4. A LEI 11.419/2006, O CNJ E O FUTURO DOS TRIBUNAIS
A Lei n.º 11.419 de 19 de dezembro 2006 possibilitou a informatização dos processos judiciais. Esta norma promoveu grandes modificações no sistema jurídico nacional que precisam ser analisadas a fundo para entender a nova ordem processual que se inicia.
4.1.1. Da Tramitação do Projeto de Lei n.º 5.828/2001
Em 4 de dezembro de 2001 a Associação dos Juízes Federais [37] (AJUFE) teve seu projeto de lei dispondo sobre a informatização do processo judicial recebido pelo plenário da Câmara de Deputados, com o número 5.828. O texto havia sido apresentado na Comissão de Legislação Participativa, após a chancela do plenário foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação [38] (CCJR).
No mesmo ano, o projeto foi aprovado pelos Deputados em plenário e remetido ao Senado Federal. Nesta casa legislativa, recebeu o número 71/2002 e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania [39] (CCJ) propôs diversas modificações no texto original. Ainda no Senado, o projeto recebeu o apoio da Comissão de Informática do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CUNHA JÚNIOR, 2003).
Após aprovação nas duas Casas Legislativas Lei foi enviado para aprovação do Presidente da República. No dia 19 de dezembro de 2006 foi sancionado com o veto presidencial dos seguintes dispositivos: §4º do art. 11º, §3º do art. 13º, art. 17º e o art. 21.
Assim, deve-se passar a explicar mais especificamente a Lei 11.419/06, observando a estrutura normativa, as vantagens e desvantagens das regras normatizadas através dela.
4.1.2. Da Informatização do Processo Judicial
O art. 1º da Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006 admite a possibilidade de tramitação de processos judiciais através de meio eletrônico, preferencialmente pela internet (inc. II do §2º). Meio eletrônico é definido pela própria norma como sendo qualquer forma de tráfego e armazenamento de informações, documentos e arquivos digitais (art. 1º, §2º, I). Ademais, afirma que todo o procedimento de comunicação de atos, transmissão de petições será estabelecido nos termos da Lei e poderá ser aplicada ao processo civil, penal e trabalhista (art. 1º, §1º).
O inciso III, do §2º, do art. 1º, trata de matéria muito importante, que é a assinatura eletrônica. Existiram grandes discussões no processo de tramitação do projeto de lei a respeito de quais métodos de assinatura virtual seriam aceitos. Talvez porque, a segurança seja um dos principais problemas da informatização.
O referido dispositivo permitiu o uso de duas formas de assinatura digital: uma através de certificado emitido por autoridade credenciadora (alínea "a") e a outra por meio do cadastro do interessado no órgão (alínea "b").
A primeira se refere ao sistema de criptografia assimétrica [40] baseada no uso de duas chaves de acesso, uma pública e outra privada, que unidas permitem que o usuário receba as informações cifradas. As chaves públicas são fornecidas pelo possuidor do sistema, neste caso os órgãos do judiciário. No Brasil, como já referido no capítulo anterior, as regras da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil) foram definidas pela MP 2.200-2.
A segunda forma de assinatura eletrônica referida na Lei é obtida pelo simples cadastro do usuário no órgão do Poder Judiciário. Cabendo a cada Tribunal regulamentar as regras do cadastro e de acesso aos sistemas eletrônicos.
Em ambas as hipóteses, o interessado deverá comparecer pessoalmente ao órgão, para identificação, cadastramento de uma senha e credenciamento nos termos do §1º do art. 2º. Este procedimento visa assegurar segurança, sigilo, identificação e a autenticidade das comunicações do processo (art. 2º, §2º). Outrossim, os bancos de dados dos diversos órgãos do judiciário poderão ser unificados em apenas um cadastro para facilitar o acesso à justiça (art. 2º, §3º).
Além da lei em comento, o Projeto de Lei 4.906/01, que dispõe a respeito do comércio eletrônico e atualmente tramita na Câmara dos Deputados, também tem o escopo de normatizar as espécies de assinatura eletrônica, para fins comerciais e públicos.
Outra grande mudança que surge com o processo é a alteração do momento da realização dos atos processuais, que passa a ser o dia e a hora do envio da informação para o sistema eletrônico conforme o art. 3º da Lei 11.419/06. Quando a petição eletrônica no processo digital é cadastrada no sistema pela parte será automaticamente registrada recebendo um número de registro eletrônico de protocolo e já poderá ser apreciada pelo juízo, conforme art. 10.
O parágrafo único do artigo terceiro apresenta uma exceção à regra prevista no art. 172 do CPC, onde os atos processuais só podem ser realizados em dias úteis das seis às vinte horas. O envio de petições no processo eletrônico poderá ser efetivado 24 horas por dia, 7 dias na semana e será considerado tempestivo até 23 horas e 59 minutos e 59 segundos do último dia do prazo.
Contudo, é notório que os sistemas de comunicação do nosso país não são muito confiáveis e problemas podem existir em caso de erros no envio das petições. Desta forma, foi permitida a prorrogação do prazo para o primeiro dia útil posterior a resolução do eventual problema (art. 10, § 2º).
Restará aos órgãos do poder judiciário tomar as medidas cabíveis caso exista um erro em decorrência de problemas técnicos provocados pelo sistema de tramitação do processo. Se o problema ocorrer com o provedor do patrono da parte, a solução cabível é valer-se da parte final do §2º do art. 9º, fazendo a remessa da petição "segundo as regras ordinárias", por exemplo, via fac-símile (ALVIM, 2008, p. 47).
4.1.3. Da Comunicação Eletrônica dos Atos Processuais
A Lei de informatização também permite, no seu artigo 4º, que os Tribunais nacionais criem Diários Oficiais da Justiça eletrônicos, que devem circular na rede mundial de computadores. Afirma ademais, que as publicações poderão ser relativas a todos os atos judiciais e administrativos. Convém observar, que antes mesmo desta lei, algumas Cortes nacionais já possuíam diários eletrônicos funcionando em conjunto com diário tradicional, como exemplo o Estado de Santa Catarina (ALVIM, 2008, p. 30-31)
O sistema de publicação e contagem de prazo do sistema eletrônico foi regido pelos parágrafos do artigo 4º da Lei em análise. Observa-se da leitura dos mesmos que estes procedimentos foram divididos em três fases: disponibilização, publicação e inicio do prazo. A primeira se refere unicamente ao momento em que a informação é inserida no sítio do Tribunal. A publicação ocorrerá no dia útil posterior à disponibilização. E finalmente, o dia útil posterior a publicação será o termo inicial da contagem do prazo civil (regra do art. 184 do CPC).
O caput do art. 5º da Lei 11.419/06 aduz que as intimações serão feitas por meio de portal próprio para os usuários que tiverem sido credenciados no sistema. Neste caso, diferentemente do que ocorre no caso dos Diários oficiais eletrônicos, a parte será considerada intimada a partir do momento que efetivar a consulta eletrônica (§ 2º).
Se o remetente não abrir a comunicação em 10 (dez) dias corridos após a data do envio da intimação, o sistema o considerará intimado automaticamente iniciando-se o prazo (§ 3º). Contudo, se a demora no recebimento da intimação pode causar algum problema às partes, outro modo de comunicação processual deverá ser realizado (§º 5º)
Por fim, é importante perceber que o §6º do art. 5º ensina que as intimações realizadas por este sistema serão consideradas pessoais para todos os efeitos, inclusive em relação à Fazenda Pública, entendida em seu sentido lato (União, Estado, Município e respectivas autarquias e fundações públicas). Afirma Carreira ALVIM (2008, p.35) que este dispositivo "mais não fez do que chover no molhado, pois toda intimação feita à própria pessoa intimada, seja por que via for, inclusive pelo meio eletrônico, é considerada uma intimação pessoal para todos os efeitos legais"
Quando se fala na citação, a norma em apreço faz uma ressalva quanto aos Processos Penais, que deverão promover a citação pelo modo ortodoxo. Ensina o artigo 6º nas citações pela via virtual que sempre deverão ser disponibilizada a íntegra dos autos ao citado.
Convém frisar que o supracitado dispositivo, apresenta, imprecisamente, Processos Criminais e Infracionais, que não existem no ordenamento brasileiro. Pois, o ramo do Direito que normatiza o julgamento de crimes e contravenções é o Direito Processual Penal (ALVIM, 2008, p.36).
4.1.4. Do Processo Eletrônico
O artigo 8º da Lei 11.419/2006 viabilizou o uso do Processo Judicial eletrônico no ordenamento jurídico pátrio. Os processos deste tipo poderão ser totalmente ou parcialmente digitais, deverão tramitar preferencialmente na rede mundial de computadores e precisarão ser acessados através de redes internas ou externas [41].
Todas as citações, intimações e notificações deste processo deverão ser feitas pela via digital (art. 9º). Além disso, sempre que junto a estas for disponibilizada a integra do processo considerar-se-á como vista processual para todos os efeitos legais (art. 9º, §1º). Diz o § 2º que as comunicações poderão ser, subsidiariamente, realizadas de acordo com as regras ordinárias de Processo (CPC - artigos 213 e 234), digitalizando-se o documento físico e, após o ato, destruindo-o.
O termo "documento físico" usado pela lei está no sentido lato como sendo: qualquer coisa representativa de um fato (ALVIM, 2008, p. 43). Então, a partir da sua digitalização o original se transforma em documento eletrônico, que é "uma seqüência de bits que, traduzida por meio de um determinado programa de computador, seja representativa de um fato, da mesma forma que o documento físico." (ALVIM, 2008, p.43).
O documento eletrônico pode ser considerado como um documento comum que se encontra gravado em meio magnético. Desta forma, como o art. 332 do CPC afirma que todos os meios legais de prova são permitidos no Direito brasileiro, bem como os moralmente legítimos, torna-se possível o uso do arquivo digital como prova no processo.
O art. 11 afirma que os documentos eletronicamente produzidos serão considerados originais para todos os efeitos legais. Porém, poderá haver a alegação motivada e fundamentada da adulteração, § 1º. Neste caso, a argüição de falsidade será processada também pela via eletrônica de acordo com as leis processuais em vigor (Arts. 390 a 395 do CPC), após a apresentação de documento original que deverá ser preservado até o final do prazo para proposição da ação revisória.
Além disso, os fóruns que pretendam instituir o processo eletrônico terão que disponibilizar equipamento de digitalização e acesso à rede mundial de computadores para os interessados (art. 10 §3º). Quando se fala em compra de equipamentos para viabilizar o processo digital surgem alguns questionamentos, principalmente a respeito dos fundos necessários para tal ação.
Sobre isso se preocupa Calos Henrique Abrão (2009, p. 6) ao afirmar:
É certo que os Tribunais Estaduais percorrerão longo caminho na adaptação do diploma legal, enfrentando problemas orçamentários, de autonomia financeira, custos, e toda a estrutura voltada para atender a previsão da Lei n. 11.419.
Mas o problema não será apenas dos tribunais estaduais, todas as cortes nacionais deverão investir muito para viabilizar o uso do processo eletrônico. Não se está falando apenas de aquisição de computadores, pois, precisa-se muito mais que isso para instalar o sistema de tramitação.
Inicialmente é preciso a contratação de pessoal especializado em análise de sistemas e desenvolvimento de softwares. Depois precisa ser desenvolvido um programa de computador que atenda as necessidades de cada juízo. Este é um trabalho árduo que relaciona as regras da ciência jurídica e suas subjetividades às diretrizes de um código fonte de programação. Após a criação do sistema informatização é necessária a montagem de toda uma estrutura de comunicação e armazenamento de informação.
Além disso, é preciso o aperfeiçoamento dos operadores do direito, não só os servidores, assessores e magistrados, mas também os advogados públicos e privados e a própria população. Afirma Abrão (2009, p. 117):
Indubitavelmente, não apenas o Ministério Público, os advogados, e demais auxiliares encontrarão dificuldades, as quais também se farão em maior ou menor extensão nas primeira e segunda instância, isto por não haver mais meio de consumo de papel, significa simplesmente abrir um código segurança para que a tramitação seja feita via digital.
Diante de tudo isso, percebe-se que será difícil o caminho até a informatização de todo o processo e o poder judiciário precisará de apoio externo para tanto. Como é o caso do CJF que para informatizar todos os processos distribuídos até janeiro do próximo ano firmou acordo com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil [42]. Porém, deve-se ter cuidado com as parcerias de financiamento público e privado para não ter problemas quanto à imagem e a imparcialidade do Poder Judiciário.
Deverão existir grandes investimentos em segurança das informações dos sistemas de tramitação eletrônica dos processos. Observe-se que no § 6º art. 11 que os documentos juntados aos autos só poderão ser acessados pela internet pelas respectivas partes do processo e pelo Ministério Público, o contrário significa atentado à segurança jurídica e as regras de sigilo e segredo de Justiça.
Além disso, a lei obriga que os autos dos processos sejam conservados total ou parcialmente por meio eletrônico (art. 12), desde que protegidos por sistemas de segurança e armazenamento que garantam a preservação e a integridade dos dados, sem precisar da formação de autos suplementares (art. 12, §1º).
A questão da segurança das informações talvez seja a mais discutida quando se fala em processo eletrônico. Principalmente, quando se fala na internet como afirma Eurípedes Brito Cunha Júnior (2003),
[...] também contempla aspectos bastante negativos, na medida em que a remessa de mensagens (e-mails) não garante o respectivo recebimento pelo destinatário, por falhas no processo transmissão/recepção. Tudo isso sem falar da possibilidade de ação intencional de terceiros (crackers). [...] Além dos Cavalos de Tróia (trojans) que são espécie de vírus que se instalam nos computadores dos descuidados, e que podem possibilitar o envio de informações confidenciais deste para quem os gerou. Nesse passo, há a possibilidade de terceiro se apropriar da chave privada do descuidado.
Os Tribunais deverão investir em ferramentas de defesa dos sistemas contra problemas de transmissão de dados nas internet, ataque de crackers, vírus de computador, espionagem digital, violação do sigilo das informações etc. Sem investimentos nesta área o processo eletrônico está fadado a fraudes e a insegurança jurídica. Deve-se vislumbrar que o Poder Judiciário terá que aprimorar constantemente seus softwares, não podendo estagnar sua tecnologia.
O §2º do art. 12 disciplina a remessa dos autos virtuais para juízos ou instância superior que não possuam sistema compatível. Aduz que os autos eletrônicos deverão ser materializados e autuados na forma dos arts. 166 a 168 do CPC, devendo o escrivão ou chefe de secretaria certificar a autenticidade, demonstrar qual parte produziu o arquivo e em que banco de dados ele está gravado (§ 3º).
A transcrição do processo para o papel é um retrocesso para o novel sistema, por que poderiam ter sido encontrados outras formas mais baratas e fáceis de transmissão dos dados digitais, por exemplo, e-mail ou CD.
Ademais, a lei apresentou a possibilidade que as partes se manifestassem sobre o interesse de guardar documentos originais arquivados ou que não podiam ser digitalizados Art. 12 §5º.
Observa-se que problemas ocorrerão quando os tribunais tiverem sistemas diferentes que não aceitem os dados transmitidos do outro órgão jurisdicional. O art. 18 da lei deixou aberto para que cada corte do país regulasse em seus regimentos internos a tramitação dos processos eletrônicos e escolhesse seus sistemas, fato que no futuro poderá causar danos ao sistema. Como se pode observar nas recentes medidas do CNJ em busca de uniformizar a tabela de assuntos e os números dos processos.
Por conta disso, é aconselhável que, para que não haja dificuldades de compatibilidade, os 27 Tribunais Estaduais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal de Justiça, uniformizem desde já os seus sistemas eletrônicos. Não fazer isso, logo agora, no início da informatização causará grandes problemas no futuro. Desta forma, cabe ao CNJ exercer sua função adminstrativa e contribuir nesta empreitada de padronização.
De outra banda, o artigo 13 da lei de informatização trata da faculdade concedida ao juiz do feito eletrônico de determinar a exibição de documentos existentes em bancos de dados por qualquer meio digital (preferencialmente o de menor custo, art. 13, § 2º), nos mesmos modos do determinado nos artigos 355 a 363 do CPC. A norma também define cadastros públicos, como sendo aqueles que existem ou que venham a ser criados que contenham informações indispensáveis ao processo, ainda que sejam mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas (§ 1º).
Dispõe o art. 15 da lei em apreço que na proposição de demandas eletrônicas tem que ser fornecido pelo litigante o número no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas. Esta prática apesar de contra legem já era corriqueira nos tribunais brasileiros inclusive nas cortes superiores.
Por fim, o legislador com intuito de resguardar a segurança jurídica e consagrar o princípio da instrumentalidade das formas [43] afirma:
Art. 19. Ficam convalidados os atos processuais praticados por meio eletrônico até a data de publicação desta Lei, desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha havido prejuízo para as partes.
4.1.5. Dos Artigos Alterados do CPC
A Lei 11.419/2006 promoveu diversas modificações no Código de Processo Civil para adequá-lo ao processo virtual. Muitas desta, alterações já foram mencionadas nos itens acima e se assemelham as regras propostas pela norma para o processo eletrônico. Então, convém enumerá-las resumidamente:
a)Art. 38, parágrafo único: possibilita que as procurações sejam assinadas eletronicamente;
b)Art. 154, § 2º: permite que os atos e termos do processo possam ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico;
c)Art. 164, parágrafo único: autoriza que a assinatura do juiz também possa ser feita por meio digital;
d)Art. 169, §§ 1º, 2º e 3º: obriga o armazenamento dos arquivos digitais em sistema inviolável e com o aval dos sujeitos processuais. Determinando que as eventuais impugnações sejam feitas oralmente no momento do ato;
e)Art. 202, § 3º: as cartas precatórias e rogatórias podem ser enviadas e processadas por meio eletrônico;
f)Arts. 221 e 237: institui a citação, intimação e notificação digital;
g)Art. 365: Equipara os arquivos digitais aos documentos físicos;
h)Art. 399, §§ 1º e 2º: Regulamenta o procedimento de requisição, pelo juiz, de documentos de bancos de dados;
i)Art. 399, §§ 1º e 2º: possibilita a transcrição digital dos depoimentos e atos ocorridos em audiência;
j)Art. 556, parágrafo único: permite que os votos e acórdãos sejam registrados em arquivos eletrônicos.
Como se percebe, as modificações supracitadas promovem grandes mudanças na estrutura de processamento da demanda e servem para adaptar o diploma processual aos mandamentos previstos na lei extravagante.
Assim, depois de identificadas as regras que regem o processo eletrônico, é importante perceber, como este se apresenta na prática. Para tanto, será demonstrada uma analise comparativa da tramitação de um processo ortodoxo e outro no meio virtual.
4.2. ANÁLISE COMPARATIVA DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL
Para melhor ilustrar como a informatização altera quase que completamente a dinâmica do processo judicial deve-se fazer uma comparação da tramitação do processo. Vislumbrando-se as diferenças do processo tradicional e do processo eletrônico percebe-se como este provoca uma revolução na tramitação dos processos judiciais. Assim, narrar-se-á o processamento de uma ação de conhecimento dentro das duas perspectivas.
4.2.1. Processo Tradicional
Inicialmente será demonstrada a tramitação que ocorre nos dias de hoje em um processo que tramite em uma Vara Cível comum, seja estadual ou federal, que funciona sem o sistema virtual.
O primeiro passo de qualquer ação é o surgimento de uma pretensão resistida ou uma ameaça ao direito de um indivíduo. Ato contínuo, este vai até um escritório de advocacia, procura um causídico e relata todo o ocorrido.
O advogado deverá apresentar proposta de contrato de honorários e a procuração que será assinada pelo cliente. Na mesma ocasião, este fornecerá os documentos suficientes para fazer prova do seu direito.
O causídico fará a análise dos documentos e redigirá a petição inicial. Após a feitura desta, a cópia dos documentos, o contrato e a procuração deverão ser autenticados em cartório. Depois, o advogado deverá juntar a exordial impressa a outros papéis e seguir até o protocolo do Tribunal. Neste momento, já houve perda de tempo autenticando documentos, se deslocando ao fórum e esperando em filas, além dos gastos com papel e transporte.
Quando os documentos chegam ao protocolo serão registrados e encaminhados para a distribuição. Em Tribunais que possuem protocolos unificados ou integrados podem durar alguns dias até que a petição chegue até a Vara. Assim que chega ao cartório da Vara, a inicial aguardará um servidor para promover a autuação: identificar as partes, colocar entre capas, etiquetar e numerar as páginas.
Passada esta fase, o cartório envia processo para assessoria onde será analisado. Caso exista pedido liminar passar-se-á a decisão do mesmo, ou apenas observar-se-á os pressupostos processuais. Depois, o juiz decidirá pela extinção do processo prima face nos termos do novel art. 285-A do CPC [44], pela extinção sem mérito quando indefere a inicial (art. 295 do CPC), pela emenda da inicial (art. 284 do CPC) ou pela citação do réu. Esta que até o advento da Lei 11.419 era feita pelos correios, por oficial de justiça ou por edital.
Com a citação a parte demandada tem conhecimento da lide e caso não responda no prazo de 15 dias operar-se-á os efeitos da revelia (art. 319 do CPC). Contudo, querendo responder a lide o causídico do demandado deverá ir ao cartório da Vara pegar os autos para analisar os documentos. Com isso, como já demonstrado, ocorrerá novamente perda de tempo e dinheiro, igual ao momento do ajuizamento do processo.
Após a resposta o juiz intimará o autor para apresentar réplica ou ambas as partes para se manifestarem sobre as provas que pretendem produzir. Quando os autos voltarem, o magistrado poderá decidir antecipadamente a lide ou determinar a produção das provas.
Depois de toda a instrução o processo ficará concluso para a sentença. Proferida esta, existindo recurso para a segunda instância os autos, muitas vezes em vários volumes, serão encaminhados para o Tribunal. Este procedimento é muito custoso para os cofres públicos e também para a parte sucumbente que tem que pagar o preparo, prejudicando a economia processual e o acesso à justiça. Não havendo recurso dar-se-á o pagamento espontâneo da sentença ou inicia-se a liquidação e o posterior cumprimento de sentença.
O processo tradicional da forma como foi transcrito acima parece bem simples e rápido, contudo, isto não ocorre na verdade. Normalmente, existem diversas digressões desnecessárias e atos processuais de difícil concretização no trâmite referido e a demanda acaba se estendendo por muito tempo. Sem contar o descumprimento dos prazos pelas partes e a morosidade de determinados órgãos julgadores.
4.2.2. Processo Eletrônico
A sistemática do processo judicial digital é diferente da descrita no item anterior como se perceberá a seguir. Convém advertir que, o procedimento que será apresentado está de acordo com a realidade e possibilidade dos tribunais brasileiros que possuem o sistema de tramitação eletrônica.
Desta forma, hipoteticamente imagine-se que o cliente entra em contato com o advogado através do e-mail. O causídico analisa os fatos apresentados e envia cópia do contrato e da procuração pelo correio eletrônico. O interessado aceita a proposta, digitaliza os documentos necessários para a demanda (com o uso de escâner) e os apresenta autenticados eletronicamente. Além disso, assina o contrato e a procuração por meio de certificado digital.
O patrono redige a inicial e sem sair do seu escritório a protocola através do sistema do Tribunal disponibilizado na internet. O sistema automaticamente distribui, autua, numera os anexos e fornece o número do processo. A assessoria da vara já recebe os autos prontos para a análise da liminar, se houver, e dos pressupostos processuais. Sobre estes é importante frisar que os programas, normalmente, contribuem para a percepção da litispendência, da conexão ou da continência.
O assessor do juiz após analise escolherá um despacho mais adequado para o caso e o anexará no processo. O magistrado poderá de qualquer lugar entrar no sistema, observar o despacho e o assinar eletronicamente. Todos estes procedimentos poderão ser realizados em poucas horas. Enquanto que no processo tradicional demandariam alguns dias.
Ato contínuo, o réu será citado por e-mail evitando gastos com cartas, oficial de justiça ou publicação. Além disso, quando receber a comunicação o patrono da parte não precisará se deslocar ao fórum, podendo ter acesso aos atos pela internet em qualquer lugar do planeta, e assim realizar a análise da inicial e de todos os documentos.
Ao iniciar a instrução do processo sempre que houver a juntada de provas não será necessária a realização de carga dos autos para manifestação sobre os mesmos. Todas as partes têm acesso ao processo 24 horas por dia podendo ter vista dos mesmos sempre que quiserem. Da mesma forma, se for designada audiência para coleta de prova oral, esta será gravada podendo ser acessada a qualquer momento, facilitando o contraditório, a ampla defesa e o julgamento da lide.
O sistema informatizado também contribui quando se tem a necessidade de coleta de provas em outras comarcas. Com o processo eletrônico as cartas precatórias podem ser enviadas por correio eletrônico, ou até mesmo seja realizada audiência por vídeo conferência.
Terminada a instrução o juiz poderá julgar a demanda. Novamente a informatização pode contribuir neste momento, principalmente no caso de causas repetitivas, pois o sistema pode conter um depositório de modelos de sentenças que podem ser facilmente adaptadas para cada caso.
Ou ainda, em uma perspectiva mais vanguardista, pode-se perquirir o afirmado por Pedro Madalena e Álvaro Borges de Oliveira na obra "Organização e Informática no Poder Judiciário". Estes estudiosos acreditam que podem ser desenvolvidos programas inteligentes que tenham a habilidade de redigir sentenças. Eles acreditam que um software pode ser capaz de analisar uma série de perguntas e respostas e através do resultado apresentar a decisão cabível, como se vê:
Por meio de um programa ou sistema instalado em computador isso pode acontecer: quando o jurista e o técnico em computação lançam, na base de conhecimento, os suficientes dados coletores de informações e geradores do processamento eletrônico, direcionados à composição da sentença judicial [...]. Para tanto, é preciso dispor de um conjunto Hardware/software completo e que possam funcionar com regularidade nas vias Intranet e Internet. (MADALENA; OLIVEIRA, 2008, p. 140)
Na verdade, os referidos estudiosos afirmam que inicialmente o sistema eletrônico serviria como ferramenta de busca de informações. Isto é, o juiz quando quisesse proferir a sentença escolheria uma opção e o programa começaria a exibir uma série de dados dos próprios autos, como também leis, jurisprudências, textos doutrinários, outras sentenças do juízo etc. a respeito do tema em análise. Assim, o magistrado poderia escolher a sentença apresentada como sugestão pelo sistema ou redigir outra baseada nas informações apresentadas (MADALENA; OLIVEIRA, 2008, p. 141).
Por fim, percebe-se que o processo judicial eletrônico não resolve todos os problemas do judiciário, uma vez que determinadas práticas estão arraigadas a este poder. No entanto, o sistema de tramitação virtual contribui para concentrar os esforços dos operadores no principal, que é o Direito e Justiça. Tanto os funcionários, assessores e juízes quanto os advogados privados, os defensores públicos e os membros do Ministério Público podem despender mais tempo e recursos para a tutela jurisdicional.
4.3. CNJ AS RESOLUÇÕES SOBRE INFORMATIZAÇÃO
Como já comentado no capítulo inicial deste trabalho de conclusão de curso a Emenda Constitucional nº 45/04 foi responsável não só por uma reforma, mas sim por uma revolução na justiça brasileira. Os três Poderes com o objetivo de construir um Judiciário, mais acessível, célere e seguro aprovaram grandes mudanças no ordenamento pátrio. Uma das mudanças mais significativas foi a criação do Conselho Nacional de Justiça que nasceu como tutor e controlador administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário
A atuação deste órgão será fundamental para concretizar as mudanças determinadas pelas novas legislações processuais. Da mesma forma, quando se fala em informatização do processo judicial, o CNJ deve atuar ativamente para manter a organização e uniformização dos tribunais nacionais. Nas palavras de Carlos Henrique Abrão (2009, p. 115):
[...] o Conselho Nacional de Justiça desenvolverá programas, dará orientações, distribuirá subsídios e monitorar a todo o sistema do processo eletrônico, universalmente, devendo dissipar dúvidas, equacionar problemas e resolver os conflitos que possam surgir, dada a lacuna da lei e sua situação particular.
Assim, o Conselho terá que ditar regras gerais para o processo eletrônico e contribuir para solucionar os problemas que venham a surgir nas diversas esferas do Poder Judiciário pátrio. Na verdade, já vem tentando exercer este mister como se percebe nas diversas resoluções que têm sido editadas por seu colegiado. Por conta, crucial se faz observar tais medidas regulatórias.
A primeira resolução importante para a informatização foi a de número 12, de 14 de fevereiro de 2006, que criou o Banco de Soluções do Poder Judiciário e o grupo de interoperabilidade. Estes têm o escopo de divulgar os sistemas de informações implantados ou em desenvolvimento para o aprimoramento da administração da justiça e da prestação jurisdicional. Entre os pontos da competência do grupo estão as definições das regras de estrutura do parque tecnológico, sistemas de informação, conectividade e padronização do Poder Judiciário.
Com o intuito de padronizar os sítios de acesso aos órgãos do judiciário o CNJ editou a resolução nº 41 de 11 de setembro de 2007. Este regulamento instituiu o domínio primário [45] "jus.br" para todos os portais da internet ligados ao Poder Judiciário. Posteriormente, foi apresentada a resolução nº 45 de 17 de dezembro de 2007 que padronizou todos os sítios eletrônicos da Justiça brasileira.
A resolução Nº 46, de 18 de dezembro de 2007, criou as Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário. Estas foram desenvolvidas para padronização e uniformização de assuntos e movimentação processuais no âmbito da Justiça. Com isso, há a facilitação da coleta de dados estatísticos que, posteriormente, foi regulamentado pelas resoluções, nº 66, de 27 de janeiro de 2009, nº 76, de 12 de maio de 2009.
Ainda com o objetivo de padronizar o CNJ resolveu padronizar o número dos processos nos órgãos do Poder Judiciário através da resolução nº 65, de 16 de dezembro de 2008.
No entanto, foi a Resolução nº 70, de 18 de março de 2009, aprovada após o II Encontro Nacional do Judiciário que veio para revolucionar o judiciário pátrio. Através desta foram apresentadas 10 metas entre elas o desenvolvimento de planejamentos estratégicos plurianuais (meta 1) e anseio de julgar todos os processos distribuídos até 31/12/2005 (meta 2). Percebe-se claramente que o CNJ aposta com todas as forças na informatização para solucionar a morosidade e a desorganização, como se vê:
3. Informatizar todas as unidades judiciárias e interligá-las ao respectivo tribunal e à rede mundial de computadores (internet);
4. Informatizar e automatizar a distribuição de todos os processos e recursos;
5. Implantar sistema de gestão eletrônica da execução penal e mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias;
7. Tornar acessíveis as informações processuais nos portais da rede mundial de computadores (internet), com andamento atualizado e conteúdo das decisões de todos os processos, respeitado o segredo de justiça;
8. Cadastrar todos os magistrados nos sistemas eletrônicos de acesso a informações sobre pessoas e bens e de comunicação de ordens judiciais (Bacenjud, Infojud, Renajud);
10. Implantar o processo eletrônico em parcela de suas unidades judiciárias.
Com intuito viabilizar e regularizar tais metas, recentemente, o Conselho Nacional de Justiça editou as resoluções nº 90, 92 e 100. Esta que, respectivamente, dispõe sobre: o nivelamento de tecnologia da informação, o Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão de Processos e Documentos e a comunicação oficial, por meio eletrônico, no âmbito do Poder Judiciário.
Diante de tudo isso, percebe-se que o CNJ tem desenvolvido papel fundamental no processo de informatização e organização do Poder Judiciário. Deixando claro, que a sua criação com a Emenda Constitucional nº 45 operou o objetivo de revolucionar o ordenamento jurídico pátrio.