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Estudos atuais sobre Sociologia Jurídica.

Origem e renovação sociojurídica

28/01/2010 às 00:00
Leia nesta página:

1. O que é a Sociologia Jurídica e o que ela enseja ao ensino do Direito e à formação profissional na Faculdade de Direito?

SOUSA JUNIOR [01] anota, em cronologia histórica, os precursores da Sociologia Jurídica e suas contribuições para o desenvolvimento da disciplina.

Nesse sentido, o referido autor aponta como seu mais primitivo precursor o filósofo grego Aristóteles, que promoveu diferenciação entre "leis e costumes humanos" e "lei natural", o que aproximou o direito da realidade social. Seguiram-se, depois, ainda de acordo com o referido autor, Montesquieu (que expôs a ontologia do direito), Comte (fundador da sociologia, toma o fenômeno jurídico como fenômeno social), Marx, Durkheim e Weber.

Contudo, ainda hoje, tratar de Sociologia Jurídica é um ato de desbravamento.

É tarefa das mais hercúleas conceituar ou definir o campo de incidência da Sociologia do Direito (e aqui se utilizarão as duas expressões como sinônimos, Sociologia Jurídica e Sociologia do Direito), porque essa disciplina ainda engatinha epistemologicamente.

Neste trabalho, prefere-se adotar a conceituação de ELIAS DÍAZ [02], que apresenta a Sociologia Jurídica como "o estudo e a análise das inter-relações entre Direito positivo e sociedade".

Tal conceituação destaca a pedra de toque dessa disciplina: a necessidade de aferir as mútuas imbricações entre as normas jurídicas e a sua destinatária-mor, a sociedade.

A importância da Sociologia Jurídica no ensino do Direito reside justamente nesse holofote, que passa necessariamente da norma, da dogmática, do Direito positivo, para aquela entidade que se pretende regular.

A referida disciplina ensina, na academia, que o direito não é um fim em si mesmo. Ele tem que ser eficaz e se retroalimentar daquela realidade que pretende regular, sob pena não gozar de verdadeiro fundamento de validade.

Dentro desse contexto, nas Faculdades de Direito, o ensino da Sociologia Jurídica traz o discente para as realidades que se pretendem regular através do direito. Isso permeia o ensino de todas as demais disciplinas jurídicas, porque representa, em verdade, um novo olhar, o novo enfoque que há de ser necessariamente dado, para que o aluno (o futuro profissional) saiba exatamente compreender as noções de causa e conseqüência, que traspassam o formalismo legalista, por vezes dissociado da realidade que se busca submeter a balizamento legal.

Não se está aqui, por certo, a criticar o Direito dogmático em favor da Sociologia Jurídica. Ao contrário, o direito positivo não prescinde de uma prévia avaliação de natureza sociojurídica para auferir legitimidade.

E é nessa justaposição de Direito e sociedade, como anotado linhas acima, que reside a função da Sociologia Jurídica, de forma a analisar, nesta, as interpenetrações realizadas por obra do Direito positivado; naquele, a disciplina em questão procura sua gênese social.

Mas, como alinhavado no início deste texto, a Sociologia Jurídica ainda merece maior foco por parte das faculdades. O que é certo, é que a Sociologia Jurídica já ganhou foros de definitividade nos currículos de todas as faculdades do mundo, que atualmente reconhecem as suas relevantes funções no ensino jurídico.


2. As direções temáticas de renovação do campo Sociojurídico.

Como destacado, a Sociologia Jurídica, disciplina autônoma [03], é responsável pelo "estudo e a análise das inter-relações entre Direito positivo e sociedade", conforme lição-síntese de ELIAS DÍAZ.

Portanto, na medida em que seu objeto de estudo são as interações do Direito Estatal com a sociedade, afigura-se natural que a Sociologia Jurídica passe por renovações, decorrência lógica das próprias transformações observadas no seio das comunidades organizadas.

Nesse sentido, pretende-se aqui exatamente indicar as direções temáticas de renovação do campo Sociojurídico.

De logo, com ARNAUD e DULCE [04], registra-se que essa renovação, como destacado acima, é corolário da necessidade de compreensão da complexidade crescente e da dinâmica social dos sistemas jurídicos, o que demanda a inclusão no campo da Sociologia Jurídica da percepção do Direito como sistema globalizado, pluralista e informal.

A pedra de toque da renovação temática é que a "policentricidade que passa a caracterizar o direito leva à ampliação do conceito de regulação jurídica para incluir possibilidades regulatórias paralelas aos direitos estatais" [05].

Ou seja: reconhece-se, assim, que há, além do Direito posto pelos Estados, ordenamentos jurídicos paralelos, estreitamente correlacionados com o fenômeno da globalização (organismos internacionais e empresas transnacionais) e com diversos micro-cosmos de estatutos jurídicos vigentes nos seios dos mais diversos nichos das comunidades.

Destarte, "Canotilho faz apelo à ampliação das possibilidades de compreensão e de explicação dos problemas fundamentais do direito constitucional para o qual dirige ‘o olhar vigilante das exigências do direito justo e amparadas num sistema de domínio político democrático materialmente legitimado’, por meio de ‘outros modos de compreender as regras jurídicas’" [06].

O jurista português aprofunda sua exposição, para aduzir que "Estamos a referir sobretudo às propostas de entendimento do direito como prática social e os compromissos com formas alternativas do direito oficial como a do chamado direito achado na rua" [07].

Assim, extrai-se que toda a idéia de renovação da Sociologia Jurídica reside na constatação de que a produção normativa, em grande parte, está deslocada do Estado para a sociedade.

Nesse contexto, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS anota que tal renovação é verdadeira resposta à teoria política liberal, que "transformou o político numa dimensão setorial e especializada da prática social – o espaço da cidadania – e confinou-o ao Estado" [08].

Em síntese, tem-se que a Sociologia Jurídica se transforma, na exata medida em que se renovam os principais vetores do seu objeto de análise: a sociedade e o seu comportamento em face das normas jurídicas postas pelo Estado; e também a sociedade enquanto criadora do Direito fora do Estado.


3. A influencia do conhecimento Sociológico para a formação dos ordenamentos Jurídicos.

A Sociologia Jurídica, através do método empírico, estuda as mútuas relações entre o direito (ordenamento jurídico estatal) e a sociedade, posto que esta, ao mesmo tempo em que é fonte do direito, por meio dele também se transforma.

Nesse ponto, o destaca-se a importância de se superar "a crise do direito entendida como a distância que tem separado o ´direito positivo´ da realidade, dos fatos sociais" [09], com base nos estudos de Cláudio Souto, Joaquim Falcão e Miranda Rosa, que buscaram aproximar o direito positivo da realidade social, com a apresentação dos fundamentos para sua superação racional.

Entre outros objetivos, a Sociologia Jurídica busca compreender por que se cria uma norma jurídica e quais são as conseqüências do direito para a vida social. Isto é análise certamente afeta aos âmbitos de legitimidade e de eficácia do direito, na medida em que uma lei que está dissociada dos anseios sociais, justamente por ser ilegítima, tende a não ser observada e quedar-se ineficaz.

Por isto que a disciplina ora em discussão guarda extrema importância no processo de formação das leis, dos ordenamentos jurídicos. Nesta linha, a Sociologia Jurídica apresenta-se como importante ferramenta para conhecimento da vontade social, que será determinante para a eficácia da norma a ser editada.

Portanto, deve se fazer valer dos conhecimentos obtidos através de estudos sociojurídicos o legislador, para a criação de novas normas – como, aliás, em relação à aplicação do direito, também o deve fazer o operador do direito.

Citem-se dois exemplos. O adultério, até o advento da lei 11.106, editada no ano de 2005, era figura típica, era crime no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, muito antes disso, os juízes já haviam deixado de aplicar a referida regra; a doutrina majoritária reputava descabida a previsão de sanção criminal para tal conduta; enfim, a própria sociedade não mais aceitava como punível, sob a ótica penal, tal conduta. Neste caso, destarte, o legislador apenas veio a chancelar uma situação consolidada, na medida em que o referido preceito do adultério era ineficaz.

O segundo exemplo é a legislação ambiental brasileira, uma das mais modernas do mundo. Apesar de a lei ambiental prever uma série de ferramentas e positivar uma série de princípios de grande utilidade para a preservação ambiental, em virtude do descompasso entre a responsabilidade ambiental da sociedade e a prevista na norma (além, claro, de outros motivos operacionais), o sistema legal de proteção do meio-ambiente é pouco eficaz.

No primeiro exemplo, constata-se que o legislador estava atrasado em relação ao estágio evolutivo da sociedade; no segundo, a legislação, infelizmente, ainda está à frente do seu tempo. Nos dois casos, contudo, a conseqüência do descompasso sociedade-norma é a ineficácia da legislação.

Outro autor que "retoma a antítese ideológica que interfere e aprofunda o distanciamento entre Direito e realidade social" [10] é Roberto Lyra Filho, que aponta a própria dificuldade para a determinação do direito (dualidade entre jusnaturalismo e juspositivismo) como antecedente ao citado distanciamento.

Neste ponto, Lyra Filho apresenta as distinções entre Sociologia do Direito, que "estuda a base social de um direito específico", e Sociologia Jurídica, responsável pelo "exame do direito em geral, como elemento do processo sociológico, em qualquer estrutura dada". Para o referido autor, no que toca à necessária aproximação da realidade social com o ordenamento jurídico, incumbe à sociologia "procurar no processo histórico-social o aspecto peculiar da práxis jurídica na historicidade não meramente formal". Lyra Filho procura extrair o jurídico no processo histórico de "atualização da justiça social" [11].

Ainda sobre a mesma temática, à guisa já de conclusão, repisa-se a necessidade de legitimação e eficácia do direito posto, objetivos mais facilmente atingíveis quando o legislador lança mão dos estudos sócio-jurídicos, por ocasião da criação, revogação ou alteração de determinado direito.


4. As possibilidades práticas e teóricas da Sociologia Jurídica como Estratégia para a Realização de Novos Direitos.

A Sociologia Jurídica, ao apresentar superação para a tradicional dualidade entre juspositivismo e jusnaturalismo, altera a perspectiva dos ordenamentos jurídicos, outrora em relação impositiva do Estado à sociedade, para uma verdadeira relação dialética, na qual prepondera e é tomada como verdadeira fonte do direito o povo, a comunidade, enfim, a sociedade global e pluralisticamente considerada.

Ultrapassada, em certa medida, a teoria kelseniana de ordenamento jurídico hermético, que cuida especificamente das normas abstratamente consideradas e da sua aplicação, para a qual considerações sobre a realidade social eram dados externos à ciência do direito.

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Uma das grandes obras de Max Weber, como precursor da Sociologia do Direito, foi justamente trazer para dentro do ordenamento jurídico, do direito, esse turbilhão representado pela realidade social, pelas interações e mútuas interpenetrações entre direito e sociedade.

No atual estágio evolutivo da humanidade, aos "agentes jurídicos" (a expressão é de SABADELL [12]) não é mais dado aceitar como verdade absoluta o dogma de que todo o direito emana do Estado e de que não existe direito à margem deste.

A experiência prática, não apenas dos juristas, mas de qualquer bom leitor de jornal, denota que o ordenamento jurídico Estatal "não entra" em uma série de comunidades – desde os morros do Rio de Janeiro às regiões de fronteira, onde se ignoram os comandos Estatais.

Ademais, registre-se que, em tais comunidades, nas quais o ordenamento jurídico Estatal é solenemente desconsiderado ou ignorado, as condutas humanas também estão reguladas, através de ordenamento jurídico próprio – com mecanismos de coação –, paralelo ao posto pelo Estado.

Ao lado dos casos citados, como exemplos, nos quais o direito do Estado é absolutamente ineficaz, outras comunidades, grupos de pressão dentro da sociedade, têm o condão de influir decisivamente na formação do direito.

Neste sentido, não é mais possível conceber o direito como imposição do Estado à sociedade. A fonte de toda norma é sempre o povo, constituinte dos Estados, que destes se vale (caráter instrumental do Estado) para efetivar o seu ideário coletivo de regulação das relações humanas.

Sobre essa mudança de perspectiva, contextualizando-a historicamente, em passagem bastante lúcida, SOUSA JUNIOR [13], asseverou:

"No final dos anos sessenta, a crise de paradigmas de conhecimento e de ação humanas projetadas no mundo abriu, no campo jurídico, o mesmo debate crítico que se travava nos demais âmbitos sociais e teóricos. Sob o enfoque da crítica, portanto, e ao impulso de uma conjuntura política complexa em sua adversidade, notadamente no contexto social da realidade latino-americana, o pensamento jurídico ocidental buscou reorientar-se paradigmaticamente, rejeitando a matriz positivista de redução da complexidade ao formalismo legalista e de deslocamento dos pressupostos éticos que fundam uma normatividade legítima".

O paradigma brasileiro dessa novel contextualização do direito, que opera nas paragens da realidade social e desta se retroalimenta, é o Direito Achado na Rua, movimento sociojurídico nascido na Universidade de Brasília - UnB, sob os auspícios do professor Roberto Lyra Filho – e atualmente capitaneado pelo professor José Geraldo de Sousa Junior.

O referido movimento, que atualmente representa uma linha de pesquisa e um curso organizado na UnB, "quer, exatamente, ser expressão deste propósito de compreensão do processo aqui descrito, enquanto reflexão sobre a atuação jurídica dos novos sujeitos coletivos e das experiências por eles desenvolvidas de criação de direito" [14].

Destarte, os direitos criados por obra desses novos sujeitos coletivos (associações de bairro, sindicatos, organizações não-governamentais etc) consubstanciam o atual protagonismo daqueles que, ao longo de muito tempo, nas mais diversas teorias jurídicas, justamente por serem individualmente considerados, eram quedados à margem da criação das normas.


Notas

  1. Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 1151., p. 12.
  2. Apud Sousa Junior, op. cit., p. 12.
  3. A questão da autonomia da Sociologia Jurídica foi objeto de divergência entre MAX WEB e HANS KELSEN. Este refutava a hipótese de considerá-la disciplina autônoma, posto que não se utilizava de conceitos próprios, mas emprestados da ciência jurídica. Atualmente, contudo, há de se entender a referida disciplina como autônomo ramo do conhecimento, porque sua perspectiva parte do sujeito (sociedade) para a norma (estuda-se o comportamento humano perante a norma). Ademais, para WEBER, ambas as ciências possuem métodos distintos (empírico-causal da Sociologia Jurídica contra lógico-sistemático da ciência jurídica).
  4. Apud SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 13.
  5. SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 13.
  6. SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 13/14.
  7. SOUSA JUNIOR, op.cit., p. 14
  8. SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 16.
  9. SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 19.
  10. SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 18.
  11. Apud SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 18.
  12. SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 4. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 219.
  13. Op. cit., p. 23.
  14. SOUSA JUNIOR, op. cit., p. 24.
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Sobre o autor
Geraldo de Azevedo Maia Neto

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB. Especialista em Direito Constitucional pelo IDP/UNISUL. Procurador-Geral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foi Subprocurador-Geral do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Foi Subprocurador-Regional Federal da 1ª Região. Foi membro da Câmara Especial Recursal do CONAMA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA NETO, Geraldo Azevedo. Estudos atuais sobre Sociologia Jurídica.: Origem e renovação sociojurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2402, 28 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14255. Acesso em: 28 mar. 2024.

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