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Quando pode não ser recomendável atender à recomendação do Ministério Público

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07/12/2009 às 00:00
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O DIÁLOGO PROPOSTO

Aqui chegamos ao ponto nodal. A Juíza da Vara da Infância e da Juventude de Teresópolis propôs, desde 2006 (!), a realização de tratativas que permitissem a elaboração de Acordo de Cooperação e Trabalho entre o Juízo, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar, a Prefeitura Municipal de Teresópolis, com a assistência e fiscalização do Ministério Público.

A idéia robusteceu-se na constatação documentada, lavrada em ata, da impossibilidade de o Conselho Tutelar assumir a execução das medidas protetivas. Foram inaugurados autos próprios, de nº 2007.061.007709-3, sendo nomeada pelas partes, inicialmente a Vara e o Conselho Tutelar, comissão paritária para elaboração de minuta de acordo.

A tentativa durou apenas uma reunião! Em 29/10/2007, os Conselheiros Tutelares (fls. 35 dos autos mencionados), comunicaram que não mais participariam de encontros com a finalidade, tendo em vista posição manifestada pela Procuradoria do Município, impeditiva da referida participação e ameaçadora, inclusive, da manutenção dos mandatos dos Conselheiros. A ação da Prefeitura Municipal foi tão longe no mister de obstar o diálogo que, em 06/11/2007, a Procuradora-Geral, chegou a oficiar ao Juízo requerendo, "considerando a ilegalidade" do termo de compromisso, "a informação da autoria", para que analisasse "as providências a serem tomadas". Ou seja, não bastava frustrar o esforço de diálogo. Era necessário buscar e punir os autores da "ilegalidade" da tentativa de diálogo, intenção clara no requerimento. Pois bem, para frustração da iniciativa persecutória, a minuta-base para os debates saiu da Comissão de Serventuários designada pela Juíza, da qual fiz parte, com muito orgulho.

O Prefeito que encerrou seu mandato em dezembro de 2008, Dr. Roberto Petto, numa conversa posterior com a Juíza da Vara da Infância e a Juventude, esclarecido sobre a questão e sobre a atuação de sua Procuradoria no caso, demonstrou a intenção de participar nas negociações e realizar o acordo. Não tomou qualquer iniciativa, infelizmente.

O Prefeito que assumiu em janeiro de 2009, Dr. Jorge Mário Sedlacek, também em conversa com a Magistrada, comprometeu-se com a proposta de acordo. Seu Secretário de Desenvolvimento Social, Ary Moraes, endossou a idéia e autorizou a negociação por sua assessoria. O Presidente do CMDCA, Sr. Francisco Montoni, apoiou a iniciativa. Marcou-se, com toda antecedência, uma reunião negocial. Ajustou-se que se daria, inicialmente, entre as assessorias da Prefeitura e da Vara, com a participação de representação do CMDCA e do Conselho Tutelar. Finalidade: elaboração de uma proposta de minuta a ser levada a todos os interessados – inclusive o Ministério Público - para exame, reparos legais, emendas, correções, rejeições, supressões, o que se fizesse necessário.

Pois bem, no dia marcado, 05/10/2009, lá estavam todas as partes. Mas, novamente, a reunião frustrou-se. Estranhamente, a representação do Município se dividiu, logo ao começo. Três representantes da Secretaria de Desenvolvimento Social se fizeram presentes. Apenas uma parecia disposta ao diálogo ordenado por seu superior. Duas outras representantes, invocando supostas orientações, não da Secretaria de Desenvolvimento Social, como seria devido, mas da Procuradoria Geral do Município, após vários debates e manifestação de contrariedade dos representantes da Vara, por descumprimento do acordado pela Drª Inês Joaquina com o Dr. Jorge Mário e do ajustado pela mesma Juíza com o Sr. Ary Moraes, disseram que participariam da reunião "apenas como ouvintes". Suspendemos a reunião, pedindo contato com o Sr. Ary, que não foi localizado. Renovou-se a orientação da Procuradoria, na retomada dos trabalhos. Sem cabimento de lá estarem parceiros importantes "apenas como ouvintes", foi cancelada a reunião, remarcando-se, com a orientação de a Prefeitura de Teresópolis trazer posição unificada na próxima reunião.

Antes de contar o capítulo seguinte desta verdadeira saga, cabe aqui um longo parêntese,

pois, se verá o Ministério Público tem papel decisivo no que passa a ocorrer.

A QUESTÃO DA "POSIÇÃO INSTITUCIONAL" DO PARQUET

A atuação do Ministério Público, neste caso, é muito peculiar. Passaram pela Promotoria da Infância e da Juventude, nesse tempo, diversos Promotores de Justiça. Pelo menos quatro deles, que permaneceram mais tempo, tiveram possibilidade de conhecer o caso e a proposta. De todos, em algum momento, ouvimos manifestações de concordância. A que mais tempo permaneceu, chegou a promover nos autos, pela realização da reunião ampla, para diálogo, com a presença, dentre outros, do Sr. Prefeito e dos Secretários ligados ao tema. Em algum momento, como já ocorrera em diversos debates sobre o assunto "Portarias Normativas", [11] vários destes Promotores alegaram contrariedade com a hipótese do acordo, invocando não seu entendimento pessoal, mas uma "posição institucional", nunca muito bem esclarecida.

Até porque "posição institucional", em termos de Ministério Público, seria exatamente o que? Como cada Promotor de Justiça carrega consigo, como ocorre também com os Juízes, a representação da instituição, quando ele se manifesta, é a instituição quem se manifesta. E, não raro, um Promotor ou Procurador discorda de outro – como também o fazem Magistrados – sem que isso faça esta ou aquela posição ser ‘menos institucional’ que outra.

Talvez se pudesse considerar como "posição institucional", aquela em que colegiados autorizados e legítimos de um determinado segmento afirmam uma orientação sobre algum tema. E, diga-se, isso se faria sempre sem força vinculante. Por isso é que enunciados e súmulas de Segunda Instância tem caráter de orientação.

Quando muito, na ausência de veículo para exteriorização de "posição institucional", esta poderia ser considerada, mais uma vez recorrendo-se ao exemplo da Magistratura, na verdade como ‘posição predominante’, ou seja, aquela adotada pela maioria dos Promotores de Justiça nos casos concretos em que atuam (à moda de ‘jurisprudência dominante’).

É mais difícil ainda entender o que seja "posição institucional", quando se vê que, na concretude dos casos e, por que não dizer, na dramática emergência que estes impõem, os Promotores de Justiça acabam por mitigar, na prática efetiva aquela suposta diretriz oficial, lançada em abstrato.

O que restaria então, ao final das contas a ser considerado como "posição institucional"? O entendimento particular de alguém mais qualificado hierarquicamente na estrutura do órgão ministerial? Seria descabido, já que também este elemento só poderia ter "posição institucional" – na medida em que todo integrante do Ministério Público é, ele próprio, "instituição" – em casos concretos que lhe fossem submetidos. Não fosse assim, estaria o Promotor de Justiça subordinado funcionalmente àquele, abdicando da maior prerrogativa que distingue o Ministério Público, sua independência funcional, renunciando, em desfavor do Estado Democrático de Direito, de prerrogativa constitucional (art. 127,§1º - CF/88).

Logo, salvo completa ignorância do autor, e ressalvados juízos muito mais qualificados, não existe "posição institucional" que não seja a posição de cada Promotor de Justiça, individualmente, submetido ao exame da Constituição, da Lei e da própria consciência. Assim, data maxima venia, não há como escudar-se, qualquer Promotor de Justiça, em deixar de observar sua posição pessoal, construída pelo convencimento e pela necessidade fática, em favor de posição de outrem, ainda que "institucional".

De todo modo, diga-se que o Ministério Público é sempre muito sensível e reativo ao tema aqui proposto. Intrigado pelas dificuldades que o laiscismo deste serventuário sempre enxergou como excessivas e pouco compreensíveis, buscando raciocinar mais amplamente, tentei em diversas ocasiões, indagar de integrantes do parquet sobre sua compreensão do assunto. Em Congresso da ABMP realizado no Rio de Janeiro em 2008, dirigi-me, no intervalo, ao Coordenador do encontro, um eminente Procurador de Justiça. Não consegui terminar sequer a introdução do assunto. Aquele senhor simplesmente revoltou-se e repreendeu (!) este mero serventuário, pois era absolutamente descabido, em seu entendimento, que um Juiz da Infância quisesse promover qualquer tipo de acordo.

O incidente se repetiu por diversas vezes. Entretanto, apresentou-se uma luz de gentileza e sensatez no fim do túnel. Também em 2008, ministrando para o CMDCA de Teresópolis um curso de capacitação em políticas públicas, esteve o Dr. Wilson Donizeti Liberati. O conhecido palestrante e doutrinador repetiu, em sua aula, a crítica costumeira dos Promotores aos Juízes da Infância e da Juventude. Aberto o debate, retruquei com a prerrogativa do art. 262 do ECA, que prevê a atuação supletiva das Varas especializadas, quando de ausência de Conselho Tutelar. O Dr. Liberati argumentou que a regra era de transição, ao que respondi ser exatamente o caso, dada a atuação ainda deficiente do Conselho Tutelar. Dr. Liberati finalizou afirmando que a transição já se estendia em demasiado, quando então mencionei a necessidade do acordo, exatamente como instrumento de aceleração do processo. Dada a celeuma instalada no plenário, o palestrante, muito sabiamente preferiu mudar de assunto. No intervalo, debatemos o tema de forma cortês e pude melhor explicar as propostas de acordo em que se empenhava a Vara da Infância. Confrontado com a realidade de Teresópolis, o Dr. Liberati assentiu com as nossas razões, chegando a, no retorno dos trabalhos, cavalheirescamente retomar o tema para referendar de público, o que afirmara privadamente: a necessidade do acordo.

Fechado o mais que extenso parêntese, retorno ao registro dos fatos.


SURGE UMA RECOMENDAÇÃO NO MEIO DO CAMINHO

Aquela última reunião, em 05/10/2009, frustrada pela orientação da Procuradoria-Geral do Município, foi adiada para a semana seguinte. Qual não foi a nossa surpresa quando, já no sábado começamos a receber telefonemas (do CMDCA e do Conselho Tutelar), informando que chegara uma "ordem (sic) do Ministério Público" supostamente proibindo a realização da reunião seguinte, que, obviamente, acabou não se realizando.

Depois viemos a saber que o Ministério Público endereçara aos órgãos já citados, e também à Procuradoria do Município e à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, a sua Recomendação nº 003/2009. O documento, assinado pela Promotora de Justiça Drª. Cristiane de Sousa Campos da Paz e pela Procuradora de Justiça, Drª. Patrícia Hauer (e, com o nome, mas não com a assinatura da Promotora, Drª. Helena Rohen Leite), em fartas sete laudas, trazia "considerandos" que afirmavam alguns equívocos ou interpretações muito particulares e estreitas da lei e da Constituição, como, dentre outras coisas:

- "compete ao Juiz da Infância e da Juventude o exercício exclusivo da função judicante";

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- "não existe previsão legal que autorize ao Juiz da Infância e da Juventude intermediar ou firmar termos de compromisso com quaisquer dos atores do Sistema de Garantias dos Direitos de Crianças e Adolescentes";

- "atribuições do Conselho Tutelar previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) só podem ser exercidas por seus integrantes, legitimados através do sufrágio direto e facultativo da população do Município de Teresópolis, sendo, portanto, indelegáveis";

- "omissões, faltas funcionais e renúncia das atribuições previstas em lei podem ensejar a destituição do Conselheiro Tutelar";

- "o Conselho Tutelar de Teresópolis é dotado de sede própria, possuindo equipe técnica e a estrutura necessária para o adequado desempenho de suas atribuições legais";

- "existem medidas extrajudiciais e judiciais que podem ser adotadas pelo Ministério Público, caso o Conselho Tutelar não esteja dotado da estrutura mínima para o seu funcionamento".

Os "consideranda" se encerram com a notícia de que

- "chegou ao conhecimento" [12] do parquet a minuta do "Acordo de Trabalho e Cooperação" elaborada pela Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Teresópolis, e de que a mesma descumpriria o ECA e a Constituição, pelo que a sua assinatura "poderia importar em grave violação às atribuições do Conselho Tutelar e à Política Nacional de Assistência Social".

Com essa fundamentação, o Ministério Público recomendou que os destinatários se abstivessem de assinar o acordo, encaminhando à Vara da Infância e da Juventude tão somente os casos de exclusiva competência judicial, destinando ao CRAS/CREAS aquelas hipóteses em que necessário aplicar medida protetiva a crianças e adolescentes ou educativa aos genitores.

Com o documento, revestido de todo o peso moral alcançado pelo Ministério Público, conquistou este o seu intento. Obstar o diálogo em torno de uma mera minuta – ou seja, rascunho! – de proposta que, ainda por cima, somente seria efetivada como acordo, caso a minuta fosse aprovada por todos os superiores hierárquicos dos que a elaboraram: Juiz da Infância e da Juventude, o coletivo dos Conselheiros Tutelares, a sessão com adequado quorum do CMDCA, o Sr. Prefeito Municipal, dentre outros, sem esquecer o próprio Ministério Público, que participaria da sua revisão.

Pareceu-me um caso inédito de cerceamento, justamente por parte de um ente com missão constitucional de garante do Estado Democrático de Direito, do diálogo, do debate, do entendimento, indispensáveis ao aperfeiçoamento institucional.


A RECOMENDAÇÃO QUESTIONADA POR ESTE TRABALHO

O conteúdo e o arrazoado da Recomendação, data venia, cometem gravíssimos equívocos. Reduz-se o Juiz da Infância e da Juventude ao "exercício exclusivo" da função judicante, o que é inverídico, não só à vista da letra legal, mas também, conhecendo-se o trabalho de importantes doutrinadores oriundos do parquet, como os doutores Murilo Digiácomo, Wilson Donizeti Liberati, Roberto João Elias e Valter Kenji Ishida. Nenhum deles foi tão longe no combate a Juízes da Infância e da Juventude. Todos, em maior ou menor grau, admitem a atuação administrativa do Magistrado. Por conta deste erro primeiro e primário da Resolução, os demais se sucedem.

A Recomendação imaginou a necessidade de previsão legal para a lavratura de acordos ou termos de compromisso mútuo, como se tais ferramentas não fossem de uso corriqueiro, disponibilizadas a qualquer que pretenda melhor gerir suas tarefas e otimizar a efetivação de seus encargos. Como se, em prol da defesa dos direitos infantojuvenis, não fosse, o Juiz da Infância e da Juventude, tão legítimo como qualquer outro integrante do Sistema de Garantias do ECA, para propor, estimular, impulsionar, harmonizar, firmar parcerias, acordos e termos.

O raciocínio estreito que deslegitima o Juiz de Direito, exacerbado, impediria, por exemplo, que o Mahatma Gandhi, que nunca possuiu cargo ou legitimação formal, mas apenas autoridade moral, funcionasse como negociador, mediador e árbitro em tantas questões envolvendo o Governo da Índia e a transição da descolonização à independência.

É como disse o acadêmico de Direito Danilo Ferreira, em monografia distinguida pela Sociedade Brasileira de Direito Público:

A democracia não se desenvolve apenas no contexto de delegação de responsabilidade formal do povo. Numa sociedade aberta, ela se desenvolve também por meio de formas refinadas de mediação do processo público e pluralista da política e mediante a realização dos direitos fundamentais. [13]

E, nos tempos atuais, em que o ativismo judicial sadio e equilibrado, aqui entendido não apenas como a decisão judicial, – do qual essa mediação, a capacidade de buscar consensos e acordos é, em meu entendimento, elemento importante - é cada vez mais indispensável, cabe lembrar a lição do magistrado Eugênio Facchini Neto, no trabalho em que reflete sobre o papel do Juiz da Infância e da Juventude na efetivação dos direitos infantojuvenis:

(...) Isso significa, necessariamente, que a magistratura deve ser co-partícipe de uma política de inclusão social, não podendo aplicar acriticamente institutos que possam representar formas excludentes de cidadania, até porque, como salienta Luiz Edson Fachin, trata-se de "não só interpretar a realidade social mas também transformá-la" [14] (grifei)

E não há transformação possível se o Juiz limitar-se apenas ao gabinete, ao contido nos autos e à máscara da literalidade da lei. Vale aqui a citação extraída do artigo de um jovem magistrado, o Dr. Adriano Gustavo Veiga Seduvim, em que reproduz assertiva de Regis de Oliveira:"infeliz é o Juiz que não percebe que há vida além do processo." O mesmo trabalho cita ainda Cândido Dinamarco:

O Juiz moderno compreende que só lhe exige imparcialidade no que diz respeito à oferta de iguais oportunidades às partes e recusa a estabelecer distinções em razão das próprias pessoas ou reveladoras de preferências personalíssimas. Não se lhe tolera, porém, a indiferença. [15]

Somo opinião com o magistrado, quando expressa que

O apego desmedido à doutrina da separação de poderes não pode servir de fundamento para uma postura omissiva por parte do Poder Judiciário, em face de seus compromissos sociais e do pleno cumprimento de sua função constitucionalmente estabelecida. [16]

E do mesmo trabalho colho ainda citação do Prof. Paulo Roberto Soares Mendonça:

A vinculação do juiz à lei deve ser concebida dentro da perspectiva de uma sociedade em acelerado processo de mudança e não sob uma visão inerte, estática.

Esse processo de mudança, inexorável, veloz, particularmente no que concerne à questão infantojuvenil, demanda o mais amplo estoque de ferramentas para sua compreensão e análise, e de amplo arsenal para o ataque de suas mazelas. Podar a ação do Juiz na promoção de acordo, no estímulo ao entendimento não favorece o processo democrático. E, além de tudo, vai na contramão de fatos que demonstram atuações de magistrados legitimadas por resultados desejáveis a todas as Comarcas.

TANTO É POSSÍVEL, VIÁVEL E ATÉ DESEJÁVEL QUE O JUIZ IMPULSIONE O ENTENDIMENTO, AINDA QUE EXTRAJUDICIAL, QUE SÃO INÚMEROS OS EXEMPLOS DE INICIATIVAS VIRTUOSAS DE ACORDOS, CONVÊNIOS E TERMOS DE COMPROMISSO DE NATUREZA ADMINISTRATIVO-GERENCIAL PROMOVIDOS OU ESTIMULADOS POR JUÍZES DE DIREITO, POR TODO O BRASIL. VEJAMOS ALGUNS EXEMPLOS:

- Juiz do Juizado Especial Cível de Ituverava, Dr. Leonardo Breda. Convênio com o Procon, para garantir executividade aos acordos firmados naquele órgão. Em maio de 2009; [17]

- Juízes de Direito da Primeira e Segunda Varas da Infância e Juventude de Porto Alegre, Drs. Breno Beutler Junior e José Antônio Daltoé Cezar. Convênio com os hospitais da Comarca, a Fundação de assistência Social e o Ministério Público, para integração operacional, em garantia de providências em favor de parturientes e recém-nascidos em situação de risco. Firmado em agosto de 2009; [18]

- Juízes de Direito da Primeira e Segunda Varas da Infância e Juventude de Porto Alegre, Drs. Breno Beutler Junior e José Antônio Daltoé Cezar. Convênio com os Conselhos Tutelares, as instituições de abrigo, Secretarias de Governo e Ministério Público, para regulamentação da medida protetiva de abrigo. Juízes citados acima. Firmado em agosto de 2000; [19]

- Juiz de Direito de Niquelândia (GO), Dr. Rinaldo Aparecido Barros. Acordo com o Conselho da Comunidade, Ministério Público, autoridades regionais, empresários e moradores da cidade, para construção de um abrigo para idosos, já concluído e entregue. Em novembro de 2009; [20]

- Juiz Regional da Infância e da Juventude da Comarca de Santo Ângelo (RS), Dr. João Batista da Costa Saraiva. Acordo com o Ministério Público e a Prefeitura Municipal, para municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto, de que resultou a criação de uma ONG (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - CEDEDICA). Processo iniciado em 1994; [21]

- Juiz da Terceira Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Dr. Leoberto Narciso Brancher. Convênio com o Município de Porto Alegre, para a "execução em conjunto" do Programa de Execução de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – PEMSE. Em junho de 2000; [22]

- Juiz da Infância e da Juventude da Comarca de Caldas Novas (GO), Drª. Placidina Pires.

Assinatura de termo de cooperação com empresários do ramo de diversões eletrônicas e o Ministério Público, visando a prevenção do uso indevido de computadores, por crianças e adolescentes. Em junho de 2009; [23]

Além de acordos firmados, é muito importante também a atuação de juízes como impulsionadores de conscientização e tomada de posições em favor da garantia de direitos, valendo-se de sua influência, na realização de reuniões e entendimentos os mais diversos. Exemplos:

- Juiz da Comarca de Camanducaia (MG), Dr. André Luiz Polydoro. Reunião no fórum, com o prefeito Municipal, o Delegado de Polícia, Comandante da Polícia Militar e Ministério Público, para discutir combate ao tráfico de drogas, construção de um abrigo para crianças e adolescentes, dentre outras providências. Em agosto de 2007; [24]

- Juiz de Direito da Primeira Vara de Bacabal (MA), Dr. Osmar Gomes dos Santos. Reunião no fórum, com o Prefeito Municipal, Vereadores, Secretários Municipais e entidades civis, para debater assistência aos desabrigados pela enchente do Rio Mearim. Em maio de 2009; [25]

- Juiz da Comarca de Diamantino (MT), Dr. Luís Fernando Kirche. Reunião com O Prefeito, secretário de Educação, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar, Diretores e professores de escolas, para debater a educação no Muncípio, organizando ações preventivas de garantia dos direitos e deveres previstos no ECA. Em novembro de 2009; [26]

- Juiz da Infância e da Juventude de Ariquemes (RO), Dr. Rinaldo Forti Silva. Oficina com a participação da Polícia Civil, do Conselho Tutelar, do IML, dentre outros, para implantação do Projeto "Mãos que Acolhem", a fim de buscar humanização do atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Em julho de 2008; [27]

Mas equivocou-se também a Recomendação, imaginando que as atribuições do Conselho Tutelar são exclusivas do órgão, quando não o são, o que é contraditado no próprio documento, três "considerandos" acima, quando refere que, com relação a medidas protetivas a competência do colegiado é "precípua", [28] ou seja, não é ‘exclusiva’. Assim acontece, certamente, porque é sabedor, o Ministério Público, da prerrogativa de aplicar, o Juiz da Infância e da Juventude, a medida protetiva, em complemento à socioeducativa, como também a protetiva isoladamente, sempre que – ainda que em excepcionalidade – se fizer necessário, como antes já demonstrado neste trabalho.

Comete, a Recomendação, o equívoco de afirmar que o Conselho Tutelar de Teresópolis possui equipe técnica e estrutura suficientes para o seu mister, o que é inverídico, como demonstram não só as agruras do dia a dia, como as declarações constantes dos autos 2007.061.007709-3, em que os Conselheiros, de forma unânime, indicaram a carência de estrutura e pessoal. Menciona, o documento do parquet, o arsenal de que dispõe para sanar tais carências, mas esquece de acrescer que não o fez desde que tomou conhecimento das tratativas mencionadas, já que o processo em que se cuida da tentativa de acordo é de 2007, e as primeiras tratativas bem, anteriores.

É de se registrar, ainda, que existe uma forma de ameaça, mais ou menos velada, num dos "considerandos", de destituição do Conselheiro Tutelar, induzindo, a Recomendação, o entendimento de que a possível assinatura do acordo poderia significar omissão, falta funcional ou renúncia de atribuição. Já na Recomendação endereçada ao Sr. Prefeito e seus Secretários, houve a ameaça de ingresso de ação de improbidade administrativa, caso firmado acordo.

Pretende, ainda, a Recomendação do parquet, que seja sua interpretação legal necessariamente de melhor qualidade que a do Juízo, que – nitidamente – reputa por ignorante, quando se sabe que a presunção, ao contrário, é de que "o Juiz conhece a lei" (jura novit curia). Assim sendo, parece no mínimo temerário, talvez desrespeitoso, expor o Juízo publicamente (sem esquecer que tratamos aqui de magistrada com 35 anos de judicatura, todos dedicados à infância e juventude, sendo que os últimos 22 de forma exclusiva), à sua avaliação de que estaria, na minuta elaborada, agindo de forma ilegal, inconstitucional ou provocando "grave violação" das atribuições do Conselho Tutelar e da Política Nacional de Assistência Social.

Ademais, sem prévio acordo (ou sequer a gentileza de uma comunicação) com este Juízo, que é na verdade quem executa – por omissão do Poder Municipal e, data venia, do próprio parquet – de fato, as medidas protetivas e socioeducativas, recomenda o Ministério Público que não sejam mais encaminhados casos que demandem aplicação de medidas ao Juízo. Além do que aparenta ser tentativa de desprestigiar o Poder Judiciário, o que é, registre-se, vedado pela Lei Orgânica do Ministério Público, o mais grave é a constatação de negar a quem necessita de medicamento o caminho da única farmácia disponível.

Parece um comportamento absolutamente incongruente com o que se espera do "advogado do povo".

Por isso é que é indispensável sugerir como "pouco recomendável" a "recomendação" de que aqui tratamos, a de nº 003/2009 do Ministério Público do Rio de Janeiro, endereçada a destinatários da Comarca de Teresópolis, no fatídico 01/10/2009.

Mas não só. Em verdade, indispensável se faz esclarecer que "recomendação" é exatamente o que o nome significa, ou seja, conforme o dicionário, trata-se de um "aconselhamento", um "aviso", quando muito, um "alerta" ou "advertência". Vê-se bem que não se trata de uma ordem, como quiseram muitos.

Sem querer comparar o incomparável, já que a recomendação do Ministério Público possui inegáveis privilégios, se verá, apenas ilustrarei. As placas colocadas nas praias de Recife, que alertam para o perigo do ataque de tubarões são necessárias e úteis, principalmente para o turista desavisado. Entretanto, são "recomendações". Não criam ilícitos se a pessoa resolver nadar naquelas águas. Sequer são garantia de que um ataque de tubarão efetivamente ocorrerá. Logo, não pode ser punida a conduta do banhista que, apesar dos riscos, vai além da arrebentação para, por exemplo, socorrer a criança que se afoga. Da mesma forma, placas que advertem para: "risco de animais na pista", "forte correnteza", etc., são recomendações, de possibilidades reais de perigo. Mas não são vedações.

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Sobre o autor
Denilson Cardoso de Araújo

Serventuário de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Escritor. Palestrante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Denilson Cardoso. Quando pode não ser recomendável atender à recomendação do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2350, 7 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13971. Acesso em: 27 abr. 2024.

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