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Da inexistência do delito de rixa como tipo autônomo

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Resumo:

O presente artigo abordará um estudo sobre o delito de rixa. Inicialmente far-se-á uma breve explanação sobre seu conceito e classificação, a qual será sucedida pela crítica sobre a existência da rixa como um tipo penal autônomo.

Palavras-chave: Rixa. Qualificadora. Homicídio. Lesão Corporal.


É possível, sinteticamente, afirmar que há um crime quando ocorrer lesão ou ameaça de lesão a determinado bem jurídico penalmente tutelado.

A dicotomia ora exposta revela que há, dentre outras classificações, tipos penais que configuram crimes de dano e outros que positivam os denominados crimes de perigo.

Os crimes de dano são aqueles que, concretamente, modificam uma condição natural, realizando, dessa forma, situação caracterizadora de ofensa ao bem penalmente tutelado.

Os crimes de perigo, por sua vez, são aquelas ações que, mesmo não configurando um resultado naturalístico de lesão ao objeto jurídico da norma, estão tipificadamente previstas. Trata-se, em suma, de condutas relevantes o bastante para assumirem status de crime.

Detendo-nos unicamente neste último conceito, cumpre mencionar que os crimes de perigo se subdividem em abstratos e concretos. Os primeiros são aqueles crimes cuja concretização gera presunção jure et de jure de possibilidade de lesão ao objeto da norma, enquanto que o segundo exige prova efetiva da ocorrência do perigo.

Outra subdivisão classifica os crimes de perigo em individuais e coletivos, tratando os de perigo individual de situações em que a exposição é feita a determinada pessoa ou a determinado grupo de pessoas, ao passo que os de perigo coletivo referem-se àqueles atos que expõem um número indeterminado de pessoas ao risco.

Feitas tais considerações, observemos o que preceitua o nosso Código Penal, em seu art. 137:

Participar de rixa, salvo para separar os contendores:

Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.

Parágrafo único. Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a, pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Trata-se do crime de rixa, trazido pelo legislador de 1940.

Nas palavras de Aranha Filho,

Rixa é a luta, a briga ou a contenda entre três ou mais partes perfeitamente individualizadas, todas contra todas. É o tumulto generalizado entre ao menos três partes ou pessoas que acentua a situação de perigo e desordem, justificando a novel incriminação como delito autônomo. [01]

Ainda no tocante à justificativas para a nova tipificação, Giuseppe Maggiore, citado por Rogério Greco, esclarece que não haveria sentido

criar um delito a parte, como a rixa, para castigar uma luta entre somente duas pessoas, cujas respectivas responsabilidades podem ser individualizadas. Quando duas pessoas contendem, ou querem injuriar-se, ameaçar-se ou ferir-se, e por tanto podem responder eventualmente por suas injúrias, ameaças ou lesões (consumadas ou tentadas), com a situação precisa da parte culpável ou da parte lesionada, uma a respeito da outra, a lei não tem necessidade de criar um delito especial para castigá-los. Se se configura ad hoc o delito de participação na rixa, é porque na incerteza da responsabilidade de cada pessoa, indiscernível a causa da contenda, lhe parece conforme a justiça castigá-los somente pelo fato de haver tomado parte na rixa. [02]

Depois de abreviada explanação sobre o delito de rixa, passo agora a analisar uma questão que, a priori, passa despercebida: a razão da equivocada existência do crime em comento.

A despeito da merecida e minuciosa explanação sobre a classificação doutrinária exigida, abstenho-me em dissertar sobre um único ponto: a legislação pátria [03], bem como a doutrina, considera-o como crime de perigo (e neste ponto evito descer a detalhes, ignorando as divergências existentes acerca das subdivisões), com o que, permissa vênia, discordo plenamente, utilizando para isso os argumentos que ora exponho.

O tipo subjetivo do delito em questão é o animus rixandi, caracterizado como a vontade livre e consciente de participar da briga, sem qualquer intenção de lesionar outrem, sob pena de tipificar-se outro crime, a saber, lesão corporal ou homicídio, a depender do caso concreto.

Ocorre que, de acordo com a própria definição doutrinária de maior relevo, é pressuposto da ocorrência do animus rixandi a violência física, consubstanciada em contato físico ou agressões físicas à distância. Não basta, portanto, que os rixosos profiram meras agressões verbais, impropérios.

Eis a incoerência encontrada nesse estágio da análise normativa: como é possível haver a ocorrência de agressões físicas sem que reste, na seara criminal, ao menos o dolo eventual de dano?

De acordo com o art. 18, I do nosso Código Penal, não restam dúvidas quanto à equiparação entre o dolo direto e o eventual. Quem quer determinado resultado ou simplesmente assume o risco de produzi-lo possui igual tratamento perante a lei.

Diante dos fundamentos supracitados, desnecessária (ou melhor, incoerente!) é a existência de um tipo penal autônomo para a rixa.

Uma vez concretizados os elementos caracterizadores da rixa, resta descobrir qual o animus de cada um dos protagonistas: se comprovada a existência do animus necandi ou do animus nocendi, configurada está, ao menos, a prática de tentativa de homicídio ou de tentativa de lesões corporais, respectivamente. Se, no entanto, no momento em que as agressões físicas foram realizadas, não houve a mínima intenção, por parte do agente, de lesionar (o que, ao meu ver, é muito improvável), entra-se na seara das vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688/41), o que tornaria o episódio uma mera contravenção penal, conclusão esta que, da mesma forma, fundamenta a desnecessidade de um tipo autônomo, já que a missão do Direito Penal é tutelar os bens jurídicos de maior relevância das lesões mais ofensivas.

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Por todo o exposto é que, sem sombra de dúvidas, chego à conclusão que o delito em comento se trata, na verdade, de uma qualificadora dos crimes de lesão corporal e homicídio.


Referências:

FILHO, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha. Direito Penal: Crimes contra a Pessoa – Série Leitura Jurídica Provas e Concursos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial – Volume II. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: Parte Especial – Volume 2. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 2. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.


Notas

  1. FILHO, Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha. Direito Penal: Crimes contra a Pessoa – Série Leitura Jurídica Provas e Concursos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 179.
  2. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial – Volume II. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 453.
  3. Vide art. 48 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal.
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Sobre a autora
Marcela Martin Vila Nova Silveira Silva

Graduanda em Direito pela Faculdade Marício de Nassau, Recife-PE. Estagiária da Assessoria Jurídica da Presidência do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcela Martin Vila Nova Silveira. Da inexistência do delito de rixa como tipo autônomo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2406, 1 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14272. Acesso em: 22 dez. 2024.

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