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O Estatuto da Cidade, a função socioambiental da propriedade e os instrumentos urbanísticos de sua efetivação

18/01/2010 às 00:00
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Resumo: O presente estudo versa acerca do princípio da função social da propriedade, e sua decorrente função socioambiental. Aborda a importância deste princípio dentro do atual contexto do Direito Urbanístico, especialmente no que se refere à fundamentação de novos e valiosos instrumentos urbanísticos trazidos pelo Estatuto da Cidade como meio de proteção ao meio ambiente urbano.

Palavras-chave: Direito Urbanístico e Ambiental. Função socioambiental da propriedade. Estatuto da Cidade. Instrumentos de proteção ao meio ambiente urbano.

Sumário: 1 – Considerações preliminares; 2 – Algumas linhas sobre os princípios jurídicos; 3 - O Direito Urbanístico: conceito, objeto e sua umbilical ligação com o Direito Ambiental; 4 – A tutela do meio-ambiente Urbano; 5 – O Estatuto da cidade e a proteção ao meio ambiente como diretriz geral; 6 – O Estatuto da Cidade e a função socioambiental da propriedade: proteção ao meio ambiente e instrumentos de concretização/efetivação; 7 – Conclusões;


1 – Considerações preliminares.

O presente estudo versa acerca do princípio da função social da propriedade, sua decorrente função socioambiental e consequente dever de proteção ao meio ambiente urbano.

Para tanto, abordar-se-á a importância deste princípio dentro do atual contexto que abarca o Direito Urbanístico, ante do moderno fenômeno da urbanização e hodierna questão da evolução e desenvolvimento das cidades, com destaque para os novos e valiosos instrumentos urbanísticos, trazidos pelo Estatuto da Cidade e que, certamente, são importantíssimos meios a viabilizar e possibilitar a concretização do Direito Urbanístico.


2 – Algumas linhas sobre os princípios jurídicos.

Tema recorrente na dogmática jurídica moderna é a discussão acerca da natureza das normas jurídicas e suas espécies. Apresentam-se, hoje, mediante novos rótulos, teses supostamente inovadoras, que tentam comprovar equívocos da doutrina positivista do direito, mas que, em rigor, em nada alteram o que já foi exaustivamente abordado. Uma destas questões é a existência das espécies normativas regras e princípios.

O presente estudo não comporta maiores divagações acerca da matéria. Assim sendo, para os fins a que se propõe, cumpre afirmar que os princípios jurídicos são normas jurídicas. Possuem caráter prescritivo. São normas dotadas de alto grau de abstração, generalidade e forte carga valorativa, valores estes incorporados pelo sistema jurídico, portanto, internos, compreendidos pelo sistema. Estabelecem deveres, positivos e negativos, faculdades, obrigações. Servem à interpretação e integração do Direito, conformando o sistema.


3 - O Direito Urbanístico: conceito, objeto e sua umbilical ligação com o Direito Ambiental.

O Direito Urbanístico é ramo do Direito relativamente novo. Com efeito, somente após a década de setenta é que os juristas passaram a se dedicar mais detida e especificamente sobre a matéria, desencadeando uma crescente e qualitativa elaboração doutrinária e legislativa, a qual alcançou, no Brasil, seu ponto máximo com a promulgação do Estatuto da Cidade.

Importante frisar-se, desde logo, que o Direito Urbanístico tem como objeto o estudo das normas – regras e princípios - que visam ordenar as cidades. Dedica importante atenção e concentra especiais esforços aos direitos e limitações inerentes à propriedade urbana, sua regulação e organização, indispensável diante do premente fenômeno da concentração urbana iniciado a partir das revoluções burguesas e industriais ocorridas na Europa Ocidental e logo refletidas no Brasil. Surge, então, como disciplina fundamental para consecução de uma urbe que permita aos citadinos uma vida saudável e feliz.

É, destarte, o ramo do Direito Público, que diz respeito ao estudo das normas jurídicas que regulam e disciplinam os espaços habitáveis, sejam eles urbanos ou rurais, visando a plena consecução das funções sociais da cidade - habitação, trabalho, lazer e circulação.

A despeito da dicotomia entre Direito Público e Privado, bem como de sua subdivisão em diversos ramos relativamente autônomos, sabe-se que a unidade é um dos elementos essenciais a existência e funcionamento de um sistema, sendo esta premissa plenamente aplicável ao sistema jurídico. A sua separação em ramos e sub-ramos não é estanque e, em rigor, atende especialmente a uma utilidade didática.

Por isso mesmo é que a ligação entre os diversos ramos do Direito é da sua essência.

A relação entre Direito Urbanístico e Ambiental é irrecusável. Não só por integrarem um mesmo sistema normativo e terem como fundamento último de validade uma única norma fundamental, mas também pela identidade entre seus objetos de estudo e existência de princípios correlatos.

Não restam dúvidas que um mesmo princípio pode ser fundamento a mais de um ramo do Direito. Principalmente quando se trata de ramos afins, como é o caso do Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico. Estas são searas multidisciplinares do Direito. Daí porque um ou mais dos seus princípios podem incidir, simultaneamente, em diversos ramos do Direito.

Destaca-se, neste sentido, o dever de proteção/efetivação de um ambiente sadio dentro dos conglomerados urbanos mediante o cumprimento de obrigações fundadas, em última instância, no princípio da função social da propriedade, comum a estes ramos do Direito. Trata-se do princípio jurídico da função socioambiental da propriedade urbana.


4 – A tutela do meio-ambiente Urbano

Já foi dito que o Direito Urbanístico é o ramo da ciência do Direito, que tem por objeto o estudo e concretização nas normas – regras e princípios, que visam à ordenação as cidades. Já o Direito Ambiental, pode ser conceituado como "o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações" (MILARÉ, 2000: 109).

Entretanto não há que se falar em ordenação da cidade e proteção ao meio ambiente – ao menos no que tange ao meio ambiente urbano-, de forma isolada, ou seja, mediante atuação que não seja multidisciplinar. Há, como demonstrado supra, entrelaçamento entre estes objetos.

Daí, saltar aos olhos a salutar relevância do estudo transdisciplinar ora proposto. Afinal, o meio ambiente urbano é "a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes. Será tão mais atraente quanto mais constitua uma transformação cultural da paisagem natural do seu sítio, e tanto mais agressiva quanto mais tenham violentado a paisagem natural, sem acrescentar-lhe valor humano algum". (SILVA, 2006, p. 307)

Neste contexto, o conhecimento e debate acerca do conteúdo do princípio da função social da propriedade, em sua face ambiental, do Estatuto da Cidade e dos seus instrumentos, sobrelevam-se.

Pelo princípio da função social da propriedade, depreende-se que somente será legítima a propriedade que atender aos fins coletivos. A propriedade individual, voltada exclusivamente para os interesses individuais e egoísticos do proprietário não é mais concebida diante da ordem jurídica vigente. Na lição do Ministro Eros Roberto Grau, "a propriedade dotada de função social é justificada pelos seus fins, seus serviços, suas funções" (GRAU, p. 238).

Com efeito, a função social da propriedade mereceu destaque especial na nossa Carta Magna. O novo texto constitucional, em contexto geral, imprime uma latitude sem precedentes aos direitos sociais básicos, dotados agora de uma substantividade nunca conhecida nas Constituições anteriores.

Assim, a propriedade passa a ter nova conotação. Transcende do individualismo exarcebado dos séculos passados, para também resguardar, na forma da lei, o interesse coletivo em prol bem comum.

Portanto, ao se relacionar diretamente com o direito fundamental à propriedade, impondo determinados comportamentos aos detentores deste, possui, assim como este, status de direito fundamental (art. 5, XXIII). Ademais, passa a ser princípio que rege a ordem econômica (art. 170, III) e, ao lado da função social da cidade, é a base normativa onde deve repousar toda a política urbana (art. 182).

E por imposição constitucional a função social da propriedade é cumprida quando há o seu aproveitamento racional e adequado, o que inclui a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente em dada propriedade, dando ensejo ao denominado princípio da função socioambiental da propriedade. Estamos diante de um princípio jurídico, implícito, extraível do ordenamento em vigor, especialmente dos arts. 182, 184, 186 e 225 da Carta Política.

Desta forma, a propriedade apenas cumprirá sua função social quando também estiver em consonância ao quanto preceitua o art. 225 da Constituição.Daí porque o direito de propriedade deve ser exercitado em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, e de modo que sejam preservados, em conformidade com o estabelecido em lei, a flora, fauna, das belezas naturais, o equilíbrio ecológico e proteção ao patrimônio histórico e artístico, evitando-se, sempre, a poluição do ar e da água, o que se aplica plenamente às propriedades situadas nas zonas urbanas.

Não por outra razão, teve o legislador incessante preocupação de, no Estatuto da Cidade - norma essencialmente de Direito Urbanístico - tratar de aspectos ligados ao meio ambiente, seja ele natural ou construído. Diversas são as passagens em que a referida lei que dispõe sobre o meio ambiente e sua proteção.

Isto levou a parte da doutrina sustentar que "...o Estatuto da Cidade se caracteriza como sendo um microssistema cuja tendência, a exemplos de outros diplomas atuais, é ganhar claros contornos constitucionais vinculados ao direito constitucional ambiental brasileiro." (FIORILLO, 2005: 27-28).

Também por essa razão já sustentamos, em outra oportunidade que, "com o advento da referida lei, colocou-se à disposição dos administradores públicos, novos instrumentos para tutela das cidades e do seu meio ambiente. Dentre estes destacam-se o direito de preempção, a gestão democrática da cidade e o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) que, ao lado do já utilizado tombamento, são instrumentos, se bem aplicados, que terão grande importância para o alcance e efetivação do meio ambiente saudável. Integram, destarte, o que se pode chamar de sistema protetivo do patrimônio cultural, cuidadosamente tratado pelo Estatuto da Cidade." (HUMBERT, 2006: 3323-3326)


5 – O Estatuto da cidade: a proteção ao meio ambiente como diretriz geral.

Comprovada relevância jurídica da matéria proposta, passemos a não menos importante análise descritiva dos instrumentos normativos que visam a promoção do meio ambiente urbano saudável.

Cumpre de logo ressaltar que, partindo de matriz constitucional regradora da política urbana, o Estatuto da Cidade assume, como pilar de sua normatividade, uma corajosa redefinição da função social da propriedade, outorgando-lhe contornos firmes e conseqüentes. (DALLARI; FERRAZ, 2002:19)

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Mas não é só. "A grande novidade trazida por esta lei está exatamente na criação de instrumentos que possibilitarão uma intervenção mais concreta e efetiva do Poder Público no desenvolvimento urbano". (DALLARI; FERRAZ, 2002, p. 19)

E não se pode iniciar a análise dos instrumentos, colocados também para proteção ao meio ambiente (natural e construído), e que servem à conformação da função socioambeintal da propriedade, sem antes contextualizá-los diante das diretrizes gerais deste novel diploma legal.

É o capítulo I da Lei 10.257 dispõe acerca das diretrizes gerais da política urbana. De início é perceptível a sua preocupação com a mantença do equilíbrio ambiental, compreendida na função socioambiental da propriedade.

Isto porque, já no parágrafo único do art. 1°, prescreve que esta Lei estabelece normas de ordem pública e interesse social, as quais regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Em seguida, dispõe que são diretrizes gerais da política urbana, entre outras: 1- a garantia do direito a cidades sustentáveis – o que inclui o direito ao saneamento ambiental; 2 - o planejamento das cidades de modo a evitar e corrigir distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; 3 - a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a poluição e degradação ambiental; 4 - a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; e, finalmente, como forma de participação da sociedade, a audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população.

Segundo Odete Medauar, a expressão cidades sustentáveis inspira-se no Direito Ambiental, devendo-se as entender como sendo "aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem caos e destruição, sem degradação, possibilitando uma vida urbana digna para todos." (MEDAUAR, 2004, p. 26-27)

Denota-se aqui, mais uma vez, a incessante preocupação com o meio ambiente que dominou o pensamento do legislador do Estatuto da Cidade.


6 – O Estatuto da Cidade e a função socioambiental da propriedade: proteção ao meio ambiente e instrumentos de concretização/efetivação

6.1 – Planejamento Municipal: Plano Diretor e Zoneamento Ambiental.

O planejamento é pressuposto da ordem urbanística. É princípio instrumental inserto no art. 2º, IV do E.C. (SUNDFELD, 2001:. 56) Mais que isso. É o pilar da Política Urbana (C.F., ART. 182).

Os Planos Urbanísticos "constituem o conjunto de normas e atos operativos que caracterizam aquel princípio da coesão dinâmica ou coesão dialética que dá essência às normas urbanísticas..." (SILVA, 2006: 97). Ou seja, "não constitui simples conjunto de relatórios mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico." Adquire características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, servindo como diretriz, mas se manifestando concretamente. (SILVA, 2006: 95-96)

Com a Constituição Cidadã, o Plano Diretor assume a função de instrumento básico da política urbana do Município. Esta tem como propósito a ordenação do pleno desenvolvimento das conhecidas funções sociais da cidade – trabalho, circulação, lazer e moradia. Seu propósito é garantir o bem estar social da comunidade.

O zoneamento integra o conceito planos urbanísticos. Com efeito, segundo a lição da melhor doutrina, com base na Constituição Federal de 1988, "já se pode falar na implantação de um sistema de planos estruturais, porque ele fundamenta a construção de um sistema de planos urbanísticos hierarquicamente vinculados, de modo que os de nível superior sirvam de normas gerais e diretrizes para os inferiores, enquanto estes concretizem, no plano prático e efetivo, as transformações da realidade urbana, em vista de objetivos predeterminados." (SILVA, 2006:106).

Do exposto, percebe-se que tanto o Plano Direto, norma geral para efetivação de uma Política Urbana adequada, quanto o zoneamento, norma especifica e com maior poder de concreção, servirão à tutela do meio ambiente urbano, natural e construído.

Em um sentido abrangente, o zoneamento "consiste na repartição do território municipal à vista da destinação da terra, do uso do solo ou das características arquitetônicas." (SILVA, 2006: 240).

Mas não é só. Este plano parcial tem também por objeto as áreas de interesse ambiental. Pode-se falar, então, em um zoneamento ambiental, como o plano municipal, estrutural, parcial, por meio do qual o Poder Público poderá estipular quais zonas serão destinadas à proteção ambiental.

O citado instrumento encontra fundamento legal no art. 4°, III, "c", da multimencionada Lei.

Objetiva disciplinar a ordenação da cidade por regiões, dividindo-a em zonas onde determinada atividade específica, determinada função terá preponderância. Para tanto, ter-se-á em mente os diversos aspectos da vida na cidade: moradia, produção industrial, lazer, trabalho, administração da cidade, etc. Visa compatibilizar o desenvolvimento da urbe, concomitantemente ao atendimento às suas funções, garantindo o bem estar dos citadinos, sem deixar de lado a preocupação em estabelecer e promover a defesa dos "espaços ambientais (...) com a finalidade de proteção e preservação do meio ambiente." (FIORILLO, 2005: 27-28).

6.2 Estudo de impacto de vizinhança: proteção à paisagem urbana, ao meio ambiente natural e cultural.

Prescreve o Estatuto da cidade:

"Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:

(…)

VII - paisagem urbana e patrimônio natural e cultural." (grifamos)

O denominado EIV é um documento técnico a ser exigido, com base em lei municipal, para a concessão de licenças e autorizações de construção, ampliação ou funcionamento de empreendimentos ou atividades que possam afetar a qualidade de vida da população residente na área ou nas proximidades. É mais um dos instrumentos trazidos pelo Estatuto da Cidade que permitem a tomada de medias preventivas pelo ente estatal a fim de evitar o desequilíbrio no crescimento urbano e garantir condições de mínimas de ocupação dos espaços habitáveis.

A sua função fiscalizatória, de prevenção e precaução é característica marcante e que garante a avaliação das obras e das atividades que possam, potencialmente, causar dano ao meio ambiente. Tem como finalidade instruir e assegurar ao Poder Público acerca da capacidade do meio urbano para comportar determinado empreendimento. Visa adequar o empreendimento ao meio ao qual ele fará parte.

O caráter preventivo do EIV deve ser ressaltado. Sendo um estudo técnico prévio, seu conteúdo poderá alertar e precaver o Poder Público quanto a repercussão do empreendimento no que se refere às questões ligadas a visibilidade, acesso, uso e estrutura do meio ambiente cultural que compõe determinada área.

Ademais, sabemos que diversos fatores podem prejudicar o meio ambiente (seja ele natural ou construído) obstando a sua adequada e desembaraçada utilização pelos cidadãos. Neste sentido, pela sua característica de planejamento prévio e eminentemente técnico, O EIV poderá diagnosticar efeitos danosos que ultrapassem ao sistema viário, tais como variáveis ambientais, paisagísticas, sociais e econômicas.

Funcionará, ainda, como freio à cultura da demolição, protegendo, assim, a identidade de um povo, ao verificar a existência de construções, vias, logradouros e praças que fazem parte da cultura local secular e que não podem ser afetados pela inserção de novos empreendimentos. Protegerá também as características paisagísticas inerentes à dada localidade, bem como eventual área natural remanescente em dado centro urbano.

Verifica-se, sem maior esforço, que a proteção ao Meio Ambiente Urbano, em seus diversos aspectos, através do EIV, evitará a transformação do espaço público vivo em espaço público morto. Serve à tutela do maio ambiente e, em última análise, à preservação das funções sociais das cidades precípuas, pois que com a defesa preventiva do meio ambiente cultural, da paisagem urbana e dos bens naturais situados nas grandes cidades, restará assegurado a integração dos indivíduos, a garantia do lazer, da qualidade do ambiente, enfim, da vida saudável e feliz.

Por estas razões o EIV vem a ser um valioso instrumento para proporcionar um crescimento equilibrado e o desenvolvimento sustentável das cidades, garantindo uma vida mais saudável para esta e para as futuras gerações, funcionando, como um freio à ambiciosa cultura da demolição.

6.3 Direito de preempção: preservação das áreas de interesse ambiental.

O direito de preempção consiste no instrumento de política urbana que confere ao poder Público Municipal, desde que aja lei anterior baseada no plano diretor que delimite suas áreas de incidência, a preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.

Consoante brilhantemente expõe Ricardo Lira, "a concepção é urbanisticamente válida, pois o Município, em áreas previamente definidas na lei e no plano de uso do solo, poderá adquirir desde logo imóveis cuja aquisição futura será inevitavelmente mais onerosa, após a realização de determinado plano específico de urbanização. Possibilita que a plus valia, decorrente da implantação dos equipamentos urbanos e da implementação dos planos se dê nas mãos do Poder Público." (LIRA, 1997:168)

De acordo com o art. 26 do Estatuto da Cidade, diversas são as hipóteses em que o Poder Público poderá se valer do seu direito de preempção, e que tem ligação direta com a afirmação da função socioambiental da propriedade: 1- quando necessitar de áreas para criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; 2 - criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; 3 - e proteção de áreas de interesse histórico, cultural e paisagístico.

Nesta espécie, o Município terá um poderoso meio para fazer cumpri-se o multimencionado princípio de forma plena, pondo em prática a integral defesa do meio ambiente natural/construído.

Isto porque, além do direito de estipular, mediante Lei, quais áreas são de interesse ambiental, deverá, quando esta for negociada pelo seu proprietário, intervir nesta relação jurídica, adquirindo o imóvel negociado, garantindo, desta forma, o seu aproveitamento de acordo com suas funções precípuas.

6.4. Das operações urbanas consorciadas.

É o próprio estatuto da cidade, que conceitua estas operações como sendo o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Aqui, nos importa a sua utilização para fazer-se cumprir a função socioambiental da propriedade, ou seja, para possibilitar que a propriedade atenda ao quanto preceitua o art. 225 da nossa Carta Maior. E é o que se pretende mediante tais operações, pois prescreve explicitamente a norma a valorização ambiental como um dos seus propósitos.

Com efeito, "nota-se neste tipo de operação a possibilidade do Poder Público se associar com a iniciativa privada no intuito de efetuar melhorias em determinadas regiões, obviamente com vistas ao desenvolvimento urbano. As chamadas "parcerias" com a iniciativa privada representam recurso bastante utilizado atualmente, em especial devido à grande dificuldade de atender os objetivos propostos, com parcos recursos públicos disponíveis." (MEDAUAR, 2004, p. 215).

Prescreve-se a participação direta da sociedade – proprietários, moradores, investidores -, coordenadas pelo Poder Público, visando o desenvolvimento estruturado e adequado de determinada área. Através deste mecanismo, poder-se-á efetuar a modificação de índices e características de uso e ocupação do solo, bem como as alterações de normas edilícias, regularização de construções, sempre levando em consideração o impacto ambiental. Não por outra razão, o art. 33 do E.C impõe que o Estudo de Impacto de Vizinhança, acima já analisado, é conteúdo mínimo da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada. E assim fica garantida mais uma forma de efetivação da função socioambiental da propriedade e a conseqüente tutela do meio ambiente urbano.

6.5 – Transferência do Direito de Construir.

O Estatuto da Cidade preceitua que, Lei Municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de preservação ou quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural (art.35, II).

Saliente-se diferentemente da outorga onerosa do direito de construir, em que se possibilita ao particular construir acima do limite previsto para o terreno, mediante contrapartida a ser paga ao Município, na transferência do direito de construir é possível repassar a terceiro a possibilidade de construir, abrindo-se mão do mencionado direito (MEDAUAR, 2004: 222). Essa possibilidade se estende a um mesmo proprietário de dois ou mais imóveis, que poderá transferir este direito para um outro imóvel seu.

Funcionará como excelente recurso para alcançar o objetivo de preservação do meio ambiente urbano natural ou construído, uma vez que permitirá ao Poder Público intervir de forma menos agressiva na propriedade privada, já que a limitação ao imposta direito de construir em razão do valor histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural, poderá ser compensada com a transferência deste para outra propriedade que não possua estas funções, harmonizando os interesses sociais e particulares.

Finalmente é válido ressaltar que os institutos jurídicos e políticos acima referidos visam não apenas vedar comportamentos dos proprietários deletérios aos interesses da coletividade, mas sim, mais que isso, visam obter comportamentos positivos, ações, atuações, necessárias à realização da função social da propriedade (DALLARI; FERRAZ, 2002: 84).


7 – Conclusões

Princípio jurídico é espécie do gênero norma, integra o sistema jurídico, tendo, portanto, caráter prescritivo, impondo deveres.

O Direito Urbanístico é ramo autônomo do Direito Público, sujeito, em larga medida, ao seu regime jurídico especial. Relaciona-se com outros ramos do direito, especialmente com o Direito Ambiental.

O Estatuto da Cidade, norma de Direito Urbanístico, andou bem ao regular as questões ligadas ao meio ambiente urbano. Diversos instrumentos de proteção são postos pelo citado plexo normativo e devem ser aplicados pelo Administrador Público, sob pena de cometimento de ilegalidades, que podem ensejar na em responsabilização civil, penal e administrativa pelo descumprimento, dentre outros princípios e regras, da função socioambiental da propriedade.


Referências

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FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

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Sobre o autor
Georges Louis Hage Humbert

Advogado e professor. Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em direito do Estado pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de São Paulo. www.humbert.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Georges Louis Hage. O Estatuto da Cidade, a função socioambiental da propriedade e os instrumentos urbanísticos de sua efetivação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2392, 18 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14198. Acesso em: 22 dez. 2024.

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