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Acumulação remunerada de cargos e empregos públicos na jurisprudência brasileira

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12/12/2009 às 00:00
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7. DOIS CARGOS OU EMPREGOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE COM PROFISSÃO REGULAMENTADA

A alínea "c" do inciso XVI autoriza a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Anteriormente à Emenda Constitucional nº 34, a permissão constitucional se restringia a cargos privativos de médicos, não admitindo o Supremo Tribunal Federal sua extensão a outros profissionais de saúde [23].

Para adequada aplicação da regra constitucional, deve-se extrair o correto entendimento do que venha a ser cargos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

Inicialmente, faz-se necessário diferenciar profissionais de saúde de profissionais da área de saúde. Estes são todos aqueles que trabalham onde o serviço de saúde é prestado, logo, incluindo os servidores de áreas administrativas. Já aqueles restringem-se aos profissionais que prestam a atividade de saúde propriamente dita.

Para melhor compreensão, cita-se a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:

Note-se que, porém, que o novo mandamento se referiu a profissionais de saúde, ou seja, àqueles profissionais que exercem atividades técnica diretamente ligada ao serviço de saúde, como médicos, odontólogos, enfermeiros, etc. Entretanto, se o cargo é de direção ou de assessoria e apenas profissionais de saúde podem provê-lo, será viável a cumulação; é que, embora de natureza administrativa, tem o cargo o caráter de privatividade, o que é previsto na norma [24].

Pelo exposto, sendo ambos os cargos privativos de profissionais de saúde e havendo compatibilidade entre eles, será possível a cumulação. Entretanto, o conceito de profissionais de saúde não pode ser ampliado, entrando em choque com o texto constitucional, como se deu no caso abaixo:

EMENTA Acumulação de cargos. Médico e perito criminal na especialidade de médico veterinário. Art. 37, XVI, "c", da Constituição Federal. 1. O art. 37, XVI, "c", da Constituição Federal autoriza a acumulação de dois cargos de médico, não sendo compatível interpretação ampliativa para abrigar no conceito o cargo de perita criminal com especialidade em medicina veterinária, como ocorre neste mandado de segurança. A especialidade médica não pode ser confundida sequer com a especialidade veterinária. Cada qual guarda característica própria que as separam para efeito da acumulação vedada pela Constituição da República. 2. Recurso extraordinário conhecido e provido.

(RE 248248, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 02/09/2008, DJe-216 DIVULG 13-11-2008 PUBLIC 14-11-2008 EMENT VOL-02341-05 PP-00784 RDECTRAB v. 15, n. 173, 2008, p. 73-76)

No que se refere à limitação de horário, esse não pode ser fundamento para impedir a acumulação. Havendo compatibilidade de horário, não se pode alegar excesso de jornada, sob pena de restringir a aplicação da norma constitucional. A Constituição não fez tal restrição, não podendo o intérprete fazer.

Dessa forma decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. INEXISTÊNCIA. EXEGESE DO ART. 37, XVI, DA CF/88 E ART. 118, § 2º, DA LEI 8.112/90. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Comprovada a compatibilidade de horários e estando os cargos dentro do rol taxativo previsto na Constituição Federal, não há falar em ilegalidade na acumulação, sob pena de se criar um novo requisito para a concessão da acumulação de cargos públicos. Exegese dos arts. 37, XVI, da CF e 118, § 2º, da Lei 8.112/90.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 1007619/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 03/06/2008, DJe 25/08/2008)

Mas a compatibilidade de horário deve ser comprovada, sendo ônus do servidor e não da Administração. Eventual mudança de horário no interesse da Administração que impeça a acumulação não pode ser obstaculizada sob fundamento de direito adquirido. O interesse público virá à frente do interesse particular, devendo o particular se adequar às necessidades públicas. Por fim, há entendimento pacífico de que não há direito adquirido a regime jurídico.


8. MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Os Membros do Ministério Público, diante da relevância de suas funções e como forma de manter a isenção necessária para o desempenho de suas atribuições, possuem regra própria no que se refere a acumulação de cargos públicos:

Art. 128. O Ministério Público abrange:

§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros

II - as seguintes vedações:

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

Essa regra nada mais é que praticamente a mesma prevista no art. 37, inciso XVI, alínea "b", pois não há dúvida de se tratar a função ministerial de cargo técnico. A diferença entre as regras está no "ainda que em disponibilidade". Os membros do Ministério Público, assim como os Magistrados, como se verá abaixo, nem mesmo quando estão em disponibilidade, podem exercer outra atividade pública remunerada, que não uma de magistério.

Sobre o tema, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 3, de 16 de dezembro de 2005, que vedou aos Membros do Ministério Público o desempenho de atividade de magistério, público ou privado, por período superior a 20 (vinte) horas semanais.

Art. 1º. Ao membro dos Ministérios Públicos da União e dos Estados, ainda que em disponibilidade, é defeso o exercício de outro cargo ou função pública, ressalvado o de magistério, público ou particular, por, no máximo, 20 (vinte) horas-aula semanais, consideradas como tais as efetivamente prestadas em sala de aula.

Parágrafo único. O exercício de cargos ou funções de coordenação será considerado dentro do limite fixado no caput deste artigo.

Ressalvam-se apenas as atividades de magistério desempenhadas dentro do próprio Ministério Público e cursos de associação de classe ou fundações vinculadas, devendo o Membro, em qualquer caso, comunicar suas atividades ao Corregedor da Instituição.

Poder-se-ia defender a inconstitucionalidade da norma, por criar limitação não prevista na Constituição. Não imagino ser o caso, visto que, a resolução apenas visa disciplinar de maneira geral a regra constitucional, visto que, o exercício de carga horária de magistério acima de 20 (vinte) horas prejudicaria o bom desempenho das funções ministeriais.

Por fim, a resolução veda o exercício de cargo ou função de direção nas entidades de ensino, por não se confundir com exercício de magistério.


9. MAGISTRADOS

Assim como no caso dos Membros do Ministério Público, os magistrados possuem regra específica. Os motivos são semelhantes e decorrem da importância e natureza peculiar de suas atividades. A regra está prevista no art. 95 da Constituição Federal:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

Parágrafo único. Aos juízes é vedado

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

Literalmente, existe apenas uma pequena diferença para Membros do Ministério Público e Magistrados. Enquanto para aqueles a norma especifica "outra função pública", para estes a Constituição fala "outro cargo ou função".

Para parte da doutrina, a regra dos Magistrados seria mais restritiva, como se posiciona Maria Sylva Zanella di Pietro:

A norma é mais restritiva para o juiz do que para o promotor público; o primeiro, além das funções do seu cargo, só pode exercer uma função de Magistério, seja pública ou privada; o Promotor Público pode exercer outra função pública de magistério, nenhuma restrição havendo quanto ao magistério particular [25].

Já para José dos Santos Carvalho Filho, as duas regras devem ser interpretadas da mesma maneira:

Diferentemente do art. 95, parág. Único, I, da CF, aplicável aos magistrados, o dispositivo em tela deixa claro que a restrição a uma função de magistério se refere ao exercício de função pública (daí a expressão "qualquer outra função pública"). Idêntica, pois, deve ser a interpretação para os magistrados, apesar da incompletude de seu texto [26].

Correto o segundo autor. Não foi intenção do constituinte originário criar uma distinção injusta e incoerente entre Magistrados e Membros do Ministério Público; pelo contrário, a intenção foi sempre aproximar os dois regimes jurídicos. Logo, a regra deve ser entendida como limitação a apenas um cargo público de magistério, sendo possível, em tese, o exercício de outro cargo de magistério privado.

Entretanto, a primeira tese foi seguida pelo Conselho de Justiça Federal, por meio da Resolução nº 336, de 16 de outubro de 2003, com a seguinte redação:

Art. 1º Ao magistrado da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, ainda que em disponibilidade, é defeso o exercício de outro cargo ou função, ressalvado(a) um(a) único(a) de magistério, público ou particular.

Contra essa Resolução foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade pela Associação dos Juizes Federais. Essa ação até hoje não teve seu mérito julgado, mas em sede liminar, o então Ministro Nelson Jobim suspendeu a eficácia da restrição, adotando a tese aqui defendida e compartilhada com José dos Santos Carvalho Filho.

No julgamento, apesar de monocrático, ficou expresso que a vedação dos magistrados se limita a cargos de magistério público, podendo exercer quantos cargos de magistério privado, desde que, é claro, haja compatibilidade de horário. A liminar foi referendada pelo pleno nos seguintes termos:

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a Resolução no 336, de 2.003, do Presidente do Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre o acúmulo do exercício da magistratura com o exercício do magistério, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus. 2. Alegação no sentido de que a matéria em análise já encontra tratamento na Constituição Federal (art. 95, parágrafo único, I), e caso comportasse regulamentação, esta deveria vir sob a forma de lei complementar, no próprio Estatuto da Magistratura. 3. Suposta incompetência do Conselho da Justiça Federal para editar o referido ato, porquanto fora de suas atribuições definidas no art. 105, parágrafo único, da Carta Magna. 4. Considerou-se, no caso, que o objetivo da restrição constitucional é o de impedir o exercício da atividade de magistério que se revele incompatível com os afazeres da magistratura. Necessidade de se avaliar, no caso concreto, se a atividade de magistério inviabiliza o ofício judicante. 5. Referendada a liminar, nos termos em que foi concedida pelo Ministro em exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, tão-somente para suspender a vigência da expressão "único (a)", constante da redação do art. 1o da Resolução no 336/2003, do Conselho de Justiça Federal

(ADI 3126 MC, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2005, DJ 06-05-2005 PP-00006 EMENT VOL-02190-01 PP-00186 RTJ VOL-00193-03 PP-00888)

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10. MINISTROS DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E CONSELHEIROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS

Com relação aos Ministros do Tribunal de Contas da União, a Constituição Federal lhes atribuiu as mesmas garantias, prorrogativas e vedações dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

§ 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40.

Logo, quanto a eles, não há dúvida de que se aplicam as exatas disposições referentes à Magistratura, acima exposta.

Já com relação aos Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios, a única conclusão possível é que, assim como acontece com os Ministros do Tribunal de Contas da União, os Conselheiros se sujeitam às mesmas regras dos Magistrados.

Essa conclusão se extrai da clareza do art. 75 da Constituição, que determina que sejam aplicadas as regras do Tribunal de Contas da União aos Tribunais dos Estados e Distrito Federal e Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios:

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais ou dos Municípios, assim como Ministros do Tribunal de Contas, podem acumular suas funções apenas com outra de Magistério público.


11. ACUMULAÇÃO COM FUNÇÕES EM CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO E FISCAL DE EMPRESAS CONTROLADAS PELA UNIÃO

A Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispõe:

Art. 117. Ao servidor é proibido:

X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;

Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica nos seguintes casos:

I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros;

Da simples leitura do dispositivo acima, percebe-se que extrapolou sua função regulamentadora, e ampliou o rol taxativo de exceções à vedação de acumulação de cargos ou empregos públicos. Não poderia a Lei dispor de forma contrária à Constituição, prevendo novas hipóteses de acumulação de cargos.

Essa posição é defendida por Lucas Rocha Furtado:

Constitui tarefa extremamente árdua definir a natureza da participação de agente público em conselho de administração e fiscal de empresa. Não se sabe, ao certo, se essa atividade se trata de cargo, de emprego ou de função pública. Independentemente dessa definição, o desempenho de referida atividade tem que necessariamente ser compreendido em uma dessas três categorias – ainda que não seja possível precisar em qual delas. Sendo a participação do membro em conselho de administração ou em conselho fiscal de empresa controlada pela União remunerada, aplica-se a regra prevista no art. 37, XVII, do texto constitucional que estende a vedação de acumulação a cargos, empregos e funções em "autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público [27]".

Evidente a inconstitucionalidade do dispositivo. Apesar do exposto, não foi a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal em sua única manifestação quanto ao tema:

EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Arts. 2º e 5º, da Lei nº 9.292, de 12.7.1996. O primeiro introduz parágrafo único no art. 119 da Lei nº 8.112/1990 e o segundo revoga a Lei nº 7.733, de 14.2.1989, e demais dispositivos em contrário. Exclui do disposto no art. 119 da Lei n 8.112/1990 a remuneração devida pela participação em conselhos de administração e fiscal de empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e contratadas, bem como quaisquer atividades sob controle direto ou indireto da União. 3. Alega-se vulneração ao art. 37, XVI e XVII, da Constituição, quanto à acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas. 4. Não se cuida do exercício de cargos em comissão ou de funções gratificadas, stricto sensu, especialmente porque se cogita, aí, de pessoas jurídicas de direito privado. 5. Não se configura, no caso, acumulação de cargos vedada pelo art. 37, XVI, da Lei Maior. 6. Não caracterização do pressuposto da relevância jurídica do pedido. 7. Medida cautelar indeferida. Origem: STF - Supremo Tribunal Federal Classe: ADI-MC - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Processo: 1485 UF: DF - DISTRITO FEDERAL

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Sobre o autor
Celso Costa Lima Verde Leal

Procurador da República. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Público pela UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Celso Costa Lima Verde. Acumulação remunerada de cargos e empregos públicos na jurisprudência brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2355, 12 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13966. Acesso em: 19 abr. 2024.

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