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Quando pode não ser recomendável atender à recomendação do Ministério Público

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07/12/2009 às 00:00
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O presente texto avalia caso concreto ocorrido na Comarca de Teresópolis. O Juízo da Infância, da Juventude e do Idoso buscou atores do Sistema de Garantias previsto pelo ECA para um acordo que solvesse algumas das inúmeras lacunas operacionais existentes. A iniciativa esbarrou em Recomendação do Ministério Público em sentido contrário ao diálogo proposto. Por tal razão, analisar-se-á o papel do Juízo no caso, bem como o instituto da Recomendação, seus usos, possíveis abusos e seus objetivos.


O NOVO MINISTÉRIO PÚBLICO

Poucos questionam o avanço positivo que significou o status concedido pelo Constituinte, na Carta de 1988, ao Ministério Público. Alçado foi a uma função central e estratégica na defesa do Estado Democrático de Direito e da legalidade, com encargos e prerrogativas essenciais à garantia dos direitos políticos e sociais da cidadania.

Num processo civilizatório que reputo inconcluso, em constante ebulição, numa sociedade com valores ainda em disputa, num país que ainda adolesce sua experiência democrática, faz bem ao crescimento da sadia consciência de brasilidade que se multiplique a legitimidade fiscalizadora, com instituições credenciadas a apontar caminhos e fustigar os desencaminhados da legalidade ao trilho desejado pela nação.

Assim age o Ministério Público. Recebeu, para a sua missão de defesa dos interesses coletivos, e mesmo dos individuais quando de repercussão geral, importantes ferramentas e mecanismos. Além da Ação Civil Pública, é-lhe facultado o estabelecimento do Inquérito Civil, o impulso à correção de posturas político-gerenciais à margem da legalidade ou da razoabilidade, por intermédio do TAC-Termo de Ajustamento de Conduta, podendo valer-se do poder de ‘oficiar’, ‘requisitar’, ‘notificar’ e, por último, mas com verdadeira importância para o presente estudo - apreciada mais à frente -, ‘recomendar’.

Com este arsenal, Promotores de Justiça, país afora, têm se arremetido corajosamente a enfrentamentos que permitem lançar luzes sobre certas poeiras sórdidas ocultas sob tapetes de conivência, obrigando a varreduras indispensáveis. Têm sido empreendedores, precursores de inovações essenciais ao aperfeiçoamento institucional. Exemplo disso é o Módulo Criança e Adolescente, gestado no Ministério Público do Rio de Janeiro e alçado a modelo para o país.

Tamanha capacidade de ação tem provocado um debate ainda inconcluso na doutrina pátria. Muitos entendem que o Ministério Público foi situado em condição de verdadeiro "Quarto Poder". Para outros, o caso é, tão somente, de ampliação dos controles democráticos, fortalecimento do sistema de freios e contrapesos essencial ao equilíbrio institucional. Para isso, a absoluta autonomia para aquele órgão, sem qualquer subordinação hierárquica ao Poder Executivo, embora neste inserido, do ponto de vista organizacional-orçamentário.

Constitucionalistas como Hugo Nigro Mazzilli e Clèmerson Cléve, entendem que a confusão teria se evitado, caso o Constituinte tivesse esclarecido a posição do parquet, ao lado dos órgãos de fiscalização, controle e cooperação nas atividades governamentais, como seria o caso dos Tribunais de Contas. [01]

A discussão permanece aberta. Políticos se queixam de excessos. Não faz muito tempo, quando da assim chamada "febre dos grampos", o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, além de criticar ações da Polícia Federal, atribuiu à desenvoltura dos Promotores de Justiça alguns dos abusos que mencionou.

Renato Janine Ribeiro, filósofo e professor da USP, chegou a utilizar o neologismo "emepeização" da política, análogo à "judicialização", expressão já consagrada na avaliação crítica do atual estado de coisas na administração pública nacional, em que cabe ao Poder Judiciário, cada vez mais, a imposição, por sentença, de obrigações do Administrador Público.

Há aparentes exageros. Um dos casos mais conhecidos é o da recente atividade do Ministério Público Federal, visando a proibir a venda dos refrigerantes "H2OH!" e "Aquarius" porque, de acordo com notícia publicada no sítio G1, "os dois produtos possuem nomes que remetem à água, o que poderia confundir o consumidor".

Há também polêmicas, como a da Recomendação 15/2009, em que Procuradores da Bahia, tanto do Ministério Público Federal quando do Estadual, recomendaram ao Banco do Brasil o não financiamento de empreendimentos que comprometeriam o meio-ambiente. Não entro no mérito deste caso que conheço pouco, e que tem motivações certamente nobres. Apenas registro minha estranheza quando vi que a recomendação dizia necessário não somente vedar novos empréstimos, mas suspender ou cancelar financiamentos já existentes, ou seja, induzia o agente financeiro à quebra de contratos já firmados. [02]

O Procurador da República, Celso Antônio Três, em recente reportagem da Folha de São Paulo, além de reiterar crítica a supostos abusos nos grampos, afirmou faltar controle da atividade do Ministério Público, embora tenha feito a assertiva mirando mais o "inoperante" e o "engavetador" do que o que em aparente excesso labora. [03]

O problema, como sempre, é que as instituições, em verdade, por impessoais que devam ser, sempre são pessoas, ao fim das contas. São humanas, as instituições. Como barcos, dependem de quem lhes dirija o leme, apontando a quilha com maior ou menor afoiteza. Capitães imaturos podem atropelar canoas, na busca de manter corretos caminhos visando ao porto ansiado. Às vezes, atropelam os próprios portos.

É que toda autoridade excessiva acaba violando o princípio democrático. Com o Ministério Público não seria diferente. Mesmo que em exceção, são conhecidos os casos de Promotores que se posicionaram como vingadores da sociedade, eles próprios sobrevoando rasantemente a fronteira da legalidade, imaginando melhor defendê-la. Daí, atitudes irrefletidas, abusos e injustiças.


TODOS OS HUMANOS SE EQUIVOCAM

O nó da questão é que, da mesma forma que há juízes acometidos dessa doença de inchaço do ego chamada juizite, tão conhecida dos operadores e partes que sofrem suas conseqüências nos foros do dia a dia, promotores há que, humanos como juízes, padecem de promotorite, essa suposição de onipotência que confunde estilingue com fuzil. Ou, pior, ciente da potência do fuzil, tropeça na hora de saber quando usá-lo, como o soldado de fronteira atirando em tempos de paz, quando ainda não se esgotou a diplomacia e, por isso, precipitando a guerra.

É certo que guardiões de tesouros (como o são democracia e Estado de Direito) não podem ser débeis, precisam manter possíveis assaltos à distância, e isso não se faz com borlas de lã ou chumaços de algodão. Há que ser duro. Mas o Che, que combateu mais e melhor, ensinou: sem jamais perder a ternura, companheiro!

E aqui, chego a alguns pontos que me angustiam.

Com todas as vênias máximas e épicas que uma crítica desta monta demanda, principalmente vinda de um efetivamente despreparado serventuário de Justiça - a quem alguns acusaram já de "serventuarite", por meter o bedelho onde supostamente não é chamado, esquecendo-se de que a única credencial para a defesa de direitos e a sustentação de posições numa democracia é a simples condição de cidadania – direi: Temos, em Teresópolis, uma questão gritante, em que a atuação do Ministério Público tem se mostrado a meu ver equivocada (e sem ternura, tudo indica) . Trata-se de uma querela já longa sobre o papel e a competência de cada segmento voltado à proteção infantojuvenil.


O PAPEL DE CADA UM

O Sistema de Garantias dos Direitos da Infância e da Juventude foi constituído pelo legislador especial como um complexo de mecanismos e instituições que se auxiliam, se fiscalizam, se complementam e, em muitos casos, dividem competências.

Não existe um elemento que prepondera, hierarquicamente, sobre os demais. No dizer da Lei nº 8.069/90, Conselho Tutelar, Ministério Público, Juiz da Infância e da Juventude, são todos "autoridades". Conforme a tarefa a que se dedique, são "autoridades" também, conforme entendimento amplo revelado pela Promotora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Drª. Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos, o "(...) médico, professor ou o responsável por estabelecimento de atenção à saúde ou educação (...)". [04]

O que existe, na verdade, são competências e funções. Estas, muitas vezes, como dissemos, são complementares ou mesmo concorrentes. Por isso é imperativo que tais agentes dialoguem, debatam, construam agenda comum, planejem e realizem ações conjuntas, evitando sobreposições, conflitos e retrabalho.

Exemplo disso é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 9.294/96), que determina a necessidade da comunicação de absenteísmo elevado e evasão escolar, não mais somente ao Conselho Tutelar, como previa o art. 56 do ECA, mas também ao Promotor de Justiça e ao Juiz da Infância e da Juventude. [05]

O mesmo se dá no caso do art. 245 do ECA, que tipifica como infração administrativa do professor, do médico, ou do responsável pelos estabelecimentos em que atuem, a não comunicação da ocorrência ou da suspeita de maus-tratos contra a criança ou adolescente. A melhor hermenêutica do artigo não admite a exclusividade do destinatário da comunicação, embora o artigo 13 mencione, especificamente, o Conselho Tutelar, como também o faz o artigo 56. Essa exclusividade seria incoerente com o artigo 70 da Lei, que afirma o dever geral de prevenção contra ameaça ou violação de direitos infantojuvenis. Mais do que isso, ouso dizer, seria inconstitucional, eis que feriria a diretriz da proteção integral, e o princípio da prioridade absoluta.

Ora, se não há exclusividade, interação e harmonia devem existir. É o que orienta, por exemplo, o ilustrado Promotor de Justiça paranaense Dr. Murillo José Digiácomo. Primeiro ele realça que

a instalação do Conselho Tutelar, não impede a intervenção da autoridade judiciária em determinados casos, de maior gravidade e/ou complexidade, estabelecendo-se uma espécie de ‘competência concorrente’ entre o Juízo da Infância e Juventude e o CT – que devem agir de forma articulada de modo a evitar decisões conflitantes’. [06]

Daí, o lúcido chamamento à ação articulada é coroado pelo mesmo autor, desta forma: [07]

Ao arremate resta apenas dizer que a atuação dos órgãos acima relacionados (notadamente o Conselho Tutelar, Juiz da Infância e da Juventude, e "agentes de proteção"), pode ser complementada por outros órgãos e entidades existentes no município, sendo que para evitar lacunas, antagonismos e paralelismos, todos devem se reunir periodicamente a fim de avaliar a sistemática de atendimento adotada, aprimorando-a cada vez mais, sendo certo que o foro adequado para tais reuniões não é outro senão o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, ao qual poderão ser formuladas diretamente reivindicações visando a melhora na política de atendimento para a área infantojuvenil, que como sabemos, este órgão tem missão constitucional de elaborar.

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Vê-se que o que salta aos olhos no exame do caso, não é tanto "quem faz o que", mas sim que alguém o faça. Melhor ainda, que muitos ou todos o façam, desde que se organizem. Por isso, um rol de legitimados mais amplo do que a mera literalidade possa induzir. Em termos de Infância e Juventude vale mais do que nunca a necessidade de respeitar-se o espírito da Lei. E este é o da proteção integral e da prioridade absoluta. É o de não se deixar ao desamparo crianças em situação de risco de qualquer ordem, enquanto disputam fatias de atuação, de forma individualizada, aqueles agentes que, necessariamente, deveriam trabalhar de forma harmônica e dialógica.

Em Teresópolis, temos uma situação que remete à urgente, indispensável e imperativa necessidade de diálogo. E a Vara de Infância e Juventude de Teresópolis, por sua Juíza Titular, bem que tentou impulsionar o diálogo, mas ele não avançou, porque sua atuação foi tida por inconstitucional e ilegal. Sempre pareceu-me um equívoco. Muita reflexão, talvez primária, talvez despreparada – ressalvo sempre – me fez concluir exatamente o oposto.


É LEGAL E CONSTITUCIONAL A ATUAÇÃO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE QUANDO SUPRE PROVISORIAMENTE LACUNAS DO SISTEMA

O Juízo da Infância e da Juventude desta cidade serrana, comandado pela Juíza Drª Inês Joaquina Sant’ana Santos Coutinho, Magistrada hoje reconhecida nacionalmente pelo verdadeiro ministério a que se dedicou, há muitos anos vem suprindo inúmeras lacunas. Espaços deixados, primeiro pela inexistência do Conselho Tutelar, só instalado após sentença da referida Magistrada; depois, pela atuação precária de um colegiado de Conselheiros esforçados, como regra e bem intencionados sempre, mas sem as condições adequadas para o bom exercício das suas funções. Lacunas enormes, também, pela falta de operação do Poder Público Municipal na área de programas protetivos e socioeducativos.

Teresópolis, apesar das insuficiências relatadas, veio sobrevivendo ao avanço da crise que enlaçou com abraço de morte o problema da infância e da juventude em nosso país. A ponto de destacar-se como uma das cidades onde era menor o índice de ilicitude e vitimização infanto-juvenil, conforme pesquisa recente coordenada pelo sociólogo Ignácio Cano para o Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). [08]

Esses méritos [09] pertencem a muitos abnegados que laboraram intensamente, de forma tantas vezes solitária, na defesa das crianças e dos adolescentes. Entretanto, não se pode afastar de qualquer exame que se faça, sob qualquer ótica, da questão infantojuvenil em Teresópolis, a marcante presença da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca e, especialmente, da Magistrada que a dirige.

O Juízo acostumou-se a executar as medidas protetivas, por exemplo. E o fez porque nunca lhe faltou competência para tanto. Mas também porque o outro legitimado - principal, mas não único -, o Conselho Tutelar, nunca teve as condições de exercer o encargo.

Acontece que a Lei menorista traz como diretriz para implementação das medidas, a municipalização do atendimento (Art. 88, I). Muitos tem entendido que isso significa, obrigatoriamente, a execução de medida por ente municipal, afastada a possibilidade de atuação do Poder Judiciário. No caso das medidas protetivas, conforme este estrito entendimento, deveria atuar somente o Conselho Tutelar. No caso das socioeducativas em meio aberto, algum órgão da estrutura do Município, ou entidade com ele conveniada.

Já vimos acima, neste estudo, a fragilidade do raso entendimento, data venia. Ele desatende, fundamentalmente, à diretriz da proteção integral.

A atuação do Juiz da Infância e da Juventude, como ocorre em Teresópolis, hoje, NÃO É ILEGAL! Dizem assim diversos julgados. Como exemplo, transcrevemos a ementa do acórdão lavrado na apelação cível examinada na 4ª Câmara Cível do TJRJ, sob o nº 2008.001.07484, em votação que acompanhou de forma unânime, o voto do relator, Desembargador Reinaldo P. Alberto Filho:

Pedido de providências instaurado pelo Juízo da Infância e Juventude de Teresópolis para determinar ao genitor do menor a freqüência ao Programa de Orientação aos Pais – GRUPAI, coordenado pela Serventia, durante seis meses, medida prevista no inciso IV do artigo 129 do ECA. Apelação do Ministério Público.I – Transcrição dos dispositivos dos títulos I e IV da Lei nº 8.069/90, referentes às medidas de proteção e às medidas de pertinentes aos pais ou responsável. Consignação de, ao Conselho Tutelar, órgão não jurisdicional, ser atribuída aplicação das medidas supramencionadas, nos exatos termos dos artigos 131 e 132 e incisos I e II do artigo 136, ambos do ECA. II – Ponto nodal da lide que diz respeito à possibilidade do Juiz da Infância e da Juventude aplicar as medidas previstas nos incisos I e VII do artigo 101 e dos incisos do artigo 129, ambos da Lei nº 8.069/90. Reconhecimento de que, no caso em exame, por excepcionalidade, aquele magistrado pode aplicar a medida pertinente ao pai do menor. III – Relatos dos Conselheiros tutelares demonstrando que a insuficiência da equipe técnica e a precariedade de sua estrutura administrativa impedem quer o Conselho Tutelar do Município de Teresópolis cumpra com as funções, que lhe foram atribuídas por lei. Situação excepcional em que o Magistrado tomou para si atribuições do Conselho Tutelar ineficiente, situação analogicamente prevista no artigo 262 do Estatuto em comento. IV – afastamento do argumento de violação ao Princípio Devido Processo Legal, vez que a aplicação da medida razoável ao responsável do menor ocorreu nos moldes do procedimento que teria sido realizado pelo Conselho Tutelar devidamente aparelhado. Proteção aos interesses da criança e do adolescente, na forma expressa do artigo 227 da Carta Magna. V- Jurisprudência deste Colendo Sodalício corroborando o entendimento exposto. Aplicação do Art. 557 do C.P.C c.c art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste E. Tribunal. Negado Seguimento. (grifei)

Esclarecedores também os que seguem transcritos:

2007.001.57930 – APELAÇÃO CÍVEL - DES CLEBER GHELFENSTEIN – JULGAMENTO: 9/01/2008 – DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL

Criança e Adolescente. Intervenção Judicial . Artigo 129, IV do Eca. Natureza de ato administrativo. Observância dos princípios inerente à administração Pública. Competência tanto do Conselho Tutelar como da autoridade judicial. Princípio da solidariedade. Bem - estar do menor. Nega-se provimento ao recurso. Manutenção da sentença em sua integralidade. (grifei)

2006.001.62291 – APELAÇÃO CÍVEL - DES. JORGE LUIZ HABIB – JULGAMENTO: 08/01/2008 – DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. SITUAÇÃO FAMILIAR CONTURBADA. MEDIDA PROTETIVA CONSISTENTE NO COMPARECIMENTO SEMANAL DA MENOR AO PROGRAMA DE AULAS DE INFORMÁTICA. MEDIA QUE VISA A INSERÇÃO DA MENOR NA SOCIEDADE. A inclusão da menor em programa oficial de aulas de informática constitui uma oportunidade de inclusão social, não se contrapondo à freqüência escolar, ou a qualquer outra atividade educativa. Correta a sentença de aplicação de medida protetiva, não se vislumbrando qualquer justificativa que impeça tal providência. APELAÇÃO DESPROVIDA. (grifei)

2006.001.62368 – APELAÇÃO CÍVEL DES. MAURO DICKSTEIN – JULGAMENTO: 27/03/2007 – DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL - ESTAUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE MEDIDA DE PROTEÇÃO AO MENOR CONFLITO FAMILIAR RECURSO M.P. DESPROVIMENTO

Estatuto da Criança e do Adolescente. Aplicação de medida protetiva a menor, que apresenta situação de conflito familiar, concernente no seu comparecimento semanal ao programa "aulas de informática", a ser ministrado nas dissidências do fórum da Comarca de Teresópolis, sob a supervisão de um Comissário de Justiça. Apelação do Ministério Público. Solução adotada pela magistrada que objetiva a inserção da menor na sociedade, com vistas ao seu bem estar e educação social. Decisão mantida. Recurso improvido.

2007.001.57922 APELAÇÃO CÍVEL TERCEIRA CÂMARA CÍVEL - APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - INTERESSADA: JÉSSICA DE OLIVEIRA MORAES (MENOR) - RELATOR: DESEMBARGADOR MARIO DE ASSIS GONÇALVES

Pedido de providências. Medida protetiva a menor. ECA Atribuição legal. Conselho Tutelar. Excepcional possibilidade de atuação do judiciário. Apelação interposta pelo Ministério Público contra sentença que, em pedido de providências determinou aplicação de medida de proteção a menor. O pondo nodal da discussão consiste em determinar se o Juízo da Infância e da Juventude tem competência para, de ofício, instaurar pedido de providência e aplicar medida protetiva constante do Estatuto da Criança e do Adolescente ou se esta iniciativa caberia apenas ao Conselho Tutelar. O referido estatuto, ao fixar as atribuições do Conselho Tutelar estabelece, dentre outras, a de atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos artigos 98 e 105, aplicando as medidas previstas no artigo 101, I a VII. Tal competência apenas é atribuída ao Poder Judiciário nos casos em que o conselho não tiver sido instalado na Comarca. A princípio, portanto, assiste razão ao apelante. Entretanto, resta cabalmente comprovada nos autos a impossibilidade do Conselho tutelar da Comarca de Teresópolis dar cumprimento às suas funções em virtude da deficiência de material e pessoal da referida instituição que dificulta a adequada realização de suas atribuições legais. Assim, mediante a análise das circunstâncias do caso concreto deve-se ponderar se deve prevalecer a efetiva garantia dos direitos do menor ou a regre de competência estabelecida pelo ECA. A proteção da criança e do adolescente foi erigida, em nosso ordenamento jurídico, à condição de preceito constitucional. Em razão de sua relevância criou-se um, sistema especial de defesa dos direitos destas, visando possibilitar aos menores o desenvolvimento saudável de sua personalidade. No caso em análise, tendo restado evidenciada a impossibilidade do órgão com atribuição legal atuar na defesa dos direitos da menor e podendo o Juízo fazê-lo, repise-se, em virtude das particulares circunstâncias do caso concreto, a possibilidade de interpretação extensiva do art. 262 do ECA, permitindo a atuação do Judiciário para sanar a violação do direito fundamental. Recurso que se nega provimento. (grifei)

2007.001.57913 APELAÇÃO CÍVEL - DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - 2ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA - AÇÃO: MEDIDA DE PROTEÇÃO -ORIGEM: VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE TERESÓPOLIS - APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO - INTERESSADO: THAMARA CHISTINA DA SILVA MARROCOS - RELATOR: DESEMBARGADOR SÉRGIO LÚCIO CRUZ

Apelação Cível interposta contra a sentença que aplicou medidas de proteção previstas no art. 101 da Lei nº 8.069/90 aplicação do art. 262 do ECA para afastar a necessidade do devido processo legal e da ampla defesa, diante da impossibilidade de atuação do Conselho Tutelar, que por ser órgão administrativo autônomo, não necessita observar tais princípios. Decisão recorrida de cunho administrativo apenas. Parecer no sentido do conhecimento e do improvimento do recurso.

2006.001.60858 AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CÍVEL SEXTA CÂMARA CÍVEL- APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - APELADO: JUIZADO DA INFÂNCIA, DA JUVENTUDE E DO IDOSO DE TERESÓPOLIS - RELATOR: DES. CARLOS JOSÉ MARTINS GOMES

Agravo interno. Medida de proteção a menor, que se encontra em situação prevista no art. 98,III, da Lei nº 8.069/90. Medida necessária e adequada. Inaplicabilidade dos artigos 110 e 111, da citada lei. Apelação cível manifestamente improcedente. Descabimento de manifestação da Defensoria Pública no feito. Recurso a que se nega provimento. Verifica-se, pois, que o ato impugnado observou os ditames constitucionais e legais pertinentes. O ato judicial, na verdade, além de merecer confirmação integral, merece, também, encômios, demonstrando o zelo e a presteza com que a MM. Juíza exerce suas funções no Juizado da Infância, do Adolescente e do Idoso de Teresópolis. O fato de uma menor de quinze anos de idade, ter sido socorrida, em hospital, em estado de coma alcoólico, sendo reincidente no uso de bebida, conforme afirmou sua mãe, e ficou demonstrado pelos fatos narrados na fl. 38, de que a menor voltou a ingerir grande quantidade de cachaça em sala de aula e no pátio da escola, exigia presteza e eficiência por parte do Magistrado, para proteção da mesma. Foi o que fez a MM. Juíza de primeiro grau: prestou, com zelo e eficiência, a tutela jurisdicional. A medida contra que se insurge o MP tem apoio nos artigos 98,III, e 101, V e VII, da Lei nº 8.069/90, e art. 227, caput e seu § 1°, II, da Constituição da República. Por conseguinte, o apelo se caracterizou como manifestante improcedente, porque a sentença deve ser integralmente mantida, uma vez que fundamentada na lei e nos fatos. Desse modo, conheço do agravo interno, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade, mas lhe nego provimento, mantendo a decisão monocrática, de negativa de seguimento da apelação interposta. (grifei)

2006.001.62368 - APELAÇÃO CÍVEL - 16ª (DÉCIMA SEXTA) CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - RELATOR: DES. MAURO DICKSTEIN - APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO R DE JANEIRO - INTERESSADO: NATASHA SANTIAGO DE PAULA SANTOS - ORIGEM: 2006.061.008141-0 – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – VARA DA INFÂNCIA DA JUVENTUDE E DO IDOSO DA COMARCA DE TERESÓPOLIS - JUIZ EM 1º GRAU: DRª INÊS JOAQUINA SANT’ANA SANTOS COUTINHO

Estatuto da Criança e do Adolescente. Aplicação de medida protetiva a menor, que apresenta situação de conflito familiar, concernente no seu comparecimento semanal ao programa "aulas de informática", a ser ministrado nas dependências do fórum da Comarca de Teresópolis, sob a supervisão de um Comissário de Justiça. Apelação do Ministério Público. Solução adotada pela magistrada que objetiva a inserção da menor na sociedade, com vistas ao seu bem estar e educação social. Decisão mantida. Recurso improvido.

Deste último caso, vale a pena transcrever trechos do voto condutor, proferido pelo ilustre Desembargador Mauro Dickstein:

Assim, louvável é a atitude da Magistrada de 1º grau que, através de medida educativa, tenta zelar pelo bem estar da menor, restando consignado: "Não é a ação do Juizado que desserve a comunidade. Não prejudicamos escola, famílias, estudantes, Conselho ou quem quer que seja. No que nos compete, no que os Voluntários que conosco trabalham se dispõem a fazer, oferecemos atividades complementares e de apoio à vida familiar escolar e à inserção social. Crianças e jovens normalmente sofrem por inação institucional ou abandono sistêmico. Não por nossas ações." (grifei)

E ainda: "O Juiz da infância e da Juventude não educa os filhos de ninguém. Dá meios para que, em mundo tão conturbado, quando o poder familiar, em tantas famílias, mostra-se inepto ante as ameaças da modernidade, se permita aos pais a eficaz ação educativa"

Convém salientar que o Magistrado deve atuar no sentido de atender os interesses dos menores, dissociando-se de qualquer legalismo exacerbado, visando combater as ausências do poder estatal e, muitas vezes, do próprio ente familiar, bem como da insensibilidade de muitos.

(grifei)

Espaço privilegiado merece a reflexão do Conselho da Magistratura em torno do tema, no exame de caso concreto, em que aquele colegiado confirmou a validade da sentença de Primeira Instância, atacada pelo Ministério Público.

2004.004.01186 APELAÇÃO CONSELHO DA MAGISTRATURA - VARA DA INFÂNCIA DA JUVENTUDE E DO IDOSO DA COMARCA DE TERESÓPOLIS - CLASSE "D" - APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO - INTERESSADA: BRUNA FERREIRA DE ALMEIDA, REPRESENTADA POR SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS

Estatuto da Criança e do Adolescente. Previsão do artigo 98, inciso III. Comparecimento a Encontro de Orientação de Jovens. Imposição de medida protetiva a menor. Pais que não conseguiram, por si, manter a menor em conduta reta, buscando auxílio no Juizado da Infância e da Juventude. Necessidade da intervenção do Judiciário, até porque com a só existência do procedimento a menor já mudou seu comportamento. Desprovimento do recurso.

E, mais importante ainda, neste contexto, a posição do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, quando emitiu parecer no caso acima, examinado no Conselho da Magistratura. Da lavra da douta Procuradora, Drª Evangelina Fontelas Rosado Spinelli, dito parecer recebeu respectivamente "de acordo" e "aprovo" dos ilustres Procuradores, Drª. Maria Cristina Palhares dos Anjos Tellechea e Celso Fernando de Barros. Seguem trechos.

PARECER - CONSELHO DA MAGISTRATURA - PROCESSO N°. 1186/04

Procedimento fundado no art. 201, VIII da Lei nº 8.069/90, instaurado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em favor de adolescente. Impugnação do parquet à sentença de imposição de medida protetiva de comparecimento por seis meses ao Encontro de Orientação de Jovens, por considerá-la restritiva de direitos. Parecer no sentido do desprovimento do recurso. Data venia do entendimento do ilustrado Dr. Promotor, temos que a r. sentença impugnada não merece reparo. Com efeito, do exame do processo, parece-nos haver restado inconteste a necessidade da adolescente de uma medida protetiva. Ora, para tanto precisa de apoio, apoio esse que certamente não tem os pais condição de dar em toda a sua amplitude, cabendo ao Juizado da Infância e da Juventude, através de seu corpo técnico fazê-lo na forma determinada pela douta julgadora. Assim, tendo como inteiramente correta a r. sentença impugnada, opina a Procuradoria, nos termos das considerações expedidas, pelo desprovimento do recurso.

É importante, porque aquele mesmo Órgão, nos autos da ação que resultou na edição da sua Resolução nº 30/06 (que autoriza a edição de Portarias Normativas), consagrou entendimento que apóia a postura ativista do Juiz da Infância e da Juventude.

Vejamos trechos do voto condutor do julgamento à unanimidade, proferido pela eminente Desembargadora Drª. Letícia Sardas. Note-se, inclusive, o registro, no citado voto, da posição elogiosa do Ministério Público, à iniciativa dos Juízes da Infância e da Juventude, tida pela Procuradora da Justiça que – é certo – consignou também diversos reparos em seu parecer, como capaz de gerar exemplo para o Brasil. Não se diz isto, aqui, por acaso ou leviandade, mas tão somente porque entendo que a Resolução nº 30/06 nasce e se conserva no mesmo berço que abençoa a proatividade, o ativismo do Juiz da infância e da Juventude. Ativismo este que deve compeli-lo à aplicação das medidas protetivas e socioeducativas em meio aberto, quando indisponíveis de outra forma. Vejamos o pronunciamento elucidativo da Desembargadora.

PROCESSO n.º 2006.011.00491 – RESOLUÇÃO

(...) O Ministério Público, por seu turno, destacando que a proposta dos magistrados configura um grande avanço e verdadeiro exemplo a ser seguido em todo Brasil (...) Os novos tempos exigem um juiz co-partícipe, na busca de uma sociedade mais livre, mais justa, mais solidária e mais fraterna. (...) E como começar? Começa-se observando o que pode ser feito em benefício da criança e do adolescente, planejando sem afastar a competência da autoridade judiciária para a adoção de providências que julgar necessárias e oportunas. (...) POR TAIS FUNDAMENTOS, com a certeza de que o artigo 149 do ECA não tem a natureza de norma fechada; certa de pequenos erros e equivocados caminhos não podem impedir as ações afirmativas do magistrado desta nova era; certa de que a magistratura brasileira está ciente da sua responsabilidade de reescrever a história do ser humano, voto no sentido da aprovação da MINUTA DE RESOLUÇAO ofertada por este pequeno grupo de magistrados, que, à frente de seu tempo, com certeza têm a consciência de que são os responsáveis pelo mundo em que vivemos. (grifei)

Logo, de todo o exposto, não é difícil concluir que não existe qualquer equívoco, qualquer ilegalidade, quando o Juiz da Infância e da Juventude "ciente da sua responsabilidade de reescrever a história do ser humano" aplica as medidas de que aqui se trata.

No mínimo, o Juiz estaria respeitando o princípio constitucional da proteção integral, ainda que se concedesse aos críticos que ele descumpre a lei (o que não faz!). E, como afirma Celso Antonio Bandeira de Mello,

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma.

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo um sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. [10] (grifei)

Alguém poderá questionar que, entretanto, essa postura do Juízo de Teresópolis torna cômoda, no pior sentido, a situação de Conselhos Tutelares e Prefeituras eventualmente inoperantes. Faz sentido. Mas a Vara da Infância e da Juventude de Teresópolis está atenta e quer o avanço do sistema de garantias. Se não, vejamos.

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Sobre o autor
Denilson Cardoso de Araújo

Serventuário de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Escritor. Palestrante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Denilson Cardoso. Quando pode não ser recomendável atender à recomendação do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2350, 7 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13971. Acesso em: 25 abr. 2024.

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