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O alcance da vedação à fixação de preços mínimos contida no art. 40, X, da Lei de Licitações

06/01/2010 às 00:00
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A jurisprudência do Tribunal de Contas da União é bastante dividida no que diz respeito à possibilidade de estipulação em edital de nível salarial mínimo a ser obedecido pela empresa prestadora de serviços terceirizados nos contratos de trabalho firmados com seus empregados.

Com efeito, encontramos duas grandes linhas seguidas nos acórdãos da Corte de Contas.

Para uma primeira vertente, é vedado determinar no edital patamar mínimo salarial, por haver, neste ato, a fixação indireta de preço mínimo, afrontando o art. 40, X, da Lei 8.666/93. O referido posicionamento é adotado nos Acórdãos 2.028/2006 – Plenário, rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, 2.144/2006 – Plenário, também de relatoria do Min. Augusto Sherman Cavalcanti e 1.699/2007 – Plenário, rel. Min. Marcos Vinícios Vilaça.

Nesse sentido, argumenta-se que o estabelecimento de valores salariais mínimos contraria o princípio da competitividade, o qual deve permear todo o procedimento licitatório, sendo da própria "essência" [01] deste. Assim, fixado o patamar salarial mínimo, todos os licitantes partiriam de uma mesma base para a formulação de suas propostas, não sendo possível, nesta situação, a redução de custos com vistas a ofertar à Administração Pública preços mais competitivos.

Não bastasse isso, haveria, com a fixação de valor salarial mínimo, uma interferência indevida da Administração Pública na esfera das relações privadas existentes entre licitantes e seus empregados. A interferência do Estado no domínio das relações privadas é medida excepcionalíssima, devendo ser evitada ao máximo, sob pena de afrontar-se o princípio da livre iniciativa e a livre formação de preços dos serviços [02].

Nessa linha, outra consequência indesejada da fixação de níveis salariais mínimos pelo edital seria uma restrição descabida à participação no certame de empresas eficientes e que podem remunerar os profissionais contratados com valores menores que os estabelecidos no edital sem perda da qualidade dos serviços ofertados.

Alega-se ainda, em defesa dessa corrente, que a Administração Pública não possui meios adequados para estipular a remuneração mínima que é devida para cada tipo de serviço contratado sem que se valha da subjetividade do agente público. Isto porque, sempre que fixa patamar salarial mínimo, a Administração se pauta por consultas efetuadas a institutos não-oficiais e cadastros de fornecedores restritos, escolhidos livremente pelo agente público encarregado da tarefa.

Já uma segunda vertente, a qual esperamos que prevaleça nos julgados do TCU, leva em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, destacamos os Acórdãos 290/2006 – Plenário, rel. Min. Augusto Nardes e 1.327/2006 – Plenário, rel. Min. Guilherme Palmeira.

Destarte, o estabelecimento de um nível salarial mínimo pelo edital permite que o trabalhador contratado pela empresa terceirizada (em especial aquele não protegido por acordo ou convenção coletiva) receba um valor que não conduza à exploração aviltante do trabalho humano.

É de se realçar, aliás, que a remuneração interfere na eficiência e produtividade dos empregados contratados e, desta maneira, a remuneração mínima estabelecida é a garantia de que os serviços terceirizados serão prestados com qualidade. A eficiência, como paradigma adotado pela Administração Pública Gerencial, "tem como corolário a boa qualidade" [03] dos serviços prestados, de forma que deve ser evitado o desperdício das verbas públicas [04].

Atenua-se, assim, o princípio da competitividade entre as empresas de forma a se permitir que, fundamentadamente e mediante prévias pesquisas de mercado, seja garantido ao trabalhador um salário condizente com sua qualificação profissional e grau de complexidade dos serviços prestados.

Sob este enfoque, não há afronta ao disposto no art. 40, X, da Lei de Licitações, pois se deve distinguir o salário pago aos empregados da empresa terceirizada do preço total do serviço. A razão dessa diferenciação é que a Lei de Licitações veda apenas a fixação, pela Administração Pública, de valor mínimo total do serviço, não proibindo, ao revés, a fixação de um piso salarial.

Assim, o preço do serviço compõe-se de vários itens, a exemplo dos salários dos empregados, custos indiretos e margem de lucro da empresa contratante, de forma que a fixação de piso salarial não impede que os licitantes apresentem propostas que sejam diferenciadas quanto aos demais itens, reduzindo sua margem de lucro e garantindo a manutenção da competitividade no certame. Noutras palavras, o salário dos empregados é apenas parte, e não a totalidade da composição do preço.

Ademais, é preciso realçar que a proposta mais vantajosa para a Administração não é, necessariamente, aquela que contenha os menores preços, mas sim a que satisfaça com eficiência as demandas do Poder Público. Isto porque "o menor preço, que fora decisivo no sistema anterior, cedeu lugar pra vantagens de qualidade e rendimento na enumeração do atual Estatuto" [05]. Afinal, salários aviltantes estão em confronto com a satisfação do interesse público e, via de regra, significam perda na qualidade dos serviços prestados à Administração.

Portanto, a nosso ver, a dignidade da pessoa humana, como "valor constitucional supremo em torno do qual gravitam os direitos fundamentais" [06], impõe um tratamento salarial justo ao trabalhador. Devido à sua importância, o mencionado princípio não pode ser posto em segundo plano pelo operador do direito, devendo "informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional" [07] e também conduzir à melhor exegese do art. 40, X, da Lei de Licitações, no sentido de que é possível a fixação em edital de patamares salariais mínimos para os empregados das empresas prestadoras de serviços terceirizados.

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Notas

  1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 503.
  2. Vide GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 629, para quem "os atos e medidas que consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Direito. consignado expressamente em nossa Lei Maior. como é o princípio da livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse respeito que ‘as balizas da intervenção serão. sempre e sempre. ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa’ (Curso, cit., p. 64)".
  3. ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16ª ed. São Paulo: Método, 2008, p. 203.
  4. Conforme GASPARINI. Op. cit., p. 19, "a realização cuidadosa das atribuições evita desperdício de tempo e de dinheiro públicos, tão necessários na época atual".
  5. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, p. 273.
  6. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 372.
  7. NOVELINO. Op. cit., p. 348.
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Sobre o autor
Marcus Paulo da Silva Cardoso

advogado em Brasília/DF e servidor do Tribunal de Contas da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Marcus Paulo Silva. O alcance da vedação à fixação de preços mínimos contida no art. 40, X, da Lei de Licitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2380, 6 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14146. Acesso em: 18 abr. 2024.

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