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O novo marco regulatório das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil.

O caso pré-sal

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25/01/2010 às 00:00
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5. Os Projetos de lei encaminhados pelo Poder Executivo Federal ao Congresso Nacional

5.1. PL 5.938/09 (Dispõe sobre o regime de partilha de produção no Pré-Sal e Áreas Estratégicas)

O Projeto de Lei (PL) pode ser condensado da forma seguinte.

O regime de E&P "partilha de produção" será obrigatório nas áreas do Pré-sal e em áreas estratégicas. A definição das áreas estratégicas será feita pelo CNPE – Conselho Nacional de Política Energética, o MME – Ministério de Minas e Energia, e a Presidência da República. A "área do Pré-sal" já vem definida no PL.

Nos contratos de partilha, o Operador, obrigatoriamente, será sempre único: a Petrobrás, que terá no mínimo 30% de participação no consórcio de empresas que atuarem sobre o bloco de petróleo/gás. Este percentual foi retirado da própria experiência da ANP, que costuma exigir da empresa que fica como operadora do contrato de concessão esta participação mínima.

Os Custos e Investimentos serão suportados totalmente pelo Contratado/Operador (salvo a hipótese abaixo).

Quanto aos riscos, a União poderá assumir parcela, mas só quando participar dos investimentos em E&P – com recursos de "fundo específico criado por lei".

A partilha da produção somente ocorrerá após o reembolso dos gastos feitos pelo contratado/operador, que será em petróleo in natura. Ou seja, havendo êxito na exploração do bloco, o contratado/operador será totalmente ressarcido dos gastos que teve com o próprio óleo/gás que prospectará. A partilha da produção (distribuição do óleo/gás produzido) somente ocorrerá após o ressarcimento integral deste.

O MME e ANP poderão contratar a Petrobrás diretamente para avaliação do potencial das áreas (do Pré-sal e das áreas estratégicas). Isso é importante para calcular o bônus de assinatura ou valorizá-lo, bem como para verificar se determinada área deveria ser considerada "área estratégica", de modo a permitir a contratação direta da Petrobrás para a partilha. Nota-se, neste caso, um potencial conflito de interesses.

Quem celebrará o contrato de partilha de produção será a União, por meio do MME. O Ministério apresentará os parâmetros técnicos e econômicos, a ser aceito pelo CNPE, que, por sua vez, os proporá à Presidência da República, a qual caberá decidir.

Cumpre mencionar que a ANP, mesmo antes da aprovação do PL, iniciou o estudo sobre o modelo de contrato de partilha a ser adotado pelo MME.

O Contratado (empresa que celebrará o contrato de partilha de produção com o MME) poderá ser: I. A Petrobrás, sem prévia licitação, quando o CNPE propor que assim seja, em razão de interesse nacional ou por entender ser isto importante para atingir objetivos da política energética – em ambas as situações, há que ser aprovada a contratação direta da Petrobrás pela Presidência da República, sendo que os parâmetros da contratação serão fixados pelo CNPE; ou II. O Consórcio da Petrobrás com a empresa vencedora da Licitação – a realização da licitação, na modalidade Leilão, continuará sendo atribuição da ANP.

O critério de escolha do vencedor da Licitação será a maior oferta de excedente em óleo para a União (Art. 18).

A gestão do contrato de partilha de produção será feita pela Petro-Sal. Note-se: enquanto não for implantada, todas as funções da Petro-Sal serão desempenhadas pela ANP. Embora seja importante ler todo o texto para se compreender bem o que será dito no trecho abaixo, considero já ser adequado fazer as seguintes considerações.

É neste ponto – em que o PL prevê que a ANP fará o papel da Petro-Sal enquanto esta não for implantada – que o próprio projeto de lei reconhece que as atribuições da Petro-Sal, uma futura empresa pública, podem ser exercidas pela ANP, que é uma autarquia. Decorre daí outro raciocínio: se o papel da Petro-Sal pode ser desempenhado por uma autarquia, é verdade que a Petro-Sal desempenhará atividade econômica? O PL relativo à Petro-Sal, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, diz que ela não poderá desempenhar atividade de E&P e que, nem mesmo a comercialização do óleo/gás, que ficará com a União, poderá fazer. Para tal, terá que contratar uma terceira empresa – muito provavelmente a Petrobrás, em virtude de o parágrafo único do Art. 44 do PL permitir a sua contratação direta (sem prévia licitação) para este fim.

Isso o próprio MME ou a ANP poderiam fazer sem ofensa à livre iniciativa ou qualquer outra norma. Ou seja, é possível virem a afirmar que a única atribuição da Petro-Sal, além daquela de representar a União no acordo de individualização de produção em certos casos, será auditar e fiscalizar as contas do operador (quem se responsabiliza pelas atividades de E&P no contrato) do Contrato de Partilha, tarefa esta que se poderia enquadrar no conceito de regulação. Consequentemente, ao contrário do comumente dito, a Petro-Sal não desempenharia atividade econômica, porque nem mesmo venderá o óleo/gás da União. Ou seja, em verdade, desempenharia atividade classificável como regulatória, cuja atribuição somente pode ser repassada a pessoa jurídica de direito público – que não é o caso da Petro-Sal, que será uma empresa pública.

Caso o raciocínio acima seja tido por correto, pode ser sustentada a inconstitucionalidade da Petro-Sal, ou ao menos dela como empresa pública. Isso porque a Constituição de 1988 adotou os conceitos do Decreto-lei 200/67, e este deixa claro quais funções pode empresa pública exercer. Posicionamento em sentido diverso, defensor da Petro-Sal, será visto mais abaixo.

Outro problema é que a Constituição fala em "(d)o órgão regulador" (inciso III, §2º do Art. 177). Assim, parece, sabiamente, não permitir mais de um órgão regulador para o setor – a fim de evitar conflitos de competência infindáveis e desnecessários. Portanto, caso se conclua que, na realidade, a atuação da Petro-Sal é regulatória, seria possível concluir também que haveria inconstitucionalidade da Lei neste ponto, porque já há a ANP para este fim.

Por seu turno, a referida auditagem das contas é tarefa que deve ser desempenhada por experts, verificando-se na experiência internacional a contratação de firma contábil especializada, o que também poderia ser feito pelo MME (órgão) ou pela ANP (autarquia). Outra solução seria a formação de uma equipe de servidores públicos de excelência – que já há dentro da ANP, embora em número restrito se comparado ao universo exigido pelo Pré-sal, exercendo justamente esta função (para o cálculo das participações especiais relativas aos contratos de concessão).

As questões não param por aí. O PL ainda poderá ser questionado pelo seguinte: como se permitir que empregados – a Petro-Sal, como empresa pública, apenas pode contratar pelo regime da CLT – desempenhem atividade regulatória/poder de polícia (caso se enquadre sua gestão como sendo fiscalização da execução do contrato)? Há jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal – STF afirmando que apenas servidores públicos podem fazê-lo.

A conclusão pela desnecessidade da Petro-Sal pode ocorrer também pela simples leitura do projeto de lei que permite sua criação. Além da auditagem das contas do operador (a qual poderia ser feita por autarquia ou órgão da Administração Direta, com o auxílio de empresas contábeis especializadas ou com a formação de equipe de servidores públicos de excelência), a única função relevante da Petro-Sal seria indicar a metade dos membros, incluindo o presidente, do Comitê Operacional do consórcio do Contrato de Partilha. Esse, sim, poderia ser considerado o verdadeiro gestor do contrato de partilha, por conter representantes da União e dos contratados/demais consorciados, ao contrário do que afirma o PL 5.938/2009 – diz ser a Petro-Sal. Esta conclusão pode ser reforçada quando da leitura do Art. 48 do PL 5.938, explicitado abaixo.

Agora, exponho argumentos favoráveis à Petro-Sal. A questão constitucional acima suscitada poderia ser rebatida pela argumentação de que a Petro-Sal integrará o consórcio de empresas que atuará nas atividades de E&P. Desta forma, não exercerá fiscalização policial, mas sim fiscalização particular, ainda que em prol da União (interesse da coletividade). Seria gestora do interesse econômico, privado, da União, função de Governo; enquanto que a ANP ficaria com a função reguladora, de Estado. Todavia, saliento, ainda haveria um contra-argumento a ser superado: o de que a Petro-Sal não poderá responder por riscos, custos e investimentos dentro do aludido consórcio, de modo que seria uma autarquia disfarçada de empresa. Ou seja, protege sim os interesses da União, sem correr risco de mercado, risco de empresa, tal qual toda autarquia federal.

A questão de se ter uma agência reguladora atuando no setor ou, ao invés, uma interferência direta da Administração Direta, e o fato do gigantesco poder que a Petrobrás já tem, e que aumentará em muito, devem ser enfrentados. Mas é preciso que se tenham os tópicos anteriores em vista, até para alcançar uma efetividade do modelo proposto.

Outra argumentação que podem suscitar contra a Petro-Sal é o fato de o PL, quando trata das atribuições dos entes estatais, pouco ou nunca menciona a Petro-Sal. Menciona com freqüência a ANP e o Comitê Operacional, mas a Petro-Sal quase não tem outorga de atribuição e de responsabilidade. Interessante notar que, mesmo quando o PL dispõe sobre a competência da Petro-Sal de representar a União na individualização de produção, ele determina que a ANP forneça todos os dados necessários para a Petro-Sal fazê-lo. Como se trata de questão eminentemente técnica, embora muito complexa, pouco restará à Petro-Sal neste processo. O trabalho praticamente todo será da ANP. Ademais, caso a Petro-Sal não chegue a um acordo com os demais interessados na individualização, parece que caberá a ANP a decisão final, visto que o PL reza que ela mantém seu poder regulatório sobre o setor.

O fato de a Petro-Sal ser a gestora do Contrato de Partilha e, ao mesmo tempo, integrante do consórcio é apontado por muitos como um grande problema, bem como o porquê de a ANP estar impedida de desempenhar o papel da Petro-Sal, haja vista que seria órgão regulador e agente econômico ao mesmo tempo.

Trata-se de um equívoco. Não obstante os demais argumentos desfavoráveis à Petro-Sal, este ponto não a macula, e, por outro lado, também não impede a defesa da tese de que a ANP deve substituir a Petro-Sal, ou seja, de que esta não precisa ser criada.

Quanto ao primeiro ponto, porque não há impedimento constitucional para que o gestor do contrato de partilha integre o consórcio gerado em razão do mesmo. O máximo que se poderia falar é que não seria muito adequado. Se a lei (lei ordinária) autorizar isso, não haverá qualquer vício. Por outro lado, a atuação da Petro-Sal foi bastante delimitada no PL, não podendo ela nem mesmo desempenhar atividade econômica de E&P (veja o item 17, abaixo). Em razão disso, cai por terra qualquer argumento que coloque a pecha de inadequação, ilegalidade ou de inconstitucionalidade nesta previsão, não havendo que se falar nem mesmo em ofensa à juridicidade [11].

Quanto ao segundo ponto, porque, como foi dito acima, a Petro-Sal como gestora do Contrato acabará desempenhando a mesma função que teria a ANP se ficasse no seu lugar – não precisamos nem discutir se seria função regulatória ou atividade econômica, como defende o PL. Portanto, se o PL prevê que a Petro-Sal poderá (e deverá) fazer parte do Consórcio, não haveria o porquê de a ANP não poder. Reforça este argumento a verificação de que quem dará as ordens dentro do Consórcio, na verdade, será o Comitê Operacional, não a Petro-Sal (ou a ANP, se estivesse no seu lugar). Repita-se que isso fica muito evidente quando se lê no PL 5.938/2009 que a ANP fará o papel da Petro-Sal enquanto esta não for implantada:

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Art. 48. Enquanto não for criada a empresa pública de que trata o parágrafo 1º do art. 8º, suas competências serão exercidas pela União, por intermédio da ANP (...).

Retomo a exposição do PL.

A ANP, com os contratos de partilha, manterá suas competências regulatórias, perdendo a Gestão dos Contratos no Pré-Sal e áreas estratégicas. Este ponto é importante. Caso o PL seja aprovado desta maneira, restará a árdua tarefa de tentar distinguir as atribuições da ANP e a da Petro-Sal. Isto porque quando foi dada à ANP a função reguladora do mercado de óleo/gás, dizia-se, com base na Lei 9.478/99 [12], que ela seria a gestora do contrato de concessão de blocos. Agora, o PL diz que a Petro-Sal será a gestora do contrato de partilha de produção, mas, ao mesmo tempo, diz que a ANP manterá suas funções regulatórias.

Uma tentativa de delinear a atribuição de ambas pode ser feita com o uso dos conceitos de Estado e de Governo. A Petro-Sal seria o braço do Governo Federal; a ANP, o braço do Estado brasileiro. A Petro-Sal, empresa pública, teria sido projetada para ter uma visão privada, de negócio, objetivando o máximo de lucros – uma fiscalização das operações de E&P voltada para a maximização dos lucros da União. Já a ANP, autarquia, manteria a função estatal de regulação do setor, com visão de longo prazo, tratando da questão dos estoques de combustíveis, dos reservatórios, das questões ambientais, fiscalizando o atendimento das boas práticas da indústria do petróleo etc., inclusive com a aprovação dos planos desenvolvidos pelos contratados (operador e demais consorciados) do Pré-sal. A Petro-Sal seria, apenas, mais um agente econômico a ser fiscalizado pela ANP.

A ANP atuará no lugar da Petro-Sal enquanto esta não for implantada. Esta previsão do PL confirma a convicção clara do Governo de que a ANP teria, sim, condições técnicas e jurídicas de desempenhar o papel que se está outorgando à Petro-Sal – e mesmo de cumular a função reguladora com a suposta "atividade econômica" a ser exercida pela Petro-Sal. A conclusão a que se poderia chegar é que se tratou de escolha política ou de escolha técnica possivelmente equivocada.

Escolha política porque a União poderia, sim, descentralizar/desconcentrar as competências no caso. Entendendo ser o melhor, ela poderia, por lei ordinária, tirar atribuições da ANP e concentrá-la em algum Ministério e/ou criar uma nova estatal de capital exclusivamente público, de modo que o braço econômico do Estado no setor do Petróleo não ficasse limitado à Petrobrás. A questão reside em saber qual seria a melhor maneira de fazê-lo e, qualquer que seja a solução encontrada, se isso seria realmente adequado.

Quanto ao possível equívoco técnico da escolha, explica-se. Levou-se mais de 10 (dez) anos para montar o corpo técnico da ANP, com alto grau de qualificação, aprovados em concurso público de prova e títulos, muitos advindos da Petrobrás e de outras grandes petrolíferas multinacionais. Muitos argumentam que seria despautério pretender montar uma nova equipe do zero para se administrar/regular o maior desafio, ao invés de se fazer o óbvio: aproveitar uma equipe que foi se formando e especializando com o tempo, já integrada e organizada, capaz, hoje, de exercer o desafio com zelo e aptidão, inclusive com razoável distanciamento da iniciativa privada, da onde muitos advieram.

Outro ponto de confusão pode estar no fato de se ter tentado tomar como base o modelo regulatório norueguês. Na Noruega, que também já tinha uma petrolífera de capital misto (parte do Estado, parte privado), montou-se uma empresa 100% (cem por cento) estatal para desempenhar papel semelhante ao da ANP hoje no Brasil. A Noruega não possuía um ente 100% estatal para gerir os seus contratos de E&P. Na mesma linha, dificilmente algum país no mundo, já tendo uma petrolífera de capital misto e após ter estabelecido um órgão regulador (tal qual a ANP), criou ou criaria ainda uma nova empresa totalmente estatal apenas para gerir contratos de E&P pelo Estado.

Enquanto não aprovada lei específica, os royalties serão pagos na forma dos Art. 49 e 50 da Lei 9.478/97, pela União, e na forma desta lei e da Lei 7.990/89, pelo Contratado.

A Câmara dos Deputados deve aprovar substitutivo já fixando nova forma de divisão dos royalties do Pré-sal, inclusive quanto aos contratos firmados anteriormente ao PL cujos blocos estejam nessa área.

Sempre será formado Consórcio – no mínimo contendo a Petrobrás e a Petro-Sal, esta, apenas esta, representando os interesses da União no contrato de partilha.

A Petro-Sal, embora deva integrar o Consórcio, não pode responder por riscos, custos e investimentos (§2º, Art. 8º).

A Petro-Sal não poderá executar atividades de E&P, nem direta, nem indiretamente (Art. 2, § único).

Será criada a figura do "Comitê Operacional". Este órgão poderá vir a ser considerado o verdadeiro gestor do contrato de Partilha, só que específico para cada Consórcio do Contrato de Partilha – haverá um comitê operacional para cada consórcio de contrato de partilha, com representantes da União (Petro-Sal) e dos demais contratados/consorciados. A Petro-Sal escolhe metade dos membros do comitê (inclusive o presidente); os outros consorciados, os demais. Sendo que o presidente do comitê tem poder de veto e voto de qualidade – caberá ao Contrato de Partilha disciplinar ambos. Impossível não notar que a União terá uma maioria confortável no comitê operacional. Isso em razão de já possuir o controle da Petrobrás, a qual também indicará membros para o supracitado comitê.

O Comitê Operacional submeter-se-á à regulação da ANP, mesmo após a implantação da Petro-Sal.

Todas as obrigações e contrapartidas serão previstas no Contrato – como já ocorre hoje no caso da concessão.

Caso empresa estrangeira vença a licitação, deverá constituir empresa no Brasil para poder ser concessionária, como também já ocorre hoje.

Quanto à Individualização da Produção ("unitização") nas áreas do Pré-sal e áreas estratégicas, bem como nos casos em que a jazida se estender por área ainda não concedida ou não partilhada (obs.: expressões do PL), o PL dispõe que: (i) A Petro-Sal representará a União quando a jazida do Pré-sal ou estratégica se estender para área não concedida ou não partilhada, e (ii) A ANP representará a União quando a jazida não for do Pré-sal ou estratégica e se estender para área não concedida. Importa observar que o PL dispõe que os termos e condições da individualização da produção obrigarão o futuro concessionário/contratado sob regime de partilha de produção.

Verifica-se, de plano, a epopéia que será executar o processo acima quando a individualização envolver áreas sob regime de E&P diferente (uma sob regime de concessão e outra sob regime de partilha).

O Conteúdo Local mínimo – número mínimo de contratação de bens e serviços a ser feito pelas empresas contratadas no Brasil – é previsto expressamente no PL. Será proposto pelo MME ao CNPE, devendo ser aprovado pela Presidência da República.

A Participação Governamental devida nos casos de contrato de partilha serão: royalties e bônus de assinatura. O PL também prevê a obrigação de pagamento de participação de terceiro (proprietários da terra onde se localiza o bloco), caso o bloco localize-se em terra, de "até 1% do valor da produção de petróleo ou gás natural".

Cabe mencionar ainda a polêmica acerca da constitucionalidade de o produto da lavra do petróleo e gás ficar na propriedade do Estado, em virtude da redação do Art. 176, caput, CF. Este dispositivo diz que a propriedade do produto da lavra das jazidas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica fica garantida ao concessionário.

A polêmica não se sustenta, uma vez que se trata de questão simples, se verificados adequadamente os fatos e normas pertinentes.

O Art. 176, CF, trata das jazidas e recursos minerais de uma maneira geral. Já o Art. 177, CF, trata especificamente da jazida e do recurso mineral petróleo, instituindo monopólio sobre as atividades relativas ao mesmo. De plano, é possível verificar o tratamento totalmente distinto dispensado pela Constituição ao petróleo, em relação aos demais recursos minerais. O motivo é muito simples. A importância do petróleo quando da promulgação da constituição, e ainda hoje, frente aos demais recursos minerais sob lavra, é colossal – dado o seu perfil estratégico para a defesa nacional e para o desenvolvimento social e econômico do país.

A questão que foi (e a que poderia ser) levantada é completamente outra: poderia a União, tendo a Constituição fixado seu monopólio, transferir a propriedade da lavra do petróleo para o concessionário? Essa foi uma das principais questões suscitadas quando da promulgação da Lei 9.478/97, gerando inclusive uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (a ADI 3.273/DF), que impugnou esta lei.

Nessa ADI, os ministros do Supremo Tribunal Federal ou tentaram defender a correção da lei – dizer que lei ordinária poderia sim transferir o produto da lavra de jazida de petróleo para particular – ou defenderam a inconstitucionalidade de tal previsão. Estes últimos sob o argumento de que o monopólio sobre a atividade petrolífera teria o efeito de também determinar que a propriedade do produto da lavra ficasse com o Estado, inclusive com base na nossa história com o trato do petróleo. Vários ministros consignaram, ainda, que o Art. 176 da CF seria norma geral, e o Art. 177 da CF, norma específica às atividades de E&P.

Alguns autores acabaram distorcendo tudo isso, inclusive essa última assertiva, afirmando ter o STF dito que o Art. 176, CF, aplicar-se-ia ao petróleo (o que em parte é verdade) e que, constitucionalmente, o produto da lavra de jazida de petróleo é de propriedade do concessionário, não podendo lei dizer o contrário para contratos futuros. Data vênia, isto é um total equívoco, além de contrariar os votos contidos na ADI comentada acima. Resumindo: o que se poderia questionar é se lei teria competência para retirar a propriedade da lavra do petróleo da União, como ocorreu no caso da ADI citada, não o inverso.

Por fim, cumpre mencionar que o PL não prevê um limite/teto para o reembolso dos custos com as atividades de E&P. Esta previsão seria importante diante das dificuldades de se auditar os gastos do operador do bloco (empresa que atuará de fato na exploração e produção na área sob contrato de partilha). Como já foi visto, a União só começará a receber sua parte do petróleo/gás produzido após o contratado/operador ser reembolsado integralmente dos seus custos com a exploração e produção destes.

O que poderia justificar esta não previsão é o fato de o Governo ter pré-estabelecido que a Petrobrás – uma empresa sob seu controle – seria o operador de todas as áreas em relação às quais o contrato de partilha será firmado, o que dificultaria manobras para insuflar seus custos. Ademais, foi prevista a criação de uma empresa (Petro-Sal) especificamente para auditar esses custos.

5.2. PL 5.939/09 (Autoriza a criação da Petro-Sal)

O PL da criação da Petro-Sal pode ser resumido da seguinte forma.

O número de cargos da Petro-Sal será fixado por Decreto.

A Petro-Sal ficará proibida de executar atividade de E&P, direta e indiretamente, tal qual a legislação faz em relação à ANP.

À Petro-Sal serão outorgadas as seguintes competências:

a) "Gestor do Contrato de Partilha de Produção".

É possível que venham a afirmar, quanto à gestão do contrato, que a Petro-Sal basicamente só faria indicar a metade dos membros do Comitê Operacional – este seria o verdadeiro gestor executivo do Contrato, ver Art. 24, PL 5.938/09 –, inclusive seu presidente (que tem poder de veto e voto de qualidade) e auditar os custos das operações relativas ao contrato. Como a nomeação dos seus membros seria feita sem motivação, bem como a destituição, a Petro-Sal já atuaria por meio do Comitê Operacional, tal qual a União por meio dela e da Petrobrás.

Neste ponto, cumpre observar que a Câmara dos Deputados aprovou emenda ao PL da Petro-Sal fixando mandato para os seus diretores, de modo que a parte final da assertiva acima restará parcialmente prejudicada caso seja a dita emenda ratificada no Senado.

De todo modo, a impugnação acima ganha reforço se somada ao fato de o próprio PL prever que a ANP regulará as atividades de E&P na área do Pré-Sal (e áreas estratégicas), uma vez que tal regulação perpassaria a questão do nível de produção, qualidade das operações e verificação dos custos.

b) Contratar, pela União, empresa que venderá o óleo da União ("agente comercializador").

Aqui se verifica que nem mesmo a atividade econômica de vender o petróleo da União a Petro-Sal fará. Ela, como deveria ocorrer com um órgão público ou com a Agência Reguladora do setor, apenas poderá contratar uma empresa para fazê-lo. Relembro que há dispensa de licitação para a contratação da Petrobrás para fazer esta venda.

c) Representar a União nos Acordos de Individualização da Produção ("unitização"), quando as jazidas da área do Pré-Sal ou de áreas estratégicas se estenderem por outras ainda não "concedidas" ou "partilhadas" (expressões do próprio projeto).

Observe-se que os Acordos de Individualização da Produção devem ser submetidos à ANP, mesmo quando a Petro-Sal for parte.

Como já dito, quando couber à Petro-Sal representar a União no processo de individualização da produção, o PL determina que a ANP forneça todos os dados necessários à Petro-Sal. Como a questão é eminentemente técnica, poder-se-ia argumentar que não haveria muita margem de ação para a Petro-Sal. De todo modo, caso não chegue a Petro-Sal a um consenso com os demais consorciados do contrato de partilha, terá a ANP a palavra final sobre a referida individualização, uma vez que é o órgão regulador.

Cumpre mencionar que a figura da joint venture ou da equity joint venture não são adotadas pelo marco regulatório mapeado pelos PLs em comento da forma como geralmente se vê nos países que empregam a partilha de produção. Isto porque, no caso brasileiro, uma das empresas que detêm a tecnologia de exploração do Pré-sal é justamente a Petrobrás, a empresa nacional composta de capital público e privado, nacional e estrangeiro, e não uma estrangeira cuja tecnologia seria importante o Brasil obter por meio da joint venture ou equity joint venture.

Ademais, a empresa brasileira 100% (cem por cento) estatal que fará parte do consórcio do contrato de partilha (a Petro-Sal) terá como principal parceira no consórcio justamente uma empresa nacional (a Petrobrás), e não uma empresa estrangeira detentora de expertise no ramo. Se houver essa transferência de tecnologia (entre uma empresa estrangeira e o Estado brasileiro), não ocorrerá em decorrência direta da operação, mas por outro meio – uma vez que quem operará as atividades de E&P será única e exclusivamente a Petrobrás, outras empresas somente poderão ser consorciadas, nunca, operadoras.

Se o objetivo for a transferência de tecnologia da Petrobrás para a Petro-Sal, ele provavelmente será atingido.

5.3. PL 5.940/09 (Cria o Fundo Social)

Um dos motivos principais para a criação deste fundo seria evitar a "doença holandesa" [13].

Algumas alterações ao PL já foram propostas e aprovadas na Câmara dos Deputados, principalmente no que tange ao limite anual de retirada de recursos do fundo.

Resumidamente, o PL dispõe da maneira seguinte.

Os recursos obtidos com a venda do óleo e gás que cabe à União obrigatoriamente irão para esse fundo.

Também serão receita desse fundo parcela do valor do bônus de assinatura, dos royalties que cabem à União (ambos na forma que dispuser o contrato de partilha de produção), bem como os resultados de aplicações financeiras feitas pelo próprio fundo.

Os recursos do fundo destinar-se-ão a constituir poupança pública de longo prazo, a oferecer fonte regular de recursos para o desenvolvimento social (combate à pobreza, desenvolvimento da educação, cultura, ciência e tecnologia, e sustentabilidade ambiental), a mitigar as flutuações de renda e de preços na economia nacional decorrentes das variações na renda geradas pelas atividades de E&P e outros recursos não renováveis (Art. 2 do PL).

O Fundo Social (FS) não poderá conceder garantias, direta ou indiretamente.

O FS terá um comitê e um conselho: o CGFFS (Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social) e o CDFS (Conselho Deliberativo do Fundo Social).

Ao Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social – CGFFS caberá a política de investimentos do FS.

Ao Conselho Deliberativo do Fundo Social – CDFS, caberá deliberar sobre a prioridade e a destinação dos recursos resgatados do FS para as finalidades acima. Embora o projeto se refira apenas ao Art. 1º, facilmente se percebe ser esta a melhor interpretação, sendo recomendável a alteração do PL nesta parte.

Os membros tanto do comitê quanto do conselho não poderão receber remuneração.

5.4. PL 5.941/09 (Autoriza a cessão onerosa de E&P, inclusive o produto da lavra, da União para a Petrobrás, e àquela subscrever ações desta)

Ao contrário do que se pode pensar, a Petrobrás, por meio do Governo Fernando Henrique Cardoso, teve grande parte de suas ações vendidas para a iniciativa privada, principalmente estrangeira. Desde o fim do Governo Fernando Henrique Cardoso o Estado brasileiro detém menos de 33% (trinta e três por cento) do capital da Petrobrás. Ou seja, mais de 67% (sessenta e sete por cento) da Petrobrás pertencem à iniciativa privada. Conseqüentemente, este percentual dos lucros vai para seus acionistas privados, enquanto que menos de 33% (trinta e três por cento) vêm para o Estado brasileiro. Entretanto, este manteve o controle da companhia – respeitou-se o mínimo de metade mais uma das ações com direito a voto a fim de manter a companhia como sociedade de economia mista (Art. 5°, inciso III, Decreto-Lei 200/67).

Isso sempre gerou desconforto no Governo Lula. Tendo em vista o grande privilégio previsto para a Petrobrás nos projetos de lei referentes ao Pré-sal, o Governo entendeu que deveria ter, se não a totalidade, grande parte do capital da Petrobrás. O caminho escolhido foi o da capitalização da companhia.

Cabe mencionar que um dos motivos para esse tratamento favorecido foi o de obter maior renda para o Estado – até na atividade direta de E&P o Estado estaria – e de facilitar o controle sobre os custos das operações. Este último é importantíssimo e bastante difícil de ser feito, haja vista todas as manobras de que as petrolíferas podem se valer para inflar seus custos – deve-se lembrar que o PL 5.938/09 autoriza o reembolso de todo o custo da operação de E&P ao contratado antes do pagamento em óleo ao Estado.

Resumidamente, o PL pode ser expresso da forma seguinte.

O PL autoriza cessão onerosa à Petrobrás, dispensada licitação, de até 5 bilhões de barris de petróleo.

O prazo da autorização será de 12 meses, contado da data da publicação da lei.

Tal cessão será intransferível, ou seja, a Petrobrás não poderá cedê-la a outra empresa.

O MME, subsidiado pela ANP, firmará o Contrato de cessão onerosa com a Petrobrás. A ANP, provavelmente, contratará empresa independente, por meio de prévia licitação internacional, que fixará os critérios para o estabelecimento do valor do óleo/gás.

A Petrobrás ficará autorizada a pagar à União, pela cessão recebida, em títulos da dívida pública mobiliária federal.

A União será autorizada a subscrever ações do capital social da Petrobrás e a integralizá-las também com títulos da dívida pública mobiliária federal.

Sobre o produto da lavra serão devidos royalties, nos termos da legislação atual (Lei 9.478/97).

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Sobre o autor
Daniel Almeida de Oliveira

Ex-subprocurador-geral da Agência Nacional do Petróleo - ANP. Procurador Federal em atuação na ANP. Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. Professor de Direito Administrativo e de Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Daniel Almeida. O novo marco regulatório das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil.: O caso pré-sal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2399, 25 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14243. Acesso em: 28 mar. 2024.

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