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O princípio da precaução

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02/01/2010 às 00:00
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4. O Princípio da Precaução no Ordenamento Jurídico Brasileiro

O artigo 4º, em seus incisos I e IV, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), traça como objetivos da política nacional do meio ambiente a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, bem como o desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais. Da mesma maneira, seu artigo 9º, III, destacou como instrumento dessa política a avaliação de impactos ambientais. Inseriu-se, dessa forma, a prevenção no ordenamento jurídico brasileiro.

Em 1986, a fim de definir as diretrizes gerais para a avaliação de impactos ambientais, editou-se a Resolução 1/86 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), a qual estabeleceu, em seu art. 6º, II, o seguinte:

Art. 6º O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:

(. . .)

II – análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição do ônus e benefícios sociais.

Igualmente, a Constituição Federal de 1988, no art. 225, caput, definiu como direito de todos o "meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (grifou-se). Estabeleceu, assim, tanto o direito como o dever de usufruir e preservar o meio ambiente.

Além disso, a Constituição Federal, através do art. 225, § 1º, determinou diversas e fundamentais formas, sob a responsabilidade do Poder Público, de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre as quais se destaca a exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental (inciso IV). Nesse sentido, ressalta Machado que "a palavra potencialmente abrange não só o dano de que não se duvida, como o dano incerto e o dano provável" [46].

Outrossim, o art. 225, § 1º, da Constituição Federal incumbiu ainda ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedando práticas que coloquem em risco sua função ecológica (inciso VII), assim como controlar a produção comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (inciso V). Assevera-se, portanto, o valor dado pelo legislador constitucional para a necessidade de cautela quanto aos riscos de danos ao meio ambiente e à saúde humana.

Através da ratificação pelo Poder Legislativo, entrada em vigor e posterior promulgação pelo Brasil da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima [47] e da Convenção da Diversidade Biológica [48], o princípio da precaução foi definitivamente incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Ressalta-se também que o Brasil aderiu à Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e que, "embora não mandatórios, os princípios emanados da Declaração do Rio de 1992 sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, são, segundo Trindade (apud Mirra, 2001), juridicamente relevantes e não podem ser ignorados pelos países na ordem internacional, nem pelos legisladores, pelos administradores públicos e pelos tribunais na ordem interna. Assim, o princípio da precaução é um dos princípios gerais do direito ambiental brasileiro, integrante do nosso ordenamento jurídico" [49].

A Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) também adota o princípio da precaução, dispondo de forma expressa em seu artigo 54, § 3º, que "incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível".

Da mesma forma, a jurisprudência nacional tem afirmado o princípio da precaução em diversas decisões, como pode ser vislumbrado através das ementas abaixo transcritas:

Agravo de instrumento. Ação civil pública. Liminar para cessação de atividade nociva ao meio ambiente. Liminar impondo prazo a empresa de fabricação de rações animais para cessação de atividade poluente, sob pena de multa diária, arrimada em veementes elementos de convicção coletados em inquérito civil público. Decisão que se justifica cabalmente, tanto pelos fatos nela considerados, quanto pelo direito aplicável (art. 12 da Lei 7.347/85). Prevalência do princípio da precaução, dada a freqüente irreparabilidade do dano ambiental. Agravo desprovido [50].

Embargos de declaração – pedido para ser agregado efeito infringente ao recurso – inexistência no caso concreto de situação excepcional que permita a pretendida substituição da decisão por outra que acolha as teses da embargante – omissões apontadas que não se ostentam – acórdão que, aplicando o princípio da precaução, entendeu como imprescindível a dilação probatória com ampla discussão entre as partes, impedindo a pretendida demolição de prédios definidos como de valor cultural e histórico, em fundamentação suficiente para a solução da lide. Embargos desacolhidos [51].

Embargos infringentes. Administrativo. Ação civil pública. Construção de hotel. Promontório. Área de preservação permanente. Estudo de impacto ambiental. Imprescindibilidade. Demolição da obra. Licenças indevidas. Boa fé.

- A necessidade do estudo de impacto ambiental não é indispensável, ao revés, sua imprescindibilidade é marcante. Na hipótese, evidente a precariedade das licenças concedidas, diante da necessidade do estudo prévio de impacto ambiental na área em questão.

- O fato de que dispensado tal estudo em razão de que implantada grama na área aplainada de solo argilo-arenoso, descaracterizada a vegetação remanescente por ocupações anteriores, bem como porque na frente do terreno foi construído aterro hidráulico por obra do Poder Público, além da estrada que liga Porto Belo a Bombinhas, não afastam a necessidade de tal estudo e nem tampouco motivam a dispensa efetivada pela FATMA.

- O ora embargante procedeu ao início das obras amparado em licenças fornecidas por órgão estadual e municipal, firme e convicto na legalidade e na veracidade de tais documentos públicos; dispendeu recursos financeiros e esforços no sentido de concretizar empreendimento hoteleiro de sua titularidade, agindo de boa fé, descabido, pois, que, julgada indevida a licença, arque com custos inerentes à demolição daquilo que construído, repito, após a obtenção das autorizações havidas à época pertinentes e suficientes [52].


5. Considerações Finais

O princípio da precaução surgiu como uma forma de encontrar um meio de gestão dos riscos que possam causar a degradação ambiental ou afetar a saúde humana. Sua aplicação deve ocorrer em casos de incerteza científica quando exista a possibilidade da ocorrência de danos ambientais graves.

Diante, portanto, da "cultura do risco" [53] na qual vive a sociedade contemporânea, em que a precipitação e a indiferença em relação à criação de ameaças a bens alheios, públicos, tais quais os bens ambientais, acontecem diuturnamente, seja através de atitudes individualmente consideradas, seja através da ação de grandes empresas ou do governo, convém a reflexão sobre até quando se continuará assim. Significa dizer: até quando se arriscará a existência da espécie humana e do planeta em favor de valores baseados no consumo desmedido presente na atualidade?

Resta como alternativa uma mudança de comportamento fundada em um questionamento constante quanto às necessidades efetivas para a vida. O que é realmente importante? Quantos têm essa necessidade? O que define a imprescindibilidade? É preciso, por exemplo, esperar anos para descobrir os efeitos que alimentos geneticamente modificados ou as radiações eletromagnéticas produzidas por aparelhos celulares causam à saúde humana? É preciso aguardar que o clima do planeta seja bastante alterado para somente depois tentar agir?

Propõe Sampaio que a lógica do risco deve ser invertida. Expressa:

Mas antes mesmo de se aventar sobre as possibilidades dos riscos, deve-se indagar sobre a necessidade efetiva da atividade. "É, de fato, necessária"? Propostas alternativas são o passo seguinte. Certo que também aqui ronda uma grande imprecisão. "Necessária para quem"? "O que é necessário"? O entorno de um parque nacional preservado e imune à ocupação è mais necessário do que um entorno explorado por redes hoteleiras? A resposta não é fácil. A definição da necessidade passa necessariamente por uma construção intersubjetiva e por uma justa adequação dos interesses envolvidos. O que não se pode é partir do risco para avaliar a viabilidade socioambiental de um empreendimento. Como acentua Derani, a base da precaução é a necessidade, por mais tormentosa que seja sua identificação [54]. (Grifou-se).

Nesse mesmo entendimento, asseverando a finalidade de determinada atividade como premissa para a utilização do princípio da precaução, expõe Winter, apoiado por Machado:

A participação do Poder Público não se direcionaria exatamente à identificação e posterior afastamento dos riscos de determinada atividade. À pergunta ‘causaria A um dano?’ seria contraposta a indagação ‘precisamos de A?’. Não é o risco, cuja identificação torna-se escorregadia no campo político e técnico-científico, causado por uma atividade que deve provocar alterações no desenvolvimento linear da atividade econômica. Porém, o esclarecimento da razão final do que se produz seria o ponto de partida de uma política que tenha em vista o bem-estar de uma comunidade. No questionamento sobre a própria razão de existir de uma determinada atividade colocar-se-ia o início da prática do princípio da precaução [55].

Por outro lado, não se trata de advogar uma política de risco zero, mas apenas de se dar a "devida importância à proteção da saúde pública e do meio ambiente sempre que o número de informação científica disponível for insuficiente para uma segura tomada de decisão" [56]. Assim, sua aplicação não visa imobilizar as atividades humanas, mas sim proporcionar "a durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta" [57].

Destarte, em discussão acerca da utilização da prudência e do princípio da proporcionalidade no confronto entre os princípios do Direito Ambiental e tantos outros existentes, complementa Baggio: "Para isso, entretanto, é necessário que haja uma mudança radical na postura dos operadores do dirieto (sic), o que ainda vai demorar um tempo p/ acontecer. Só vamos ter operadores do direito em condições de tratar as questões ambientais com prudência quando estiverem conscientes da finitude dos recursos naturais, da irreversibilidade de algumas intervenções humanas, da indisponibilidade de alguns recursos já nos dias atuais, etc [58]".

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Enfim, independentemente do que conhecemos hoje, o meio ambiente deve ser protegido, por isso a cautela deve ser observada mesmo diante das incertezas.

Retoma-se, por fim, a mudança de paradigma proposta inicialmente para se ponderar, a partir da prudência e da cautela, quais as nossas reais necessidades e interesses envolvidos diante das incertezas que podem gerar danos potenciais ao meio ambiente e à saúde humana, de modo a redirecionar a perspectiva comportamental da sociedade e jurídica para um direito precavido, em busca de uma racional e efetiva compatibilização entre um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a sadia qualidade de vida e o desenvolvimento econômico e social sustentável para o planeta Terra.


6. Referências Bibliográficas:

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BAGGIO, Roberta Camineiro. Teoria Geral do Direito Ambiental. Fórum eletrônico do Curso de Especialização em Direito Ambiental. Porto Alegre: Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mensagem 40 postada em 02/10/2004.

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Notas

  1. SAMPAIO, 2003, p. 43.
  2. NARDY., 2003, p. 173 (itálicos no original).
  3. Id., 2003, p. 174.
  4. SAMPAIO, 2003, p. 59.
  5. VARELLA e PLATIAU, 2002, p. 1588.
  6. Id, 2002, p. 1589-1590.
  7. HOUAISS, VILLAR e FRANCO, 2004.
  8. LONGMAN, 1995, 1106, cuja tradução significa algo que você faz para prevenir alguma coisa perigosa ou desagradável de acontecer.
  9. MACHADO, 2004, p. 57.
  10. Id., ibid.
  11. TREICH e GREMAQ apud MACHADO, 2004, p. 58.
  12. SAMPAIO, 2003, p. 59.
  13. VARELLA e PLATIAU, 2002, p. 1589.
  14. SAMPAIO, 2003, p. 59 (itálicos no original).
  15. Id., p. 60.
  16. Id., p. 62.
  17. KRÄMER apud VARELLA e PLATIAU, 2002, p. 1590.
  18. MACHADO, 2004, p. 74.
  19. Id., p. 59.
  20. ANTUNES apud SAMPAIO, 2003, p. 71.
  21. VARELLA e PLATIAU, 2002, p. 1588.
  22. FIORILLO, 2001, p. 35.
  23. MILARÉ, 2004, p. 144.
  24. HUNTER, SALZMAN e ZAELKE apud, 2003, p. 70.
  25. RODRIGUES, Marcelo Abelha apud SAMPAIO, 2003, p. 71.
  26. SAMPAIO, 2003, p. 72.
  27. Afirma Chris Wold ser a Declaração do Rio a articulação mais comumente conhecida e empregada deste princípio. WOLD, 2003, p. 17.
  28. Texto original em inglês: "In order to protect the environment, the precautionary approach shall be widely applied by States according to their capabilities. Where there are threats of serious or irreversible damage, lack of full scientific certainty shall not be used as a reason for postponing cost-effective measures to prevent environmental degradation". MACHADO, 2004, p. 57.
  29. BECK apud LEITE, 2004.
  30. LEITE, 2004.
  31. Id.
  32. SAMPAIO, 2003, p. 65.
  33. WOLD, 2003, p. 21.
  34. Id., p. 19.
  35. VARELLA e PLATIAU, 2002, p. 1589.
  36. SAMPAIO, 2003, p. 58.
  37. MACHADO, 2004, p. 65.
  38. NARDY, 2003, p. 175.
  39. VARELLA e PLATIAU, 2002, p. 1589.
  40. Id., ibid.
  41. WOLD, 2003, p. 17.
  42. Id., 2003, p. 19.
  43. MACHADO, 2004, p. 56.
  44. WOLD, 2003, p. 20.
  45. Id., ibid.
  46. "Prior justification procedure". MACHADO, 2004, p. 70.
  47. Id., 2004, p. 71.
  48. Decreto Legislativo 1, de 03/02/1994, entrando em vigor em 29/05/1994 e promulgada pelo Decreto 2.652, de 01/07/1998.
  49. Decreto Legislativo 2, de 03/02/1994, entrando em vigor em 29/05/1994 e promulgada pelo Decreto 2.519, de 16/03/1998.
  50. ATTANASIO JUNIOR e ATTANASIO, 2004, p. 4 e 5.
  51. TJRS – 1ª Câmara Especial Cível – Agravo de instrumento 70004725693, Rel. Eduardo Uhlein, j. 25/09/2002.
  52. TJRS – 4ª Câmara Especial Cível – Embargos de declaração 70008099871, Rel. João Carlos Branco Cardoso, j. 17/03/2004.
  53. TRF - Quarta Região – 2ª Seção – Embargos infringentes – acórdão nº 199804010096842, Rel. Luiz Carlos de Castro Lugon, j. 10/05/2004.
  54. MACHADO, 2004, p 67.
  55. SAMPAIO, 2003, p. 63 (itálico no original).
  56. WINTER apud MACHADO, 2004, p. 67 (itálicos no original).
  57. SAMPAIO, 2003, p. 63.
  58. MACHADO, 2004, p. 56.
  59. BAGGIO, 2004.
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Sobre a autora
Elisa Bastos Frota

Bacharela em Direito pela UFS. MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Pós-graduação em Direito Ambiental pela PUC-RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Elisa Bastos. O princípio da precaução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2376, 2 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14112. Acesso em: 22 nov. 2024.

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