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Considerações acerca da súmula impeditiva de apelação (art. 518, § 1º, CPC)

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24/01/2010 às 00:00
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CONCLUSÃO

O ponto central da presente monografia girou em torno do resultado prático da aplicação da Súmula Impeditiva de Apelação. Diante dos estudos realizados, vários fatores impedem que a nova regra alcance os objetivos traçados quando de sua elaboração, quais sejam, impedir os recursos protelatórios e dar maior efetividade às decisões de primeiro grau.

Da decisão que inadmite o recurso de apelação por estar a sentença atacada em consonância com súmula dos Tribunais Superiores, cabe o Agravo de Instrumento. Sob o ponto de vista prático, a Súmula Impeditiva de Apelação não reduz a demanda recursal. Ao contrário, da forma como está disposta no Código de Processo Civil, duplica o número de recursos, visto que, ao invés de um único recurso – apelação, dois deverão ser apreciados pelo tribunal – apelação e o agravo.

Como se não bastasse, haverá um maior entrave no processamento da apelação. Ao ser interposto e inadmitido o recurso de apelação, nos moldes do art. 518, § 1.º, do CPC, a parte inconformada muito dificilmente silenciará diante da rejeição do seu apelo e providenciará a interposição de agravo de instrumento junto ao tribunal competente. Acaso provido o agravo, será determinado ao juízo a quo o processamento da apelação e sua posterior remessa ao juízo ad quem. E isso, é claro, significa mais demora na prestação jurisdicional.

No entanto, não se vislumbra a inconstitucionalidade da nova regra, como querem alguns doutrinadores, fundamentados na idéia de que a medida ofende garantias constitucionais. A primeira delas é o duplo grau de jurisdição, que antes mesmo da Súmula Impeditiva de Apelação, já causava discussões, mormente no tocante a ser, ou não, uma garantia constitucional. Se assim considerado, o duplo grau possui caráter absoluto, sem possibilidade de mitigação. Caso contrário, reconhecendo-o como princípio, há o afastamento desse caráter absoluto e, por conseguinte, ocorre a possibilidade de seu confronto com outros princípios.

No caso da Súmula Impeditiva de Apelação, a suposta ofensa ao duplo grau de jurisdição consiste no fato do juiz prolator da decisão analisar o mérito do recurso, uma vez que afirmando se está ou não sua decisão em consonância com súmula dos Tribunais Superiores, estaria examinando o próprio mérito recursal. Ocorre que considerar o duplo grau de jurisdição como uma garantia constitucional e, portanto, defender a impossibilidade de sua mitigação, é o mesmo que considerar a incapacidade dos juízes de primeiro grau, como que inabilitados a proferir uma decisão em caráter definitivo.

Ainda que se considere o duplo grau de jurisdição como garantia constitucional, o que efetivamente não é, a Súmula Impeditiva de Apelação não o desrespeita. A possibilidade de agravo da decisão que inadmite a apelação é suficiente para afastar a possível inconstitucionalidade da nova regra por afronta ao duplo grau de jurisdição, visto que a questão controversa será submetida à apreciação do tribunal.

Não se vislumbra também afronta ao princípio do contraditório. As súmulas, por serem o resumo da jurisprudência dominante dos tribunais e, desta forma, decorrentes de decisões reiteradas, não há como se imaginar que tenham sido enunciadas sem o devido contraditório.

Para alguns, o fato de o juiz negar, de ofício, o prosseguimento da apelação, consiste em ofensa a tal princípio. No entanto, não se visualiza qualquer prejuízo com tal decisão, uma vez que a parte recorrida é, em tese e na grande maioria das vezes, a vencedora e, portanto, sem interesse no eventual prosseguimento do recurso. Afirmar que tal procedimento despreza a possibilidade de reconhecimento do direito do réu pelo autor ou mesmo uma conciliação, é levar em consideração hipóteses remotíssimas. Portanto, inexiste qualquer desrespeito ao contraditório.

A Súmula Impeditiva de Apelação também não viola o direito de ação. Este resta plenamente resguardado, uma vez que não impede que a demanda seja levada ao Poder Judiciário, mas apenas nega o prosseguimento de um recurso inútil, já que a decisão atacada está conforme o entendimento sumulado dos Tribunais Superiores. E ainda, trata-se apenas de uma prorrogação da competência do relator do recurso, conforme previsto no art. 557 do Código de Processo Civil. Em outras palavras, se o juiz de primeiro grau admite o prosseguimento da apelação nessas circunstâncias (decisão conforme súmula dos Tribunais Superiores), o relator do recurso poderá negar seu seguimento.

Apesar de não se vislumbrar qualquer ilegalidade da nova regra, verificam-se alguns entraves. A desatualização das súmulas é uma realidade e pode colocar em xeque o novel dispositivo, sob o ponto de vista da concretização do direito. Os tribunais não revisam constantemente suas súmulas, podendo ocorrer enunciado com entendimento ultrapassado, que, utilizado pelos julgadores mais desavisados, pode acarretar prejuízo à parte, visto que só terá seu direito efetivado através da interposição de recursos. Lamenta-se que o processo de provocação para atualização/revisão de súmula não seja estendido aos jurisdicionados, que só podem fazê-lo através de recursos propriamente ditos.

Outra questão extremamente relevante é a tendência de vinculação das decisões dos Tribunais Superiores, que não é uma novidade no nosso ordenamento jurídico, mas restou efetivamente consagrada através do advento da súmula vinculante. O tema em estudo não possui o expresso caráter vinculativo, mas acaba sendo um incentivo à sua utilização. O efeito vinculante, por si só, não gera risco à concretização do direito. Pelo contrário, a uniformização das decisões confere maior credibilidade ao Poder Judiciário, uma vez que o jurisdicionado tem a previsibilidade de que as decisões serão iguais para os casos iguais.

O perigo que se avista é a forma como vem sendo realizada essa vinculação. A utilização de entendimentos jurisprudenciais, sumulados ou não, é uma prática constante no nosso meio jurídico. Há uma tendência natural de seguimento ao que vem sendo ditado pelos Tribunais Superiores. Porém, com o acúmulo de trabalho e consequente automatização dos serviços judiciários, infelizmente tornou-se comum o que Rosmar Alencar chama de "analogia frasal", onde o caso concreto é submetido a uma comparação com a ementa do acórdão ou com a súmula, prática esta adotada por maus julgadores, despreocupados e descompromissados com o ideal de Justiça, que é dar o direito a quem realmente tem. Não há qualquer cuidado em analisar os precedentes daquelas decisões e verificar se realmente se adequam ao caso concreto.

Tal problema também é extensivo aos tribunais, que, não menos sobrecarregados, podem deixar de atentar para as particularidades de cada caso e utilizar súmulas inadequadas em seus julgamentos ou até mesmo negarem seguimento a recursos dotados de razão.

A solução do problema parece estar no investimento na preparação dos magistrados e a busca pelo resgate da confiança no juiz de primeiro grau. Todas as inovações da Reforma do Judiciário possuem seu aspecto positivo e, se bem utilizadas, trarão resultados efetivos. As questões abordadas neste estudo levam a crer que está nas mãos dos julgadores o sucesso ou o fracasso das novas medidas legislativas. Apesar da rigidez dos concursos para ingresso na magistratura, vislumbra-se que não são capazes de impedir a entrada de profissionais sem a mínima vocação para a carreira e que, com certeza, apesar de grande bagagem teórica, não desempenharão bem a função.

É preciso atribuir ao juiz de 1.º grau o seu verdadeiro valor. É ele quem pode dar a melhor solução ao caso concreto, pois está diante da causa e da realidade dos fatos. Já a decisão recursal é baseada simplesmente na frieza dos papéis. É inadmissível essa cultura recursal hoje reinante em nosso meio jurídico, onde a resposta à questão só é aceita como correta se confirmada e reconfirmada pelos tribunais, ficando o juiz com o papel de preparar a causa para um futuro e certo recurso.

O fortalecimento dos órgãos de correição também é de suma importância para esse resgate da confiança nos magistrados. É por meio deles que deverão ser coibidos eventuais abusos e arbitrariedades, e não através de recursos, que, como já dito, só procrastinam a efetivação do direito de quem tem razão.

Por outro lado, é evidente que as reformas pontuais não são a solução. A Súmula Impeditiva de Apelação é uma delas e, como se viu, não trará a esperada redução da demanda recursal. E isso porque é necessária uma verdadeira reforma no sistema recursal, impedindo os recursos procrastinatórios, que só favorecem aos que não têm razão, adiando cada vez mais a concretização do direito de quem tem.

O presente estudo não teve o condão de esgotar o assunto, em face da sua complexidade, mas vem ressaltar o aspecto positivo da medida e, ao mesmo tempo, alertar para os entraves e perigos existentes na sua aplicação.


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Sobre a autora
Adriana Farias Mesquita

Analista Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, lotada no Fórum da Comarca de Santa Quitéria-CE; graduada em Direito e especialista em Direito Processual Civil, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA, Adriana Farias. Considerações acerca da súmula impeditiva de apelação (art. 518, § 1º, CPC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2398, 24 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14244. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Monografia elaborada sob orientação do Prof. Esp. Flávio Maria Leite Pinheiro.

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