3.CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURA DOS PARÁGRAFOS DO ART. 461.
O parágrafo 4º do art. 461 do CPC autoriza expressamente a imposição de multa diária, até de ofício, para o caso de descumprimento do comando judicial, inclusive na hipótese de antecipação (WAMBIER, 2005, p. 265).
E determina que o juiz fixe prazo (razoável) para o cumprimento do preceito, donde a ilação de que a multa corre desde o primeiro dia subsequente ao término do prazo fixado pelo juiz. Supõe-se, aí, obrigação de fazer e prazo fixado pelo juiz. Enquanto não transcorrido o prazo judicial, não há descumprimento, o que é pressuposto para a incidência da multa. Se a obrigação é de não fazer, não há prazo. A eficácia da ordem é imediata. A multa passa a incidir (ou incide de uma só vez, em se tratando de multa fixa), assim que o réu pratica o ato proibido.
Quanto ao termo final: se a obrigação é de fazer, é claro que a multa diária deixa de correr, assim que o devedor cumpre aquilo que foi ordenado. Isso pode ocorrer também na hipótese de obrigação de não fazer, impondo-se ao devedor a obrigação de desfazer, sendo isso possível. A multa também deixa de correr se e quando o credor requer a conversão da obrigação em perdas e danos, ou tornar-se impossível o cumprimento da obrigação específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
O § 4º do art. 461 do CPC abre a possibilidade do juiz impor ex officio a multa diária. Isto porque promove a efetividade da decisão judicial, dando caráter coercitivo e moralizador, seja ela sentença ou decisão antecipatória.
"A imposição da multa diária não acarreta enriquecimento sem causa, ainda que fixado em valor superior ao da obrigação" (CASTRO, 1974, p. 189), desde que "justifique seu caráter repressivo, visando a impor ao devedor o cumprimento da decisão judicial" (NERY JÚNIOR, 2002, p. 997).
O produto da multa prevista no § 4º do art. 461 do CPC, deve ser revertido em favor do Estado por constituir ato atentatório ao exercício da jurisdição (LIMA,1974, pág. 775).
A fórmula adotada no § 4º do art. 461, segundo o qual "o juiz poderá (...) impor multa diária", não consiste na atribuição de mera "faculdade" ao julgador.
Nas regras que têm por destinatário o sujeito da esfera privada, o emprego do verbo "poder" destina-se normalmente a indicar a facultatividade de conduta. Autoriza-se o particular a adotar um comportamento e confere-se-lhe a alternativa de adotá-lo ou não – cabendo-lhe decidir, no exercício da autonomia da vontade. Isso é incompatível com a função pública. O agente público recebe poderes precisamente para através deles desincumbir-se dos deveres que lhe recaem. A norma, quando prevê que o juiz "pode" fazer algo, está conferindo-lhe instrumento que deverá ser utilizado sempre que necessário para adequado desempenho das tarefas que a função jurisdicional lhe impõe.
O § 4º, consagram a técnica executiva da astreinte. Ela consiste na condenação do obrigado ao pagamento de uma quantia por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, livremente fixada pelo juiz e sem relação objetiva algum com a importância econômica do vínculo (ASSIS, 2000, p. 473).
Pode-se conceber a possibilidade de aplicação de multa por tempo de atraso no cumprimento da obrigação, para a hipótese de descumprimentos de ordens judiciais expedidas em sedes de antecipação de tutela.
Esta regra visa o processo mais eficaz, pois impõe ao devedor da obrigação o pagamento de multa diária, a contar da data do descumprimento da ordem judicial. Assim sendo, na medida em que o devedor se exime de cumprir a ordem judicial, incide no ônus da regra processual em questão.
Em relação ao modo de aplicação das astreintes, o referido artigo, prescreve, deverá o juiz estabelecer prazo razoável para o cumprimento da ordem, sob pena de incidir multa. Apesar da expressão "prazo razoável" apresentar possuir grau elevado de subjetivismo, não poderia o legislador ter fixado um termo determinado, pois que as circunstâncias do caso concreto é que devem dizer que prazo é esse, já que há situações muito urgentes.
A doutrina e a jurisprudência não divergem sobre o período no qual a multa deve incidir, sendo que o termo inicial será o dia subsequente ao prazo designado pelo juiz para o cumprimento da ordem e o termo final o dia anterior ao do efeito e integral cumprimento do preceito, ou do dia em que for pedida a conversão em perdas e danos.
Para que a multa cumpra seu papel de compelir o devedor a cumprir a prestação a que foi ordenado, é necessário que tal meio de coerção esteja em valor adequado, ou seja, a multa deve ser imposta em valor suficiente e compatível com a obrigação.
3.2.ART. 461 § 5º DO CPC
O art. 461, § 5º, que apresenta um rol exemplificativo sobre os meios de coerção que o juiz pode lançar mão, prescreve imposição da multa por tempo de atraso (TALAMINI, 2001, p. 244).
Permite ao juiz determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
Essas providências poderão ser tomadas para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente. A norma do § 5º, portanto, autoriza não só o emprego de mecanismos que substituam a conduta do demandado. Confere ao juiz, igualmente, poderes para a imposição de outros meios coercitivos (além da multa, expressamente prevista no § 4º), destinados a acompanhar a ordem judicial dirigida ao réu, para que ele cumpra o fazer ou não fazer (WAMBIER, 2005, p.p. 267-268).
Para a obtenção da "tutela específica" e do resultado prático equivalente, o juiz adotará as "medidas necessárias" no próprio processo em que se proferiu o provimento concessivo da tutela antecipada ou final.
Com a incidência da Lei nº 10.444/02, o § 5.º do artigo 461 foi levemente alterado e, ainda, foi acrescentado o § 6.º (CAMBI, 2002, p. 89)
Como se pode observar, as alterações no artigo 461 § 5º do código de processo civil não foram muitas. O referido parágrafo passou a fazer alusão à imposição de multa por tempo de atraso para o cumprimento da obrigação.
Tal previsão de multa por tempo de atraso já existia no código de processo civil antes das alterações da Lei n.º 10.444 de 07/05/2002. Ela estava inserida nos artigos 287 do CPC (possibilidade de pedido na petição inicial de cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento de sentença); no artigo 644 (a multa seria fixada por dia de atraso ex oficio pelo juiz, caso omissa a sentença); e no artigo 465 do CPC (previsão de multa por tempo de atraso ex officio pelo juiz já ao despachar a inicial).
O que a norma faz é libertar o julgador de um sistema de taxatividade de meios, colocando a seu dispor um pool de medidas executivas que é, sem dúvida alguma, de natureza exemplificativo (VIANA, 2004, p. 66).
As multas pecuniárias ganham cada vez mais, relevância no processo. Essas são as medidas de "execução indireta". A execução indireta da qual já se desconfiou mesmo de sua natureza realmente executiva, doravante, ganha destaque em nosso sistema. Existem, além dessas, outras multas no Código, mas que com as astreintes não se confundem.
Não obstante o emprego mais comum das multas diárias (meio coercitivo) perante as obrigações infungíveis, nada impede que essas coexistam com os meios de sub-rogação e até sejam cumulativamente utilizadas.
Acaso a sentença ou decisão interlocutória seja omissa no que pertine à imposição das astreintes, não há obstáculos para que esta seja cominada posteriormente, isto porque o § 5º do supracitado artigo, inclui a imposição de astreintes entre as medidas que o juiz pode aplicar no curso dos atos de imposição dos resultados impostos pela sentença.
3.3.ART. 461 § 6º DO CPC
Ao artigo 461 foi acrescido o § 6º, conferindo ao juiz a possibilidade de alterar o valor e ou a periodicidade da multa que tenha fixado para o inadimplemento das obrigações de fazer ou não fazer, quando verificar que aquela se tornou insuficiente ou excessiva.
No curso da execução, deve ser feita a adequação das multas já cominadas às peculiaridades do caso e do comportamento do obrigado, sem que ocorrer um fato novo capaz de alterar a situação existente no momento em que houver sido feita a cominação. Isso será feito elevando-se o valor da multa, diante da indiferença do obrigado que talvez não se sinta ainda suficientemente motivado; reduzindo-se esse valor quando o juiz entender que, pela evolução dos fatos, ele se tornou exagerado, como se dá no caso de cumprimento parcial da obrigação, ou alterando-se a periodicidade das multas, para que incidam em períodos maiores ou menores do que antes havia sido fixado (DINAMARCO, 2004, p. 475).
A incidência das multas periódicas principia no momento em que a obrigação começar a descumprir, desatendendo ao que lhe houver sido determinado. Esse momento será o do vencimento do prazo que o juiz lhe haja cominado em sentença, em decisão antecipatória proferida ainda na fase cognitiva do processo, ou mesmo em decisão proferida no curso da própria execução imediata.
4.ASTREINTE CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
A Fazenda Pública rege-se através de princípios e normas diferenciadas das disposições de direito privado, em razão de sua própria natureza jurídica e, principalmente, da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade da coletividade, firmando a prevalência dele sobre a do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último (MELLO, 2002, p.41).
Os poderes públicos devem ser harmônicos entre si. Seria no mínimo inconstitucional, para não dizer ilógico, não atribuir qualquer valor prático às atividades de um dos Poderes do Estado brasileiro.
As astreintes têm sido largamente utilizadas contra a Fazenda Pública. Mas surgem problemas incontornáveis. Com efeito, a multa diária, que reverte em benefício da parte prejudicada pelo atraso atua psicologicamente sobre o obrigado, compelindo-o mediante a ameaça do prejuízo. Por isso mesmo, o quantum a ser determinado nada tem com a obrigação descumprida, podendo extrapolar seu valor.
No caso da Fazenda, a grade dificuldade é que a multa tem de ser elevada e não atinge pessoalmente a ninguém, já que é suportada, em última análise, pela sociedade. Se a multa é pequena, nenhum efeito produz. Se é demasiada, gera-se o paradoxo de a parte torcer para que ocorra o atraso mais longo possível, que acabará sendo mais vantajoso do que o cumprimento da obrigação.
Desvirtua por completo a natureza da multa, que é meio de coerção, secundário, portanto, e que não pode ser admitida como fim principal do processo, o que na prática acaba ocorrendo quando a obrigação decorrente da multa diária supera em várias vezes o valor da obrigação em execução. Em tais condições, ocorre verdadeiro enriquecimento ilícito da parte.
Em regra, os bens públicos não podem ser alienados. Por isso, se existe um crédito contra a Fazenda Pública, desaparece a responsabilidade patrimonial, sendo impossível ao credor utilizar o procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente, que pressupõe a possibilidade de constrição judicial dos bens do devedor, para satisfação do crédito. Mesmo nos casos em que bens públicos possam vir a ser alienados, a forma de sua transmissão será regulada por lei, ficando impedida a penhora. (WAMBIER, 2005, p. 352).
A execução contra a Fazenda Pública tem regime especial, distanciando-se das regras estabelecidas para as outras modalidades de execução.
Da mesma forma, a multa acaba atingindo o erário, ou seja, a todos e a ninguém ao mesmo tempo. É da natureza da astreinte atuar psicologicamente sobre o obrigado, compelindo-o a cumprir a obrigação sob ameaça do prejuízo. Mas no caso da Fazenda, não há um indivíduo que possa subjetivamente ser atingido.
Os agentes públicos procurarão impedir o prejuízo ao erário. Ao menos é o que se presume. Quando a inadimplência não puder ser evitada por questões legais, como por exemplo, necessidade de licitação, falta de recursos ou inexistência do bem pretendido, como ninguém é atingido pessoalmente, não é difícil prever que, nestes casos, e é o que tem ocorrido, a multa siga incidindo por vários dias ou meses.
As astreintes funcionam muito bem quando em questão partes privadas, onde o prejuízo seja individualizável. Não é o caso da Fazenda, onde ele é pulverizado na coletividade (VIANA, 1998, p. 56).
No que se refere à pena de desobediência criminal, o mesmo raciocínio pode ser invocado. Para caracterização do delito, é necessário o dolo de descumprir a determinação judicial. Mas tal elemento subjetivo do tipo é afastado quando o agente público simplesmente não dispõe de poderes ou de meios para dar cumprimento à decisão. É imprescindível a vontade livre e consciente de descumprir a ordem podendo agir de forma diversa. Como o agente público está jungido ao princípio da legalidade, poderá se ver em uma situação absurda. Se cumpre a determinação judicial, incorre em ato de improbidade ou em alguma figura delituosa. Se não cumpre, responde por desobediência. Assim, em qualquer caso será responsabilizado.
Não é preciso grande acuidade para se ver que uma tal situação discrepa por completo do bom senso que é a essência do Direito.
Resta o bloqueio de valores, a saída mais lógica e razoável. Não implementada a obrigação, bloqueia-se valor que garanta a sua execução, impondo-se correção e juros. Em casos urgentes, poderá haver mesmo liberação do valor para a finalidade almejada. O exemplo de um tratamento médico bem serve para representar a hipótese. Não adimplida a obrigação, bloqueia-se o valor no erário e libera-se para custeio do tratamento mediante comprovação.
Tal medida tem a vantagem de evitar o enriquecimento ilícito da parte beneficiada e de evitar a inocuidade da advertência da incidência em crime de desobediência.
Um outro problema quanto à antecipação da tutela contra a Fazenda Pública diz respeito à própria forma de execução contra a Fazenda, especificamente nas execuções das obrigações de pagar, porque, nas demais, a execução contra a Fazenda Pública não difere muito daquelas movidas contra os particulares (SUNDFELD, 2003, p.173).
Poderá se alegar que o bloqueio de valores do erário implica ingerência no mérito administrativo envolvido na questão de eleger as prioridades de aplicação das verbas. A tal argumento pode-se objetar que, em se tratando de direitos fundamentais, que hoje constituem a origem da maior parte das obrigações do Estado, há casos em que a aplicação do princípio da razoabilidade estabelece de forma inquestionável a ordem de prioridades a ser observada, implicando, o seu descumprimento, em questão atinente à legalidade e não ao mérito do ato.
O bloqueio das quantias, com ou sem sua liberação, afigura-se, assim, na solução mais consentânea à necessidade de mecanismos de coerção que atendam às peculiaridades da Fazenda Pública.
Não existe óbice à antecipação de tutela pelo art. 461, § 3º, contra a Fazenda Pública. Qualquer dúvida acerca do cabimento da tutela antecipada contra os entes públicos ficou definitivamente superada com a edição da Lei 9.494/97, que pretendeu estabelecer limites à antecipação de tutela contra a Fazenda Pública: só se limita aquilo que é possível (TALAMINI, 2001, p.p. 357-358).
A sentença que extingue o processo sem julgar o mérito, ou julga-o contrariamente ao beneficiário da antecipação, importa automática revogação da medida de urgência antes concedida – mesmo que nada diga a respeito. E isso não porque haja "decisão implícita" revogando-a, mas em virtude da absoluta incompatibilidade lógica entre a mantença da antecipação, que pressupõe juízo de plausibilidade favorável ao beneficiário da medida, e a sentença que lhe foi desfavorável, que destaca necessariamente tal plausibilidade.
4.1.APLICABILIDADES DAS ASTREINTES
A dicção dos artigos 461 e 461-A deixa claro que é possível cominar a multa tanto na decisão interlocutória concessória de antecipação de tutela quanto na sentença de mérito. Para que a multa funcione como meio de imposição da tutela inibitória, necessário se faz que, concedida a liminar, o juiz possa se valer de tal meio de coação para que o devedor cumpra a ordem contida no mandado.
Não há obstáculos para que, a sentença ou decisão interlocutória seja omissa no que pertine à imposição das astreintes, esta seja cominada posteriormente. Isto porque o § 5º do art. 461 "inclui a imposição de astreintes entre as medidas que o juiz pode aplicar no curso dos atos de imposição dos resultados impostos pela sentença" (DINAMARCO, 2002, p. 239).
Ao conceder a tutela antecipada que imponha o cumprimento de obrigação específica de fazer, não fazer ou entregar coisa, o juiz poderá impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
À evidência da referida multa serve para
funcionar como um castigo por uma desobediência e não a reparar um prejuízo fundado no pressuposto de que a parte (credora) tem um direito e interesse legítimo em obter o cumprimento daquilo que foi ordenado pelo juiz, ainda quando esse interesse não seja expresso em dinheiro (ALVIM, 1997, p. 14).
Não há nada que impeça que a Fazenda Pública seja condenada ao pagamento dessa multa. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo ser possível tal condenação contra as pessoas jurídicas de direito público. O que se observa, em verdade, é que tal multa revela-se ineficaz em face à Fazenda Pública. Isso porque não tem o condão de lhe causar temor, não se atendendo à finalidade da medida. As condenações impostas contra a Fazenda Pública submetem-se ao precatório, salvo se se tratar de pequeno valor.
A aplicabilidade das astreintes estende-se às obrigações positivas e negativas, divisão que tem sido modernamente mais adotada para apontar as obrigações de dar, fazer e não fazer. A obrigação de dar constitui, "um compromisso de entrega da coisa" (VENOSA, 2003, p.80), gerando um direito à coisa a ser prestada, que pode ser uma coisa móvel ou imóvel. Esta coisa pode ser um novo direito, não pertencente anteriormente ao credor, ou pode ser de propriedade deste credor, quando a obrigação será, na verdade, de restituir coisa alheia.
A fim de se averiguar o momento adequado para a exigibilidade das astreintes, ou seja, podem ser objeto de execução por quantia certa, a multa pode ser fixada em três diferentes ocasiões, quais sejam, na decisão da antecipação de tutela, na sentença ou acórdão, ou mesmo no processo de execução. A multa é exigível no mesmo momento em que é devida, de maneira que, expirado o prazo fixado na decisão para o cumprimento da ordem, as astreintes são devidas e consequentemente já poderão ser objeto de execução por quantia certa.