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Sonegação fiscal: a constituição do crédito tributário como condição objetiva de procedibilidade e punibilidade

27/12/2009 às 00:00
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O presente artigo almeja, de forma singela, demonstrar o entendimento jurisprudencial acerca da necessidade do término do processo administrativo fiscal com consequente constituição do crédito tributário para a instauração de inquérito policial com vistas à averiguação de suposto crime de sonegação fiscal.

Necessário se faz aduzir que a necessidade de se aventurar no Direito Penal surgiu pela íntima ligação do Direito Tributário quando da análise dos crimes de sonegação fiscal.

A sanção penal para os crimes desta espécie surgiu seguindo a tendência mundial como forma de impedir a evasão fiscal (meio ilícito de evitar ou diminuir a carga fiscal incidente sobre o contribuinte).

Destaca-se que o Direito Tributário Penal é responsável pela persecução dos crimes fiscais. Diante de tal vinculação, faz-se necessário que o Direito Tributário defina e aponte o tributo devido, seu fato gerador e quem é o sujeito passivo. Posteriormente, o Direito Penal faz sua interpretação visando à correta tipificação do ilícito fiscal, isto é, a lei penal que tipifica os delitos de fundo tributário não pode ser aplicada sem apoio no Direito Tributário, exatamente porque os tipos penais nela descritos são complementados pelas normas tributárias.

Dentro deste contexto, oportuno salientar que o lançamento do crédito tributário constitui ato declaratório da obrigação e constitutivo do crédito tributário, onde a Autoridade Administrativa investiga a ocorrência do fato gerador, identifica o seu sujeito passivo, determina a matéria tributável, calcula ou de outro modo define o montante do crédito, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível, consoante insculpido no art. 142 do CTN.

Esse procedimento administrativo de constituição do crédito tributário, denominado lançamento tributário, possui natureza jurídica híbrida, uma vez que declara a ocorrência da obrigação tributária por meio do implemento do fato imponível e constitui o crédito tributário.

Vale ressaltar que, segundo orientação consolidada na jurisprudência pátria, o lançamento somente se completa com a notificação do contribuinte.

Com efeito, o devido procedimento administrativo fiscal somado à constituição do crédito tributário é condição de procedibilidade ao início de investigação penal, sob pena de nulidade da instauração da persecutio criminis, por ausência de justa causa.

Assim, para configuração de qualquer figura típica prevista no Art. 1º da Lei 8.137/90, é necessária a constituição definitiva do crédito tributário, o qual somente se perfaz após o devido procedimento administrativo fiscal e a consequente notificação do contribuinte da decisão final. Só então, haverá verdadeira condição objetiva de punibilidade em relação aos delitos ditos tributários.

O entendimento acima demonstrado começou a ser firmado no Supremo Tribunal Federal por meio do entendimento do Min. Sepúlveda Pertence, no HC 81.611, que, em seu voto, aduziu que antes da constituição definitiva do crédito tributário, não há justa causa para início da ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária (art. 1º da Lei 8137/90).

Após o surgimento deste precedente o Min. Celso de Mello, no HC 85329/SP, decidiu que enquanto o crédito tributário não se constituir definitivamente em sede administrativa, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.

A instauração de persecução penal, desse modo, somente se legitimará, mesmo em sede de investigação policial, após a definitiva constituição do crédito tributário, pois, antes que tal ocorra, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque manifestamente atípico.

Seguindo essa linha de intelecção, o Min. Gilmar Mendes, no HC 89902, decidiu que o encerramento da instância administrativa fiscal e a constituição definitiva do crédito tributário não convalida o inquérito policial instaurado anteriormente, diante do evidente prejuízo aos indiciados.

Desta forma, resta incontroverso que a instauração de inquérito policial antes do lançamento definitivo do crédito tributário é ato ilegal, diante da flagrante ausência da condição de procedibilidade, bem como que a constituição do crédito no transcorrer do inquérito policial não tem a função de convalidar o procedimento investigativo.

Tanto é que a jurisprudência dominante possui a orientação de que o início do prazo prescricional para os crimes de sonegação fiscal somente se iniciam após a constituição definitiva do crédito, pois, até então, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque manifestamente atípico.

Logo, se antes da constituição do crédito tributário pela autoridade fazendária a conduta é considerada atípica, não há que se falar em persecutio criminis.

Frisa-se, ainda, que se oferecida denúncia sem a constituição definitiva do crédito tributária, não haverá justa causa para a mesma, por estarmos diante de ausência de uma condição objetiva de punibilidade.

Nesse diapasão, caso instaurado inquérito policial para apurar eventual prática do crime de sonegação fiscal sem que tenha ocorrido a constituição do crédito tributário estaremos diante de constrangimento ilegal contra os indiciados, cabendo a utilização da ação mandamental de cunho constitucional denominada habeas corpus. Isso porque, conforme já dito, a lei penal, ao tipificar os crimes fazendários, estabelece como seu pressuposto o descumprimento de deveres jurídicos tributários, que, sem a certeza de que tal pressuposto ocorreu, não se pode apenar o contribuinte.

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Sobre o autor
Carlos Barbosa Ribeiro

Advogado, pós graduado em Processo Civil pelo Universidade Federal Fluminense - UFF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Carlos Barbosa. Sonegação fiscal: a constituição do crédito tributário como condição objetiva de procedibilidade e punibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2370, 27 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14090. Acesso em: 3 mai. 2024.

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Título original: "A constituição do crédito tributário como condição objetiva de procedibilidade para o inicio da persectio criminis nos delitos de sonegação fiscal".

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