6 O ISOLAMENTO PREVENTIVO E A INCLUSÃO PREVENTIVA NO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
Reza o artigo 60, caput, da LEP:
A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente. (Grifo nosso).
Como se pode perceber, o referido dispositivo legal prevê duas medidas extremas, quais sejam: a) O isolamento preventivo, que será decretado pela autoridade administrativa, ou seja, pelo diretor do presídio; e b) inclusão preventiva do ergastulado no "regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato; sendo que tal inclusão dependerá de despacho do juiz competente" [26]. (Grifos do original).
Essas medidas extremas podem ser aplicadas ao preso provisório ou definitivo, nacional ou estrangeiro, observado o prazo de até 10 (dez) dias, que será improrrogável, além de não ser admitida nova decretação pelo mesmo fato.
Relevantes são as considerações feitas ao tema por Renato Marcão (2007, p. 42):
Escoado o prazo, ou se determina a inclusão no regime disciplinar diferenciado, conforme regulado no art. 52, observadas as hipóteses autorizadoras (caput, §§ 1° e 2°), ou se restitui ao preso sua normal condição de encarcerado.
A inclusão preventiva no RDD é medida cautelar a ser decretada pelo juiz da execução, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, não se constituindo em distinta quarta hipótese de inclusão, apesar da confusa redação que foi dada ao dispositivo em comento.
Sua decretação reclama a constatação e demonstração, em despacho judicial fundamentado, de dois requisitos básicos: fumus boni júris e periculum in mora.
A inclusão preventiva, como pode parecer à primeira vista, não é cabível apenas na hipótese regulada no caput do art. 52. Poderá ser decretada para qualquer das três hipóteses autorizadas (caput, §§ 1° e 2° do art. 52 da LEP).
O tempo de isolamento preventivo ou de inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar, conforme estabelece o parágrafo único do art. 60 da Lei de Execução Penal [27].
Urge salientar que se o preso for submetido preventivamente ao RDD e depois ocorra a inclusão definitiva, tem que haver a detração, isto é, esse tempo de isolamento preventivo ou inclusão preventiva será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar. (LEP. art. 60, caput).
De modo mais claro, se for decretado o isolamento preventivo por 10 (dez) dias e depois de cumprido esse prazo, haja a inclusão definitiva do preso no RDD para ser cumprido no seu prazo máximo, ou seja, 360 (trezentos e sessenta) dias, serão descontados desse tempo o período de isolamento preventivo. Sendo assim, o preso terá que cumprir 350 (trezentos e cinqüenta) dias nesse tipo de regime.
Para que haja a inclusão preventiva no RDD, não é preciso a prévia manifestação do Ministério Público e nem da Defesa; no entanto, no caso da inclusão definitiva, é indispensável a prévia manifestação de ambos, sob pena de nulidade absoluta.
Nos termos do art. 196, da LEP, o Ministério Público e a Defesa terão o prazo de 3 (três) dias para se manifestarem.
A inclusão definitiva é de competência do juiz da execução penal, que não poderá decretá-la ex officio [28]. Guilherme de Souza Nucci, corroborando essa linha de pensamento, assevera que apenas o juiz da execução penal poderá decretar a inclusão do preso no RDD [29]. Já para Julio Fabbrine Mirabete, a competência vai depender do momento em que a sanção irá ser aplicada:
Ao mencionar no art. 54 o juiz competente para a aplicação da sanção de inclusão no regime disciplinar diferenciado, prevê a lei a possibilidade de ser competente outro juiz que não o juiz da execução, como o juiz do processo. Tratando-se de aplicação de sanção no curso do cumprimento da pena privativa de liberdade, competente será o juiz da execução. Se a falta for cometida no curso de prisão cautelar, a competência, em princípio, será do juiz do processo. (Grifo nosso) [30].
Por fim, nos termos do art. 54, §§ 1° e 2°, da LEP, somente o diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa (Secretário da Segurança Pública ou o da Administração Penitenciária), através da elaboração de um requerimento circunstanciado, é que poderá postular a inclusão no RDD. Sendo assim, após a manifestação obrigatória do Ministério Público e da Defesa sobre o requerimento, o juiz competente, repita-se, o da execução penal, terá o prazo de 15 (quinze) dias para prolatar sua decisão [31].
7 A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO SOB O ENFOQUE DA DOUTRINA
Conforme já dito no transcorrer deste trabalho, o regime disciplinar, instituído pela Lei n°. 10.792, de 1° de dezembro de 2003, derivou daquele criado no Estado de São Paulo através da Resolução SAP 26, de 04 de maio de 2001, cuja constitucionalidade foi logo questionada. "Não faltaram juristas para enfatizar: a Resolução viola a Constituição porque tratando-se de falta greve a matéria está afeta, exclusivamente, a lei ordinária, ademais é a Lei de Execução Penal que cuida de regulamentá-la" [32].
O regime disciplinar criado pela Lei n°. 10.792/ 2003, apesar de ter sido descende da mencionada resolução, não sofre nenhum vício formal; pois, antes de ser instituído, passou por um amplo debate parlamentar, além de várias audiências públicas que foram promovidas pela Constituição da Comissão de Justiça [33].
Assim, a doutrina é pacífica em afirmar que não há vício formal, concentrando-se em analisar se o RDD instituído na LEP, padece de algum vício material. Significa dizer que não se discute a sua forma de elaboração e sim o seu conteúdo, avaliando-se se este contraria alguma norma constitucional.
7. 1 Corrente que defende a inconstitucionalidade do regime disciplinar diferenciado
O RDD, desde que foi instituído na LEP através da Lei n°. 10.792/ 2003, tem sido alvo de severas críticas no que se refere a sua constitucionalidade.
Renomados juristas alegam que o RDD é inconstitucional, haja vista violar diversos preceitos estabelecidos na Constituição Federal, Tratados Internacionais de Direitos Humanos, além das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros.
Para a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Maria Thereza Rocha de Assis Moura (2004), o RDD fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF. art. 1°, III), a proibição de submissão dos presos a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (CF. art. 5°, III), além da garantia do respeito à integridade física e moral do preso (CF. art. 5º, XLIX); pois o aludido regime, ao isolar o preso por 22 (vinte e duas) horas diariamente, durante 360 (trezentos e sessenta) dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de 1/6 (um sexto) da pena aplicada, constitui um verdadeiro castigo físico e moral [34].
A grande dificuldade de se verificar se o RDD é uma forma de submeter o preso a tratamento cruel, desumano ou degradante, está no fato de que a Constituição Federal não apresenta definições, um conceito para essas formas de tratamento.
Como se sabe, "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais" (CF. art. 5°, § 3°).
Por essa razão, os defensores da inconstitucionalidade do RDD, freqüentemente, recorrem aos tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, para conceituar as supramencionadas formas de tratamento.
Desse modo, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, buscando demonstrar que o aludido regime é inconstitucional, uma vez que padece de vício material, evocou - além de outro mecanismo, que se revelará mais adiante - 2 (duas) Convenções: 1) A Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; e 2) A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura [35].
A primeira, na dicção do seu artigo 1º, estabelece:
Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram [36].
A segunda, no seu artigo 2º, dispõe:
Artigo 2º - Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica [37].
Conforme se vê, esses tratados também não definiram o que vem a ser "tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes". Contudo, apresentaram um conceito para tortura, o que possibilita afirmar que "sendo esta um extremo, aqueles seriam uma versão mitigada daquela, dada sua menor intensidade" [38]. .
Logo, devido às citadas Convenções, sem o auxílio de outros recursos, serem insuficientes para definir "tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes", o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária [39] recorreu, também, às Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros [40] que, nos seus artigos 31 e 32, estabelece:
31. Serão absolutamente proibidos como punições por faltas disciplinares os castigos corporais, a detenção em cela escura, e todas as penas cruéis, desumanas ou degradantes.
32. 1) As penas de isolamento e de redução de alimentação não deverão nunca ser aplicadas, a menos que o médico tenha examinado o preso e certificado por escrito, que ele está apto para as suportar.
2) O mesmo se aplicará a outra qualquer punição que possa ser prejudicial à saúde física ou mental de um preso. Em nenhum caso deverá tal punição contrariar ou divergir do princípio estabelecido na regra 31.
3) O médico visitará diariamente presos sujeitos a tais punições e aconselhará o diretor, se considerar necessário terminar ou alterar a punição por razões de saúde física ou mental. (Grifo nosso).
Como se observa, o isolamento celular deve ser aplicado apenas em casos excepcionais, sendo que o ergastulado obrigatoriamente deve ser submetido a acompanhamento médico, seja para autorizar a sua aplicação, seja para autorizar a sua continuidade, avaliando-se diariamente as condições de saúde física e mental do preso.
A Lei n° 10. 792/ 2003 não trouxe em seu bojo qualquer previsão de amparo médico ao preso submetido ao RDD. Desse modo, o referido regime é inconstitucional, pois há clara violação às Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros e ao artigo 5º, III, da Constituição Federal, "e presume-se que a aplicação da segregação individual resulta em crueldade, desumanidade e/ou degradação da pessoa encarcerada" [41].
7. 2 Corrente que defende a constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado
Assim como existe na corrente que defende a inconstitucionalidade do RDD, a que sustenta a sua constitucionalidade também é encabeçada por renomados juristas, cujos argumentos são bastante plausíveis. Entre eles está Guilherme de Souza Nucci que, refutando os argumentos externados no sub-tópico anterior, afirma que o RDD não constitui uma prática cruel, visto que não se deve combater os criminosos de alta periculosidade, que comandam o crime dentro e fora dos presídios, fazendo uso das mesmas ferramentas destinadas ao combate do delinqüente comum [42].
Como cediço, o crime organizou-se também dentro dos presídios de modo que os líderes das facções criminosas, mesmo estando presos, continuam administrando seus negócios. Por essa razão, o aludido autor advoga que o RDD é um mal necessário, um meio eficaz de combate ao crime organizado dentro dos estabelecimentos prisionais, não constituindo uma pena cruel [43].
Não é diverso o entendimento do Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, Marcelo Lessa Bastos que, defendendo a constitucionalidade do RDD, averbou:
Não se consegue compreender as críticas doutrinárias que são endereçadas ao isolamento absoluto de presos líderes de organizações criminosas, após se terem informações seguras de que continuam a comandar seus negócios. O isolamento é imperativo e é a única medida efetiva que se dispõe para neutralizar a ação dessas pessoas. Isto visa a enfraquecer a liderança da organização, contribuindo para dispersar o seu comando. Não há que se opor ao isolamento argumentos no sentido da função educadora da pena, porque tais pessoas, ainda que não possam perder este status de pessoas, ao contrário do que crê Jakobs, demonstram cabalmente que não estão querendo se ressocializar. Resta, pois, como forma legítima de proteção dos cidadãos, que igualmente têm o direito constitucional à segurança pública, isolar essas pessoas, pelo tempo necessário para neutralizar sua influência na organização a que pertença, nem que isto leve todo o tempo restante de sua pena. Sinceramente, as críticas endereçadas ao "RDD" não são racionais, são emotivas, e não resistem à análise cotidiana da escalada da criminalidade organizada, liderada de dentro das prisões. Só falta vir alguém sustentando que, como o condenado perdeu somente o direto de liberdade, há de conservar o direito subjetivo de trabalhar e, como o trabalho dele era na organização criminosa, é direito seu continuar a comandar seus negócios, o que seria um agudo e freudiano caso de desequilíbrio intelectual [44].
Márcio Thomaz Bastos, quando ainda era Ministro da Justiça, manifestou-se a respeito da constitucionalidade do RDD nos seguintes termos: "Eu não considero inconstitucional. Considero uma medida dura, uma medida que tem que ser usada com muito cuidado. Tem que ser reservada para chefes de quadrilha, mas não é inconstitucional" [45].
Outro argumento dos defensores da constitucionalidade do RDD é que hoje ele é o único meio eficaz para impedir que ocorram rebeliões e, também, combater o crime organizado dentro dos presídios.
Ademais, alegam que, na realidade, o que ocorre é um conflito aparente entre o respeito à dignidade do preso e a inviolabilidade do direito à vida e à segurança que o Estado deve garantir a todos [46].
Afirmam que o conflito é aparente porque, utilizando-se do método da ponderação de valores constitucionalmente protegidos, constata-se que não há colisão; pois, no caso concreto, a inviolabilidade do direito à vida e à segurança deve prevalecer sobre a dignidade do preso [47].