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Obtenção transnacional de prova em matéria civil e comercial.

Análise da Convenção de Haia de 1970, da Convenção Interamericana de 1975 e do Regulamento (CE) nº 1206/2001

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15/02/2010 às 00:00
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5. Princípios do Regulamento (CE) n.º 1206/2001.

A análise do sistema comunitário criado para cooperação entre os Estados-Membros da União Européia, nomeadamente a obtenção de provas em matéria civil ou comercial, tem grande reflexo nas doutrinas nacionais, fazendo com que o estudioso observe a sua realidade e consiga adaptá-la ao panorama transfronteiriço.

O estudo dos princípios do Regulamento (CE) n.º 1206/2001 é algo muito recente, não tendo a doutrina, ainda, desenvolvido entendimento com relação à matéria, ou melhor, até o momento não há obra que toque no problema ora tratado. Como forma de auxílio e melhoramento da ciência jurídica, que é nosso dever, lançaremos algumas proposições com relação aos princípios que pensamos serem inspiradores do presente Regulamento.

O primeiro, em nossa opinião, que transcende o Regulamento (CE) n.º 1.206/2001, regendo todo o sistema da cooperação judicial comunitária é o princípio da cooperação. No âmbito do Regulamento, esse princípio consagra que todos os sujeitos da relação processual, bem como os terceiros envolvidos, devem colaborar para a descoberta da verdade, facilitando a obtenção da prova, seja o meio que for empregado. No caso de obtenção de provas pelo Estado requerido, o Juiz que executará o pedido do outro Estado Membro deverá pautar sua atuação pelo princípio ora analisado, facilitando ao máximo a obtenção expedita da prova requerida.

Outro princípio de grande importância é o que chamamos de princípio da ordem pública, segundo o qual deve-se respeitar a ordem pública e as normas imperativas existentes no Estado requerido no momento da obtenção de prova. O Regulamento, de maneira expressa materializa este princípio. O artigo 14.º, n.º 1, elenca as possibilidades de recusa de execução da obtenção de prova pelo Tribunal do Estado requerido, disciplinando que o Estado requerente respeitará a inexecução de um pedido de audição de uma testemunha por ela ter um privilégio ou o dever de silêncio garantidos pela legislação do Estado requerido.

Outra limitação imposta está contida no artigo 10.º, n.º 3, que cuida da possibilidade de utilizar-se procedimento especial para obtenção de prova, não existente no Estado requerido, que atenderá ao pedido do Estado requerente, salvo se tal procedimento for incompatível com a lei do Estado-Membro requerido, ou por importantes dificuldades de ordem prática. Logicamente que, de modo implícito está a recusa por ofensa à ordem pública do Estado requerido, pois existem várias possibilidades em que o ordenamento jurídico não trata de determinada matéria que fere em demasia a ordem pública deste mesmo Estado.

O artigo 17.º, que cuida da obtenção de provas no exterior diretamente pelo Estado requerente, traz no n.º 5, alínea "c", a possibilidade de recusa de autorização de obtenção direta de prova por parte da autoridade central no caso em que tal obtenção for contrária aos princípios fundamentais da legislação do seu Estado-Membro. Esse dispositivo afasta a obtenção de provas privilegiando a ordem pública do Estado requerido. Em outra leitura, podemos afirmar que o Regulamento foi muito cauteloso nesta norma ao utilizar a locução "princípios fundamentais da legislação do seu Estado-Membro" e não somente "legislação do seu Estado-Membro", pois com aquela construção criou oportunidade de recusa levando-se em consideração a ordem pública, a qual possui um alcance muito maior do que a legislação em si, e, além disso, afastou-se a possibilidade dos "blocking statutes" utilizados por vários Estados como barreira à cooperação judicial internacional, nomeadamente com relação à Convenção de Haia de 1970 e à Convenção Interamericana de 1975. Entendemos que o procedimento "pre-trial discovery" de documentos pode ser recusado com base no dispositivo analisado, porém lembramos que o mesmo deve ferir a ordem pública do Estado requerido e não somente atacar uma lei bloqueio.

A limitação imposta ao princípio da ordem pública está no artigo 14.º, n.º 3, que cuidando da recusa da execução pelo Tribunal requerido, assevera que não poderá impor recusa ao pedido de outro Estado-Membro pelo fato de sua legislação atribuir competência exclusiva à matéria objeto da ação, ou não reconhecer direito de ação ou direito de demanda para a matéria em causa. Essa limitação é de decorrência lógica, uma vez que o Estado-Membro requerido não possui jurisdição ou competência sobre a dedução da demanda, tendo papel meramente cooperativo, exercendo seus poderes apenas para execução do pedido de outro Estado-Membro, mas não para conhecimento da ação ajuizada.

O princípio dispositivo, consagrado por grande parte das legislações ocidentais de cultura germano-românica, é aquele em que "o Juiz deve julgar a causa com base nos fatos alegados pelas partes (idex iudicare debet allegata et probata partium), sendo-lhe vedado a busca de fatos não alegados e cuja prova não tenha sido postulada pelas partes." [51]

O alicerce do princípio dispositivo é a necessidade de salvaguardar a imparcialidade do Juiz. Todavia, essa visão privatista do processo civil vem sendo desmantelada pela melhor doutrina, a qual advoga a relativização de tal princípio em benefício da acepção constitucionalista do processo, bem como de sua autonomia.

O princípio inquisitório surge como forma de ativar os poderes do Juiz na peleja judicial. Com base nisso, o juízo competente para dirimir o litígio pode ordenar oficiosamente as diligências probatórias que julgar necessárias para a busca da verdade. A conotação transfronteiriça desse princípio está na certeza de que quem possui o poder para ordenar a prova é o Juízo do Estado requerente, tendo o Juízo do Estado requerido, aforante as hipóteses de recusa de execução, que acatar o pedido para produção da prova sem se pronunciar com relação a necessidade ou não da prova no processo. Ou seja, em nossa opinião, o Juiz do Estado requerido não possui poder jurisdicional para se pronunciar com relação ao cabimento de determinada prova.

No entanto, vemos uma possibilidade em que o Juiz do Estado requerido pode informar ao Juiz do Estado requerente a desnecessidade da produção de prova naquele país, ou porque constitui fato notório, ou é consagrado com uma presunção absoluta ou relativa. No primeiro caso, não vemos nenhum empecilho do Juiz do Estado requerente aceitar a informação prestada pelo Estado requerido e dar o fato como provado por sua notoriedade. Com relação às presunções, o Juiz do Estado requerente deve ser mais zeloso. As absolutas estão classificadas como numerus clausus em grande parte dos ordenamentos jurídicos, sendo produto da experiência jurídica internacional. Partindo desse raciocínio, não vemos problema para o Juízo do Estado requerente aceitá-las, a não ser que possa prejudicar a ordem pública estatal ou conste de previsão proibitiva de seu ordenamento jurídico. A situação delicada reside nas presunções relativas, ou juris tantum, as quais admitem prova em contrário. Pensamos ser uma tarefa árdua para o julgador do Estado requerente aceitar esta presunção como fato provado por tais razões: 1º) a matéria da prova é a que define o destino da sentença; 2º) uma presunção relativa pode causar uma situação muito desfavorável para a parte prejudicada, simplesmente pela impossibilidade, ou grande dificuldade, de formular a contra-prova, além dos limites citados na análise das presunções absolutas. Pensamos que o Juiz do Estado requerente deve aceitar a presunção relativa apenas quando conste como previsão de seu ordenamento jurídico, caso contrário deve manter o ônus da prova sob o encargo do interessado e requisitar ao Estado requerido que produza a prova solicitada.

Alguns outros princípios integram o sistema do Regulamento (CE) n.º 1206/2001, tais como o princípio do contraditório e ampla defesa, o princípio da aquisição processual, o princípio da discriminação da prova, dentre outros, porém não trataremos deles neste trabalho por haver uma ligação muito mais forte com a relação processual do que com a obtenção transnacional de provas.


6. O Regulamento (CE) n.º 1206/2001 relativo à obtenção de prova em matéria civil ou comercial.

Por consequência do Tratado que institui a Comunidade Européia da União Européia [52], mais precisamente seguindo a disciplina do artigo 61.º, alínea "c", do artigo 65.º, alínea "a" e do artigo 67.º, n.º 1, o Conselho da União Européia aprovou em 28 de Maio de 2001, e fez publicar, no Jornal Oficial das Comunidades Européias L 174 de 27 de Junho de 2001 o Regulamento (CE) n.º 1206/2001 relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial, o qual entrou em vigor em todos os países da União Européia, com inclusão do Reino Unido e da República da Irlanda e exclusão da Dinamarca [53], no dia 01 de Julho de 2001.

A iniciativa do Regulamento foi da República Federal da Alemanha [54], a qual foi motivada pela gradual instituição do Espaço de Liberdade, de Segurança e de Justiça na União Européia. Além disso, levou-se em conta que a Convenção de Haia de 1970, no domínio da obtenção de provas, vinculava apenas 11 (onze) [55] dos Estados-Membros da União Européia.

Para mais, a citada Convenção já demonstrara fragilidades intransponíveis que dificultavam em demasia a cooperação judicial internacional. O Regulamento, por ser um instrumento vinculativo dos Estados-Membros no âmbito comunitário, é ideal para a segura implementação do Espaço de Justiça Europeu [56].

Por conseguinte, em virtude do artigo 21.º, o Regulamento tem prevalência sobre as disposições menos favoráveis contidas em acordos ou convênios bilaterais ou multilaterais celebrados pelos Estados-Membros, em especial a Convenção de Haia de 1954 relativa ao processo civil e a Convenção de Haia de 18 de Março de 1970, relativa à obtenção de provas no exterior em matéria civil e comercial.

Em contrapartida, e por decorrência lógica, o Regulamento não impede que os Estados-Membros mantenham ou celebrem acordos ou convênios entre dois ou mais Estados-Membros com o fim de facilitar a obtenção de provas, ampliando, assim, seu objeto.

A oportunidade da facilitação da relação entre os Estados-Membros da União Européia é a base fundamental do sucesso da cooperação judicial e da criação do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, uma vez que os Estados estão vinculados à disciplina do Regulamento, porém têm oportunidade de aprimorar e estreitar os laços de cooperação sem a necessidade de mudá-lo.

A primeira grande diferença do Regulamento (CE) n.º 1206/2001 para a Convenção de Haia está na delimitação do âmbito de aplicação (artigo 1.º), pois o diploma comunitário restringiu o seu objeto à matéria civil e/ou comercial para obtenção de provas, ou pelo Tribunal competente do Estado-Membro requerido ou diretamente pelo Estado-membro requerente em outro Estado-Membro. Foi excluída a obtenção de prova de natureza extraprocessual, ou seja, aquela que não é consequência de um processo judicial iniciado ou previsto.

Note-se que não se exclui do âmbito do Regulamento a obtenção de provas em processo cautelar ou processo executivo baseado em título executivo extrajudicial. Tal "alargamento" do objeto do Regulamento é fruto do espírito de celeridade que integra todo o diploma, principalmente, com relação à transmissão do pedido de obtenção de provas e a devolução com seu cumprimento.

A entidade central tem no Regulamento um papel muito mais restrito do que exercia na Convenção de Haia de 1970. Sua competência é residual com relação à transmissão de pedidos de obtenção de prova do Tribunal de um Estado-Membro requerente (Tribunal requerente) para outro Tribunal em um Estado-Membro requerido (Tribunal requerido). A transmissão dos pedidos dá-se de forma direta entre os Tribunais dos Estados-Membros, não há necessidade de envio de uma carta rogatória a uma entidade central noutro Estado para que ela envie a carta para o Tribunal competente em seu Estado.

Melhor ainda, não existe no Regulamento a figura da carta rogatória, que se caracteriza como um ato judicial de um Estado alienígena, incompatível com a rotina dos atos processuais internos; o que existe é simplesmente um pedido de obtenção de provas, o qual pode ser executado pelo Estado requerido ou pelo Estado requerente no território do Estado requerido, sendo caracterizado como um ato processual interjudicial existente em um Espaço Judicial Comunitário, em que as barreiras fronteiriças são quase que totalmente anuladas, constituindo uma similaridade com os atos processuais internos.

A entidade central tem papel importante na obtenção de provas pelo Tribunal requerente em seu território, o qual analisaremos em momento oportuno. Necessário frisar que a entidade central é encarregada de fornecer informações aos Tribunais dos Estados-Membros, procurar soluções para dificuldades que possam surgir em relação a um pedido, seja esse problema de que natureza for, ou porque o Tribunal requerente não conhecia o Tribunal requerido competente, ou porque enviou o pedido para um Tribunal incompetente, e remeter, em casos excepcionais, um pedido ao Tribunal requerido, a rogo de um Tribunal competente.

Com relação à transmissão dos pedidos, o artigo 4.º contém a forma e o conteúdo que os pedidos devem ter. O Regulamento, seguindo o sucesso de outros diplomas comunitários, uniformizou a forma dos pedidos com a instituição de vários tipos de formulários para cada situação que possa existir, desde a transmissão do pedido à devolução do cumprimento. Por conseguinte, o pedido de obtenção de provas deve ser apresentado utilizando-se o formulário A ou, quando necessário, o formulário H e especificar obrigatoriamente: 1) o Tribunal requerente e, se preciso, o Tribunal requerido; 2) o nome ou designação e endereço das partes ou de seus representantes, para proporcionar a possibilidade da participação desses sujeitos na apresentação ou produção da prova; 3) a natureza e objeto da ação e uma exposição sumária dos fatos, para análise do juízo de admissibilidade do pedido por parte dos representantes do Estado requerido, e; 4) a descrição da prova a ser obtida, para implementação dos meios adequados para execução do pedido. Quando necessário e, dependendo do tipo de prova que deva ser obtida no Estado requerido, o pedido deve conter as especificações contidas no artigo 4.º, n.º 1, alíneas "e" a "g", as quais cuidam do depoimento de pessoas, dos procedimentos especiais (que estudaremos no tópico seguinte) e dos documentos ou outros objetos a serem examinados como prova. Com relação a esses últimos, se o Tribunal requerente pedir uma perícia, deve proceder a um depósito ou a um avanço sobre as despesas com os honorários do perito e para os meios de peritagem, conforme disposição do artigo 18.º, n.º3.

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O espírito de celeridade e desburocratização existente no Regulamento dispensou a necessidade de autenticação ou qualquer formalidade equivalente para os pedidos e os documentos que os acompanham.

Ademais, os pedidos e os documentos que os acompanham devem ser enviados redigidos no idioma oficial do Estado-Membro requerido (artigo 5.º), ou numa outra língua que este Estado-Membro aceite, pois cada Estado deve indicar sua língua (ou suas línguas) oficial, bem como outra(s) língua(s), dentre as oficiais da Comunidade Européia, em que pode aceitar o pedido de obtenção de prova. Portugal indicou, além do português, o espanhol, pela similaridade com o idioma pátrio.

A transmissão do pedido e das demais comunicações, inclusive da devolução com o cumprimento da obtenção da prova, é feita pela "via mais rápida", desde que possa ser aceita pelo Estado-Membro requerido e que o conteúdo do documento seja fiel ao expedido pelo Tribunal requerente e que todas as informações sejam legíveis.

O meio, ou canal de transmissão do pedido e das outras comunicações não precisa ser o mesmo, podendo variar dependendo de sua adequação e função, respeitando-se a regra da celeridade. Esse foi um dos maiores avanços do sistema do Regulamento, o que possibilita o uso dos meios eletrônicos e digitais, tais como "fac simile" e o envio por endereço eletrônico (e-mail), pela rede mundial de computadores, ou qualquer outro meio similar.

O progresso do diploma comunitário demonstra a preocupação da Comunidade Européia com as mudanças e avanços no cotidiano das pessoas. Logicamente que a integralidade das informações contidas no pedido e nas comunicações não podem ser afetadas pelo canal de transmissão: se houver incompatibilidade entre o meio de transmissão desejado e o objeto a ser transmitido, deve-se procurar um outro tipo de canal, para que seja respeitada a regra da celeridade, tendo em vista que o envio por um meio inadequado apenas traria problemas e atrasos na execução da obtenção de prova.

Enviado o pedido, o Tribunal requerido deve fazer o juízo de admissibilidade prévio, ou seja, analisar se está redigido no idioma adequado (artigo 5.º) e se as informações cumprem as exigências de fidelidade, conformidade e legibilidade previtos no artigo 6.º, in fine. Seja qual for a decisão do juízo de admissibilidade, o Tribunal requerido tem o prazo de 7 (sete) dias para enviar o aviso de recebimento do pedido para o Tribunal requerente, a contar da data de sua recepção. Para esse efeito será utilizado o formulário B. Caso o pedido não preencha as condições estabelecidas nos artigos 5.º e 6.º, o Tribunal requerido constará a falha no aviso de recepção.

Se o meio de transmissão do pedido impossibilitar a identificação do Tribunal requerente, o Tribunal requerido não possuirá dados adequados para acusar seu recebimento. Dessa forma, entendemos que o Tribunal requerido deve permanecer inerte e esperar a próxima comunicação do Tribunal requerente, a qual deve ocorrer na sequência do final do prazo para o Tribunal requerido avisar o recebimento do pedido.

Mesmo o Tribunal requerido não sendo o competente para execução do pedido de obtenção de provas, deve realizar o juízo de admissibilidade prévio e, preenchidas as condições dos artigos 5.º e 6.º, o Tribunal incompetente deve retransmitir o pedido ao Tribunal competente de seu Estado-Membro, ou à entidade central e comunicar o Tribunal requerente do ocorrido através do formulário A. Assim que o Tribunal competente receber o pedido deverá enviar o aviso de recebimento através do formulário B. Pensamos que o Tribunal incompetente deve observar o prazo de 7 (sete) dias para retransmissão do pedido e comunicar o Tribunal requerente do ocorrido.

Ultrapassada essa fase preliminar, o Tribunal requerido competente deve analisar criteriosamente, por meio de um juízo de admissibilidade definitivo, se o pedido contém todas as informações constantes do artigo 4.º, ou seja, se sua forma e conteúdo estão adequados. Se o pedido não puder ser executado por não apresentar todas as informações necessárias, o Tribunal requerido deve informar o Tribunal requerente "sem demora", no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da recepção do pedido, os dados faltantes e que deverão ser prestados com a máxima precisão. Para esse efeito, utilizar-se-á o formulário C.

Outro elemento a ser analisado no juízo de admissibilidade definitivo é o depósito ou avanço das despesas de uma prova pericial, pois se o Tribunal requerente não efetuá-lo no momento do envio do pedido, o Tribunal requerido terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da recepção do pedido, para pedir a efetivação do depósito, utilizando para tal o formulário C. Assim que receber o depósito ou avanço, terá o prazo de 10 (dez) dias, a contar da recepção da data do depósito, para acusar o recebimento, utilizando o formulário D.

A complementação do pedido por parte do Tribunal requerido, com relação às condições estabelecidas nos artigos 5.º e 6.º, não possui prazo especificado, pois este Tribunal é o interessado em obter a prova. Porém, enquanto não forem completadas devidamente as informações e condições do pedido, o Tribunal requerido não tem nenhuma responsabilidade ou dever com relação a execução do pedido faltoso.

Já com relação à complementação do pedido solicitada por decorrência dos artigos 8.º e 4.º, n.º 1, o Tribunal requerente tem o prazo máximo de 30 (trinta) dias para complementar o pedido com todas as informações necessárias. Caso não realize a complementação do prazo especificado, ou o fazendo em momento posterior, o Tribunal requerido pode escusar-se de realizar a obtenção da prova desejada (artigo 14.º, n.º 2, "c").

Por sua vez, o Tribunal requerido terá o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da recepção do pedido, para enviar a recusa da execução pela não complementação das informações desejadas, utilizando, para tanto, o formulário G.

Pensamos que o Regulamento deveria observar um momento de início de contagem diferente do consignado no n.º 4 do artigo 14.º, pois o Tribunal requerido tem prazo de 30 (trinta) dias a contar da recepção do pedido para denunciar e enviar a comunicação ao Tribunal requerente dos vícios do artigo 4.º, n.º 1; em contrapartida, o Tribunal requerente tem mais 30 (trinta) dias a contar da data de recepção da comunicação para sanar os vícios. Porém, o Tribunal requerido tem o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da recepção do pedido viciado para comunicar a recusa da execução da obtenção de prova.

Ora, é de se imaginar que o envio da comunicação do Tribunal requerido ao Tribunal requerente com os vícios constantes no pedido, dependendo da via utilizada, possa levar alguns dias, bem como a complementação do pedido pelo Tribunal requerente, os quais podem causar um problema nos prazos estipulados pelo Regulamento, pois o prazo que o Tribunal requerido tem para recusar a execução do pedido não engloba estes dias de transmissão de dados. Seria mais prudente, em nossa opinião, fixar o início do prazo para recusa na data em que o Tribunal requerente recebesse a comunicação dos vícios.

O depósito ou avanço, reclamados por disciplina do artigo 18.º, n.º 3, obedece ao prazo disposto no artigo 14.º, n.º 2, "d", ou seja, o Tribunal requerente tem 60 (sessenta) dias para efetuar o depósito ou o avanço; não o fazendo dentro desse interregno, o Tribunal requerido pode recusar a obtenção da prova.

Lembramos que o prazo para cumprimento do pedido só começa a ser contado a partir do momento em que se sanam os vícios, por parte do Tribunal requerente, apontados pelo Tribunal requerido.

O problema suscitado com relação ao prazo do Tribunal requerido para recusar a execução do pedido, que argumentamos acima, ou seja, 60 (sessenta) dias, por força do artigo 14.º, n.º 4, mostra-se mais delicado na análise ora realizada, pois o cômputo total dos prazos – entre envio da comunicação do Tribunal requerido para o Tribunal requerente com a exigência do depósito ou avanço (30 dias), e o prazo para o Tribunal requerente realizar o depósito ou o avanço e remeter a comunicação para o Tribunal requerido (60 dias) – extrapolam em 30 (trinta) dias [57] o prazo que o Tribunal requerido tem para recusar a execução do pedido.

Acreditamos que o prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data da recepção do pedido não se aplica neste caso, mesmo tendo a disciplina expressa do n.º 4 do artigo 14.º sustentado sua aplicação. Entendemos que o Tribunal requerido pode recusar a execução após o termo final do prazo de resposta de 60 (dias) que possui o Tribunal requerente. Desta forma, defendemos a contagem diferenciada do prazo para atingir a teleologia do próprio Regulamento, através de uma interpretação sistemática.

Essas são as linhas mestras do Regulamento (CE) n.º 1206/2001; devemos, no entanto, passar à análise da execução do pedido de obtenção de prova pelo Tribunal requerido e, em momento posterior, à obtenção de prova pelo Tribunal requerente no território do Estado requerido.

6.1. Execução do pedido pelo Tribunal requerido.

Após o juízo de admissibilidade prévio e definitivo bem sucedido, o Tribunal requerido deverá iniciar a execução do pedido feito pelo Tribunal requerente.

O procedimento para obtenção de provas será realizado de acordo com a legislação do Estado-Membro a que pertencer o Tribunal requerido (artigo 10.º, n.º 2) e no prazo máximo de 90 (noventa) dias, contados da data da recepção, se não houver vícios detectados no juízo de admissibilidade. Em havendo tais vícios, o prazo começa a correr a partir do momento em que os problemas forem sanados. Se o Tribunal requerido não puder proceder à execução do pedido no prazo estabelecido, deverá comunicar o Tribunal requerente, através do formulário G, justificando os motivos que impossibilitaram o cumprimento do prazo e o lapso temporal que considera necessário para executar o pedido (artigo 15.º). Não há na estrutura do Regulamento o limite máximo de prorrogação que o Tribunal requerido pode utilizar, contudo, pensamos que a prorrogação não deverá ultrapassar o prazo de 90 (noventa) dias inicialmente previsto; portanto, na pior das hipóteses, o Tribunal requerido tem o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para executar o pedido.

Segundo disciplina do artigo 10.º, n.º 3, o Tribunal requerente poderá pedir ao Tribunal requerido que proceda a obtenção de provas de acordo com um "procedimento especial" previsto na lei de seu Estado-Membro, utilizando para tanto o formulário A (artigo 4.º, alínea "g").

Outra possibilidade de procedimento especial a ser solicitado pelo Tribunal requerente é o pedido para que o Tribunal requerido recorra às tecnologias da comunicação (artigo 10.º, n.º 4), em particular a videoconferência e a teleconferência.

Como já referimos, essa novidade na cooperação transnacional é de grande valia, uma vez que possibilita a participação do Tribunal requerente na produção ou apresentação da prova, sem a necessidade de deslocamento de material humano ao Estado requerido.

O Tribunal requerido atenderá a uma ou a ambas solicitações, a menos que tal procedimento seja incompatível com a lei do Estado requerido, ofenda a sua ordem pública ou tenha importantes dificuldades de ordem prática. Com relação à impossibilidade de utilização de videoconferência ou teleconferência por inacessibilidade de meios técnicos, estes podem ser postos à disposição do Tribunal requerido pelo Tribunal requerente mediante acordo mútuo.

Caso o Tribunal requerido não atenda ao(s) pedido(s) do Tribunal requerente, deve informá-lo por meio do formulário E, o mais rapidamente possível. Entendemos que o prazo a ser observado nessa situação é o contido no artigo 8.º, n.º 1, que trata do pedido incompleto, precisamente com relação ao vício contido nas informações do artigo 4.º. Dessa forma, o Tribunal requerido tem no máximo 30 dias para informar o Tribunal requerente da impossibilidade de aceitar o pedido de adoção do procedimento especial, fazendo esta fase parte do que chamamos de juízo de admissibilidade definitivo.

Como asseveramos acima, no silêncio do Estado requerente, ou na impossibilidade da aplicação de um procedimento especial, será adotada na execução do pedido a lei do Estado-Membro requerido. Com efeito o artigo 13.º do Regulamento, encarrega o ordenamento do Tribunal requerido de, sempre que necessário, aplicar as medidas coercivas apropriadas para cada caso na execução do pedido de obtenção de provas.

Já com relação à participação das partes ou de seu representantes, quando estes existirem (artigo 11.º), e dos representantes do Tribunal requerente (artigo 12.º) na obtenção da prova pelo Tribunal requerido, o Regulamento deu solução satisfatória. Primeiramente, a presença das partes ou de seus representantes é possível se o ordenamento jurídico do Estado requerente assim as possibilitar no momento da obtenção da prova pelo Tribunal requerido. No envio do pedido de obtenção de provas para o Tribunal requerido, cumprindo o disposto no artigo 4.º, alínea "g", ou em qualquer outro momento, durante o cumprimento do pedido, o Tribunal requerente informará o Tribunal requerido que as partes e seus representantes querem participar da produção ou apresentação da prova, utilizando o formulário A para comunicação.

Assim sendo, o Tribunal requerido, de acordo com o procedimento aplicável à obtenção de provas, determinará as condições de participação das partes e de seus representantes. Quando o procedimento é regido pela lei do Estado-Membro do Tribunal requerido, é esse que condiciona a participação das partes na obtenção de prova. Contrario sensu, na aplicação de um procedimento especial contido na legislação do Estado-Membro requerente, entendemos que as normas concernentes a este procedimento disciplinarão a participação das partes e representantes.

A notificação das partes e de seus representantes da data, hora e local em que ocorrerá o ato de obtenção de prova, bem como as eventuais limitações ou condições de participação, será feita pelo Tribunal requerido, utilizando para tal o formulário F.

O Regulamento, de maneira sagaz, prevê a possibilidade da participação das partes e de seus representantes na obtenção das provas, mesmo quando não haja previsão no ordenamento jurídico do Estado requerente, ou quando o Tribunal requerente não tenha feito o pedido de participação dos sujeitos em causa. A possibilidade está na disciplina do n.º 5 do artigo 11.º que assegura a participação das partes e de seus representantes na produção das provas, caso conste de previsão legal do Estado do Tribunal requerido.

Mas existe um problema não resolvido pelo Regulamento, pois não indicou qual o veículo e forma de comunicação que o Tribunal requerido deve utilizar para informar as partes e seus representantes quando de previsão expressa de seu ordenamento. Poder-se-ia pensar que como o Regulamento não disciplinou a forma que deve ser utilizada pelo Tribunal requerido, devem-se utilizar as normas do Regulamento 1.348/2000 relativo à citação e notificação judicial e extrajudicial em matéria civil e comercial. Em contrapartida, vislumbramos outra possibilidade, ao nosso ver, mais adequada ao problema, fruto da interpretação sistemática do próprio Regulamento. Seu caráter de celeridade e desburocratização da transmissão de informações, comunicações e pedidos para o outro Tribunal, bem como sua malha de formulários existentes, para uniformização e formatação dos pedidos e comunicações, revelam que a utilização de outro instrumento para notificação das partes nesta situação é desnecessária, pois o próprio Regulamento dá a solução, mesmo que por analogia, ao problema.

O Tribunal requerido, tal qual a disciplina do artigo 11.º, n.º 4, deverá notificar as partes e seus representantes, da hora, data e local em que terão lugar os atos de produção ou apresentação das provas, bem como as eventuais condições de participação desses sujeitos, através do formulário F, anexo ao Regulamento.

Entendemos que esta solução é lógica, pois o Regulamento assim dispõe em uma situação muito similar, a diferença é que nesta a causa é o pedido do Tribunal requerido para a participação dos sujeitos. Desse modo, parece desnecessária a utilização do Regulamento (CE) n.º 1.348/2000 para a simples comunicação das partes e dos representantes.

Como referimos acima, na obtenção de prova pelo Tribunal requerido, o Tribunal requerente pode fazer-se presente através de representantes [58], caso prevista tal possibilidade no ordenamento jurídico do seu Estado-Membro (artigo 12.º, n.º 1). No momento da transmissão do pedido, ou em qualquer outro momento oportuno, o Tribunal requerente informará o Tribunal requerido, em cumprimento à disciplina do artigo 4.º, alínea "g" (utilizando, portanto, o formulário A), que estarão presentes seus representantes, e, sempre que oportuno, que sua participação é requerida.

A exemplo do que ocorre com a participação das partes e representantes na obtenção da prova pelo Tribunal requerido, é este último que determinará as condições da participação dos representantes do Tribunal requerente, levando-se em conta a natureza do procedimento para obtenção da prova. A notificação dos representantes do Tribunal requerente segue as mesmas pegadas da notificação das partes, tendo, desta forma, o Tribunal requerido, utilizando o formulário F, que comunicar ao Tribunal requerente a data, hora e local da produção ou apresentação da prova desejada.

Anteriormente, analisamos as duas fases quase que simultâneas de juízo de admissibilidade do pedido de obtenção de prova pelo Tribunal requerido, porém existem algumas dificuldades que somente podem ser observadas no procedimento da obtenção da prova. São os vícios materiais do pedido. O artigo 14.º disciplina a recusa da execução por força destes vícios.

A primeira situação vislumbrada pelo Regulamento (artigo 14.º, n.º 1) lida com o privilégio ou proibição que uma pessoa tem para não prestar depoimento perante o Poder Judiciário sobre os fatos que lhe são perguntados.

A recusa da execução obedecerá ao privilégio ou proibição de depoimento contidos nos termos da legislação do Estado-Membro do Tribunal requerido ou então nos termos da legislação do Estado-Membro do Tribunal requerente, se estiver especificado tal privilégio ou dever de silêncio no pedido deste Tribunal, ou após confirmação posterior da testemunha, a rogo do Tribunal requerido.

Esta possibilidade de recusa é compreensível que seja oponível após o momento do juízo de admissibilidade do pedido, pois, na maioria das vezes, o privilégio ou a proibição de depor são conhecidas após o sujeito, que goza do privilégio, ou tem a obrigação do silêncio, informar ao Tribunal requerido de sua condição.

Aforante a possibilidade acima consignada, o pedido só pode ser recusado após o juízo de admissibilidade se: 1) não estiver abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento, contido no artigo 1.º (artigo 14.º, n.º 2, "a"); 2) ou se, nos termos da legislação do Estado-Membro do Tribunal requerido, a execução do pedido não fizer parte das atribuições do poder judicial (artigo 14.º, n.º 2, "b").

A primeira recusa é óbvia, porque se o pedido não fizer parte do objeto do Regulamento não pode ser disciplinado por ele. A segunda recusa goza de lógica semelhante à esposada anteriormente, pois se a execução do pedido não fizer parte das atribuições do Poder Judiciário, não existirá Tribunal competente, por decorrência não haverá aplicação do Regulamento, pois pressupõe-se a competência ratione loci e ratione materiae do Tribunal requerido.

Sendo o pedido recusado por um dos dois últimos motivos elencados acima, o Tribunal requerido terá 60 (sessenta) dias, contados da comunicação do pedido, para notificar a recusa ao Tribunal requerente, utilizando para tal o formulário G.

O Regulamento, seguindo orientação histórica sobre o tema, acabou por afastar a possibilidade de recusa de execução pelo Tribunal requerido com fundamento que sua legislação reclama competência exclusiva sobre a matéria objeto da ação. Já afirmamos em outras oportunidades que o Tribunal requerido não possui competência para conhecer sequer dos pressupostos processuais, eventuais condições da ação e mérito da causa.

Ultrapassadas todas as barreiras que poderão existir, e obtida a prova pelo Tribunal requerido, é necessário remeter a resposta do pedido ao Tribunal requerente, acompanhada de um documento comprovativo, expedido pelo Tribunal requerido, de confirmação da execução.

Se necessário, deve ser devolvido, no mesmo momento, os documentos enviados pelo Tribunal requerente quando da transmissão do pedido. Na resposta deve ser utilizado o formulário H.

Entendemos que a resposta deve estar compreendida no prazo de cumprimento do pedido (inicialmente de 90 dias), pois integra sua execução.

O Regulamento é silente na orientação do idioma a ser utilizado para redação da resposta e dos documentos que a acompanham. Pensamos, por dedução lógica, que deve ser utilizada a língua do Tribunal requerido, pois quem deve arcar com as custas da tradução da resposta são os interessados, que, em ultima ratio, é o Tribunal requerente.

Do mais, a disciplina do artigo 18.º orienta que nenhum reembolso de taxas ou custas deve ser cobrado pelo Tribunal requerido na execução do pedido, salvo para pagamento de honorários de peritos e intérpretes, custas resultantes da utilização dos procedimentos especiais solicitados pelo Tribunal requerente, ou em virtude da utilização de videoconferência ou teleconferência. Entendemos que o responsável pelo reembolso das custas elencadas é o Tribunal requerente, pois a relação estabelecida no Regulamento é entre Tribunais e não entre partes e Poder Judiciário. A disciplina do artigo 18.º, n.º 2, parte final, corrobora nosso entendimento, pois o dever das partes suportarem os honorários e as custas é regido pela legislação do Estado-Membro do Tribunal requerente. Portanto, o Tribunal requerido deve cobrar o reembolso ao Tribunal requerente, uma vez que não possui relação estabelecida com as partes.

Como não existe um formulário para a comunicação do reembolso dos honorários ou custas, o Tribunal requerido deve utilizar uma comunicação nos moldes, ou o mais próximo possível, de um formulário e informar da necessidade do reembolso como condição para envio da prova obtida.

Por fim, a disciplina do Regulamento sobre cooperação ativa do Tribunal requerido na obtenção de prova, de maneira geral, é magnífica em diversos aspectos, dentre eles, ressaltamos a celeridade e a desburocratização das formas e conteúdos como alicerce robusto do diploma comunitário.

Não podemos deixar de salientar o aperfeiçoamento introduzido prevendo situações novas, adequando-se ao avanço tecnológico e suprindo falhas constantes de diplomas internacionais, principalmente da Convenção de Haia de 1970.

6.2. Execução do pedido pelo próprio Tribunal requerente no território do Estado-Membro requerido.

O procedimento que ora estudaremos é considerado a verdadeira revolução na cooperação judicial transnacional. Sua inspiração histórica é a obtenção de provas pelos agentes diplomáticos e consulares, bem como pelo comissário, figura criada pela Convenção de Haia de 1970. O grande avanço festejado pela doutrina internacional e comunitária é a disciplina da obtenção de prova pelo próprio Tribunal requerente no território do Estado-Membro requerido e, ao mesmo tempo, a força vinculativa que o Regulamento imprime em relação a estes Estados, sem possibilidade de existir reserva sobre a matéria. Por estes motivos, o avanço do Regulamento é impressionante, aniquilando de vez o conceito clássico de soberania, em relação aos países da União Européia, e criando um novo paradigma.

A matéria é regulada pelo artigo 17.º do Regulamento. O procedimento é o seguinte: o Tribunal que requerer a obtenção de provas diretamente noutro Estado-Membro terá que apresentar nesse Estado um pedido à entidade central ou à autoridade competente para que esta autorize o Tribunal a realizar a busca em seu território. Para tanto, deve-se utilizar o formulário I.

No pedido dirigido à entidade central, o Tribunal requerente declarará expressamente que a obtenção de prova no território do outro Estado-Membro pautar-se-á de forma voluntária, ou seja, sem utilização de medidas de coerção, mesmo contra testemunhas.

No prazo máximo de 30 (trinta) dias, a entidade central deverá responder se aceita ou não a obtenção de provas por parte do próprio Tribunal requerente, bem como, em aceitando, estabelecer as condições de sua execução, segundo os requisitos das normas imperativas e dos impedimentos decorrentes da ordem pública de seu Estado-Membro [59], fazendo uso do formulário J.

Em outras palavras, o Estado-Membro abre suas "portas" ao Tribunal estrangeiro através da autorização dada pela Entidade central, antes disso é defeso ao Tribunal praticar qualquer ato processual dentro do território do Estado-Membro em causa sem o auxílio de um órgão judicial deste Estado. Essa exigência é aceitável, pois as fronteiras integram a constituição dos Estados e devem ser respeitadas enquanto oponíveis às autoridades estrangeiras, mas, não há dúvida de que, dada a autorização pela entidade central, a entrada dos representantes do Tribunal requerente está garantida e a obtenção das provas pode ser feita, sem coerção.

As causas de recusa por parte da entidade central para aceitar o pedido de obtenção de prova diretamente pelo Tribunal requerente podem ser três, segundo orientação do n.º 5 do artigo 17.º: 1) o pedido não faça parte do âmbito do Regulamento, de acordo com o artigo 1.º; 2) o pedido não contenha todas as informações necessárias, constantes do artigo 4.º; 3) e a obtenção de provas seja contrária aos princípios fundamentais da legislação do seu Estado-Membro. As duas primeiras causas foram exaustivamente analisadas anteriormente, por conta da execução do pedido pelo Tribunal requerido na fase do juízo de admissibilidade, e o mesmo aplica-se neste caso.

Como também já salientamos anteriormente, a terceira causa para recusa é bem pensada, uma vez que afasta os "blocking statutes" ou leis bloqueios como causa de recusa da obtenção direta da prova pelo Tribunal requerente, fazendo com que sejam analisados os princípios regentes do ordenamento jurídico, a ordem pública e a teleologia da prova a ser obtida no Estado-Membro requerido.

Se a entidade central recusar a obtenção direta de provas por motivos alheios aos apresentados, o Tribunal requerente terá direito a recurso ao Tribunal de Justiça Europeu.

Sendo aceita a obtenção direta, o Tribunal requerido enviará seu representante, que poderá ser um magistrado, um perito, ou qualquer outra pessoa, desde que a lei local preveja a possibilidade de atribuição de poderes para ela.

Sem prejuízo das limitações condicionantes da obtenção direta de provas expressamente impostas pela entidade central, o Tribunal requerente procederá a obtenção de provas de acordo com sua legislação.

A simplicidade deste procedimento não passa de mera aparência, pois a implementação da obtenção de prova direta em outro Estado-Membro parece criar barreiras rígidas pelas inovações que são investidas [60]. No entanto, os Estados-Membros devem se esforçar ao máximo para a harmonização e consolidação deste tipo de procedimento e prática, porque, por nossa análise, traz imensas benesses a todos os sujeitos envolvidos.

Em primeiro lugar, poupa tempo do Tribunal requerente, e permite que este utilize os meios de prova que entenda adequados, bem como a forma como procederá a busca da verdade; segundo, permite ao Tribunal competente do Estado-Membro requerido a economia de recursos, tanto financeiros como humanos, poupando trabalho que muitas vezes poderia causar um maior entupimento na corrente avalanche de processos que todos os Estados no mundo sofrem.

Enfim, a vigilância é necessária para prevenir os abusos, porém os benefícios com esta prática são tão impressionantes que este risco tão ínfimo torna-se verdadeiramente nulo.

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Sobre o autor
Antônio Carvalho Filho

Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO FILHO, Antônio. Obtenção transnacional de prova em matéria civil e comercial.: Análise da Convenção de Haia de 1970, da Convenção Interamericana de 1975 e do Regulamento (CE) nº 1206/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2420, 15 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14283. Acesso em: 5 nov. 2024.

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