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Fuga na penitenciária: o policial pode atirar no preso que foge?

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20/12/2009 às 00:00

Resumo:


  • O "direito de fugir" não existe para o preso, sendo seu dever cumprir a pena imposta e não tentar evadir-se.

  • O policial tem o dever legal de impedir a fuga do preso, podendo, em último caso e sem outro meio não-letal disponível, atirar para neutralizar o fugitivo.

  • O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular justifica a ação do policial em defesa da sociedade, garantindo a segurança coletiva.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Se não houver outros recursos não-letais, pode o policial atirar no preso que foge ou exige o direito que ele deixe o preso fugir para preservar a vida do fugitivo?

1. Introdução

Tema controvertido entre os experts, até o momento não se tem uma posição pacífica sobre a legalidade do ato de policial que atua na segurança externa dos estabelecimentos prisionais atirar no preso que foge, para impedir a fuga. Não se cogita da fuga mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa. É o caso do preso que só foge, pacificamente.

O assunto tem levantado polêmica, gerando os mais acalorados debates. Existem fortes argumentos dos dois lados, embora pouco, ou nada, se escreva sobre o tema. É devido a essa escassez de trabalhos jurídicos sobre a matéria e a importância e controvérsia do assunto, que o mesmo se faz alvo do presente artigo.

Por um lado, defende-se o alegado "direito de fugir", por ser a liberdade uma necessidade instintiva da natureza humana. Fugir, por si só, não configura delito.

De outro vértice, apresenta-se o dever legal do policial que se encontra na guarita da Penitenciária ou da Cadeia Pública, exercendo a função de segurança externa do estabelecimento prisional, de impedir a evasão do condenado. O policial deve usar de todos os meios legais, necessários e adequados para impedir a fuga. Se não houver outros recursos não-letais, pode o policial atirar no preso que foge ou exige o direito que ele deixe o preso fugir para preservar a vida do fugitivo?

É esse conflito de direitos e obrigações o foco do presente estudo.

Passa-se à análise do tema.


2. O "direito de fugir"

Tornou-se corriqueiro afirmar no âmbito social e até mesmo no âmbito jurídico que o indivíduo preso tem o direito de fugir do estabelecimento prisional. Referido direito, o desejo, a busca da liberdade, seria natural do ser humano. O ministro Marco Aurélio, comentando sobre o polêmico julgamento do Habeas Corpus impetrado pelo italiano Salvatore Cacciola, que, após conseguir a liberdade, fugiu do país, afirmou que a liberdade é direito natural do ser humano e a obstrução ao constrangimento nitidamente ilegal, ainda que não esteja inscrita em lei positiva, é imanente dos direitos da cidadania brasileira. Segundo comentou o ministro "Enquanto a culpa não está formada, mediante um título do qual não caiba mais recurso, o acusado tem o direito — que eu aponto como natural — que é o direito de fugir para evitar uma glosa que seria precipitada", disse o ministro.

A liberdade é sentimento inerente à condição do homem, sendo um direito individual garantido como cláusula pétrea na Constituição da República. Por isso, é pacífico não se incriminarem algumas condutas, que, a princípio, estariam tipificadas na legislação. Não comete crime de resistência a pessoa que se agarra a um poste, no momento da prisão, para não ser conduzida pela polícia, por exemplo.

Tanto que não há pena no Código Penal para a conduta "fugir", mas sim por "promover" ou "facilitar" a fuga (art. 351, do CP). A fuga do prisioneiro, em si mesma considerada, não é crime e se não está disposto no rol dos delitos, o fato da ausência também não poderá ser interpretado como agravante em nenhuma hipótese.

Para que haja crime na evasão do condenado, é necessário que o recluso empregue violência ou grave ameaça contra a pessoa, como preceitua o art. 352, do Código Penal. Como ensina Guilherme de Souza Nucci: "[...] a fuga do preso somente é punida se houver violência contra a pessoa, visto ser direito natural do ser humano buscar a liberdade, do mesmo modo que se permite ao réu, exercitando a autodefesa, mentir." (NUCCI, 2007, p. 1111).

Nem mesmo a destruição praticada contra o estabelecimento (grades cortadas, paredes quebradas, buracos abertos no subsolo), no intuito de empreender fuga, configura crime de dano contra a Administração. Nesse sentido, a jurisprudência:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. DANO. FUGA DE PRESO.

I - Na linha de precedentes desta Corte, não configura crime de dano se a ação do preso foi realizada exclusivamente para a consecução de fuga. A evasão por parte de preso só está prevista como crime na hipótese de violência contra a pessoa (art. 352, do CP).

II - A evasão, com ou sem danos materiais, ganha relevância, basicamente, em sede de execução da pena. Recurso desprovido.

(STJ. REsp 867.353/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, j. em 22/05/2007).

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. CRIME DE DANO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO (ART. 163, PAR. ÚNICO, III DO CPB). PRESO QUE EMPREENDE FUGA, DANIFICANDO OU INUTILIZANDO AS GRADES DA CELA ONDE ESTAVA CUSTODIADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS NOCENDI). PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. ABSOLVIÇÃO. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, PARA ABSOLVER O PACIENTE DO CRIME DE DANO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO.

1. Conforme entendimento há muito fixado nesta Corte Superior, para a configuração do crime de dano, previsto no art. 163 do CPB, é necessário que a vontade seja voltada para causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa (animus nocendi). Dessa forma, o preso que destrói ou inutiliza as grades da cela onde se encontra, com o intuito exclusivo de empreender fuga, não comete crime de dano.

2. Parecer do MPF pela concessão da ordem.

3. Ordem concedida, para absolver o paciente do crime de dano contra o patrimônio público (art. 163, par. único, III do CPB).

(STJ. HC 85.271/MS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. em 06/11/2008).

Assim, desde que não pratique violência ou grave ameaça contra a pessoa, não comete crime o preso que foge.

Todavia, o alegado direito à fuga, como será demonstrado, inexiste. O condenado tem deveres a serem observados, dentre eles o de ter comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença que o condenou, sendo-lhe vedada conduta tendente a apoiar movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina (art. 39, I e IV, da Lei 7.210/84).

A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho. No cumprimento da sentença, o recluso deve respeitar as disposições gerais disciplinares, legais ou regulamentares.

Deste modo, ao iniciar a execução da pena, o condenado ou denunciado (preso provisório) será cientificado das sanções disciplinares, cujas infrações se subdividem em graves, médias e leves. As sanções médias e leves serão regidas por lei local ou regulamento. Por sua vez, as faltas graves estão expressamente reguladas na Lei n.º 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e, portanto, devem ser observadas por presunção legal.

A fuga configura falta grave na execução penal (art. 50, II, da Lei 7.210/84), acarretando diversas sanções administrativas e disciplinares em desfavor do condenado, como a perda dos dias remidos, a regressão do regime, o mau comportamento, a perda das regalias. Sobre o tema:

EXECUÇÃO PENAL -COMETIMENTO DE FALTA GRAVE -PERDA DOS DIAS REMIDOS -INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO (ART. [127] DA LEP). - A regra do art. 127 da Lei das Execuções Penais estabelece que o benefício pode ser cassado, em caso de cometimento de falta grave pelo preso. Essa é a hipótese vertente, pois, de acordo com as informações prestadas, o paciente, valendo-se do benefício do regime semi-aberto, empreendeu fuga da penitenciária em que se encontrava, incorrendo em falta grave, motivo pelo qual teve decretada a regressão do regime prisional e a perda dos dias remidos. - Esta Corte, reiteradamente, tem decidido que em casos como o dos autos, não há falar em direito adquirido, sendo perfeitamente possível a perda dos dias remidos. - Ordem denegada.

(STJ. HC 12905/SP, Rel.: Ministro JORGE SCARTEZZINI, j. em 12/02/2001).

HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. FUGA. PERDA DOS DIAS REMIDOS. ART. 50, II, E ART. 127 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS (LEI N° 7.210/84). LEGITIMIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A fuga do preso é considerada falta grave, nos termos do art. 50, II, da Lei de Execuções Penais, razão pela qual é legítima a decisão que decreta a perda dos dias remidos com base neste fato. 2. A decisão do Superior Tribunal de Justiça impugnada no presente habeas corpus está em harmonia com os precedentes do Supremo Tribunal Federal, não havendo qualquer ilegalidade a ser sanada. 3. Ordem denegada.

(STF. HC 91587, Rel.: Ministro JOAQUIM BARBOSA, j. em 29/04/2008).

Se o condenado estiver cumprindo pena em regime fechado, a fuga consumada ou tentada por ele praticada o impede de obter a progressão de regime para outro menos rigoroso (semi-aberto). Ademais, a fuga faz com que se interrompa o prazo prescricional e sujeita o infrator às penalidades administrativas consistentes na suspensão ou restrição de direitos, ou isolamento temporário na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo. É relevante declinar que na aplicação das sanções disciplinares levar-se-á em conta a pessoa do faltoso, a natureza e as circunstâncias do fato, bem como as suas conseqüências (LUPO, 2002, p. 33-35).

Em fase de execução da pena, outrossim, se o preso que cumpre pena em regime semi-aberto fugir ou tentar fugir, com a punição pela falta grave perderá automaticamente a possibilidade de obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, para visitar sua família, frequentar curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução de segundo grau ou superior, na comarca do Juízo da Execução ou participar em atividades que concorram para o retorno ao convívio social, caso tenha cumprido o mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto se reincidente. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

Além do mais, os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios, na hipótese da prática da infração em epígrafe, perderão o direito de obter permissão de saída do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão, ou em caso de necessidade de receber tratamento médico.

Cumpre ressaltar, ainda, que nas hipóteses legais em que se admite a autorização para o trabalho externo, isto é, dependendo da aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de um sexto da pena, a prática da falta grave em foco acarretará a revogação do benefício mencionado.

Na hipótese de estar a pessoa condenada a pena restritiva de direitos, se for punido pela infração disciplinar em tela sofrerá conversão da medida em pena privativa de liberdade, a exemplo do que acontece no caso das penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana. Nesta hipótese, no cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão, consoante a recente modificação legislativa dada pela Lei n.º 9.714, de 25 de novembro de 1998.

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Não se pode deixar de atentar, além disso, que se o detento praticar aludida infração administrativa durante o cumprimento da reprimenda, pode deixar de ser beneficiado em eventual indulto que lhe concederia a comutação da pena, vez que em face da sua má conduta prisional deixaria de deter requisito objetivo autorizador da benesse.

Da mesma maneira, se o detento praticar a falta grave disciplinar em questão deixará de ser beneficiado com o livramento condicional, por não ter comportamento satisfatório durante a execução da pena revelando seus antecedentes carcerários e demonstrando que a pena que lhe foi imposta ainda não cumpriu as finalidades supra mencionadas. É relevante ressaltar, ainda, que se o detento contribuir de qualquer maneira para que seu companheiro de cela consiga ou tente fugir, isto é, se ele auxiliar, induzir ou instigar outrem a cometer a aludida infração disciplinar também sofrerá as consequências traçadas.

Em nível processual, ainda que possa haver tempero orientado pela Súmula n. 347 do Superior Tribunal de Justiça, o Código de Processo Penal (art. 595) diz que se a fuga ocorrer após a interposição do recurso de apelação da sentença condenatória, o apelo será considerado deserto, o que inviabiliza o seu julgamento, pois se extingue de forma anômala.

Finalmente, deve-se ressaltar que, em certas situações, além das sanções referidas, concomitantemente pode o preso estar praticando o crime de evasão mediante violência, e pela simples circunstância de ter sido praticado fato previsto como crime doloso, tal conduta constitui falta grave e sujeita o preso ou condenado a sanção disciplinar, sem prejuízo da sanção penal.

Se fugir fosse um direito, o exercício desse direito não poderia prejudicar o seu titular.

Rechaçando o alegado "direito de fugir", Fernando Pascoal Lupo, após fundamentado arrazoado, arremata:

Portanto, fica evidente que o preso, condenado ou provisório, não tem o direito de fugir, como antes se pensava, pois sua liberdade de locomoção foi restringida temporariamente em virtude da execução da pena, ou da possibilidade de futura sentença condenatória.

E, para dar maior ênfase ao pensamento do legislador, considerou-se que a mera tentativa de falta grave será punida com a sanção correspondente à falta consumada. Dessa forma, se o preso tentar se evadir também receberá a punição, como se consumada fosse a falta grave. [...]

Por essas razões, definitivamente está afastado o entendimento errôneo de que o preso teria o direito de fugir, quando, na realidade, verificamos as diversas sanções decorrentes da fuga consumada ou tentada. (LUPO, 2002, p. 33-35).

Sobre o tema, Júlio Fabbrini Mirabete ensina que não existe o direito de fugir, mas sim o dever do preso de se submeter à pena e até mesmo à prisão preventiva. Nas palavras do doutrinador:

Frente ao pretendido "direito" ou "dever" de fugir, que todo preso teria, conforme certa doutrina, é adequado registrar na lei que estará ele desobedecendo a um dever para com a Administração ao tentar adquirir a liberdade pela fuga ou evasão. A evasão, como infração de duas ordens jurídicas, a penal e a penitenciária, pode comportar consequências em ambos os setores do ordenamento jurídico: no penal, a responsabilidade pelo delito previsto no art. 352 do CP, e no penitenciário, pela ocorrência de falta disciplinar grave (art. 50, da LEP). Embora a evasão somente se constitua em ilícito penal, no nosso ordenamento jurídico, quando se utiliza o preso de violência, a fuga do preso é um fato antijurídico por ser uma violação do dever expresso no art. 38 da LEP. A principal obrigação legal, fundamental mesmo, inerente ao estado do condenado a pena privativa de liberdade, é justamente a de se submeter o preso a ela, ou seja, a não procurar furtar-se à pena pela fuga ou evasão. Torna-se indiscutível, pois, a obrigação fundamental de cumprir com o dever de se submeter à pena, ou mesmo à prisão preventiva por força do art. 39, parágrafo único, para cuja consecução a Adminstração há de contar com os pertinentes meios coercitivos e disciplinares, sempre combinando justamente um critério de rigor, na defesa da ordem nos estabelecimentos penais, requerido pelas próprias necessidades do internamento, e da demanda social de paz, com o humanismo que inspira toda a reforma penitenciária (MIRABETE, 1997, p. 110).

No mesmo sentido, o parecer do Deputado Luís Antônio Fleury Filho:

Aqueles que dizem que a fuga do preso não pode ser considerada um crime sustentam que é um direito do preso. É uma confusão brutal. A liberdade é um direito do cidadão. Mas, o indivíduo que comete um crime vai retomar à liberdade depois de cumprir sua pena. Se a fuga fosse um direito do preso, o Estado teria que fornecer os meios para ele fugir (FLEURY FILHO, 1999, p.3).

Citando voto vencedor do Ministro Sepúlveda Pertence, ensina Luiz Regis Prado (2002, p. 742):

A fuga, ao contrário do que costumeiramente se diz, não é um direito, e muito menos o exercício regular de um direito; é simplesmente a fuga, sem violência, um fato penalmente atípico, porque o tipo é a evasão com violência à pessoa. De tal modo que o simples fato de não ser típica a fuga, obviamente, não elide a criminalidade de qualquer crime cometido com vistas à evasão.

(STF – RE – Voto vencedor do Min. Sepúlveda Pertence – RTJE 80/246).

Por sua vez, explica o professor Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar:

Ora, se há o direito do Estado de prender, de modo provisório ou definitivo, não poderia haver o direito do réu ou condenado de fugir, pois o exercício desse direito significaria a anulação do outro. O Ministro (Ministro Marco Aurélio, no julgamento do italiano Salvatore Cacciola) referiu-se, com correção, ao fato de que qualquer pessoa, quando presa ou ameaçada de prisão, tem o ardente desejo de preservar ou reconquistar sua liberdade. Isso é plenamente compreensível, mas, de maneira alguma, é justificável em caso de prisão lícita. Utilizando desse mesmo raciocínio, pode-se dizer então que qualquer desejo de alguém é justificável, basta que se queira. Para ilustrar o raciocínio: o homicídio e o estupro são dois crimes encontrados em qualquer sociedade humana. Por isso, podemos considerá-los "naturais e inatos" ao ser humano. Alguém, por acaso, defenderia que essas condutas tornam-se legítimas por isso? Em um Estado de Direito, a discordância da decisão judicial é sempre legítima, mas deve ser exercida dentro dos termos previstos em lei, ou seja, ajuizando as ações e os recursos necessários. [...]

Quando um Ministro do STF considera que a fuga de um réu preso ou mesmo de um condenado é um direito dele, temos um fato gravíssimo que consiste uma mensagem cada vez mais ouvida pela sociedade: o crime compensa, ou seja, seus riscos são tão pequenos que vale a pena cometê-lo. A chance de ser pego é mínima, sendo que no decorrer do processo lhe é permitido mentir e utilizar expedientes protelatórios que podem ter como conseqüência a prescrição da pena. Na eventualidade de ser condenado, pode não ser preso por ausência de vagas no sistema prisional. E agora, caso o seja, poderá fugir, pois este é um "direito" seu! Trata-se de uma demonstração efetiva do "laxismo penal" em ação! (AGUIAR, 2007).

Logicamente, se a lei elenca como falta grave a fuga, o preso tem a obrigação legal e disciplinar de não fugir.

Por todos os fundamentos expostos, deve-se concluir que não existe, no ordenamento pátrio, o direito de fugir, mas sim a obrigação legal do condenado à pena privativa de liberdade, ou do preso provisório, de se submeter à prisão, ou seja, a não procurar furtar-se à pena pela evasão.


3. O estrito cumprimento do dever legal

Optou-se aqui por discorrer sobre a referida excludente por ser a que melhor se afigura na conduta do policial que atira no condenado fugitivo para impedir a evasão. Caso o policial atirasse para defender a si próprio ou a terceiro, além dessa excludente, ainda estaria prevista a justificante da legítima defesa, conforme o caso concreto.

Todavia, como já delimitado, a pretensão aqui é analisar a legalidade do ato do policial que atira no preso que foge, pelo "simples" ato da fuga.

Prevista no art. 23, III, primeira parte do Código Penal, o estrito cumprimento do dever legal é uma causa de exclusão da ilicitude, deixando o fato praticado de ser antijurídico. Quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ato ilícito, uma vez que a lei não contém contradições (MIRABETE, 2005, p. 188-189).

Aquele que age limitando-se a cumprir um dever que lhe é imposto por lei penal ou extrapenal e procede sem abusos no cumprimento desse dever não ingressa no campo da ilicitude. Sob esse raciocínio, estão amparados pela excludente: o policial que cumpre um mandado de prisão, o policial ou o servidor do judiciário que viola o domicílio para cumprir mandado judicial de busca e apreensão, o soldado que elimina o inimigo no campo de batalha, o servidor público que comunica a ocorrência de crime à autoridade, quando dele tenha ciência no exercício das funções (SCHWARTZ, 2007, p. 3). Também "agem em estrito cumprimento do dever legal os policiais que empregam força física para cumprir o dever (evitar fuga de presídio, impedir a ação de pessoa armada que está praticando um ilícito ou prestes a fazê-lo [...])." (MIRABETE, 2005, p. 189).

Fernando de Almeida Pedroso (1997, p. 378) cita exemplos colhidos da jurisprudência:

De igual forma, o policial que comete lesões corporais, atirando contra a perna de criminoso em fuga, atua sob o pálio do estrito cumprimento do dever legal, como o fazem, em relação aos delitos contra a honra, o funcionário público que emite conceito injurioso ou difamatório sobre alguém, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício, a testemunha que emita considerações contumeliosas relativas a alguém em resposta a perguntas do magistrado, já que a lei a obriga a declarar a verdade, e o Promotor de Justiça que, ao fundamentar pedido de prisão preventiva, tece consideração desabonadora com relação a outrem.

Embora existam ressalvas por parte da doutrina, a jurisprudência é pacífica no sentido de que mesmo no crime de homicídio poderá ser reconhecida a excludente do estrito cumprimento do dever legal, com a consequente exclusão da antijuridicidade.

Nesse sentido:

Agem em estrito cumprimento do dever legal integrantes de escolta policial que, em diligência, eliminam autor de crime de homicídio que, ao receber voz de prisão, se rebela, fazendo uso de sua arma. (RT 519/409) (citada por FRANCO, 1993, p. 136).

RECURSO DE OFÍCIO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CRIME DA COMPETÊNCIA DO JÚRI. LEGÍTIMA DEFESA E ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. COEXISTÊNCIA DE SITUAÇÕES. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Age não só em legítima defesa, mas também no estrito cumprimento do dever legal, o policial civil que ao efetuar uma prisão é enfrentado a tiros pelo criminoso e reage, abatendo-o.

(TJSC. Rec. Crim. nº. 9.640. Rel. Des. Alberto Costa).

Por dever legal se compreende toda e qualquer obrigação direta ou indiretamente derivada de lei. Pode ser a própria lei, como o decreto, o regulamento, ou qualquer ato administrativo infralegal, a exemplo da diretriz, desde que originária de lei. A norma não precisa ser de natureza penal (DELMANTO, 2002, p. 45). Excluem-se as obrigações de natureza social, moral ou religiosa, não previstas em lei (CAPEZ, 2000, p. 243).

Não se admite a excludente nos crimes culposos (JESUS, 2002, p. 104).

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Sobre o autor
Diego Schwartz

policial militar em Santa Catarina, Pós-graduado em Direito pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC e Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHWARTZ, Diego. Fuga na penitenciária: o policial pode atirar no preso que foge?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2363, 20 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14036. Acesso em: 22 dez. 2024.

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