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A impossibilidade da veiculação da sentença após a decisão da ADPF 130

21/12/2009 às 00:00
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Discussão atualíssima e, até mesmo por esse fato, com pouquíssimas decisões a seu respeito, é a que trata da possibilidade ou não da condenação de órgão de imprensa a publicar o teor da sentença judicial.

Este expediente esteve previsto por longos anos na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967), especificamente em seu artigo 75, que assim dispunha:

Art. 75. A publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, será decretada pela autoridade competente, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação, ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada.

Parágrafo único. Aplica-se a disposição contida neste artigo em relação aos têrmos do ato judicial que tenha homologado a retratação do ofensor, sem prejuízo do disposto no § 2º, letras a e b, do art. 26.

A publicação da sentença constituía obrigação da parte vencida (ofensora), exercível pelo ofendido, mediante pedido expresso, se tratando portanto de faculdade deste último.

Analisando-se a natureza jurídica da publicação da sentença, verificamos que se tratava – verbo no pretérito ante a atual inaplicabilidade da Lei de Imprensa – verdadeira sanção com natureza de sucumbência.

Esse ônus estava amparado em norma jurídica positivada, prevendo a aludida situação, que, como já se disse, facultava ao ofendido o requerimento da publicação da sentença como forma tanto de punir o ofensor como de reparar o ofendido.

Entretanto, sobreveio recentemente o famoso julgamento da ADPF 130 pelo Supremo Tribunal Federal. Nossa instância constitucional suprema decidiu pela não-recepção, na íntegra, da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988. Inclui-se na inconstitucionalidade, portanto e por óbvio, a previsão de publicação da sentença.

Isso devidamente esclarecido, cumpre reforçar a inexistência de previsão da possibilidade de publicação da sentença em qualquer outro instrumento normativo vigente. Desta forma, é fato incontroverso que não se trata, pois, de um direito assegurado.

Com o julgamento da ADPF 130 criou-se um limbo jurídico no que concerne às questões jurídicas relativas à imprensa. Isso não há de se negar. A idéia de que toda e qualquer questão então tratada na Lei de Imprensa encontre correspondência na legislação ordinária é ilusória.

No que concerne ao tema aqui tratado, opiniões diversas surgiram. Algumas delas defendendo que seria sim possível exigir-se a publicação de sentença, desde que requerida na forma de obrigação de fazer.

Parece frágil, contudo, esse argumento.

A obrigação de fazer está prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil, que trata da tutela específica nas obrigações de fazer e não fazer. É este mecanismo jurídico portanto uma forma de obrigar alguém a cumprir uma obrigação que lhe seja cabível e que não tenha sido realizada voluntariamente. É o mecanismo que visa determinar, com força coercitiva, que o devedor exerça uma determinada conduta a que esteja obrigado, que, porém, não tenha exercido voluntariamente.

Ponto chave desta questão é a obrigação. Está no nome do instituto: obrigação de fazer. Para que alguém requeira o cumprimento forçado de uma obrigação, é necessário que o destinatário da ordem requerida esteja obrigado a adotar determinada conduta.

A ordem judicial, neste caso, não estaria a criar uma conduta a ser seguida, mas sim a reconhecer o direito de alguém a ver cumprida uma conduta a que outro alguém já estivesse obrigado, não a tendo exercido voluntariamente.

Isso posto, vale questionar: como surge uma obrigação? A resposta é: uma obrigação decorre de imposição legal ou de assunção voluntária, por meio de um contrato.

Isso observado, há de salientar que não existiria, portanto, qualquer obrigação de fazer, mas sim uma vontade de que fosse feito, por parte do requerente. E como mero anseio, seu cumprimento não se pode exigir.

Fazer o contrário implicaria, necessariamente, em violação ao princípio da legalidade. Assim prevê a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II:

Ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Isso esclarecido, parece impossível determinar-se o cumprimento de uma obrigação que não está prevista nem na lei, nem em contrato.

Até porque a sanção para um eventual deslize da mídia está prevista na lei: direito de resposta – e aqui outro tema tortuoso, ante o julgamento da ADPF – e a indenização. Já a publicação de sentença não encontra amparo jurídico.

Diante do que foi sustentado, concluo que parece insustentável a tese de cabimento da publicação de sentença após a decisão do STF que concluiu pela não recepção da íntegra da Lei de Imprensa pela Constituição atualmente vigente.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Lima Cordeiro

Advogado, especialista em direito de Mídia e Comunicação

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Marco Aurélio Lima. A impossibilidade da veiculação da sentença após a decisão da ADPF 130. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2364, 21 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14046. Acesso em: 7 mai. 2024.

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