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Por um renovado Direito Processual Civil?

14/12/2009 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Reflexões acerca da atual sistemática processual civil 3. Proposições para um renovado direito processual civil 4. Conclusão


1.Introdução

O presente trabalho tem como desiderato colaborar, e, sobretudo, instaurar verdadeira arena de discussões salutares ao aperfeiçoamento de um renovado direito processual civil, colaborando, destarte, com o prestigiado Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP, cujos trabalhos concretizam verdadeira contribuição ao direito processual no Brasil.

É uma honra poder compartilhar com diversos colegas, na propositura de ideais, nestes 50 (cinqüenta) anos de existência e contribuição do IBDP, atendendo à honrosa convocatória do ilustre Prof. Athos Gusmão Carneiro.

Num primeiro momento, lançaremos algumas críticas construtivas ao atual sistema processual civil.

Em seguida, tentaremos resgatar relevantes preceitos e princípios constitucionais norteadores diretos e indiretos do processo civil, para, após, delinearmos algumas proposições ao aperfeiçoamento do direito processual civil (de caráter geral ou específico).

Além disso, configura-se de suma relevância a utilização de importantes teorias filosóficas constitucionais, que, com toda certeza, contribuirão para uma onda renovatória dentro do direito processual civil, e, que deveriam ser incorporadas e, realmente postas em prática, a fim de otimizar preceitos e princípios natimortos dentro da sistemática processual, os quais, ainda, não foram operacionalizados.

Talvez, precisemos de novos e incorporados entendimentos estruturantes do direito (v.g.. posicionamento de Friedrich Müller), para, destarte, podermos, atingir a tão almejada concretização do direito e a efetividade processual.


2.Reflexões acerca da atual sistemática processual civil

Atualmente, pode-se observar que, realmente, foram empreendidas diversas reformas pontuais no Código de Processo Civil, as quais precisam, ainda, de um certo amadurecimento em relação à interpretação/aplicação (ver importante obra do insigne Professor e Ministro Eros Roberto Grau [01]) dos preceitos constantes dos textos que restaram alterados.

O processo, infelizmente, ainda é visto como instrumento para pacificação de interesses.

O melhor e mais consentâneo seria atribuir ao processo aspectos constitucionais que garantam, realmente, os direitos aos jurisdicionados.

Basta que interpretem e, realmente, apliquem de maneira adequada os preceitos e princípios constantes do Código de Processo Civil, com suas diversas reformas pontuais, utilizando-se, inclusive, de uma eficaz "hermenêutica constitucional" (ver a relevante obra do ilustre Prof. Rodolfo Viana Pereira, Hermenêutica filosófica e constitucional. Ed. Del Rey, 2001).

O melhor seria pontuar conforme o pensamento esposado pelo Prof. Friedrisch Müller, "’Concretizar’ não significa aqui, portanto, à maneira do positivismo antigo, interpretar, aplicar, subsumir silogisticamente e concluir. E também não, como no positivismo sistematizado da última fase de Kelsen, ‘individualizar’ uma norma jurídica genérica codificada na direção do caso individual ‘mais restrito’. Muito pelo contrário, ‘concretizar’ significa: produzir diante da provocação pelo caso de conflito social, que exige uma solução jurídica, a norma jurídica defensável para esse caso no quadro de uma democracia e de um Estado de Direito. Para tal fim existem dados de entrada [Eingangsdaten/inputs] – o caso e os textos de norma nele ‘pertinentes’ – e os meios de trabalho, sobre os quais ainda haveremos de falar." [02]

É claro que, ainda, existem imperfeições no âmbito de nosso processo civil, talvez, por conta, de falhas técnicas durante a técnica legislativa de produção.

A nossa máquina judiciária enfrenta questões burocráticas terríveis. E isso, implica, com toda certeza, em algo sintomático.

Cada vez mais, criam óbices ao acesso pleno e justificável de uma completa prestação jurisdicional, que, inclusive, constitui-se em garantia constitucional.

Por exemplo, a via do recurso extraordinário, apenas e tão-somente é trafegável, segundo entendimento majoritário, se a violação classificar-se como frontal e direta à Constituição, não sendo permitida a violação reflexa.

Outro ponto merecedor de destaque é aquele pertinente à fungibilidade entre tutelas antecipada e cautelar.

Tal qual colocado pelo legislador, entende-se, que a fungibilidade somente se operaria em uma via, ou seja, "do mais para o menos" (tutela antecipada em tutela cautelar).

Além desses pequenos e tortuosos problemas que atingem e causam, a toda evidência, embaraços à finalidade do processo que é a prática, existem vários outros que serão abordados, mesmo que, grosso modo.


3.Proposições para um renovado direito processual civil

Em primeiro lugar, com o devido respeito, não concordamos com o entendimento de que a via extraordinária somente seria adequada diante de violação frontal e direta ao texto constitucional.

É preciso, com certa urgência repensarmos o que seria um ataque frontal e direto à Constituição, para não cairmos no frouxo e abstrato termo utilizado como obstáculo "reflexa".

Em artigo intitulado "A exigência de ofensa direta à constituição", o ilustre Prof. Bruno Freire e Silva assim delineou de forma crítica a problemática, colacionando, inclusive, opiniões de outros autores: "Nesse diapasão, não tutelar uma situação de violação sob alegação de esta partir de norma infraconstitucional é o mesmo que não respeitar a própria Constituição. Nesse sentido as palavras de Fábio José Moreira dos Santos, quando afirma que ‘(...) se os alicerces de nosso sistema tendem, tanto mais quanto maior sua importância, a se refletir e tomar forma em leis ordinárias, a negativa de os tutelar em nome desse mesmo desdobramento infraconstitucional implica, às evidências, o esvaziamento do que há de mais nobre na Lei Maior e ignorar as mais prementes expectativas sociais em face das instituições do Estado Democrático de Direito’.

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Essa nossa constatação, também é objeto de críticas por parte de autorizada doutrina. Vejamos os questionamentos formulados por José Emílio Medauar Ommati: ‘Além do mais, se prevalecer essa jurisprudência do STF, como defender algumas normas constitucionais que só ganham maior densidade a partir das normas legais e das situações concretas? Por exemplo, como defender o princípio do direito adquirido, direito fundamental de todo o cidadão brasileiro, se não descermos às normas infraconstitucionais e à própria situação concreta.

O referido autor conclui o seu pensamento com o seguinte raciocínio, que corroboramos na íntegra: ‘Portanto, claro está que essa idéia de ofensa reflexa à Constituição não encontra respaldo no nosso modelo constitucional-processual, tanto é assim que a própria Constituição não estabeleceu como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário que a ofensa à Constituição fosse direta’.

Importante destacar que o referido autor traz à baila temperamento jurisprudencial do próprio STF, em relação ao conceito de ofensa direta à Constituição, por meio de uma interpretação extensiva do conceito.

Vejamos o voto do ilustre Ex-Ministro do STF Sydney Sanches:

"A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da tese no sentido de que a ofensa à Carta Política da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao STF exercer o crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito: o da legalidade e o do processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais". [03]

Corretíssima a relevante opinião do ilustre Prof. Bruno Freire e Silva, e, que a prestigiada opinião seja levada em conta por outros autores e pelo próprio STF.

Ousamos acrescentar que, além dos mencionados princípios, outros tantos serão conspurcados caso prevaleça entendimento diverso, p. ex., o princípio da proporcionalidade.

Utilizando, com o devido respeito, as bem colocadas palavras do mestre José Carlos Barbosa Moreira, "(...) Em absoluto não diminui uma Corte de Justiça reconhecer que laborava em erro e decidir-se a corrigi-lo; o que pode diminuí-la é nele perseverar. Não receemos o lugar comum: Errare humanum est, perseverare autem diabolicum...". [04]

Outro ponto que gostaríamos de destacar é aquele referente à fungibilidade entre tutelas antecipada e cautelar.

O legislador, infelizmente, de uma técnica legislativa defeituosa, deixou margem a severas discussões acerca da fungibilidade via inversa.

Já manifestamos em outra oportunidade [05] sobre a possibilidade da utilização da fungibilidade na dupla via, seguindo, inclusive, posicionamento do ilustre Prof. Cândido Rangel Dinamarco [06].

A negação à possibilidade de aplicação é o mesmo que negar a prestação jurisdicional devida e constitucionalizada, além do devido processo legal.

Nessa quadra, impende destacar a aplicação do princípio da proporcionalidade, como muito bem colocado pelo ilustre Prof. Marcelo José Magalhães Bonício [07].

Imperioso destacar que inúmeros juízes deixam de sanear o processo, causando verdadeiro e, talvez, desgaste tanto para os jurisdicionados como para o próprio procedimento.

O cerne da questão é que a maioria pensa que é detida de verdadeiras couraças inatingíveis, alguns deixam até mesmo de fundamentar de maneira efetiva seus atos decisórios, conspurcando, destarte, o texto constitucional.

A própria nova sistemática executiva traz dúvidas e enormes problemáticas, as quais, estão sendo, na prática forense, resolvidas, em parte, via oposição de recurso de embargos declaratórios com efeito infringente. [08]

Portanto, as vindouras reformas processuais civis deverão ser pautadas num espírito humanista [09] dimanado da própria Democracia.


4.Conclusão

Por um renovado direito processual civil? Quem sabe os próximos passos seguirão em direção a uma onda renovatória de princípios a sustentar salutar estruturação do direito e do próprio direito processual civil.

Esperamos que esta singela colaboração sirva para corroborar os variados debates em torno de um processo civil eficiente, e, sobretudo, constitucionalizado.

Toda a reforma processual deverá atender ao que consta preconizado no texto constitucional, respeitando-se o Estado Democrático de Direito.

É o que esperamos!


Notas

  1. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. SP: Malheiros, 2006.
  2. O novo paradigma do direito – introdução à teoria e metódica estruturantes do direito. SP: RT, 2007, p. 150.
  3. "A exigência de ofensa direta à constituição para o cabimento de recurso extraordinário: necessidade de interpretação extensiva". In: LICASTRO TORRES DE MELLO, Rogério. Recurso especial e extraordinário – repercussão geral e atualidades. SP: Editora Método, 2007, p. 19-20.
  4. "Julgamento do recurso especial ex art. 105, III, a, da constituição da república: sinais de uma evolução auspiciosa". In: Temas de direito processual. Sétima Série, SP: Saraiva, 2001, p. 105
  5. "Comentários ao novo § 7º do artigo 273, do Código de Processo Civil Brasileiro acrescentado pela Lei n. 10.444, de 2002". In: Genesis – Revista de Direito Processual Civil, 27, janeiro-março, 2003, p. 11-12-13.
  6. A nova do processo civil. SP: Malheiros, 2003, p. 60-61.
  7. Proporcionalidade e processo. SP: Atlas, 2006, p. 94-97.
  8. Ver nosso artigo intitulado "A escorreita feição dos embargos declaratórios: breves considerações". In: RePro – Revista de Processo, 149, ano 32, julho, 2007, p. 334-335.
  9. Carlos Ayres Britto, O humanismo como categoria constitucional. BH: Editora Fórum, 2007, p. 31-32-33-34-35
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Sobre o autor
Bruno Campos Silva

advogado em São Paulo e Minas Gerais, pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária (CEU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Campos. Por um renovado Direito Processual Civil?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2357, 14 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14014. Acesso em: 28 mar. 2024.

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