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As conseqüências decorrentes da instituição ou modificação de contribuição social-previdenciária por meio de medida provisória

06/01/2010 às 00:00
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O dispositivo constitucional que dispõe acerca da aplicação do princípio da anterioridade nas contribuições social-previdenciárias é o art. 195, §6º da CF/88, cuja literalidade reza que: As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

Infere-se da leitura do preceituado comando constitucional que as contribuições social-previdenciárias poderão ser exigidas depois de decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, pouco importando o exercício financeiro em que ela foi publicada. Assim, podemos afirmar, sem medo de errar, que as contribuições social-previdenciárias constituem exceção à regra da anterioridade comum, de tal sorte que poderão ser exigidas no mesmo exercício financeiro em que tiverem sido instituídas ou aumentadas (desde que, como foi colocado, respeite-se o prazo mínimo de 90 dias). Até aqui, não se suscitam grandes dificuldades.

As dúvidas começam a surgir quando as contribuições social-previdenciárias são instituídas ou aumentadas por via de medida provisória (ad argumentandum, os problemas sempre aparecem quando exsurgem os abusos no uso da MP pelo Executivo). Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal tem adotado o entendimento de que o prazo para contagem da noventena deverá ser o da publicação da MP e não o da sua conversão em lei pelo Congresso Nacional. Observe o quadro abaixo:

Vislumbrando o quadro sinóptico acima exposto, fica fácil perceber que, se não houver prorrogação da medida provisória, a contribuição social-previdenciária nem sequer será instituída ou aumentada. No entanto, caso seja prorrogada, com arrimo no art. 62, §7º da Carta Maior, aguardam-se mais trinta dias e a MP já estará apta a produzir efeitos, porquanto observou o prazo de 90 dias exigido pela regra da anterioridade nonagesimal.

Superado isso, exsurgem duas indagações.

A primeira é: se a MP vier a ser apreciada pelo Congresso Nacional e esse optar por não mantê-la vigente, o que ocorrerá? Nesse caso, que trata da rejeição expressa, os efeitos radiados no referido período serão reputadas ineficazes, e a conseqüência prática é como se a indigitada MP nunca tivesse existido no ordenamento jurídico, devendo haver a restituição dos valores pagos com fulcro nela, salvo se, durante a rejeição, o Congresso Nacional dispuser em sentido contrário, retirando a MP do ordenamento e aduzindo que os valores pagos a partir do final da noventena são válidos.

A segunda indagação é: se o Congresso Nacional deixar transcorrer in albis o prazo para converter a MP em lei, o que sucederá? Pois bem, nesse caso, que dispõe sobre a rejeição tácita, findados os 120 dias de vigência da MP prorrogada, sem que tenha havido a sua conversão em lei, o "apetrecho presidencial" caduca, tendo sua validade consumida pelo prazo expirado. Cumpre enfatizar que a não conversão por decurso in albis do prazo implica na perda da eficácia desde a publicação da MP, operando, dessarte, efeitos ex tunc.

É de suma importância assinalar que, em ambos os casos de rejeição, expressa ou tácita, a MP tem sua eficácia consumida por efeitos ex tunc. Nessa esteira, outra pergunta se mostra pertinente: não havendo a conversão da MP em lei, por decurso in albis do prazo, a contribuição social-previdenciária paga pelo contribuinte nesse interstício deverá ser restituída, uma vez que o Congresso não foi expresso quanto à sua rejeição? O entendimento, colimado no art. 62, §3º, da CF/88, é no sentido de que os efeitos radiados pela MP, naqueles 30 dias, devem ser retirados, e suas conseqüências (relações jurídicas constituídas nesse interstício) reguladas pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo, dentro do prazo de 60 dias, a contar da perda de eficácia da MP. Assim, mesmo com a não conversão em lei, em razão da expiração do prazo, o Congresso Nacional poderá decidir, ainda, pela validade da cobrança da contribuição social-previdenciária rejeitada tacitamente. Por outro lado, o decreto legislativo também poderá regular o período em prol do contribuinte, decidindo pela não cobrança da contribuição social-previdenciária feita MP não convertida em lei, devendo, dessarte, haver a restituição do que foi pago.

Com base no parágrafo supracitado, outra questão evidencia-se palpitante: e se nossos deputados e senadores deixarem transcorrer in albis o prazo para conversão da MP em lei e, por conseguinte, nos 60 dias dedicados à edição do decreto, optarem simplesmente por não regular o indigitado período? Nesse caso, a exação será reputada como válida e, portanto, não devolvida. Trata-se de previsão constitucional expressa, consignada na inteligência do §11 do art. 62 da Carta Maior.

Pois bem, urge expor nossa opinião acerca dessa cobrança fulcrada em MP não convertida em lei, cujas relações jurídicas instauradas sobre sua égide também não foram reguladas pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, dentro dos 60 dias prescritos pela Constituição. Com a devida vênia, ousaremos tecer críticas a essa curiosa tributação literalizada no art. 62, §11 da CF/88, trazido pela tão controvertida EC 32/2001. A nosso ver, essa cobrança é demasiadamente arbitrária e nociva ao contribuinte, o qual, ao invés de se ver amparado pela Constituição Cidadã, tem seu patrimônio dilapidado, sorrateiramente, por tributação feita pelo Poder Executivo, uma vez que a MP não foi ratificada pelo Legislativo, logo não se transformou em lei. Ademais, nem sequer o decreto legislativo versou sobre a matéria constante da MP, porquanto o prazo de 60 dias fluiu sem sua edição. De conseguinte, o aumento ou instituição da contribuição social-previdenciária deu-se tão-somente com alicerce na MP (unicamente nela), ferindo inescrupulosamente o princípio da legalidade cerrada. Conseqüentemente, não é justo que o contribuinte possa vir a ter seu patrimônio dilapidado.

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Com o intento de fortalecer ainda mais as críticas, traz-se à baila o entendimento do festejado Profº Eduardo de Moraes Sabbag [01], o qual salienta, com a agudeza que lhe é peculiar, que no plano axiológico a legalidade apresenta-se carregada de carga valorativa, sendo informada pelos ideais de segurança jurídica e justiça – vetores que não podem ser solapados na seara tributarística. Assim, entendemos que, um artifício ardiloso, como esse da cobrança de 30 dias de contribuição social-previdenciária, com base em MP não convertida em lei, atenta contra os ideais de justiça e moralidade de um Estado de Direito, além de ensejar a exigência de tributo não pautado na lei stricto sensu, já que MP não é lei, apenas possui status equivalente (sobretudo para fins de aumento e diminuição de alíquotas de tributos extrafiscais em caráter de urgência e alta relevância), mas não satisfaz o fundamento acastelado na legalidade, que é a criação de ônus tributário por Poder Legiferante constitucionalmente erigido para tal mister.

Não pode haver confusão: a função que a Carta Maior concedeu às medidas provisórias, para criar e majorar tributos, está plenamente vinculada à conseqüente e posterior conversão em lei, pois que é requisito intrínseco para sua eficácia, visto que a não conversão opera efeitos ex tunc na MP. Admitir que seja feita cobrança de tributos somente com base em MP rejeitada, nesse interstício, é de risco assombroso num país como o Brasil, onde a sede arrecadatória é insaciável e os meios utilizados por nossos legisladores e administradores são de índole duvidosa, assim como é, certamente, a cobrança em tela. Logo, o assinalado dispositivo constitucional corporificado pela odiosa EC 32/2001, a nosso ver, macula de maneira inadmissível o princípio da legalidade cerrada, que é a viga mestra do Direito Tributário e garantia inarredável do contribuinte.

Ao cabo das considerações expendidas, concluindo a questão ora debatida, deve ser salientado também que, se a MP for convertida em lei, pelo Congresso Nacional, dois caminhos poderão ser trilhados a partir daí. O primeiro consubstancia-se na hipótese da conversão ser feita nos termos em que foi editada a MP, ou seja, sem alteração substancial do texto original. Nesse caso, o prazo para contagem da noventena será feito a partir da publicação da MP. O segundo, na hipótese da lei que converter a MP alterar substancialmente seu texto original. Nesse caso, o prazo para contagem da noventena será feito a partir da publicação da lei de conversão, evidentemente na parte em que houve alteração, pois, na que ficou intangível, o prazo continua a ser o da publicação da MP. Doutrinariamente, costuma-se nomear a primeira hipótese de conversão total e a segunda de conversão parcial.


 

  1. SABBAG, Eduardo de Moraes. Princípio da legalidade tributária. Material da 1ª aula da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Princípios e Imunidades, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário - UNIDERP/REDE LFG.
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Sobre o autor
André Nacagami

Advogado Criminal e Tributarista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NACAGAMI, André. As conseqüências decorrentes da instituição ou modificação de contribuição social-previdenciária por meio de medida provisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2380, 6 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14143. Acesso em: 29 mar. 2024.

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