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Coisa julgada na execução

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16/12/2009 às 00:00

Resumo:


  • Estudo sobre a possibilidade de formação de coisa julgada material em sentenças proferidas na execução, relacionando com a carga de cognição dessas decisões.

  • Análise da sentença e suas eficácias, classificação das decisões judiciais e o conceito de cognição no processo executivo.

  • Discussão sobre a extinção do processo executivo e os efeitos da coisa julgada, formal e material, e suas implicações práticas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trata-se de questão negada pela maioria da doutrina: a formação de coisa julgada material em relação às sentenças proferidas na execução (cumprimento de sentença ou processo executivo propriamente dito).

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Sentença e coisa julgada: 2.1 Coisa julgada formal; 2.2 Coisa julgada material – 3. Cognição: 3.1 Cognição no processo executivo – 4. Extinção do processo executivo e coisa julgada – 5. Conclusões – 6. Bibliografia.


1. Introdução

O presente trabalho trata de estudo sobre questão negada pela maioria da doutrina: a formação de coisa julgada material em relação às sentenças proferidas na execução (cumprimento de sentença ou processo executivo propriamente dito).

Fazemos um estudo relacionando a carga de cognição existente nas decisões proferidas na execução, e também as comparando às similares (e por que não idênticas?) proferidas no chamado ‘processo cognitivo’, argumentando sobre a formação ou não de coisa julgada (formal nuns casos, material noutros), imunizando tais decisões.

Se um título executório é satisfeito em processo de execução, que então é declarado extinto por sentença, ao ajuizamento de nova ação executiva com base no mesmo título se pode apresentar objeção de coisa julgada?, ou não há como se falar nesse instituto no âmbito do processo executivo?

Essas e outras questões serão apresentadas e estudadas ao longo deste trabalho, ao fim do qual pretendemos ter exposto uma proposta coerente e lógica para a classificação das decisões proferidas em sede executiva, sempre tomando como base sólida doutrina.

Não se trata de questão de fácil estudo e aceitação. Por diversas vezes fomos obrigados a abandonar caminhos, descartar conclusões e rever conceitos a fim de manter sempre de pé a bandeira da coerência e da lógica. Não é teoria pronta e acabada; há diversos pontos onde a fundamentação ainda carece de maior desenvolvimento. É uma proposta, um começo. Mas, ao fim, esperamos ter tido sucesso nesta empreitada.


2. Sentença e coisa julgada

A sentença, na definição de Pontes de Miranda, é prestação estatal, com que o juiz solve a obrigação do Estado de decidir a questão, ou decidir quanto à aplicação do direito, ainda que não controvertido. [01]

Quanto ao alcance, poderá ser sobre o mérito ou sobre questão processual. A primeira ocorrerá quando houver decisão sobre a res deducta, a relação jurídica que se controverte, o objeto do pedido. Será processual quando é decidido somente quanto a algum ato jurídico processual, ou pontos de direito processual, ou a relação jurídica processual, sem que se atinja a relação jurídica material controvertida. Decidindo que o credor não tem direito, pretensão, ou ação, ou reconhece-se a ocorrência de prescrição ou outra causa que encubra a pretensão ou a ação de direito material, decide-se quanto ao mérito. Se se decide que a petição inicial foi inepta, que faltou legitimidade processual, que a citação foi inexistente, nula ou ineficaz, enfim, que não foram preenchidas as condições da ação ou observados os pressupostos processuais, decide-se quanto ao processo. [02]

Todas as decisões prolatadas (tanto as sentenças como as decisões interlocutórias) são dotadas de eficácias variadas, que são decorrentes do seu conteúdo. Considerando o conteúdo das decisões, podemos classificá-las em: a) declarativa, declarando sobre a existência ou eficácia de relação jurídica material, ou sobre a autenticidade de documento; b) constitutiva, declarando sobre a validade de relação jurídica material, de modo a alterá-la; c) mandamental, determinando o cumprimento do provimento jurisdicional, independentemente de processo autônomo de execução; d) condenatória, declarando sobre a existência, validade ou eficácia de fato jurídico material e aplicando sanção executória [03]; e) executiva [04], satisfazendo a pretensão do credor, pondo na esfera jurídica do demandante a prestação jurisdicional, à custa do que se deixa com sinal negativo na esfera jurídica do demandado. [05] Ressalve-se que a eficácia predominante da sentença nem sempre será contemporânea com a própria sentença; nem sempre a característica da sentença está na eficácia que ela produz, que às vezes será só confirmativa. Assim, o fato de os efeitos da sentença terem sido antecipados, em nada altera a sua força, e, via de conseqüência, sua classificação. [06]

Em geral, acolhendo-se o pedido, a força – eficácia preponderante – da sentença será equivalente à pretensão. Se, no entanto, a decisão for de improcedência, sua força será sempre declarativa.

Ainda de acordo com a doutrina de Pontes de Miranda, temos que todo provimento judicial possui uma eficácia preponderante – que o caracteriza – e também, em maior ou menor grau, as demais. [07]- [08] Assim, p. ex., toda decisão possuirá um grau de eficácia declarativa, ainda que sua força seja preponderantemente mandamental. [09]

No processo de execução (bem como na chamada fase de execução da sentença, pois ainda que se considere haver um único processo não deixa de haver duas ações sucessivas) os efeitos da eficácia (força) executiva da sentença são, em geral, antecipados por meio de decisões interlocutórias (provimentos executivos) prolatadas no correr do processo, determinando medidas que visem à satisfação da pretensão do credor; nesses casos, o provimento final virá confirmar o que eventualmente já tiver sido feito, possuindo também sempre eficácia declarativa (imediata ou mediata, conforme o caso). Se, no entanto, extingue-se a pretensão sem que esta seja satisfeita, não há execução no processo e nem pode a sentença ser dotada de eficácia executiva; nestes casos a força da sentença prolatada no processo de execução será declarativa. [10]

A formação da coisa julgada material está intimamente ligada à idéia de cognição, que é sempre expressa por meio de provimento que possua efeito declarativo – seja esta a eficácia preponderante ou não. [11] O elemento declarativo da decisão é essência da coisa julgada material. [12]- [13] Não sendo o efeito principal, há que se verificar se apresenta carga suficiente para poder permitir a formação da coisa julgada material sobre os efeitos da sentença. [14]

Destarte, além de quando a declaratividade for a eficácia preponderante, sempre que a eficácia declarativa da sentença for imediata ou mediata, seus efeitos serão velados pela coisa julgada material. A eficácia será imediata quando já se realizou ou não precisa da propositura de nova ação; será mediata quando a sentença que foi proferida não basta àquilo que se tem por fito, e apenas fez nascer a eficácia, que depende de algo mais, fora do que se contém na sentença, [15] é dizer, não se exaure a questão, mas tão somente o suficiente para fornecer embasamento às eficácias imediata e preponderante, afetando de forma inequívoca o direito material subjetivo.

2.1 Coisa julgada formal

A decisão não mais suscetível de reforma por meio de recursos transita em julgado, tornando-se imutável dentro do processo. Configurada a coisa julgada formal, a decisão, como ato daquele processo, não poderá ser reexaminada. É sua imutabilidade como ato processual, provindo da preclusão das impugnações e dos recursos. A coisa julgada formal representa a preclusão máxima, ou seja, a extinção do direito ao processo (àquele processo, o qual se extingue). O Estado realizou o serviço jurisdicional que se lhe requereu (julgando o mérito), ou ao menos desenvolveu as atividades necessárias para declarar inadmissível o julgamento do mérito (sentença terminativa). [16]

A coisa julgada formal é, então, a imunidade e a inalterabilidade da decisão sob seu aspecto puramente formal, sem que questões de direito material sejam afetadas; dar-se-á somente sobre questões relacionadas exclusivamente ao processo, não afeta pontos externos ao processo.

Uma vez acobertada pela coisa julgada formal, a sentença não é mais passível de ser impugnada por recurso ou qualquer outro expediente processual (salvo a ação rescisória), de modo que naquele processo nenhum outro julgamento será feito. [17]

2.2 Coisa julgada material

A coisa julgada material – fundamentada no ne bis in idem, e na necessidade social de se evitar a perpetuação dos litígios – é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito, restringindo-se à declaração jurisdicional; presume a coisa julgada formal. No momento em que estiver preclusa a possibilidade de se recorrer, cria-se uma ‘situação de absoluta firmeza’ dos direitos e obrigações que envolvem as partes e o litígio julgado. [18] Tal efeito é externo ao processo, consistindo na imunização das situações jurídicas criadas, alteradas, desfeitas ou declaradas [19], de modo que nada poderá ser feito por elas próprias, nem por outro juiz ou pelo próprio legislador, que venha a contrariar o que foi decidido (CF 5º, XXXVI; CPC 267, V e §3º). [20] A coisa julgada material impõe o julgado; ao estabelecer situação jurídica e impedir o seu reexame, tal situação é imposta no plano fático. [21]

A coisa julgada material – como imunidade e inalterabilidade da decisão sobre questões exteriores ao processo – extrapola o âmbito deste; refere-se a questões relacionadas à própria pretensão, à sua existência-validade-eficácia. Ela se liga à segurança extrínseca, buscando evitar litígios futuros. O Judiciário, proferindo-as, não fica impedido de conhecer do mesmo objeto, achando-a posteriormente, noutro processo, ‘injusta’, está mesmo autorizado a isso, v.g., por meio da ação rescisória.

Não se nega a possibilidade das partes de transigir ou dispor do direito, mas tão somente se impede que, em prol da segurança jurídica, alguém possa negar a existência da obrigação tal qual declarada em sentença, ou ainda se comportar de modo contrário ao que foi decidido. [22]

Ao passo que toda sentença está sujeita à coisa julgada formal, bastando que tenha se tornado irrecorrível, somente as de mérito são passíveis de ter seus efeitos imunizados pela coisa julgada material.

A garantia constitucional da coisa julgada, bem como sua disciplina infraconstitucional, impedem que no processo ou fora dele os efeitos substanciais da sentença de mérito passada em julgado venham a ser objeto de novo julgamento. [23]

Seu mais significativo efeito processual é a extinção do direito de ação. Ao impedir novo julgamento de mérito, ela exclui o direito do autor de obtê-lo. [24]


3. Cognição

A cognição – elemento fundamental da decisão declarativa – é, na definição de Watanabe, ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do iudicium; [25] é a aquisição do conhecimento necessário para se aplicar o direito aos fatos.

Haverá cognição sobre as condições da ação, os pressupostos processuais e o mérito da ação. A cognição em relação a cada um dos objetos, dependendo do procedimento e do momento em que for prolatada a decisão, poderá ser completa, incompleta ou rarefeita, conforme a classificação de Watanabe. O conhecimento adquirido pelo julgador através da cognição (alegações das partes, provas, etc.) será expresso por meio de decisão, interlocutória – se no curso do processo, ou sentença – se pondo termo ao processo.

A sentença é ato intelectual de índole lógica, que pressupõe apuração e identificação da norma, através da qual o Estado-juiz se manifesta, concretizando a vontade da lei de forma imperativa. A sentença não cria direito, aplica a lei. [26] Tal atividade pode ser esquematizada no silogismo já tradicional: a regra jurídica abstrata constitui a premissa maior, os fatos a premissa menor e o provimento jurisdicional a conclusão.

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Destarte, temos que, qualquer que seja a ação ou procedimento, ao magistrado caberá analisar a situação fática aplicando a legislação cabível, adotando, sempre que for necessário for, as medidas cabíveis para que se dê o efetivo cumprimento de seus mandamentos. Todo ato do juiz que se refere ao direito a ser tutelado, e em especial àqueles que alterem a relação jurídica substancial, envolve cognição; cognição sobre os fatos, sobre o direito, para que então se aplique a regra jurídica pertinente.

"Tem cognitio o juiz que pode conhecer do pedido de tutela jurídica. Toma cognitio o juiz que do pedido conhece. O procedimento per cognitionem, no direito romano, distinguia-se do procedimento per formulam a que sucedeu; mas a dicotomia não interessa ao conceito de cognição, tal como hoje se tem. O juiz conhece de quaisquer pedidos, sejam de declaração, de constituição, de condenação, de mandamento, ou de execução. Todos os juízes dos nossos dias são órgãos do Estado, exceto os arbitrais. Enquanto, no direito romano, a regra era a escolha do juiz, para se lhe submeter a questão exposta na fórmula processual, tendo sido posterior o juiz independente da escolha das partes, a regra, no direito contemporâneo, é o juiz funcionário judiciário e excepcional o juiz arbitral. Já qualquer juiz tem o imperium, tal como exsurgiu com a cognitio extra ordinem ou extraordinaria cognitio. Ainda quanto à execução forçada, completou-se, nos nossos dias, a evolução que se iniciara no direito romano; de modo que há cognição na execução." [27]

Pontes de Miranda ainda destaca a diferença entre cognitio e iudicium, dizendo que o que faz coisa julgada é este e não aquele. O cognitio é mais amplo que o iudicium, abrange mesmo as questões de fato por si mesmas sobre as quais somente haverá iudicium se ligadas a questões de direito. Acrescenta que, inobstante nem sempre haver cognitio na ação executiva, que seria pressuposto, sempre haverá iudicium. [28]

A cognição que interessa para fins de se identificar a coisa julgada material é a cognição que envolve a aplicação do direito material, resultando em juízo sobre o estado fático das coisas, por vezes as alterando, outras só as declarando.

3.1 Cognição no processo executivo

A distinção atribuída por parte da doutrina [29] ao ‘binômio conhecimento-execução’ é equivocada e insustentável. [30] Diz-se que na primeira opera-se o juízo e na segunda a realização prática de suas conseqüências; que numa a lide (na terminologia de Carnelutti) é de pretensão resistida, e noutra de pretensão insatisfeita; naquela opera-se a certeza quanto à res deducta, e nesta o interesse do litigante. [31] É realmente possível defender tais argumentos? São eles coerentes? No processo de conhecimento não há que se falar em realização prática de suas conseqüências? Que dizer então da antecipação dos efeitos da tutela? Que dizer dos provimentos mandamentais e constitutivos? Não há conhecimento no processo de execução? E quando se indefere a inicial por não se verificar os pressupostos processuais e condições da ação? E quando, para os que a admitem, demonstrada por meio de exceção a inexigibilidade do título, ou ainda sua invalidade ou inexistência? E que diferença tão vultosa é essa que distingue a pretensão resistida da insatisfeita? Por acaso a pretensão resistida é satisfeita? E a pretensão insatisfeita não só o é por ser resistida (pois se assim não fosse, insatisfeita não seria mais)?

Cinco são os tipos de ação, cumuláveis no mesmo processo desde que haja compatibilidade [32] de rito. A incompatibilidade existente, via de regra, entre o rito executivo e os demais dá azo a esta aparente dicotomia, o que, de modo algum, pode ser entendido como sujeição a regras e princípios diversos.

Cognição há em todos as ações, processos e ritos; como bem acentuou Pontes de Miranda, será mais ou menos preponderante de caso a caso, mas sempre existirá. Os que defendem o contrário não se atentam, de acordo com o mestre, a que as ações executivas com adiantamento de cognição estariam, com razão igual, em qualquer das duas classes, a que há ações de cognição com carga imediata de executividade e a que muitas questões se levantam durante o processo das execuções que não são questões de execução nem a elas corresponde processo executivo. [33]

Outrossim, a natureza da ação ajuizada não vincula a do provimento jurisdicional; não há vínculo necessário entre a classe da ação e a natureza das decisões proferidas nos autos do processo. O autor pode ajuizar ação condenatória, e ter, p. ex., o processo extinto por sentença declaratória, que declare a inexistência da pretensão. Da mesma forma, no curso duma ação condenatória poderão ser publicados diversos atos jurisdicionais – i.e., decisões – de natureza declaratória, constitutiva, mandamental, etc..

Destarte, temos que o fato de a ação ser de execução não implica, de forma alguma, em que todos os atos jurisdicionais serão de natureza executiva. A própria sentença a que se refere o art. 795, do CPC, tem natureza declarativa em relação à extinção do direito subjetivo material (que resulta da ocorrência de qualquer das hipóteses elencadas no artigo precedente, e outras a que nos referiremos no item 4, infra), decretando-se a extinção do processo.


4. Extinção do processo executivo e coisa julgada

O processo de execução forçada tem por fim programado a exaustão de seus atos e a satisfação de seu objeto, i.e., o pagamento ao credor do que lhe é devido pelo devedor. Na medida em que fica satisfeito o direito do credor, extingue-se, portanto, a relação jurídica pela qual a execução foi promovida. [34]

Poderá também ocorrer a extinção do processo executivo por outras formas – chamadas ‘anômalas’ pela doutrina. Tal extinção se dará com a ocorrência de qualquer das causas de extinção da obrigação previstos no direito material (remição, novação, remissão, confusão, transação, etc.), ainda que ocorra fora do processo. [35]

Outrossim, poderá haver a extinção em razão da desistência da ação executiva pelo exeqüente, ou ainda como resultado do acolhimento de embargos do devedor.

Também havendo acolhimento de objeção (matéria de ordem pública: condições da ação, pressupostos processuais) ou exceção (questões sobre direito disponível) do executado que tenham sido interpostos, resultará sempre na extinção do processo (ao menos em face daquele executado, em caso de litisconsórcio), sem julgamento de mérito num caso, e com noutro.

A inexistência do direito subjetivo material invocado como base da pretensão executiva também poderá ser atestada por outros meios que não a sentença de procedência dos embargos do executado, quais sejam: a) julgamento de recurso, ao qual não tenha sido atribuído efeito suspensivo, cassando a sentença provisoriamente executada; b) rescisão da sentença civil condenatória trazida como título para a execução; c) revisão criminal que atinge a sentença penal condenatória utilizada como título para a execução civil; [36] d) anulação por meio de processo autônomo do título extrajudicial ou de ato no processo judicial que deu origem ao título. Nestes casos haverá dentro do processo executivo pronunciamento judicial declarando não só a inexistência do título como do próprio crédito; declara-se judicialmente a inexistência do direito material.

A extinção do processo será sempre decretada por meio de sentença, que é o instrumento apto para tanto. Ainda que não se possa dizer que sempre haverá um julgamento do mérito propriamente dito, não há que se negar que também no processo executivo as decisões judiciais se dividem entre aquelas que versam sobre o direito material (mérito) e as que versam sobre o processo, questões externas e internas ao processo. [37]

Teresa Wambier diz ainda que "coisa julgada é a qualidade de marcante estabilidade que se agrega aos efeitos da sentença, quando esta define uma situação jurídica." Esta estabilidade consiste em "tendência vocacionada à imutabilidade e só atinge enunciados a respeito dos quais tem sentido falar-se em durabilidade no tempo, já que dispõem algo a respeito de certa relação jurídica". [38]

O adimplemento da obrigação tem por efeito imediato e inexorável, independentemente de qualquer declaração judicial posterior, a sua extinção. Pretender que, nestes casos, a tutela jurídica não produz efeitos externos ao processo é negar a própria lógica das coisas. [39]- [40]

A pretensão a executar é pretensão à tutela jurídica e pré-processual. Por isso, e somente por isso, a resolução judicial pode ser desfavorável: a ação executiva corresponde à pretensão de direito material, e não à pretensão à tutela jurídica (de execução, no caso). [41] E por ser pré-processual, é que falamos em mérito.

Dinamarco, em estudo sobre o tema, [42] diz que o objeto do processo é a pretensão processual – a satisfação do crédito, no caso da execução – excluindo a lide como substância de tal objeto. O mestre a conceitua como "a aspiração do demandante, veiculada pela demanda, devendo sobre ela prover o órgão jurisdicional."

Quando o julgador extingue o processo executivo por não estar configurada condição da ação ou pressuposto processual, ainda que detectada tardiamente em embargos de devedor ou ainda no próprio processo executivo por meio de objeção, há sentença sobre o processo. Destarte, temos que uma vez consumada a preclusão da decisão, seus efeitos ficam acobertados pela coisa julgada formal.

Se, no entanto, o processo é extinto com base em fato de direito material (a extinção da obrigação), é conclusão lógica e inevitável que tal decisão deve ser considerada como de meritis, [43] e, uma vez operada a preclusão, seus efeitos ficam imunizados pela autoridade da coisa julgada material. [44]- [45] Quando a pretensão é satisfeita, a eficácia preponderante da sentença que põe fim ao processo de execução é executiva (na verdade, mera confirmação do que já foi executado), no mesmo momento é declarada a extinção da pretensão de direito material (não há necessidade de proposição de nova ação para se obter declaração sobre a existência da relação jurídica de direito material). Se a pretensão é extinta sem ser satisfeita, a eficácia preponderante será a própria declarativa.

Aceitando-se a possibilidade de se opor exceções na própria ação executiva (e não somente em sede de embargos), teremos decisão que versará sobre questão anterior e exterior ao processo de execução, pelo que se torna insustentável dizer que não há julgamento de mérito em processo executivo. Mesmo quem entende, de forma ‘óbvia’, que não há julgamento de mérito na execução, abre exceção para este caso. [46]

Quando, nos termos dos art. 794 e 795, do CPC, o juiz decreta a extinção do processo de execução, somente o faz porque também está declarando a extinção da pretensão. [47]- [48] Dinamarco leciona que uma vez satisfeita integralmente a pretensão e atuado o direito ou de alguma forma cessada a exigência do credor, o direito subjetivo material por ele antes ostentado fica extinto, e, conseqüentemente, cessados os objetivos que justificavam e animavam o processo de execução, é natural que ele também se extinga. [49]

Idêntica é a atuação do juiz no processo de conhecimento nas hipóteses do art. 269, II, III e V. Pergunta-se: qual a diferença entre a cognição, a declaratividade, dos atos do juiz nestes casos nesses dois processos distintos? Por que se daria à decisão proferida no processo de cognição a natureza de decisão de mérito e se a negaria no processo de execução se o ato cognitivo realizado pelo julgador foi exatamente o mesmo, assim como a forma do decisum, sendo certo que o fato de se encontrarem em tipos de processos diferentes em nada influenciou o ato cognitivo em si? [50] Afinal, "a teoria da execução não deve ser construída mediante conceitos próprios, destacados da teoria geral do direito processual civil". [51]

Entender que a decisão não gera efeitos extraprocessuais leva a absurdos. Nos casos da remissão ou da renúncia ao crédito se chegaria à conclusão inaceitável de que ao titular do crédito que foi extinto seria lícito, p. ex., ajuizar ação declarativa (sobre o título), ou mesmo condenatória, sem que isso acarretasse ofensa ao conteúdo da decisão judicial.

Assim, a decisão que extingue liminarmente o processo executivo por ilegitimidade de parte ou por reconhecer prescrição ou decadência de ofício, versa sobre a própria existência ou exigibilidade da pretensão. Tal decisão possui exatamente a mesma carga cognitiva daquela proferida no processo de conhecimento no mesmo estágio. Em ambos os casos há decisão de mérito; não há como as diferenciar.

Também no caso de ocorrer prescrição intercorrente, que se dará, p. ex., quando o processo ficar suspenso por falta de bem penhorável (CPC 791, III), haverá extinção do direito subjetivo a ser decretada nos autos executivos. [52]

Quando o juiz sentencia procedentes os embargos de devedor (CPC 741 e 745) onde haja declaração sobre a existência, validade, eficácia do título, deve ainda sentenciar na ação de execução [53]. Esta sentença extinguirá o feito declarando a inexistência duma das condições da ação. Da mesma forma se procederá quando for declarada a ausência insanável de pressuposto processual na ação executiva. [54] Assim, no primeiro caso, teremos julgamento de mérito em sede de embargos e sentença sem julgamento de mérito na execução; no segundo caso, ambas serão terminativas.

O título executório, em todos os seus aspectos, fundamento da execução que é, não é abarcado pelo limite objetivo da coisa julgada material. [55] A sentença da execução disporá somente sobre a (in)existência da relação jurídica material, não havendo, em geral [56], qualquer pronúncia sobre o título, que poderá ser discutida em processo autônomo com tal fito. [57]- [58] Daí se poder concluir que é rescindível a sentença executiva. [59]- [60]

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Sobre o autor
Marcelo Azevedo Chamone

Advogado, Especialista e Mestre em Direito, professor em cursos de pós-graduação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAMONE, Marcelo Azevedo. Coisa julgada na execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2359, 16 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14025. Acesso em: 22 dez. 2024.

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