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Execução fiscal.

Do equívoco no entendimento da Lei nº 11.382/2006 aplicada à LEF

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PALAVRAS-CHAVE: execução fiscal, embargos, efeito suspensivo, subsidiariedade, razoabilidade, devido processo legal, contraditório.

RESUMO: O presente artigo, com fulcro na doutrina pátria, esclarece quanto ao efeito suspensivo automático produzido pelos embargos à execução fiscal, em respeito à legislação específica e aos princípios constitucionais da inafastabilidade jurisdicional, do contraditório e da ampla defesa e aplicação inequívoca da Lei de Execução Fiscal.


O estudo ora apresentado é fruto do VII Congresso de Direito Tributário em Questão organizado pela Fundação Escola Superior de Direito Tributário na cidade de Gramado/RS, tendo como foco a discussão jurídica acerca da aplicação da Lei de Execução Fiscal (Lei 6830/80) e subsidiariamente a nova Lei nº. 11.382/2006 aos processos executivos fiscais, especificamente ao efeito suspensivo conferido aos Embargos à Execução Fiscal.

A Lei de Execução Fiscal não diz expressamente qual efeito os embargos geram sobre a execução, entretanto, em seus artigos 18, 19 e 24, inc. I, há clara ocorrência de que a interposição dos embargos produzem efeito suspensivo automático, senão, veja-se, in verbis:

Art. 18. Caso não sejam oferecidos os embargos, a Fazenda Pública manifestar-se-á sobre a garantia da execução.

Art. 19. Não sendo embargada a execução ou sendo rejeitados os embargos, no caso de garantia prestada por terceiro, será este intimado, sob pena de contra ele prosseguir a execução nos próprios autos, para, no prazo de 15 (quinze) dias:

I - remir o bem, se a garantia for real; ou

II - pagar o valor da dívida, juros e multa de mora e demais encargos, indicados na Certidão de Dívida Ativa, pelos quais se obrigou, se a garantia for fidejussória.

Art. 24. A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:

I - antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos;

Como se vê o efeito suspensivo dos embargos decorre destes dispositivos e não, como dito por alguns aplicadores do direito, do código de processo civil, até porque a legislação específica sobrepõe-se à geral, esta que, poderia ter modificado a lei de execução fiscal, mas não o fez, cabendo apenas o seu uso subsidiário se houver omissão do dispositivo específico.

Os artigos 18 e 19 não deixam margem para maiores questionamentos quanto ao curso da execução, logo, a inaplicabilidade destes dispositivos, sobrepujando o Art. 739-A do Código de Ritos, consiste em verdadeira afronta ao devido processo legal, uma vez que o executado é coagido inconstitucionalmente a se afastar da jurisdição, onde viola o Art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal [01], pois não há segurança jurídica para discutir com isenção de parcialidade o objeto da execução.

Atualmente vem se instaurando nos processos executivos brasileiros um ambiente claustrofóbico, onde o executado vê-se coagido a pagar objeto da execução, ante a expropriação sumária de seus bens, não deixando margem para o exercício do direito constitucionalmente garantido, que são o contraditório e a ampla defesa, pois ante a situação instalada quem poderia defender-se, com razoabilidade, sendo compelido a pagar algo indevido, até que se prove o contrário.

Sabe-se que, se não bastasse o executado nomear bens para assegurar o juízo, agora, com a adaptação do Art. 739-A do Código Processual Civil aos processos executivos fiscais, tem-se este bem transformado em objeto de expropriação sumária a preços obrigatoriamente inferiores ao de mercado e, que, provavelmente, serão devolvidos pela Fazenda Pública através de um processo de conhecimento de perdas e danos, longo e inócuo, caso a execução seja improcedente. E, o que é pior, muitas vezes, sequer o processo administrativo ensejador da dívida ativa foi juntado aos autos, restando um juízo precipitado, pois, obstaculariza a busca da verdade material dos fatos e gera mais dívidas a União.

Destarte, evidente a necessidade de análise do mérito das demandas jurídicas fiscais para que, após, formado um juízo de valor fundamentado, sendo improcedentes os embargos, proceda-se a venda dos bens dos executados, porém, enquanto não ocorre o julgamento final da lide não há o que se aplicar legislação genérica em favor somente daquilo que beneficia a Fazenda Pública, quando há uma norma específica às execuções fiscais.

O equívoco normativo ocorre quando os bens do executado são penhorados para garantir o juízo, mas interpretados como "empréstimo" de verba a União, sob o fundamento de sua solvência, com a promessa de que os valores serão devolvidos a posteriori, gerando, assim, inconsequentemente, uma dívida insolúvel, pois que os precatórios vêm se avolumando a cada ano, como se vê no exemplo da venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil, que foi bloqueada, em liminar, a transferência de R$ 5,3 bilhões, sob o fundamento de que a dívida, somente do Estado de São Paulo, é de R$ 30 bilhões em precatórios, na maioria aposentados e pensionistas [02].

Em verdade, enquanto perdurar a discussão do mérito da demanda em sede de embargos, ainda carente de julgamento, havendo a expropriação antecipada dos bens ofertados em garantia ao juízo, ocasionando seqüelas irreparáveis aos executados, por conseguinte, também lesionando a Fazenda Nacional, quando poderá ser compelida a arcar com indenização de inestimável valor, consistirá em evidente inafastabilidade da jurisdição.

Neste lamiré, cogente trazer à baila o Princípio do in dubio pro contribuinte [03], ou seja, se a sentença terminativa nos embargos à execução ainda não foi exarada, configura-se impossível a procedência da execução definitiva da execução fiscal, uma vez que ainda resta evidente a discussão acerca dos fatos geradores ensejadores da CDA em sede de defesa do executado.

Além disso, deve ser levada em consideração a boa-fé dos contribuintes, a possibilidade ou não de insolvência do executado, ante o cumprimento de suas obrigações tributárias e a existência de execuções em desfavor do executado, quer dizer, a presença de indícios que fundamentam a venda antecipada dos bens do executado, instalando-se, de fato, uma execução definitiva, embora pendente de julgamento os embargos executórios.

E, neste sentido, exsurge a necessidade do processo executivo ser dirigido sempre imbuído do Princípio da Segurança Jurídica, do Contraditório e da Ampla Defesa, e da aplicação de Justiça, consoante preconiza a doutrina pátria, veja-se: A justiça e a segurança têm sido referidas como os únicos elementos que, no direito, escapam à relatividade no tempo e no espaço. [...] Em outras palavras, sistema normativo que não tende a preservar a justiça, nem a segurança, efetivamente, não é Direito. [04]

Neste diapasão, cogente demonstrar, consoante já entende a maioria da doutrina pátria, que a Lei 11.382/06 não alterou a Lei de Execuções Fiscais, esta que sempre norteou os julgados executivos, posto que o Código de Ritos aplica-se apenas SUBSIDIARIAMENTE aos processos de execução fiscal, onde não houve conflitos na legislação específica.

O que se observa nas mais recentes interpretações à novel legislação ordinária (Lei 11.382/06), de forma equivocada, é uma intenção a sempre favorecer a Fazenda Pública, sacrificando o Principio do Devido Processo Legal, do Contraditório e da Ampla Defesa.

Corroborando com a tese acima declinada, translada-se as lições de grande jurista do Direito Tributário Brasileiro, Hugo de Brito Machado Segundo [05], que preconiza o momento da discussão acerca da garantia do juízo é posterior ao julgamento dos embargos, pois estes paralisam o curso da execução, como se vê, in verbis:

[...] o CPC aplica-se à execução fiscal de forma subsidiária, vale dizer, somente naquilo em que a lei específica for omissa e reclamar preenchimento, e não há omissão quanto ao efeito suspensivo dos embargos. É conferir, primeiro, os artigos 17 e 18, segundo os quais, se houver embargos, a Fazenda será intimada para impugná-los. Se não forem oferecidos, a Fazenda será intimada para se manifestar sobre a garantia da execução. Isso significa que toda discussão em torno da garantia (e, por conseguinte, de seu emprego na satisfação do débito) é paralisada pela oposição dos embargos, sendo postergada para quando de seu final julgamento.

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Em idêntico sentido, lecionam os ilustres juristas brasileiros, Hugo de Brito Machado [06] e Sacha Calmon Navarro Coêlho [07], acerca do efeito suspensivo produzido pela interposição dos embargos à execução fiscal, pois afirma que este efeito jamais resultou da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, mas, com certeza, dos dispositivos da Lei 6830/80, uma vez que esta é lex specialis¸ não podendo ser revogada por lex generalis (CPC), confere-se, ipsis litteris, respectivamente:

A Lei 6.830/80 não alberga dispositivo a dizer expressamente que os embargos produzem efeito suspensivo. Entretanto em seus artigos 18, 19, 24, inciso I, e 32, § 2º, deixa bastante clara a ocorrência desse importante efeito dos embargos, o que nos autoriza a dizer que, no âmbito da execução fiscal a interposição de embargos do executado produz efeito suspensivo automático.

Os embargos à execução fiscal, mesmo após a vigência da Lei 11.232/2005, continuam possuindo efeito suspensivo. Afinal, a execução fiscal é a única ação do gênero manejada com um título executivo constituído unilateralmente pelo credor. Não se conferindo efeito suspensivo aos embargos, estar-se-ia legitimando a excussão do patrimônio particular sem o devido processo legal, o que fere não apenas a LEF, mas a própria Constituição.

Assim como, em suma maestria, posiciona-se o Ilustre Professor e Especialista em Direito Financeiro e Tributário, Dr. Kiyoshi Harada [08] acerca da suspensão da execução enquanto estiverem pendentes de julgamento os embargos, pois a aplicação de uma miscigenação dos regimes de execução trazidos pela LEF e pelo CPC, geraria um sistema híbrido para cobrança do crédito tributário, ofendendo o princípio da isonomia e do devido processo legal, translada-se a breves palavras do Mestre para um melhor entendimento da tese ora apresentada, verbum ad verbum:

Não há, na verdade, omissão na LEF se interpretada de forma sistemática.

O § 1º do art. 16 da LEF condiciona o recebimento dos embargos à prévia garantia da execução, ao passo que, na execução em geral, o executado poderá apresentar embargos independentemente de penhora, depósito ou caução (art. 736 do CPC). Garantida a execução o juiz poderá atribuir "efeito suspensivo aos embargos, quando relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado dano de difícil ou incerta reparação" (§ 1º do art. 739-A do CPC).

Não é admissível essa tentativa, aliás, com sucesso parcial, de mesclar os regimes de execução geral e de execução específica, para buscar a aplicação apenas da parte das novidades introduzidas no estatuto processual genérico, isto é, aplicação das disposições do CPC somente naquilo que favorecer a Fazenda.

Por estas fundamentações apresentadas, com, inclusive, ressonância doutrinária, resta evidente que o Art. 739-A do CPC não se aplica à Lei de Execuções Fiscais, pois diante da resolução da antinomia, prevalece o método de solução da especificidade, em detrimento da generalidade, até porque a novel legislação ordinária não adveio com o condão de alterar a Lei de Execuções Fiscais, embora esteja sendo assim interpretada e aplicada, equivocadamente, por parcela da jurisprudência.

E, por isso, que as jurisprudências nos tribunais brasileiros precisam retomar a sua órbita os dispositivos da Lei de Execução Fiscal, aplicando acertadamente a especificidade das normas e respeitando o principio ao contraditório e da ampla defesa em toda a esfera jurisdicional, no que pertine ao efeito suspensivo automático produzido pelos embargos à execução fiscal.


Notas

  1. Art.5º. [...]
  2. XXXV – a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

  3. Fonte: http://www.conjur.com.br/2009-mar-09/juiza-bloqueia-dinheiro-venda-nossa-caixa-pagar-precatorio
  4. CTN. Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
  5. I - à capitulação legal do fato;

    II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

  6. Radbruch, Gustav. Filosofia do direito, trad. do Prof. L. Cabral de Mendonça, 5ª Ed. Armênio Amado: Coimbra, 1974. p.162.
  7. in A arrematação Irretratável e o Devido Processo Legal. www.scribd.com
  8. in Aplicação Subsidiária do CPC às Execuções Fiscais: Prazo para Interposição e Efeito Suspensivo dos Embargos. in Direito Tributário em Questão: Revista FESDT/Fundação Escola Superior de Direito Tributário. v.1, n. 1. Porto Alegre: FESDT, 2008. p. 75/85.
  9. in A execução fiscal administrativa. in Execução fiscal / coordenador Ives Gandra da Silva Martins; conferência inaugural José Carlos Moreira Alves. 2. tir. São Paulo: Revista dos tribunais: Centro de extensão univrsitária, 2008.
  10. HARADA, Kiyoshi.Execução fiscal. Aplicação das normas processuais genéricas apenas no que concerne ao interesse da Fazenda; Jus Navegandi, Teresina, ano 12, n. 1924, 7 out. 2008. www.jus.com.br
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Sobre a autora
Alessandra Teixeira Joca de Albuquerque Moura

Advogada especialista em direito tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Alessandra Teixeira Joca Albuquerque. Execução fiscal.: Do equívoco no entendimento da Lei nº 11.382/2006 aplicada à LEF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2407, 2 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14292. Acesso em: 16 abr. 2024.

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