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Da inconstitucionalidade da cobrança de taxas em universidades públicas

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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do direito à educação. 3. Do princípio da gratuidade do Ensino Público – Art. 206, IV, da CF/88; 3.1 Da exceção à gratuidade do ensino público – art. 242 da CF/88 4. Da inconstitucionalidade da cobrança de taxas por violação ao art. 206, inciso IV, da CF/88. 5. Da inconstitucionalidade da cobrança de taxas pela ocorrência de Bi-tributação. 6. Do entendimento do Supremo Tribunal Federal – Súmula Vinculante n. 12. 7. Conclusão.


1. Introdução

Devido à controvertida interpretação conferida pelas diversas universidades públicas do país, acerca da abrangência do princípio da gratuidade do ensino público, previsto no art. 206, IV, da Constituição Federal, inúmeras ações foram levadas ao Judiciário, a fim de questionar a cobrança de taxas pela prestação do serviço público de ensino, o que levou o Supremo Tribunal Federal a editar, em agosto de 2008, a Súmula Vinculante n. 12, vedando a cobrança de taxas de matrícula em universidades públicas.

No entanto, mesmo após a edição da Súmula Vinculante n. 12, algumas universidades públicas ainda continuam a efetuar a cobrança de taxas de matrícula, mensalidade e demais serviços vinculados à atividade acadêmica.

Assim, intentaremos na presente dissertação abordar os aspectos relacionados ao direito à educação e à gratuidade do ensino público, bem como sua abrangência, a inconstitucionalidade da cobrança de taxas em universidades públicas e o entendimento do Supremo Tribunal Federal.


2. Do direito à educação

A educação é direito fundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988, que em seu art. 6º elege a educação como direito social, nos seguintes termos: "Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 14-2-2000)"

De outro lado, a Carta Magna no art. 205 consagra a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, litteris: "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

No mesmo sentido, o art. 2º da Lei n. 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB), estabelece que "a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

À luz dos dispositivos acima mencionados, verifica-se que o direito à educação, erigido pela Constituição como direito fundamental, deve ser concebido da maneira mais ampla possível, devendo abranger não apenas o ensino em sentido estrito, mas também todas as atividades que o norteiam e o propiciam, englobando não apenas o aprendizado em sala de aula, como garantia de aprendizagem em laboratórios, bibliotecas, auditórios, bem como atividades de extensão e pesquisa [01]. Observa-se, igualmente, que a educação é dever do Estado, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade e inspirada nos ideais de solidariedade, constituindo direito de todos.


3. Do princípio da gratuidade do Ensino Público – Art. 206, IV, da CF/88

Conforme o escólio do emérito José Afonso da Silva, as normas constitucionais que tratam da educação têm o significado jurídico de elevar a educação à categoria de serviço público essencial, que ao Poder Público impende possibilitar a todos. Nesta esteira, o Estado tem que se aparelhar para fornecer, a todos, os serviços educacionais, oferecer ensino, de acordo com os princípios e objetivos estatuídos na Constituição [02].

Nesta ordem de idéias, o legislador constituinte buscou produzir mecanismos que superassem a desigualdade de acesso ao ensino superior, dentre os quais a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais (CF, art. 206, IV), que possui grande alcance social e decorre das responsabilidades públicas.

A Constituição Federal de 1988 proclama o princípio da gratuidade do ensino público no seu art. 206, IV, que dispõe:

Art. 206

. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no art. 3º, inciso VI, reproduz literalmente o disposto no texto constitucional:

Art. 3º.

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

A Constituição do Estado de Pernambuco, aqui citada a título exemplificativo, ao versar sobre o tema também reproduz o texto da Constituição Federal, em seu art. 178, inciso III, que expõe: "Art. 178. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) III - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;". E no § 2º do mesmo art. 178 complementa: "§ 2º - A gratuidade do ensino público implica o não-pagamento de qualquer taxa de matrícula, de certificados ou de material".

Da análise dos dispositivos supra, é irrefutável a conclusão de que o ensino público em estabelecimento oficial de ensino é gratuito, sendo, portanto, vedada a cobrança de qualquer espécie de taxa ou contribuição dos estudantes pela prestação do ensino público, como taxas de matrícula ou mensalidade. Ressalte-se que a cobrança de matrícula e de mensalidades constitui verdadeira negativa de acesso ao ensino, inviabilizando a própria continuidade dos estudos.

Igualmente, destacamos que o princípio da gratuidade do ensino público deve ser interpretado extensivamente, de modo que a expressão ensino abranja todas as atividades que norteiam e propiciem o ensino, pois embora ensino seja o fim, os meios que possibilitam o acesso a ele, lhes são inerentes, pois servem de amparo, suporte e até condição para a concretização do acesso ao ensino público e gratuito [03].

Assim, soa indubitável também que a Constituição veda a cobrança das demais taxas de serviços vinculados à atividade acadêmica, tais como expedição de diplomas, certificados, transferências, emissão de históricos escolares, avaliação curricular, trancamento parcial ou total de disciplina, cancelamento de disciplina, entre outros serviços prestados ao aluno, conforme preconizado no texto constitucional.

Cite-se, a título ilustrativo que, na Ação Civil Pública n.º 2007.33.00.018279-0, proposta pelo Ministério Público Federal/BA, que tramita na 6ª Vara da Justiça Federal da Bahia, foi proferida decisão liminar, em agosto de 2008, proibindo a Universidade Federal da Bahia (UFBA) de cobrar qualquer taxa para a prestação de serviços vinculados à atividade acadêmica. De acordo com a decisão, os serviços acadêmicos, muito embora não constituam o ensino em sua forma estrita, estão abrangidos por esta atividade, uma vez que servem de amparo, suporte e, muitas vezes, condição para a concretização do ensino [04].

Infere-se, desse modo, que o princípio constitucional da gratuidade do ensino público veda a cobrança de qualquer espécie de taxa ou contribuição de matrícula ou mensalidade pela prestação do ensino público, bem assim, a fim de concretizar o direito e o acesso ao ensino público e gratuito, veda a cobrança de quaisquer outras taxas pelos serviços vinculados à atividade acadêmica.

3.1 Da exceção à gratuidade do ensino público – art. 242 da CF/88

A Carta Magna em seu art. 242 excepcionou o princípio da gratuidade do ensino público, dispondo que: "O princípio do artigo 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos".

Impende, ressaltar, contudo, que a aludida exceção constitucional, que autorizaria a cobrança de remuneração pela prestação do serviço público de ensino, aplica-se tão-somente às instituições de ensino oficiais criadas por lei estadual ou municipal que se mantinham preponderantemente com recursos de origem não-pública por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988.


4. Da inconstitucionalidade da cobrança de taxas por violação ao art. 206, inciso IV, da CF/88

Nada obstante a vedação constitucional, e a pacífica jurisprudência dos Tribunais, algumas universidades públicas ainda persistem na cobrança de taxas de matrícula, mensalidade e de serviços acadêmicos. Contudo, tratando-se de instituição pública de ensino, a cobrança das referidas taxas se afigura inconstitucional e viola direito líquido e certo do estudante de ter acesso ao ensino público e gratuito.

Embora a Constituição Federal em seu art. 207 estabeleça que as universidades gozam de autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial, é preciso se ressalvar, contudo, a extensão dessa autonomia das universidades. Como bem asseverou o Ministro do STF, Carlos Ayres de Brito, no julgamento da ADI 2.643-7/RN: "quando a Constituição fala de autonomia (...) é preciso distinguir entre autonomia para gerir seus próprios recursos, autonomia de gestão, e autonomia para defini-los".

Portanto, a autonomia de que gozam as universidades é a autonomia de gestão, para gerir seus próprios recursos, mas não para definir seus próprios recursos.

Neste diapasão, diante da existência de algum dispositivo no estatuto da universidade pública ou na sua lei instituidora que permita a cobrança de qualquer espécie de taxas de matrícula, mensalidade ou pela prestação de serviços vinculados ao ensino, tal dispositivo será flagrantemente inconstitucional por violar expressamente o texto da Carta Magna, em seu art. 206, IV; e ilegal por afrontar o art. 3º, VI, da Lei n.º 9.394/96.

Não é outro o entendimento da jurisprudência pátria, confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENSINO SUPERIOR. UNIVERSIDADE PÚBLICA. MENSALIDADE. PÓS-GRADUAÇÃO.

1. Indevida a cobrança de mensalidade, por universidade pública, mesmo em curso de pós-graduação, pois viola o art. 206 , inciso IV , da Constituição Federal . Precedentes desse Tribunal.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(grifos acrescidos) (TRF1, AGA 2007.01.00.022610 -7, Relatora Desª. Federal MARIA ISABEL GALLOTTI RODRIGUES, SEXTA TURMA, julgado em 26/10/2007, publicado em 14/01/2008)

***

"Constitucional e administrativo. Universidade pública. Cobrança de taxa de matrícula. Ilegalidade. Gratuidade do ensino público. Art. 206, inciso IV, da Constituição Federal. 1. É ilegal, por ofensiva a disposição constitucional, a cobrança de taxa de matrícula nas instituições públicas de ensino, onde a regra é a gratuidade, a teor do inciso IV do art. 206 da Constituição Federal. (...)" (grifos acrescidos) (TRF 1ª. Região, Ap. em Mand. de Segurança  n. 2006.35.00.004759-8 – Goiás, 6ª T., Rel. Des. Federal Daniel Paes Ribeiro, j. em 04.04.2007, DJ, 16.04.2007).

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"MANDADO DE SEGURANÇA - FUNDAÇÃO EDUCACIONAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM NÃO CONFIGURADA – CURSO SUPERIOR DE PEDAGOGIA A DISTÂNCIA – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ENTRE UDESC E CONSELHO COMUNITÁRIO PONTE DO IMARUIM – COBRANÇA INDIRETA DE MENSALIDADES – COBRANÇA INDIRETA DE MENSALIDADES – IMPOSSIBILIDADE – GRATUIDADE DO ENSINO PÚBLICO. A legitimidade do Reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, para figurar no pólo passivo do writ, decorre do fato de que, embora de forma indireta, a instituição está cobrando mensalidade pela prestação de serviço educacional que é público Estadual, é vedada a cobrança de mensalidades, ainda que de forma indireta, a teor do que dispõem os arts. 206, IV, da CF/88. 162, inciso V, da CE/89, e 3º, inciso VI, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LBDE, Lei n. 9.394/96." (Grifos nossos) (TJSC, Apelação Cível em Mandado de Segurança 2005.006778-2, Rel. Des. Jaime Ramos, Data da Decisão: 31.05.2005).

***

"COBRANÇA DE MATRÍCULA E DE MENSALIDADE EM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE UNIVERSIDADE FEDERAL. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA GRATUIDADE DE ENSINO. ILEGITIMIDADE.(...) 3. Inexistência de lei que autorize a cobrança de mensalidade e de matrícula em curso de pós-graduação de universidade federal, o que ofende o princípio da legalidade, pois a Administração Pública somente está autorizada a proceder de conformidade com o preceituado naquela (Carta Magna, art. 37, "caput"). 4. Inconstitucionalidade da cobrança de taxa de matrícula e de mensalidade de alunos do curso de pós-graduação de universidade federal (Carta Magna, art. 206, IV). Precedentes desta Corte e do TFR-4ª Região. 5. Apelação e remessa a que se nega provimento. (TRF1, AMS 01000188238, Terceira Turma Suplementar, DJ: 06/05/2004, página: 65, Relator Juiz Federal Leão Aparecido Alves - Conv.)


5. Da inconstitucionalidade da cobrança de taxas pela ocorrência de Bi-tributação

Além da violação ao princípio da gratuidade do ensino público, outro ponto que releva salientar, diz respeito à inconstitucional bi-tributação pela instituição de taxas para custear o serviço público de ensino.

O ensino, dada a sua posição constitucional, e a sua natureza essencial, constitui atividade estatal de caráter uti universi, destinada a beneficiar a população em geral, indistintamente, como o serviço público de saúde. Destarte, tratando-se de serviço público essencial, geral e indivisível (uti universi), o ensino público deve ser custeado por meio de impostos e não por meio de taxas, não podendo as Universidades Públicas instituir óbices financeiros para o acesso ao ensino público e gratuito, com a instituição de taxas.

Neste sentido, calha destacar que o art. 212 da Constituição Federal estabelece o percentual mínimo da receita resultante de impostos que deverá ser aplicada pela União, Estados, DF e Municípios, anualmente, na manutenção e desenvolvimento do ensino [05].

Ressalte-se, ainda, que, além dos recursos previstos na Constituição Federal para manutenção e desenvolvimento do ensino, o art. 70 da Lei n.º 9.394/96 (LDB) garante às Universidades Públicas os recursos necessários para a consecução dos seus fins, inclusive para uso e manutenção de serviços vinculados ao ensino, para realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento do sistema de ensino, bem assim para a eventual assistência de estudantes mais necessitados:

Art. 70.

Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

(...)

III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;

(...)

V - realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;

VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;

Ora, a instituição de taxas de matrícula, de mensalidade e demais serviços acadêmicos se afigura ilegítima porque, conforme dispõe a Constituições Federal, uma taxa só pode ser cobrada do cidadão por um serviço público específico e divisível, prestado especificamente a ele (CF, art. 146), o que não é o caso do serviço público de ensino.

No caso da prestação do serviço público de ensino, gratuito nos termos da Constituição, a sua manutenção e desenvolvimento devem ser custeados através de impostos. Em caso de haver cobrança de taxas pela prestação de serviços de educação, a sociedade estará sendo duplamente tributada, porque tem que pagar os impostos e as taxas para a manutenção do serviço público de ensino [06].


6. Do entendimento do Supremo Tribunal Federal – Súmula Vinculante n. 12

Após a matéria ser discutida em diversas ações, o STF acertadamente pacificou entendimento no sentido da impossibilidade da cobrança de taxa de matrícula em universidades públicas, editando a Súmula Vinculante n. 12, publicada em 22 de agosto de 2008, que enuncia:

STF, Súmula Vinculante n.º 12: A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal.

No julgamento do Recurso Extraordinário 500.171-GO, que ensejou a edição da Súmula retromencionada, o STF proferiu decisão com a seguinte ementa:

"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ESTABELECIMENTO OFICIAL. COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA. INADMISSIBILIDADE. EXAÇÃO JULGADA INCONSTITUCIONAL.

I – A cobrança de matrícula como requisito para que o estudante possa cursar universidade federal viola o art. 206, IV, da Constituição.

II – Embora configure ato burocrático, a matrícula constitui formalidade essencial para que o aluno tenha acesso à educação superior.

III - As disposições normativas que integram a Seção I, do Capítulo III, do Título VIII, da Carta Magna devem ser interpretadas à dos princípios explicitados no art. 205, que configuram o núcleo axiológico que norteia o sistema de ensino brasileiro." (STF, RE 500171-GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.08.2008, DJE 24.10.2008)

Por ocasião do julgamento do aludido recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal considerou impossível admitir que as universidades públicas, mantidas integralmente pelo Estado, criem obstáculos de natureza financeira para o acesso dos estudantes aos cursos que ministram [07].

Assim, à luz da jurisprudência consolidada do STF, não pode uma universidade pública instituir taxas pela prestação do serviço público de ensino, sob pena de a sociedade ter de contribuir duplamente para a subsistência do serviço público de ensino, através do pagamento de impostos e de taxas, o que se afigura absolutamente inconstitucional.

Em que pese o acerto do posicionamento do STF com a edição da Súmula Vinculante n. 12, entendemos que a Súmula disse menos do que deveria dizer (dixit minus quam voluit), uma vez que ao se referir apenas a taxa de matrícula, gerou dúvida quanto à impossibilidade de cobrança de taxas de mensalidade ou pela prestação de serviços vinculados à atividade acadêmica. Contudo, cabe ao intérprete e aplicador da norma constitucional (CF, art. 206, IV) alargar o seu campo de incidência e aplicar a norma às situações não previstas expressamente na Constituição e na letra da Súmula do STF.


7. Conclusão

Ante o exposto, conclui-se que:

a) o direito à educação, erigido pela Constituição como direito fundamental, deve ser concebido da maneira mais ampla possível, sendo a educação dever do Estado, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade e inspirada nos ideais de solidariedade, constituindo direito de todos;

b) o princípio constitucional da gratuidade do ensino público, previsto no art. 206, IV, da Constituição Federal de 1988 e no art. 3º, VI, da Lei n.º 9.394/96, veda a cobrança de qualquer espécie de taxa ou contribuição de matrícula ou mensalidade pela prestação do ensino público, bem assim, a fim de concretizar o direito e o acesso ao ensino público e gratuito, veda a cobrança de quaisquer outras taxas pelos serviços vinculados à atividade acadêmica, sob pena de inconstitucionalidade;

c) o ensino público constitui atividade estatal de caráter uti universi, destinada a beneficiar a população em geral, indistintamente, devendo ser custeado por meio de impostos e não por meio de taxas, não podendo as Universidades Públicas instituír óbices financeiros para o acesso ao ensino público e gratuito, com a instituição de taxas, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade;

e) a exceção constitucional à gratuidade do ensino público, aplica-se tão-somente às instituições de ensino oficiais criadas por lei estadual ou municipal que se mantinham preponderantemente com recursos de origem não-pública por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988;

f) a Súmula Vinculante n. 12 do STF disse menos do que deveria dizer (dixit minus quam voluit), uma vez que ao se referir apenas a taxa de matrícula restringiu o âmbito de aplicação do princípio da gratuidade do ensino público, cabendo, assim, ao intérprete e aplicador da norma constitucional (CF, art. 206, IV) alargar o seu campo de incidência e aplicar a norma às situações não previstas expressamente na Constituição e da Súmula do STF, vedando também a cobrança de mensalidades e taxas pela prestação de serviços vinculados à atividade acadêmica.


Notas

  1. Cf. CATALAN, Marcos Jorge. O Ensino Público Gratuito, sua garantia constitucional e seus mecanismos de defesa. EDUCERE – Revista da Educação, p. 105-118, vol. 3, n.2, jul./dez., 2003, p. 108, Disponível em: < http://revistas.unipar.br/educere/article/viewFile/184/158>. Acesso em: 18.12.2009.
  2. Cf. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 785.
  3. Neste sentido a Constituição do Estado de Pernambuco em seu art. 178, § 2º, veda expressamente a cobrança de taxa de matrícula, de certificados ou de material.
  4. Procuradoria da República na Bahia. Disponível em: <http://www.prba.mpf.gov.br/pr-noticia.php?cod=756>. Acesso em: 01.12.2009.
  5. CF/88, Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
  6. Cf. Informativo STF n. 515, 11 a 15 de agosto de 2008.
  7. Cf. Informativo STF n. 515, 11 a 15 de agosto de 2008.
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Sobre o autor
Bruno Guilherme Albuquerque Cassimiro

Oficial de Justiça Avaliador Federal do TRT 19ª Região, Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco - ESMAPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASSIMIRO, Bruno Guilherme Albuquerque. Da inconstitucionalidade da cobrança de taxas em universidades públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2366, 23 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14067. Acesso em: 28 mar. 2024.

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