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Desafios do direito em face do fenômeno da globalização

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10/01/2010 às 00:00
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Resumo

O presente artigo tem por proposta despertar a reflexão sobre o papel do Direito diante das transformações da sociedade atual em razão do fenômeno da globalização. Partindo da análise das transformações na história recente da economia-mundo, em razão principalmente da introdução de novas tecnologias, examina-se como os efeitos da globalização influem diretamente no papel do Estado diante da nova ordem econômica mundial. Com fulcro na teoria sistêmica de Niklas Luhmann, busca-se compreender como o sistema jurídico de cada Estado encontra-se interdependente com outros sistemas e como esta relação não promove incompatibilidade do Direito com a globalização.

Palavras-chave: Globalização, Economia-mundo, Direito, Sistema jurídico.


1.Introdução.

O atual processo de transformação da sociedade, resultado da globalização, se mostra cada vez mais complexo e envolve inúmeras circunstâncias nas mais diferentes áreas do conhecimento humano, com consequências em diversos setores da vida social.

A internacionalização dos mercados, ocupadas pelas empresas e organismos transnacionais criados a partir de uma evolução histórica que passa pelo avanço técnico-científico da denominada "sociedade informacional" que vem em substituição a sociedade industrial (superação do modelo "fordista"), trouxe novos fatores de produção, de competitividade e de inovação contínua. Com isso, cada vez mais ocorre uma pressão sobre os Estados para que haja uma natural alteração de paradigmas que possam favorecer esta nova ordem econômica mundial.

Constata-se que os governos não são os principais articuladores do mercado globalizado, pelo contrário, este na verdade passou a ser o grande estruturador do sistema capitalista, impondo reflexos na vida social da população de todo o mundo e sobrepondo a existência de fronteiras.

Os efeitos da globalização com a célere troca de informações, de bens, de serviços e mercadorias mediante o rompimento das fronteiras geográficas, onde praticamente passou a ocorrer uma relação direta entre todas as nações, sejam de primeiro ou terceiro mundo, expôs a dificuldade de atuação do Estado em responder às demandas sociais, uma vez que a política é ditada pelo mercado. Este mercado, é uma verdadeira ideologia, um símbolo que tem como atores empresas globais muitas vezes sem preocupações éticas ou finalísticas (BERTI, 2004, p. 13-15).

Neste contexto, o sistema jurídico dos Estados e o direito positivo, são colocados em questão diante do impacto desta nova ordem, o que nos leva a refletir como estes sistemas se comportam e qual o papel do Direito nestas mudanças.


2.Movimentos do fenômeno globalização e seus efeitos

A globalização tratada como internacionalização dos ciclos produtivos e mercantis, encontra precedentes mais significativos na história, a partir do século XV em face da expansão marítima que ocorreu através do domínio das técnicas de navegação. Isto possibilitou a difusão do mercantilismo com o estabelecimento de rotas globais as quais possibilitaram a exploração de outros continentes e uma intensificação do comércio mundial.

Os movimentos de comércio e riqueza aliados a uma acumulação de capital proporcionaram já nos séculos XVII e XVIII a unificação e centralização dos Estados, o que ocasionou o aparecimento de novos pólos de poder principalmente na Europa (FARIA, 1999, p. 60)

A globalização se generalizou e aprofundou uma tendência mundial, um processo em marcha formando articulações econômicas, políticas e culturais e desenvolvendo o perfil de uma sociedade civil de âmbito mundial (IANNI, 1997, p. 24).

Assim, o impacto socioeconômico da internacionalização continuou transformando-se nos séculos seguintes, todavia, foi a partir das duas últimas décadas do século XX, principalmente com a tecnologia de informação nas atividades econômicas, que a globalização atingiu uma dimensão mais complexa e multifacetada, trazendo implicações em todos os ramos do conhecimento, abrangendo não só os aspectos da internacionalização dos circuitos produtivos, financeiros e tecnológicos, mas também abrangendo questões econômicas, sociais, políticas e jurídicas.

Na sequência desta marcha, vimos surgir a denominada "sociedade informacional", isto é, uma rede de relações produtivas, administrativas, comunicativas e pessoais, que proporcionou uma veloz abertura do comércio mundial de serviços de informação, reestruturando entre outras coisas o sistema financeiro internacional. As tecnologias da comunicação e informação reduziram as fronteiras e contribuíram de forma substancial para a formação de uma sociedade planetária e de uma economia global [01].

Neste diapasão, a expansão do capitalismo no pós-guerra, teve como paradigma de produção ou modo de acumulação do capital, o "fordismo". A produção industrial fordista era caracterizada pela dinâmica através de linhas de produção e de consumo, o qual fundia a força de trabalho num todo orgânico e onde a contribuição produtiva de cada um e de cada grupo, dependia da contribuição dos outros

O fordismo envolveu transformações significativas não apenas no âmbito das relações de consumo, mas principalmente na organização da produção. Com o processo de globalização e o advento das transformações, normalmente identificadas com as duas últimas décadas do século XX, a chamada "crise do fordismo", esteve associada, também, ao surgimento das instituições transnacionais de atuação global, distanciadas das regiões centrais e com atuação no mercado mundial. Este surgimento contribuiu para retirar as empresas da base territorial de uma única nação. A progressiva substituição das plantas industriais tradicionais, com trabalhadores semiqualificados ou monoqualificados, deu lugar a plantas industriais mais novas e maleáveis, em atendimento as exigências de mercado, onde passaram a ser operadas por trabalhadores com poliqualificação, que exercem simultaneamente múltiplos encargos e assumem diferentes responsabilidades funcionais. Esse novo paradigma, com base no emprego direto da tecnologia na produção, denominado "especialização flexível", trouxe substanciais diferenças em relação ao paradigma fordista/taylorista (FARIA, 1999, p. 77-82).

Uma das características importantes trazidas por esta sociedade "informacional", pelo menos em relação a certa casta social, diz respeito a incorporação desse tipo de informação na produção, tendo como consequência a redução do trabalho manual até mesmo por ausência de sentido, uma vez que mais e mais as funções produtivas se ligam ao trabalho intelectual-direcional, sendo este vendido em bases independentes de mercado, sob a forma de prestação de serviços. (FARIA, 1999, p.78).

Neste sentido, conforme assevera Caldas e Amaral:

[...] o atual processo de globalização é caracterizado por um alto componente tecnológico, que inclui a automação, a especialização e a produção flexível, o uso de robôs e da robótica, a fibra ótica, a comunicação por satélite e a internet. (CALDAS; AMARAL, 1998, p. 28)

De outra monta, o advento da "sociedade informacional" e a substituição do paradigma técnico-industrial "fordista" pelo paradigma da "especialização flexível", não foram as únicas consequências da estratégia do conhecimento especializado. A conversão da ciência e da tecnologia em fator básico de produção, de competitividade e de inovação contínua foi o principal impacto propulsor da globalização.

Esta composição de descobertas científicas e as novidades tecnológicas (ciência e tecnologia) possuem um ciclo de vida útil decrescente, além de exigir investimentos altos e contínuos. Com o tempo, houve um desequilíbrio negativo entre os gastos com as chamadas invenções de durabilidade e a "comercialidade" destes produtos. Isto gerou um obstáculo a ser transposto pelos conglomerados empresariais, que motivaram o desafio de transformações que possibilitassem melhores rendas pelas tecnologias e inovações científicas.

Os conglomerados empresariais e as companhias globais, conscientes das limitações de escala dos mercados nacionais e da incapacidade de absorver produtos e serviços oriundos desta expansão tecnológica contínua, organizou a produção para uma escala planetária, fragmentando e dispersando geograficamente, aproveitando as vantagens comparativas de cada mercado, convertendo a ordem econômica internacional na denominada "economia-mundo" [02] (FARIA, 1999, p.86-87).

A globalização acentuada por essas sucessivas ondas de inovações tecnológicas, evidenciou a maior concentração e centralização do capital. Aos países de primeiro mundo atribui-se o desenvolvimento de novas tecnologias e técnicas produtivas e aos demais países a condição de intermediários e base de experiências daquelas inovações.

José Eduardo Faria, em consonância com Immanuel Wallerstein, critica o capitalismo neoliberal da "economia-mundo", acentuando que sua complexidade não é apenas econômica, mas estende-se aos campos sociais, políticos e cultural, impondo profundas desigualdades e distorções nos intercâmbios comerciais, em especial nos fluxos de pagamentos, tecnológicos e de informações nas relações entre economias nacionais e blocos regionais, o que Wallerstein destacou ser as interações entre o que denominou de países "centrais", "semi-periféricos" e "periféricos".

O centro, onde se encontram os Estados mais fortes do sistema, concentram níveis elevados de riqueza, inovação tecnológica e salários, detém formas complexas e avançadas de agricultura, mantém o controle do comércio nacional e internacional. Na outra ponta, a periferia concentra a oferta de insumos agrícolas e minerais, de produtos de baixo conteúdo tecnológico e de mão-de-obra barata. A semi-periferia, por sua vez, possui características intermediárias em termos tecnológicos e de remuneração da mão-de-obra. (FARIA, 1999, p. 88-90)

Destarte, nesta concepção, a globalização operando as transformações a partir das grandes empresas e corporações transnacionais e dos grupos financeiros ávidos por lucros, exprimem na verdade uma realidade conhecida de dominação dos países ricos sobre os países mais pobres. (HUSEK, 2007, p. 28).

O historiador francês Jacques Le Golf, citando Fernand Braudel, ressaltou que: "a globalização capitalista modela o espaço político-geográfico. Ao redor de um centro, de uma cidade, sede de um organismo de impulsão, da Bolsa, funcionam "satélites" mais ou menos afastados. A relação centro-periferia domina esse sistema espacialmente hierarquizado." (GOLF, 2002)

A "economia-mundo" está dividida em algumas áreas fortemente beneficiadas pela concentração dos fluxos tecnológicos, pela rentabilidade dos capitais financeiros, produtivos e mercantis e pela captação dos investimentos diretos e outras áreas permanentemente desfavorecidas. Áreas que graças ao poder de seletividade e negociação, revelaram-se capazes de promover sua integração ativa no mercado globalizado e outras que em razão de sua debilidade estrutural econômica, além de outros fatores, foram levadas a uma integração passiva, sem que consigam poder necessário para ingressar no núcleo orgânico. (FARIA, 1999, p. 92-93).

Diante deste quadro, constatam-se profundas desigualdades e distorções nos intercâmbios comerciais. Esta estratificação em razão das pressões de um mercado de capitais mundial se deve a vários fatores, entre eles, cada vez mais o mercado financeiro comanda a economia global. São as grandes corporações e organizações transnacionais que decidem sobre câmbio, taxa de juros, moeda e forçam o Estado a se adequar às exigências de funcionamento dos mercados e dos fluxos de produção. (IANNI, 1997, p. 74)

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Nesta perspectiva da análise, críticas ferrenhas são produzidas colocando a globalização econômica como empreendedora de um significativo aprofundamento das desigualdades entre os países centrais e periféricos, ou seja, a discrepância entre ricos e pobres.

Com invulgar franqueza, John Keneth Galbraith salientou não ser a globalização um conceito sério. Inventado pelos americanos, dissimula a sua política de entrada econômica nos outros países.

Essa nova ordem internacional, uma ordem sobretudo econômica, mas também política, despreza os valores sociais e humanos. Significa economia globalizada e desemprego incessantemente gerado (Moacir Wernwck de Castro, 1996:134). É "um desígnio de perpetuidade do statu quo de dominação, como parte da estratégia mesma de formulação do futuro em proveito das hegemonias supranacionais já esboçadas no presente". (GARCIA DE LIMA, 2003, p. 218).

Considerando os aspectos positivos e os riscos da globalização não há como deixar de constatar que há um imperialismo gerado pelo domínio e a posse dos processos técnicos de produção e distribuição de riquezas. Portanto, dentro da perspectiva da realidade vigente, o liberalismo transferido para uma ordem global, regido pelos Estados nacionais mais fortes que formam pólos dominantes e que abarcam as grandes coorporações transnacionais do planeta, acabam trazendo como efeito a desestatização econômica, a desregulamentação, o desemprego e a exclusão social nos países periféricos e semi-periféricos com muito maior ênfase. (IANNI, 1997, p. 78).

Mas será que o mundo está condenado a esta polarização ricos e excluídos, ou as transformações que ainda estão ocorrendo com a globalização podem servir para um mundo melhor? Sob outra ótica, e através de uma abordagem mais amena e esperançosa do mundo globalizado, Claudionor dos Santos Oliveira apresenta uma visão simplista e otimista:

(...) o fenômeno da globalização da economia poderia, sim, estar sinalizando: uma nova ordem econômica mundial; um processo de mudanças de paradigmas; o declínio de dois séculos de industrialização e de organização capitalista; o alvorecer de novos tempos nas relações entre as nações. Com o fim do conflito Norte e Sul ou capitalismo e comunismo, a internacionalização da economia e a interdependência dos mercados regionais poderão transformar em grande potencial para o equilíbrio da paz mundial. O avanço do conhecimento humano, o progresso das pesquisas tecnológicas, o desenvolvimento de novos produtos, a expansão da produção e do comércio mundial, poderão igualmente, estar criando oportunidades e capacitação competitiva para as empresas e para as nações no cenário internacional. (apud HUSEK, 2007, p. 29).

Apontando estas questões, Jacques Le Golf reflete sobre as transformações operadas pela globalização e seus efeitos, apontando o papel dos instrumentos que possam equilibrar as relações.

Minha conclusão é simples e talvez banal: deve-se supervisionar, controlar e combater os perigos da globalização e fazer frutificar as potenciais contribuições positivas. Os principais perigos são, a meu ver, a dominação do econômico, o desenvolvimento da desigualdade e da injustiça social e a uniformização, a qual nunca é aceitável. Que existam compromissos sociais e políticos que façam o conjunto funcionar é admissível, mas a uniformização não é um ideal a ser proposto para a humanidade. Deve-se, portanto, desenvolver as instituições, os movimentos, os ideais que possam fazer triunfar com a globalização a partilha, a paz no respeito das diversidades. Uma globalização assassina das diversidades é nociva e catastrófica. (GOLF, 2002).

Deste modo, o papel do Estado e de seu principal instrumento, o Direito, precisa ser pensado. As formas de adaptação e de sobrevivência às regras impostas pelo mercado global não podem destruir a economia nacional ou determinar absolutamente suas diretrizes. O Estado necessita manter sua hegemonia para formular políticas setoriais e sociais próprias, utilizando-se do Direito como um instrumento válido e eficiente na organização da sociedade. Um Estado forte diante da economia globalizada proporcionará harmonia e desenvolvimento para a sociedade tendo maiores chances de inserção na nova ordem econômica.


3. O Direito e a Globalização

Conceitos que não só envolvem cultura, política, economia, vida social, mas também outros tradicionais como cidadania, povo, poder e Estado, são modificados diante da formação e expansão da sociedade mundial, onde aspectos da globalização influenciam diretamente nas relações políticas e no papel do Estado e do Direito.

A lógica da eficiência e da competição imposta na concepção neoliberal da globalização, reflete e tende a desestruturar os sistemas normativos. Com a globalização observamos que as fronteiras dos Estados diminuem e se enfraquecem. A soberania, apresentada como condição necessária da teoria jurídica tradicional, vem perdendo seu significado clássico.

A nova ordem econômica mundial pleiteia uma certa liberdade de normas externas entregues à lógica do mercado. Qualquer restrição nacional pode limitar e entrar em concorrência com regras menos rígidas oferecidas em outros países, que visam atrair as transnacionais ou mesmo facilitar o aporte de capital. As empresas de atuação mundial buscam o lugar onde são mais baratas as condições para desenvolvimento de sua atividade econômica. Setores como informática, telecomunicações, farmacêuticos, dentre outros, formam-se em concentração de grandes empresas (transnacionais), que dominam o mercado mundial e impõem regras aos Estados. (HUSEK, 2007, p.26).

Diante da influência da globalização, conciliar a estrutura das instituições tradicionais, construídas ao longo da história da humanidade e que de certa forma se apresentam inflexíveis e visam garantir a segurança das relações jurídicas, com a reordenação de objetivos econômicos, políticos e sociais, se torna um grande desafio frente à necessidade de se manter eficiente e competitivo no mercado mundial.

A soberania neste novo contexto socioeconômico já não se apresenta como poder independente, supremo, inalienável e exclusivo no âmbito de um território. Ocorre assim uma perda de condições efetivas para o Estado implementar políticas monetária, fiscal e cambial entre outras.

Abordando a força e influência dos grandes conglomerados econômicos diante das políticas dos Estados, o Professor José Eduardo Faria tece as seguintes considerações:

As decisões do sistema financeiro internacional em matéria de investimentos externos diretos e definição de setores, áreas e regiões prioritárias para a recepção de recursos, potencializadas pela capacidade dos conglomerados empresariais de concentrar decisões e ao mesmo tempo de fragmentar espacialmente suas atividades graças à mobilidade locacional dos fatores de produção propiciada pela expansão tecnológica, transformaram-se assim numa forma de poder sem uma localização nítida ou precisa, porém bastante efetiva; mais precisamente, em fundamento último da ''soberania'' com relação às políticas econômicas dos Estados-nação.(FARIA, 1999, p. 107-108).

Estaria então exaurido o paradigma jurídico forjado a partir dos princípios da soberania e do Estado de Direito? Qual o papel do Direito na sociedade globalizada?

O Estado, diante de todos os aspectos que envolve a economia-mundo é obrigado a ditar normas que se relacionam com a estabilidade monetária, ao equilíbrio das finanças públicas, à abertura comercial e financeira e ao crescimento econômico, ou seja, a promulgação de leis se dá dentro de um contexto econômico-financeiro em âmbito internacional e não apenas em âmbito nacional.

Assim, diante da complexidade da globalização, resta evidente que os sistemas político e econômico, impõe aos Estados uma necessária adaptação das economias nacionais às exigências da economia mundial, sendo que esta necessidade e imposição ocorre diante do sistema jurídico de cada Estado, mediante alteração do direito positivo.

Celso Fernandes Campilongo analisa a questão do Direito diante da globalização com base na teoria sugerida por Niklas Luhmann [03], que aponta o sistema jurídico como ao mesmo tempo, aberto em termos cognitivos e fechado em termos operativos. Ou seja: um Direito interdependente com outros sistemas (econômico, científico, político etc) sensível as demandas formuladas (abertura cognitiva) mas, no entanto, somente processa-se nos limites deste próprio Direito (fechamento operativo).

O sistema jurídico é um só, decorre da função do Direito e não da arquitetura do sistema normativo. A globalização demanda novas diferenciações no interior do sistema jurídico, mas não é capaz de corromper esta função do Direito. Há necessidade da busca de inovações talvez dos mecanismos ou instrumentos jurídicos, uma vez que, a lógica do mundo globalizado exige esta postura. Uma inédita, ampla e complexa estrutura jurídica, diante da ordem econômica globalizada, deve fortalecer a democracia e os direitos fundamentais (CAMPILONGO, 2000, p. 143).

O mesmo autor alicerçado na teoria de Luhmann, afirma não haver incompatibilidade sistêmica, operacional, decisória ou funcional que torne o direito positivo inconciliável com a globalização. O sistema jurídico deve considerar o contexto da sociedade moderna, não há espaços para condicionamentos externos ao Direito. O Direito como um todo não se funda em princípios estranhos ao sistema jurídico, portanto, as situações e configurações paralelas ao Estado surgidas pela complexidade imposta pela globalização, não estará descaracterizando o sistema jurídico (CAMPILONGO, 2000, p. 144-145).

Nas palavras do autor:

Não seria pela eventual nova configuração dos espaços do direito – descentralizados, paralelos ao Estado, informais, não-hierarquizados – que o sistema jurídico estaria se descaracterizando. Há de se perguntar, isto sim, se as novas formas jurídicas continuam operando como programas condicionais, garantindo expectativas normativas, atuando como ordem coercitiva e, principalmente, diferenciando-se do ambiente externo com base no seu código particular (direito/não direito). Só haverá direito quando forem preenchidas essas condições. Do contrário, o que se terá são manifestações pré-jurídicas. (CAMPILONGO, 2000, p. 145).

Seguindo este raciocínio, Campilongo promove a análise do Direito dentro do complexo da globalização, onde este não nascerá de acordos e concessões mútuas. O direito da globalização é construção, artifício (engenhosidade) e contingência (imprevisibilidade). A globalização cria complexidade e aumenta a interdependência do sistema jurídico em relação ao seu ambiente externo. Nesta esteira, surgem eventos que carecem de regulação jurídica. O sistema jurídico, apesar de toda turbulência no ambiente, está sempre aberto aos influxos e requisições que a economia e a política lhe apresentam, este sistema somente não pode abandonar a operacionalidade direito/não direito, ou seja, este sistema jurídico não está absolutamente desprendido, solto no ar. "A função infungível do sistema jurídico moderno é produzir direito por meio do direito, vale dizer, reproduzir comunicação jurídica a partir da comunicação jurídica. Por isso o sistema é autopoiético". Quando se utiliza especificamente desta comunicação, deste código comunicacional particular e exclusivo (binário direito/não direito), nesta distinção, ela pertence ao sistema jurídico e a mais nenhum outro (CAMPILONGO, 2000, p.146-148).

É nítido que a complexidade da globalização impõe ao Direito matérias específicas e diferenciadas, o que diminui a capacidade do Estado de fazer prevalecer interesses públicos sobre interesses corporativos. Há um rompimento da racionalidade sistêmica do direito positivo. A estrutura deste sistema não é suficiente para estabilizar as expectativas normativas destas nova áreas, por isso florescem modelos negociais e paraestatais de resolução de conflitos.

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Sobre o autor
Marcelo Gollo Ribeiro

Professor Universitário. Procurador do Município de Ribeirão Pires (SP). Pós graduado em Direito Tributário pela PUC-SP. Pós graduado em Filosofia pela Universidade Gama Filho-RJ. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Marcelo Gollo. Desafios do direito em face do fenômeno da globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2384, 10 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14153. Acesso em: 29 mar. 2024.

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