seu pedido de registro resolvido definitivamente pela Justiça Eleitoral, desinteressando estar ele na situação de deferido com recurso ou indeferido com recurso. Assim, sempre que houvesse, a qualquer tempo, uma decisão de indeferimento de registro de candidatura nas eleições proporcionais, os votos seriam nulos.

Entretanto, apesar da literalidade, percebe-se que a intenção do legislador era outra, referindo-se o dispositivo apenas aos candidatos que estivessem no dia da votação com o registro indeferido, pendente de recurso. Somente nessa situação se cogitaria da nulidade da votação, caso não se obtivesse posterior decisão de deferimento da candidatura. Aliás, essa nulidade seria proclamada, podendo ser revista quando da reforma da decisão que indeferira o registro, para a validação dos votos. É dizer, se no dia da votação o candidato está com o registro indeferido, nulos são os votos a ele atribuídos. Mas se ele reformar a decisão que negara a sua candidatura os votos serão validados para todos os efeitos, para o próprio candidato, e para a sua coligação ou partido, resvalando no recálculo do quociente eleitoral e na distribuição das vagas entre as agremiações.

Um problema ainda maior, registrado como obiter dictum, porque não afeta diretamente o ponto de investigação deste trabalho, é a redação do caput do artigo 16-A, que repercute no seu parágrafo único. Por esse dispositivo, a validade dos votos ficaria condicionada "ao deferimento de seu registro por instância superior", que pressuporia se tratar do Tribunal Superior Eleitoral. Fica patente, reitere-se, que essa problemática só existe caso se faça a interpretação literal do termo sub judice, desprezando a real intenção do legislador, que seria de tê-lo como o candidato com registro indeferido no dia da votação, mas por decisão ainda sujeita a recurso. De outro lado, caso se compreenda como candidato sub judice somente aquele que no dia da votação ostente a condição de indeferido com recurso, pode-se ter a "instância superior" como sinônimo de ad quem, bastando que o registro seja deferido para a validação dos votos.

Apesar da deficiência na técnica legislativa, compreendem-se os dois dispositivos, tanto a previsão contida no caput, como em seu parágrafo único, como referir-se apenas aos candidatos que, no dia da votação, estejam com o registro indeferido.

É relevante a leitura de precedente do Tribunal Superior Eleitoral, do ano de 2002, que apesar de tratar de eleições majoritárias, trouxe um tópico específico sobre as eleições proporcionais, explicitando a problemática quanto ao aproveitamento para o partido ou coligação da votação obtida por candidato inelegível nas eleições proporcionais:

[...] A incidência da ressalva do art. 175, § 4º - cujo âmbito próprio são as eleições proporcionais -, pressupõe que, na data do pleito, o nome votado seja titular da condição jurídica de candidato, posto que provisória: bem por isso, pressupõe a regra que seja posterior ao pleito "a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro" e preceitua que, então, "os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro": não, sublinhe-se, para a agremiação que o houver requerido sem êxito, no estado em que se encontra o processo no dia da votação [...] (BRASIL, MS 3100, 2002).

Assim, nas eleições proporcionais, todos os votos atribuídos a candidatos com registro deferido no dia da votação, independente da decisão ainda ser recorrível, serão válidos, quer para serem contados nominalmente aos candidatos enquanto estiverem com registro deferido, quer contados para a sua legenda, caso venha a ser indeferido o registro em momento posterior.

O legislador pretendeu, certamente, alcançar com a nulidade apenas a votação obtida por candidato que, no dia da votação, esteja com o registro sub judice, ainda que pendente de recurso.

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Sobre o autor
Rodrigo Pires Ferreira Lago

advogado em São Luís (MA) e Brasília (DF), pós-graduando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público - IDP, em Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGO, Rodrigo Pires Ferreira. A inconstitucionalidade do artigo 16-a da Lei Geral das Eleições. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2344, 1 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13939. Acesso em: 21 nov. 2024.

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